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1) O prof. Paulo Cristiano da Silva em seu artigo “Dulia, Hiperdulia e Latria” argumenta
que a distinção de latria e dulia é apenas teórica, mas não existe na prática. A prática
de culto dos católicos aos santos e a Deus é rigorosamente a mesma. E o que importa
nessa questão é a prática quando se trata de adoração.
3) Argumenta-se que São Pedro recusou o culto manifestado por Cornélio (Atos 10,25)
e um anjo recusou o culto prestado por São João (Apocalipse 19).
4) Argumenta-se que Santo Agostinho ensina que não se deve prestar culto religioso
aos santos e anjos (cf. De vera religione, cap. 55).
5) Argumenta-se, ainda, que Santo Agostinho diz que a construção de templos faz
parte do culto de latria (cf. De Civitate Dei, lib. VIII, cap. 27), enquanto que os católicos
constroem altares e templos em homenagem aos santos. É famosa a Basílica de São
Pedro no Vaticano e a Basílica de Nossa Senhora Aparecida em Aparecida do Norte -
SP.
A Igreja ensina que os santos devem ser adorados com culto de dulia, enquanto Deus
e somente Ele deve ser adorado com culto de latria. Modernamente, os teólogos e o
Magistério preferem utilizar a palavrar “adorar” exclusivamente ao culto de latria,
enquanto “venerar” foi restringido ao culto de dulia. Nessa exposição a palavra
“adorar” será utilizada em sentido lato, como um gênero que inclui as duas espécies
dos referidos cultos, e não em sentido estrito.
Definição de adoração/culto
Por sua vez, o que é honra? Segundo o conceito clássico honra é testemunho
manifestado (reconhecimento) pela excelência de alguém (cf. Aristóteles, Ethica
Nicomachea, 1.12; Santo Tomás, Commentarium. Ethica Nicomachea 1.12, lect.18 n.
20, ST II-II.103.1c).
Excelência encerra a idéia de perfeição. Assim, no caso dos seres humanos, estará,
principalmente, ligada à virtude, isto é, na linguagem aristotélica “hábito de escolher
conforme a reta razão” e “disposição de um ser perfeito” (cf. ST III, q.85, a.1).
Espécies de adoração/culto
O culto civil considera nos homens a excelência natural, pela qual eles nos são
superiores. Subdivide-se em:
- culto individual: "Um ser, com efeito, pode manifestar sua excelência e superioridade
de diversas maneiras e em diferentes esferas. Ele pode ser superior, eminente, por
seu valor pessoal. É um gênio cuja ciência é imensa, cujas instituições são
maravilhosas, e que abre ao conhecimento humano horizontes até então
insuspeitados; é um herói, cujo caráter e energia se impõem à admiração de todos e
que pela perspicácia e poder de sua vontade triunfou de dificuldades inauditas; ou é
mais simplesmente um colosso, cuja constituição física e cujos músculos de aço,
lembram os gigantes antigos: valor intelectual, valor moral, força física se impõem aos
demais e dão origem a um sentimento de admiração mesclado de deferência e de
respeito, que é um culto. Estes heróis arrastam facilmente atrás de si aos demais, e o
vínculo que submete aos seus ascendentes as multidões é um culto (culto individual)"
(A. CHOLLET, loc. cit., col. 2404).
- culto familiar: "Um homem pode ser superior pela função que ele desempenha na
família; é um pai; fundou um lar, governa-o com a autoridade que lhe advém do
contrato solene feito com sua esposa perante Deus, ou do fato da procriação de seus
filhos. A mulher e os filhos reconhecem a autoridade dele, respeitam-no, e lhe
testemunham sua submissão ou sua piedade filial. É ainda um culto (culto familiar)".
(A. CHOLLET, loc. cit., cols. 2404-2405).
- culto social: "Se um homem tem uma missão social e ocupa na nação um cargo que
o torna chefe de seus concidadãos, estes reconhecem nele a autoridade e o prestígio
que o cerca, e manifestam publicamente deferência por sua pessoa: eles praticam
desse modo atos de um culto real (culto social)" (A. CHOLLET, loc. cit., col. 2405).
