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A MÍDIA E A MANIPULAÇÃO DA OPINIÃO:

UM CASAMENTO AMIGÁVEL?

DANIELE DE OLIVEIRA

Pós-Graduação em Estudos Linguísticos


Faculdade de Letras
Universidade Federal de Minas Gerais

danieleoliveira@yahoo.com

A quase-interação mediada
A comunicação na mídia possui características especiais que a distingue de
outras formas de interação, o que em parte se deve à tecnologia empregada em sua
difusão. Os eventos comunicativos em geral possuem parâmetros espaço-temporais
próprios. Tal não ocorre nos eventos comunicativos midiáticos, uma vez que a produção
do texto ocorre em espaço e tempo distintos dos da recepção desses textos. Dessa
forma, pode-se dizer que o texto midiático pode ser consumido em vários lugares e
tempos diferentes. A revista impressa, por exemplo, pode ser lida em qualquer lugar:
em casa, em uma biblioteca, no trabalho, em um consultório etc. Além disso, hoje em
dia o que é produzido para a mídia em determinado país, é facilmente espalhado por
todo o mundo.
Com isso, os eventos comunicativos midiáticos podem ser vistos como uma
corrente comunicativa. Como acontece com a revista impressa que pode ser lida quando
o leitor quiser. Ela pode ser entendida como um arquivo que poderá ser acessado a
qualquer momento e não apenas à época de sua publicação.
É importante ressaltar que os textos da mídia “conectam” o domínio público e o
domínio privado. O material publicado em uma revista em geral é proveniente do
domínio público, como acontecimentos políticos ou culturais e, em contrapartida, é lida,
ou consumida, no domínio privado.
No entanto, a mídia procura preencher o espaço que há entre as condições de
produção da mídia pública e as condições de consumo privadas da mídia, envolvendo o
ethos e o estilo comunicativos que direcionam para prioridades, valores e práticas da
vida privada. Além de incluir a adoção de uma linguagem pública coloquial, que varia
de acordo com seus objetivos.
A mídia impressa utiliza-se do canal visual, da língua escrita, além de fotos e
design gráfico. É, ainda, mais impessoal se comparada ao rádio e à televisão. De fato,
diferentes tipos de comunicação midiática envolvem diferentes categorias de

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participantes. A revista impressa pressupõe jornalistas, leitores, além de vários outros
pertencentes ao domínio público, como políticos, esportistas etc.
As formas de ação e de interação, assim como os tipos de relacionamentos
sociais, foram reinventados com o desenvolvimento dos meios de comunicação. De
fato, atualmente, a interação pode acontecer mesmo que dois indivíduos não ocupem o
mesmo espaço físico, ainda que não se encontrem em um mesmo país! E dessa forma as
novas formas de interação apresentam características distintas das da interação face a
face, por exemplo.
Thompson (2008) distingue, portanto, três formas de interação:
1) interação face a face: os participantes dividem um mesmo espaço físico, em
um contexto de co-presença, além de partilharem um mesmo sistema referencial
de espaço e tempo.
2) interação mediada: aqui a interação é mediada por um meio técnico (papel,
fios elétricos, ondas eletromagnéticas etc.) que permite a transmissão de
informação para indivíduos situados remotamente no espaço, no tempo, ou em
ambos. Exemplos: cartas, conversas telefônicas etc.
3) quase-interação mediada: interações sociais estabelecidas pelos meios de
comunicação de massa, como livros, jornais, rádio, televisão, internet etc.
Pode-se dizer que há duas diferenças fundamentais entre a quase-interação
mediada e os outros dois tipos de interação. Primeiro, na quase-interação mediada não
há um interlocutor específico, como acontece na interação face a face e na interação
mediada. De fato, na quase-interação mediada, o emissor transmite determinada
informação para inúmeros receptores potenciais, não há como controlar e/ou direcionar
os receptores dessa informação. Além disso, a quase-interação mediada é monológica,
ao contrário das outras duas que são dialógicas. Dito de outra forma, “o fluxo da
comunicação é predominantemente de sentido único” (THOMPSON, 2008, p. 79),
como acontece com a leitura de uma revista. Nesse caso, o remetente não exige e, em
geral, não recebe uma resposta direta e imediata.
Ressalte-se, no entanto, que alguma forma de resposta pode acontecer, como na
costumeira seção de cartas ao leitor ou até mesmo pelo e-mail do autor de determinada
reportagem. O que estamos apontando é que tal resposta não constitui elemento
fundamental para o estabelecimento da quase-interação mediada, como no caso de uma
conversa ao telefone na qual a ausência de resposta imediata implica em uma
interrupção brusca da interação. De qualquer forma, não se pode falar em troca
comunicativa em seu sentido estrito, pois o leitor envia sua carta ou e-mail dias (ou
semanas) após a publicação da revista e, além disso, essa troca não ocorre em tempo
real, o que provavelmente levou Thompson a denominá-la “quase-interação”.
A atividade jornalística e a opinião
As funções básicas da atividade jornalística são, de acordo com Beltrão (1980): a
informação, a orientação e a diversão.
A informação constitui “o relato puro e simples de fatos, idéias e situações do
presente imediato, do passado ou do vir-a-ser possível/provável, que estejam, no
momento, atuando na consciência coletiva” (BELTRÃO, 1980, p. 13), ou seja, trata-se
da base da atividade jornalística que é difundir dados.

