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Questão:

A autonomia da América Portuguesa foi


conquistada ou Concedida?

Universidade Federal da Bahia - FFCH

Professora Doutora: Patrícia Valim

Discente: Gustavo Cainã de Noves Rego


Após o regime de capitanias demonstrar não ser a melhor alternativa no
controle da colônia, D. João III deliberou a instalação de um governo geral, sua
sede na Bahia, não se deu por acaso mas por ação estratégica de manutenção
do território após o assassinato do seu capitão donatário por indígenas, além
de oferecer boas condições mesmo que com distancias desiguais dos
extremos da ocupação portuguesa na costa da colônia, daí, se fez valer o
“cumpra-se” de D.João III com a nomeação de Tomé de Sousa de acordo com
o regimento de 17 de dezembro de 1548, onde deveria edificar uma fortaleza
de povoação grande e forte num lugar conveniente. A historiadora Katia
Matoso evidencia uma Salvador de grande importância para o império
Português visto sua posição estratégica junto ao mar que propiciava o
comercio e administração por via marítima, que a época era o meio de
comunicação e transporte mais rápido e eficiente, além de ser o principal meio
de ligação com a coroa1. Além disso, Patricia Valim em sua tese de doutorado
defende que o solo fértil e propicio à plantação de cana em sistema de
latifúndios e a instalação de grandes engenhos, além de proporcionar a
produção de alimentos e produtos necessários a manutenção da colonial e do
funcionamento do sistema de produção, como o fumo, o algodão
principalmente a farinha de mandioca, além de prover alimentos para territórios
além mar, foi de fundamental importância para o processo de territorização da
capitania da Bahia.2 No entanto, o desenvolver da cidade e sua localização
geográfica estratégica não foram o bastante para impedir a transferência da
sede do Vice-Reinado para a capitania do Rio de Janeiro no período Pombalino
(1750-1777), mas entretanto, a transferência da capital não eliminou a
importância e o poder administrativo da capitania da Bahia, continuando a
exercer poder e não se tornando subalterna a nova sede do Vice-Reinado,
mesmo com a crise de exportação do açúcar baiano durante 1770-1780, até
que a capitania se tornasse de fato uma cidade-capital da colônia e o principal

1
MATTOSO, Kátia. Bahia opulenta: uma capital portuguesa no Novo Mundo (1549-
1763). In: Da Revolução dos Alfaiates à riqueza dos baianos no século XIX: itinerário
de uma historiadora. Salvador, Corrupio, 2004, PP. 281-298.

2
VALIM, Patrícia. D. Fernando José de Portugal e Castro e a Corporação dos
enteados. In: Corporação dos enteados: tensão, contestação e negociação política na
Conjuração Baiana de 1798. Tese de Doutorado, DH\FFLCH\USP, 2013, pag 37
porto sul do atlântico sul, rompendo com a idéia de centralidade política do
novo Vice-Reinado.

No entanto, tal importância como sede da administração colonial despertou a


necessidade de um controle mais intensificado da região para prevenir
problemas à coroa, tais quais a “falta de limpeza de mãos”, para isso, a coroa
designava oficiais para fiscalizar o seu desenvolvimento, como o vice rei D.
Fernando José e Castro em 14 de outubro de 1801, o qual as ordens deveriam
se fazer cumprir pelos governadores de capitania, “exceto se fossem contrarias
às da Secretaria de Estado ou do Conselho Ultramarino, ou do notório
interesse do Real-Serviço, e que são obrigados a dar-lhe conta dos seus
governos” 3. Declaradas Cartas Régias como a de 14 de novembro de 1724
onde se ordena que:

“...os ditos governadores são subordinados ao Governador Geral, e


que hão-de-obedecer a todas as ordens que ele lhes mandar, dondo-
lhes o cumpra-se, e executando-as assim as que lhe fôresm dirigidas
a eles, como aos mais Ministros de Justiça, Guerra, ou Fazenda, e
para que o tenham entendido, lhe mandei passar Cartas que o dito
Governador leva em sua companhia para lhes remeter com sua
ordem, e lhes ordenará as mandem registrar nos Livros de minha
Fazenda, e Câmaras, de que lhes enviarão certidões para me dar
conta de como assim se executou”. 4