A Bíblia apresenta alguns exemplos sobre o culto social: "Joab, prostrando-se por
terra sobre o seu rosto, adorou e felicitou o rei." (II Reis, 14,22); "Inclinando-se
Betsabé profundamente, adorou o rei." (III Reis, 1,16); "O profeta Natã... veio perante
o rei, inclinando-se o adorou." (III Reis 1, 23)
O culto religioso, por sua vez, "é um reconhecimento da perfeição divina, da eminente
superioridade e excelência de Deus sobre todas criaturas. Estende-se também ao
reconhecimento das superioridades emanadas de Deus na sociedade religiosa, seja
natural (a sociedade humana), seja sobrenatural (a Igreja), seja preternatural (a
sociedade angélica)" (A. CHOLLET, loc. cit., col. 2405). Assim, “conhecer e proclamar
a excelência de Deus e dos ministros que Ele constituiu para nos conduzir a Ele,
testemunhar respeito e submissão às pessoas sagradas ou às pessoas divinas é
praticar o culto religioso". (A. CHOLLET, loc. cit., col. 2405).
O culto religioso subdivide-se em: culto de latria e o culto de dulia. Santo Agostinho foi
o primeiro teólogo a delinear detidamente essa distinção. Entre outras passagens, diz:
“Veneramos, então, aos mártires com o culto do amor e companhia, que nesta vida os
homens santos de Deus também são tributados, cujo coração percebemos que está
disposto a sofrer o martírio para a verdade do evangelho... O que é propriamente o
culto divino, que os gregos chamam de latria, e para o qual não existe uma palavra em
latim, tanto na doutrina, quanto na prática, damos somente a Deus”. (Contra Faustum
Manichaeum, lib XX, cap. 21) E ainda: “Mas que o Espírito Santo não é uma criatura, é
muito simples por aquela passagem acima de todos os outros, onde somos ordenados
para não servir a criatura, mas ao Criador, não no sentido em que somos ordenados a
“servir” um ao outro pelo amor, que é douleuein [dúlia] em grego, mas naquele em que
só Deus é servido, que está latreuein [latria] em grego”. (De Trinitate, lib I, cap. 6).
O culto de latria
Santo Agostinho nota que esse culto pertence à oferta de sacrifícios (cf. Contra
Faustum Manichaeum, lib. XX, cap. 21). Em outra obra, acrescenta outras práticas
restritas ao culto de latria, como construir templos, ordenar sacerdotes e ritos
sagrados. (cf. De Civitate Dei, lib. VIII, cap. 27). Definamos esses pontos.
Santo Tomás traz definições importantes sobre o conceito de latria. Diz “a latria, que é
a adoração a Deus como o começo de todas as coisas, é o dever do homem nesta
vida” (cf. Contra Impugnantes, part 1). Explica que há dois modos de considerar a
servidão da latria, isto é, “consiste em servi-lo em preferência a tudo; a outra servidão
consiste em tender para ele como para o nosso fim último”. (Super Evangelium
Matthaei, cap. 4, lectio 1 - Mt 4, 10) Diz ainda que latria “consiste principalmente em
sacrifícios e oblação, pelos quais o homem reconhece que Deus é o autor de todos os
bens”. (Super Epistulam ad Romanos, 1, 20-25) Ademais, diz: “E como Deus é não
somente causa e princípio de nosso ser, mas também dono absoluto do mesmo, e
tudo o que temos lhe devemos, e por isso é verdadeiramente Senhor nosso, tudo o
que fazemos em sua honra se chama serviço. Ademais, Deus é senhor não
acidentalmente, como um homem o é de outro, mas por natureza”. (Summa contra
Gentiles, lib III, 119) Ademais, comenta: “o sacrifício externo é uma representação do
sacrifício interior, segundo o qual a mente humana se oferece a si mesma a Deus. E
se oferece a Ele como a quem é princípio de sua criação, autor de seus atos e fim de
sua bem-aventurança”. (Summa contra Gentiles, lib III, 120).
Após todos esses elementos apresentados, vamos definir o culto de latria com São
Roberto Bellarmino no seguinte sentido: “a suprema submissão, e inclinação da
vontade com a apreensão de Deus, como primeiro princípio e fim último, e, portanto o
supremo bem” (De controversiis Christianae Fidei, tomus 2, cap. XV).
É possível estudar sobre o culto de latria sob a ótica da virtude, de modo que
compreendamos de onde deriva o culto que devemos a Deus.
A Justiça “consiste em dar a outrem o que lhe é devido, conforme a igualdade”. (Santo
Tomás, ST II-II, 80, 1, resp.). Anexa à virtude da Justiça há a virtude da religião.
O homem não pode retribuir a Deus, em plano de igualdade, tudo o que dEle recebeu,
como diz o salmista: Que retribuirei ao Senhor por tudo que ele me concedeu?"
(Salmo 115,3). Por isso, oferece-lhe, em retribuição, respeito, homenagem e culto, o
que pertence à virtude da religião. É a primeira virtude anexa à justiça (cf. ST II-II, 80,
1, resp).
Sobre o que é religião, deixemos que o Doutor comum responda extensamente sobre
o tema: “Para entender o significado da religião, precisamos conhecer a etimologia da
palavra. Santo Agostinho, em seu livro De vera religione considera que é derivado de
re-ligare (para re-ligar). Uma coisa está ligada a outra, quando está tão unida a ela,
que não pode se separar e se unir a qualquer outra coisa. A palavra re-ligação, no
entanto, implica que uma coisa, embora unida a outra, começou, em certo grau, a se
desconectar dessa outra. Agora toda criatura existia, originalmente, mais em Deus
do que em si. Pela criação, no entanto, ela saiu de Deus e, em certa medida,
começou, em sua essência, a ter uma existência separada dEle. Portanto, toda
criatura racional deveria se reunir a Deus, a quem estava unida antes de existir à parte
dEle, assim como “no lugar de onde vêm os rios, eles voltam a fluir novamente”
(Eclesiast. I.). Portanto, Santo Agostinho diz (De vera religione): "A religião nos reúne
ao Deus Todo-Poderoso". Encontramos a mesma idéia expressa no comentário da
Glosa, nas palavras "por Ele e por Ele" (Rom. Xi. 36). O primeiro vínculo pelo qual o
homem se une a Deus é o da fé. Pois “quem vem a Deus deve crer” (Heb. Xi. 6).
Latria, que é a adoração a Deus como o começo de todas as coisas, é o dever do
homem nesta vida. Portanto, a religião, primariamente e principalmente, significa latria,
que torna a adoração a Deus pela expressão da verdadeira fé. Santo Agostinho faz a
mesma observação em seu De civitate Dei (livro 10), onde diz: “Religião significa não
adoração de nenhum tipo, mas adoração a Deus”. Cícero, em sua antiga retórica, dá
quase a mesma definição de religião. Ele diz que "a religião é aquela que apresenta
certas homenagens e cerimônias a uma natureza superior, que os homens chamam
de natureza divina". Portanto, tudo o que pertence à verdadeira fé e a homenagem da
latria que devemos a Deus são os primários e principais elementos da religião. Mas, a
religião é afetada, de maneira secundária, por tudo pelo qual manifestamos nosso
serviço a Deus. Pois, como Santo Agostinho diz em seu Enchiridion, “Deus é adorado
não apenas pela fé, mas também pela esperança e caridade. Portanto, todos os
ofícios de caridade podem ser chamados de obras religiosas. Nesse sentido, São
Tiago diz (i. 27): “A religião limpa e imaculada diante de Deus e do Pai é esta: visitar
os órfãos e a viúva em sua tribulação” etc”. (Contra Impugnantes, part 1).
Assim, em sentido estrito e direto, como virtude especial, não devemos culto de
religião aos santos e outras pessoas, mas tão somente a Deus. Mas tal definição
difere da outra que foi dada anteriormente, onde se pretendia antes distinguir o culto
religioso do culto civil, portanto, tenha-se presente que a mesma expressão é tomada
em distintos sentidos aqui e ali. Para mais sobre o tema, leia a resposta ao argumento
4 dos adversários.
O culto de dulia
Santo Tomás ensina com mais clareza: "A dulia pode ser tomada em duplo sentido. --
Primeiro, em sentido geral, quando tributa reverência a qualquer pessoa, em razão de
uma certa excelência. E então inclui a piedade filial, o respeito e qualquer outra
virtude, que tenha por fim prestar reverência a outrem". (ST II-II, 103, 4, resp).
"Se das razões objetivas do culto passamos a suas manifestações subjetivas, vê-lo-
emos ainda tomar várias formas e se diversificar. Distinguiremos, por exemplo, o culto
interno e o culto externo. O primeiro é o que se passa inteiramente ao fundo da alma.