No entanto, essa organização hierárquica de poderes gerou conflitos entre


governadores e autoridades acentuados pela coroa portuguesa, que favorecia
e dava poder à capitanias gerando conflito e desunião nas relações de poder,
se mantendo sempre no topo da hierarquia administrativa. 5 Conflitos que
chegavam por vezes a se fazer necessários avisos sobre a organização de
como deveriam se dar os governos na colônia, como esse fragmento do
Regimento de 1677 sobre o provimento do Diretor da Costa da Mina,

3
Comentários de d. Fernando José de Portugal e Castro, governador da Capitania da
Bahia, ao Regimento de Roque da Costa Barreto de 1677. Pag 805
4
Idem pag 804-805
5
VALIM, Patrícia. D. Fernando José de Portugal e Castro e a Corporação dos
enteados. In: Corporação dos enteados: tensão, contestação e negociação política na
Conjuração Baiana de 1798. Tese de Doutorado, DH\FFLCH\USP, 2013, pag 47
comentado por d.Fernando de José de Portugal e Castro no capítulo 39º, onde
repete dando ênfase a subordinação das capitanias ao Vice-Rei:

É certo que no Aviso do Secretário de Estado Francisco Xavier de


Mendonça Furtado, de 4 de fevereiro de 1765, dirigido ao Vice-Rei
Conde da Cunha (Documento nº 64) e os Governadores interinos da
Capitania da Bahia (32), sobre a dúvida que entre ambos ocorrera à
cerca do provimento do Diretor da Costa da Mina, que êle provera,
se diz que os Vice-Reis da Bahia, posto que tenham a denominação
de Vice-Rei de todo o Estado, não proviam os postos, nem
governavam nas outras Capitanias, em que havia Governadores
imediatos a Sua Majestade. 6

De modo que se pode perceber o quão complexo o jogo de interesses e as


ações dos governadores e autoridades da colônia, sobretudo entre a atual sede
do Vice-Reinado e Salvador, que era uma cidade extremamente influente e
poderosa frente ao Rio de Janeiro. Portugal assim governava a colônia
liberando concessões e vetando outras, controlando a autonomia dos agentes
administrativos locais, mantendo o conflito interno, no entanto, esses conflitos
mantinha um clima de insatisfação, que fomentava a idéia de uma maior
autonomia de emancipação colonial, e para tanto se realizavam diversos
esforços, mas cabe então a questão, essa dita autonomia administrativa era
conquistada pelos agentes ou cedida pela cora?

O concedido poder estratégico da administração colonial dos Vice-Reis e


outros funcionários Régios era sempre e constantemente fiscalizado pela
coroa, pois:

“ se por um lado, as extensas atribuições e poderes dos vice-reis e


governadores lhes conferiam o controle de setores estratégicos da
administração colonial: fazenda, guerra, igreja e justiça, por outro, a
própria coroa portuguesa criava mecanismos de controle desses
poderes, como as Relações, as juntas de justiças e de fazenda;
órgãos que funcionavam como contrapeso à concentração de

6
Comentários de d. Fernando José de Portugal e Castro, governador da Capitania da
Bahia, ao Regimento de Roque da Costa Barreto de 1677. Pag 806
poderes nas mãos desses funcionários régios, especialmente os
vice-reis” 7

Mas o poder da coroa se faz ceder na rigidez dos seus órgãos de controle, e
mesmo que não totalmente acaba por conferir poder administrativo, como no
caso de Frutuoso Vicente Viana, como quando:

“A existência de uma forte organização mercantil financiadora da


produção para exportação justifica a articulação dos negociantes da
Bahia com senhores de engenho e lavradores com o objetivo de
solicitarem ao governador e a coroa portuguesa a extinção da Mesa
de Inspeção em razão dos arbítrios cometidos por seus oficiais,
especialmente em relação à perda do monopólio sobre o comércio
dos escravos167. Ocorre que se a coroa portuguesa cedeu em
alguns momentos às reivindicações dos negociantes da Bahia,
dessa feita, a coroa portuguesa manteve sua determinação, pois
além de a Mesa da Inspeção não ter sido abolida, o âmbito da sua
ação, com o tempo, foi ampliado168. Apesar de a coroa portuguesa
não ter cedido à pressão política desse grupo, alguns desses
homens, signatários de importantes reivindicações enviadas à coroa
portuguesa ao longo do século XVIII, foram designados por Provisão
Régia a ocupar postos na própria Mesa de Inspeção e nomeados
administradores na Bahia da Companhia dos Vinhos do Alto Douro,
criada em 10 de setembro de 1752” 8

Ou seja, na situação colonial ao qual esses administradores estavam


submetidos pela coroa não lhes bastava apenas a posse do capital, mas a
atribuição de cargos públicos possibilitava que esses agentes trabalhem agora
a favor dos interesses da coroa, um cargo administrativo que lhe possibilitava
maior autonomia concedida pela coroa mas não sem esforço, em uma relação
onde ambos os lados ganham com a aquisição de postos administrativos, e
evidentemente, a coroa mantem seu controle e defesa de seus interesses.
Além disso, comerciantes e negociantes que chegavam à Bahia buscavam a
governança local e alianças, a fim de garantir seus interesses, isenção de

7
VALIM, Patrícia. D. Fernando José de Portugal e Castro e a Corporação dos
enteados. In: Corporação dos enteados: tensão, contestação e negociação política na
Conjuração Baiana de 1798. Tese de Doutorado, DH\FFLCH\USP, 2013, pag 48
8
Idem pag 50
taxas, favorecimento em disputas comerciais e proteção de seus negócios,
para isso buscavam contrair matrimonio com as filhas da elite local, se fazendo
valer do capital de a alta rentabilidade de seus investimentos, oferecendo aos
membros da administração local empréstimos e oportunidades de negócios,
evidenciando o poder político-econômico da aristocracia local.

“Em 1796, por exemplo, José Pires de Carvalho e Albuquerque emprestou


gratuitamente a Real Fazenda 50 mil cruzados para o pagamento das
despesas das esquadras que deviam comboiar os navios mercantes para
9
Lisboa.”

Dessa maneira, se torna evidente que a concessão e a conquista de autonomia


e de cargos administrativos entre a Real Coroa, agentes administrativos e
demais autoridades se da de maneira mais horizontalizada, negando a visão de
uma coroa totalmente controladora e tentacular (embora não deixasse de ter
controle), para uma relação onde o poder esta menos centralizada e mais
distribuída em níveis e instancias diferentes, hierarquicamente organizada. Um
jogo politico de reconhecimento mútuo de capacidades e papeis entre colônia e
metrópole, onde, no entanto, em sua maioria dos casos prevalece os
interesses da coroa, fazendo valer seu “cumpra-se”, onde sempre termina por
lucrar com a riqueza da produção na colônia e do lucro mercantil.

Bibliografia:

VALIM, Patrícia. D. Fernando José de Portugal e Castro e a Corporação dos enteados.


In: Corporação dos enteados: tensão, contestação e negociação política na
Conjuração Baiana de 1798. Tese de Doutorado, DH\FFLCH\USP, 2013, capítulo 1.
PDF

MATTOSO, Kátia. Bahia opulenta: uma capital portuguesa no Novo Mundo (1549-
1763). In: Da Revolução dos Alfaiates à riqueza dos baianos no século XIX: itinerário
de uma historiadora. Salvador, Corrupio, 2004, PP. 281-298.

9
Idem pag 58
SOUSA, Avenete Pereira. A centralidade/capitalidade econômica de Salvador no
século XVIII. In: SOUZA, Evergton Sales, MARQUES, Guida, SILVA, Hugo R. (Orgs.).
Salvador da Bahia: retratos de uma cidade atlântica. Salvador: EdUFBA/Lisboa:
CHAM, 2016, pp. 99-125

Comentários de d. Fernando José de Portugal e Castro, governador da Capitania da


Bahia, ao Regimento de Roque da Costa Barreto de 1677.

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