É uma linguagem na qual, dirigida pela vontade e o coração, a razão exprime a Deus
a submissão, e a veneração da alma. Mas estes sentimentos íntimos podem se
traduzir externamente por palavras, atos ou sinais sensíveis, como a genuflexão, a
inclinação da cabeça, as mãos juntas, levantadas ou estendidas (à maneira dos
orantes antigos), os ósculos, as prosternações do corpo. Estes sinais se tornam então
um culto externo, se estão organizados em um cerimonial completo e sagrado, fixado
pela autoridade religiosa, constituem a liturgia. Relações estreitas, análogas às
relações da alma e do corpo, vinculam entre si o culto interior e exterior. Este procede
daquele, manifesta-o, é o seu desabrochamento e complemento. A devoção interior da
alma tem uma tendência espontânea a se manifestar externamente por sinais
religiosos; tem com eles uma relação de causa e efeito”. (A CHOLLET, loc. cit., cols.
2410-2411)
A conveniência dos atos corporais para o culto divino é explicada por Santo Tomás no
seguinte sentido: “Pois vemos pela experiência que nossa alma se vale de atos
corporais para se excitar ao conhecimento e ao afeto. Isto manifesta, pois, a
conveniência de que nos sirvamos de certas coisas corporais para elevar nossa mente
a Deus”.
Ademais, explica que o culto interior é principal: “Porque dizemos que rendemos culto
a uma coisa quando mediante nossas obras pomos nela nosso interesse. Assim, ao
prestar a Deus nosso interesse mediante nossos atos, não o fazemos em proveito seu,
como quando rendemos culto às outras coisas como com nossas obras, mas o
fazemos em promeito próprio, acercando-nos por esses atos a Ele. E como pelos atos
interiores tendemos diretamente a Deus, resulta que com isso propriamente lhe
rendemos culto; não obstante, os atos exteriores também pertencem ao culto divino,
posto que por eles se eleva nossa mente a Deus, segundo temos dito”. (Summa
contra Gentiles, lib. III, cap. 119)
Os atos externos, em si mesmos, não comprovam o culto de latria, eis que todos os
atos externos são comuns a outras espécies de adoração, com exceção do sacrifício,
e tudo aquilo a ele relacionado, isto é, templos, altares, sacerdócio e ritos sagrados,
como vimos em Santo Agostinho. Assim, o ato externo não é especialmente próprio e
essencial, pois inclusive pode ser manifestado em zombaria, como os soldados
romanos perante Jesus Cristo (cf. Mateus 27, 29). O que é essencial é o ato da
vontade pelo qual somos inclinados interiormente à profissão da excelência infinita e
divina e nossa sujeição, seja por um ato externo ou não.
A razão da adoração de anjos não pode ser relacionada ao culto civil, eis que não se
deve à excelência natural, mas, por evidente, à excelência espiritual.
- "E tendo Abrahão levantando os olhos, appareceram tres homens que estavam em
pé junto a ele. Tanto que elle os viu, correu da porta da tenda a recebel-os; e
prostrado em terra os adorou" (Gênesis, 18, 2)
- "Sobre a tarde chegaram os dois anjos a Sodoma, e a tempo que Lot estava
assentado as portas da Cidade. Tanto que elle os viu, levantou-se, e saiu a recebel-os,
e prostrado por terra os adorou" (Gênesis, 19, 1)
- "No mesmo ponto abriu o Senhor os olhos de Balaão, e elle vi o Anjo parado no
caminho com a espada desembainhada, e prostrado por terra o adorou" (Números, 22,
31)
- "Tira, lhe disse elle, o calçado de teus pés: porque o logar em que estás, é sancto.
E Josué fez como se lhe havia mandado." (Josué, 5, 16)
O lugar foi dito santo em razão da presença do anjo, pois Josué não estava em local
sagrado, mas nas planícies de Jericó. Josué tirou o calçado em sinal de culto.
- "E quando Abdias estava em caminho, Elias se encontrou com elle: e Abdias tendo-o
conhecido, se prostrou com o rosto em terra, e disse: És tu, Elias meu senhor?”. (III
Reis, 18, 7)
Tal ato não se poderia considerar como culto civil, pois no que diz respeito à
excelência humana, Abdias era maior que Elias, pois este último era um homem
privado, enquanto Abdias era um dos príncipes do rei. Portanto, Abdias adorou Elias
como um profeta, e homem de Deus, em razão de sua excelência espiritual.
- "Vendo pois os filhos dos Prophetas, que estavam em Jericó defronte, disseram: O
espirito de Elias repousou sobre Eliseu. E vindo sair-lhe ao encontro, se prostraram
por terra a seus pés com profundo respeito" (IV Reis, 2, 15)
Mais um caso em que só pela noção de culto religioso pode ser definido.
Daniel, um prisioneiro, foi adorado por um rei supremo. Portanto, o rei adorou Daniel
através de culto religioso como um homem cheio de Deus.
- Na Epístola do Martyrium Polycarpi, escrita por volta do ano 250, pode-se ler:
“Contudo, o invejoso, o perverso e o mau, o adversário da geração dos justos, vendo a
grandeza do seu testemunho e de sua vida irrepreensível desde o início, vendo-o
ornado com a coroa da incorruptibilidade e conquistando uma recompensa
incontestável, procurou impedir-nos de levar o corpo, embora muitos de nós o
desejassem fazer e possuir sua carne santa. Ele sugeriu a Nicetas, pai de Herodes
e irmão de Alce, que procurasse o magistrado, a fim que ele não nos entregasse o
corpo. Ele disse: "Não aconteça que eles, abandonando o crucificado, passem a
cultuar esse aí." Dizia essas coisas por sugestão insistente dos judeus, que nos
tinham vigiado quando queríamos retirar o corpo do fogo. Ignoravam eles que não
poderíamos jamais abandonar Cristo, que sofreu pela salvação de todos aqueles que
são salvos no mundo, como inocente em favor dos pecadores, nem prestarmos culto a
outro. Nós o adoramos, porque é o Filho de Deus. Quanto aos mártires, nós os
amamos justamente como discípulos e imitadores do Senhor, por causa da
incomparável devoção que tinham para com o rei e mestre. Pudéssemos nós
também ser seus companheiros e condiscípulos!... Desse modo, pudemos mais tarde
recolher seus ossos, mais preciosos do que pedras preciosas e mais valiosos do
que o ouro, para colocá-los em lugar conveniente. Quando possível, é aí que o
Senhor nos permitirá reunir-nos, na alegria e contentamento, para celebrar o
aniversário de seu martírio, em memória daqueles que combateram antes de nós, e
para exercitar e preparar aqueles que deverão combater no futuro. (cap. XVII)
- São Justino diz: “A ele e ao Filho, que dele veio e nos ensinou tudo isso, ao exército
dos outros anjos bons, que o seguem e lhe são semelhantes, e ao Espírito profético,
nós cultuamos e adoramos, honrando-os com razão e verdade”. (Apologia I, 6)
- São Basílio diz: “A Igreja urge aqueles nesta vida pelo fato de que ela honra aqueles
que foram antes deles” (Orat. in S. Mamantem) E ainda: “a honra, que mostramos aos
nossos bons servos de si mesmo, oferece o sinal de boa vontade ao nosso Senhor
comum” (Orat. in quadraginta martyres)
- São Gregório de Nissa em sua oração sobre Teodoro, o mártir, disse que a honra
que é dada aos mártires supera às honras que se prestam aos reis: “Para qual rei foi
mostrata tal honra? Quem deles, que só parecem se sobressair dos homens de uma
maneira, é celebrado com tal memorial? Qual imperador foi cantado e celebrado com
tal relato, como este pobre soldado, um recruta, Tyro, a quem Paulo armou, a quem os
anjos ungiram, a quem Cristo coroou?”.
- São João Crisóstomo diz: “Você não venera por um lado os santos mais antigos, e
por outro os mais recentes, mas todos eles com o mesmo ardor... E os mártires que
veneramos, eles adoram.... É por isso que os visitamos frequentemente, adoramos
seus túmulos”. (hom. De sanctis Juventino et Maximo).
- São Cirilo de Alexandria diz: “Não dizemos que os santos mártires se tornaram
deuses, mas habitualmente consideramos eles dignos de toda honra” (In Julianum, lib
6).
- Teodoreto diz: “Pois nosso Senhor trouxe seus mortos para o lugar de seus deuses,
os quais ele aboliu totalmente e deu sua honra aos mártires”. Ainda: “Mas nós, ó
homens gregos, não corremos com sacrifícios nem oferendas de bebidas, ao invés
nós honramos eles como homens santos e amigos de Deus” (ad Graecos, lib. 8).
- São João Damasceno diz: “É apropriado honrar os santos como amigos de Cristo,
como filhos e herdeiros de Deus”. (de fide Orthodoxa, 4, 16).
- Santo Ambrósio diz: “Quem quer honrar os mártires honra a Cristo também, e aquele
que despreza os santos, despreza o Senhor” (Serm. 6)
- São Máximo diz: “Todos os mártires devem ser devotamente venerados, mas
especialmente aqueles cujas relíquias possuímos”. (serm. de natali sanctorum Octavii,
Aventoris et Solutoris, Martyrum).
- Prudêncio sobre Santo Hipólito diz: “Sempre que eu me curvava em oração aqui, um
homem doente de alma e corpo, eu ganhava”. (Peristephanon Hymn, 11)
- Paulino sobre a natividade de São Felix diz: “Roma, possuindo os altares de são
Pedro e São Paulo, alegrou-se em se abrir em honra deste Deus”. (Carmen I). E
ainda: “Em cuja honra Deus se alegra, porque o mártir tinha desprezo por sua própria
honra”. (Carmen VIII)
- São Jerônimo diz: “Honramos os servos para que sua honra recaia sobre o Senhor”
(in epist. ad Riparium). E sobre a vida de Paula diz: “Adeus, Ó Paula, e ajude o seu
adorador com suas orações”. E no mesmo livro ele diz que Paula, quando visitou os
eremitas, habitualmente estava prostrada aos pés de cada para que ela pudesse
venerá-los, como se ela venerasse Cristo em cada um deles.
- Santo Agostinho diz: “A multidão das nações adoram (adorat) o mais abençoado
Pedro, o pescador, de joelhos”. (serm. 1 de Sanctis Petro et Paulo). E ainda: “Mostre-
me em Roma um templo de Rômulo realizado em tão grande honra como eu mostro o
memorial de Pedro. Quem é honrado em Pedro, exceto aquele que morreu por nós?”
(Enarrationes Psalmos 44 [45]) E mais: “Veneramos (colimus), então, aos mártires
com o culto do amor e companhia” (Contra Faustum Manichaeum, lib. XX, cap. 21) E
mais: “Quando Jacó se apresentou a ele (Esaú), adorou-lhe (adoravit) de longe.
Como, então, o maior servirá ao menor, se está vendo que o menor adora (adorare) o
maior?” (Sermo 5).
- Papa são Gregório diz que São Pedro apareceu para um certo Teodoro enquanto
este estava pendurando vejas em uma igreja dedicada ao próprio Pedro, interpretando
Gregório que São Pedro mostrava aprovar a veneração que lhe era manifestada (cf.
Diálog. 3, 24).
1) Não é verdade que a prática de cultos dos católicos a Deus e aos santos seja a
mesma. Primeiramente, é preciso observar que os católicos não oferecem sacrifícios,
ordenam sacerdotes e constroem templos aos santos. Portanto, a prática ainda que
materialmente é diversa. Ademais, como explicamos na nossa exposição,
praticamente todos os atos externos, em si mesmos, não comprovam o culto especial
que se deve dedicar a Deus. Assim, de nada serve demonstrar que quase todos os
atos externos que os católicos prestam a Deus, também prestam aos santos, pois o
culto é distinto, essencial e naturalmente, pelo ato interno, que é a alma do externo, e
o único que podem praticar os anjos. O culto é, antes de tudo, uma apreensão
intelectual, combinada com a inclinação da vontade em sujeição. O ato externo é,
portanto, elemento secundário, ordenado para o interno, para que a inteligência do
homem seja provocada aos atos espirituais.
2) Não é verdade que a prática de se ajoelhar perante homens e anjos lida na História
Sagrada representa meramente um cumprimento cultural. Como explica o exegeta
protestante Edwin Yamauchi: “A prostração era um ato comum de auto-humilhação
realizado diante de parentes, estranhos, superiores e especialmente perante a
realeza... Seguindo o protocolo egípcio, os irmãos de José fizeram reverência diante
dele (Gênesis 42: 6; 43:26, 28), cumprindo assim seu sonho (Gênesis 37: 7, 9, 10)”.
(Theological Wordbook of the Old Testament, Vol. I, ed. R. Laird Harris, et al.
(Chicago: Moody Press, 1980), pp. 267-269). O Dictionnaire de Théologie Catholique
também explica: “A adoração, προσκυνήσις, nos povos orientais, era uma marca de
respeito que consistia em se ajoelhar a dois joelhos e a se prostrar ante a terra diante
uma pessoa que se pretendia venerar. Beijamos os pés dessa pessoa ou tocamos o
chão com a cabeça na frente dela. A prática de adorar não apenas os deuses, mas os
reis e grandes personagens existia entre os egípcios. F. Vigouroux, La Bible et les
découvertes modernes, 6ª edit., Paris, 1896, t. II, p. 145-146” (A. Chollet. Dictionnaire
de Théologie Catholique, (verbete adoration), Letouzey et Ané, Paris, 1923, tomo I)
A famosa Bíblia Protestante King James Version em 1 Crônicas 29,7 utiliza a seguinte
tradução: “and worshipped the Lord, and the king”. A Bíblia protestante João Ferreira
de Almeida traduz Josué 5, 14 do seguinte modo: “Então, Josué se prostrou sobre o
seu rosto na terra, e o adorou...” (um anjo). São Jerônimo em sua Vulgata traduz para
adorat/adoravit passagens mencionadas nas provas. Ele estava bem familiarizado
com a cultura dos hebreus. O próprio Calvino chama de adoração os exemplos
bíblicos, como referimos.
4) Como foi dito na nossa exposição, “religião” pode ser entendida em sentido estrito,
como virtude especial, confundindo-se com a latria, e assim está certo Santo
Agostinho quando diz que o culto de religião não se deve a anjos e santos. Mas a
mesma expressão pode ser tomada em sentido lato, significando qualquer culto
relacionado à excelência espiritual ou sobrenatural criada, ou ainda mais largo...
Explica o próprio Santo Agostinho: "Segundo o latim vulgar, não apenas entre os
ignorantes como também entre os cultos, se diz que a religião deve ser manifestada
aos parentes e afins e em qualquer necessidade. Este termo não evita ambiguidades
quando se atribui ao culto de Deus, pois não se pode com certeza afirmar que o termo
religião se atribua só a este culto (cultu)”. (De Civitate Dei, X) O próprio Santo
Agostinho diz que os cristãos “celebram o memorial dos mártires com solenidade
religiosa (religiosa solemnitate)” (Contra Faustum Manichaeum XX, cap. 21).
Além disso, o culto prestado aos santos, indiretamente, está relacionado à virtude da
religião, uma vez que a “devoção que se tem aos santos, vivos ou mortos, não termina
neles, mas chega até Deus, pois os veneramos como representantes de Deus” (ST II-
II, 82, 2 ad 3) A questão 82 era “Se a devoção é um ato de religião”, onde Santo
Tomás demonstrava que sim.
5) Sobre esse argumento propomos duas soluções. Primeira: Basílicas são templos
dedicados a Deus em memória e em nome de um santo, como dizemos que o
sacrifício da Missa é oferecido a Deus em ação de graças pela glória de um santo
específico. Segunda: templos e basílicas não são sinônimos. A edificação se diz
templo se construída em razão do sacrifício a Deus, ou basílica se erigida para ornar o
sepulcro e em atenção à comodidade dos visitantes das relíquias. Lápide dizemos
altar sob a razão de sacrifício ou túmulo (ou sepulcro) enquanto cobre os ossos de
algum mártir.
Santo Agostinho sobre o tema explica: “E nós nem construímos templos a nossos
mártires como se fossem deuses, mas memoriais (monumentos) como a homens
mortos, cujo espírito vive com Deus; nem lhe erigimos ali altares em que sacrifiquemos
aos mártires, mas ao único Deus dos mártires e nosso. E nesse sacrifício se lhes
nomeia segundo a ordem e lugar que lhes corresponde, como homens de Deus que
venceram ao mundo confessando sua fé”. (De Civitate Dei, XXII, 10). Num sermão,
junto ao sepulcro de Cipriano, Santo Agostinho diz: “Com efeito, não temos levantado
um altar a Cipriano como a um deus, mas que temos feito de Cipriano um altar para o
verdadeiro Deus”. (Sermone 313A). Sobre o mártir Santo Estevão: “Nós não temos
levantado neste lugar um altar para Estevão, mas, com as relíquias de Estevão, um
altar a Deus”. (Sermone 318).
Santo Agostinho faz menção expressa das basílicas: “Testemunhos são disso os
santuários dos mártires e as basílicas dos Apóstolos” (De Civitate Dei, I, 1). E ainda: “o
jovem cristão Cinérgio, fora sepultado na basílica do bem-aventurado confessor da fé,
Félix”. (De cura pro mortuius, 1)