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A orientação é “o esforço de interpretar a ocorrência, tirando conclusões e
emitindo juízos com o objetivo de provocar a ação por parte daqueles aos quais a
mensagem é dirigida” (BELTRÃO, 1980, p. 13). De fato, a orientação é uma forma de
interpretação, ou ainda, um enquadramento teórico e/ou ideológico que, em última
instância, permite a expressão da opinião. E é esta última, a opinião, que tem por
objetivo induzir os leitores à ação, orientando-os. Ainda de acordo com o mesmo autor,
“o jornal tem o dever de exercitar a opinião” (1980, p. 14, grifo nosso), ou seja, para ele
essa é uma “função vertical do jornalismo”, mas, destaca o autor, deve ser cumprida
com honestidade e dignidade, não deve, pois, haver distorções dos fatos informados.
E, por fim, a diversão ou entretenimento que é “um meio de fuga às
preocupações do quotidiano ou costumeiro (...) um preenchimento dos lazeres com algo
reparador do dispêndio de energias reclamado pela própria atividade vital de informar-
se” (BELTRÃO, 1980, p. 13). Em outras palavras, são as seções tais como palavras-
cruzadas, horóscopos, charges que, em geral, devem se adaptar à sua época e,
principalmente, à sociedade na qual estão inseridos.
A opinião é, pois, definida por Beltrão (1980, p. 14) como a “função psicológica,
pela qual o ser humano, informado de ideias, fatos ou situações conflitantes, exprime a
respeito seu juízo”. E para formar esse juízo, o sujeito opinante precisa estar munido da
informação sobre o objeto em questão. E aqui estamos entendendo a informação como
uma percepção do real, sem a qual não se pode opinar.
Sendo assim, poder-se-ia dizer que as opiniões são análogas às crenças e às
ideias? De acordo com Marías, não. A crença pode ser entendida como algo
inquestionável, já que “não se enuncia (...), nem sequer dela se tem consciência
expressa; orienta a vida na medida em que nos apresenta a realidade de certo modo”
(MARÍAS, apud BELTRÃO, 1980, p. 15). A opinião, por sua vez, é expressa, o que
deixa claro a diferença entre a opinião e a crença. E se a ideia pode ser entendida como
a representação mental de algo concreto ou abstrato, então ela se assemelha à opinião,
embora não devam ser confundidas uma com a outra. De fato, não ter opinião sobre
algo não significa não ter ideia sobre esse mesmo fato, significa apenas que tal sujeito
não se posicionou sobre esse tema, independentemente do motivo: seja por falta de
interesse ou ainda de elementos suficientes para opinar. Em geral, os sujeitos falantes
expressam suas opiniões sobre os temas que despertam interesse para sua vida.
E é justamente por isso que a opinião é considerada um ato individual que ocorre
em determinado grupo social. Dessa forma, a própria noção de opinião pública deve ser
entendida como um conjunto de opiniões individuais. E, uma vez que a opinião é
desenvolvida em um grupo, exige-se determinadas opiniões sobre determinados temas,
o que permitirá o bom funcionamento da vida em sociedade.
Mesmo que a opinião seja um ato individual, é possível que ela seja
compartilhada por muitos membros de uma sociedade ou, até mesmo, por todos eles, o
que caracteriza uma opinião comum ou geral. Mas basta que seja a opinião da maioria
para que se configure uma opinião geral. E essa maioria, de acordo com Marías (apud
BELTRÃO, 1980), é constituída pelos que “fazem profissão de opinar”, os
“connaisseurs”, ou seja, aqueles que expressam sua opinião como conhecedores de
alguma matéria, seja política, literatura, música, teatro, comportamento humano etc.
Dessa forma, a opinião geral em determinada sociedade é o resultado de uma

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“estimativa geral” de tudo o que é “particularmente estimado”, do que é importante em
dado campo do conhecimento.
Com isso, a opinião geral, também denominada dominante, em sua maioria,
nasce em circuitos reduzidos, por exemplo, um jornal de prestígio pode configurar um
setor de opinião pública. A opinião particular é, portanto, orientada por esse jornal, o
que, consequentemente, delineará a opinião geral. É, pois, a associação da liberdade de
expressão do jornal à passividade do corpo social no qual está inserido que permite que
dada opinião se espalhe e se torne opinião comum.
O que nos permite perceber a instabilidade como mais uma das características
da opinião dominante em uma sociedade. Uma opinião rígida e inflexível sugere uma
sociedade também imóvel; sua fugacidade, uma inconsistência social; e
a variação com ritmo das opiniões, sua fácil contraposição, a
flexibilidade com que se discutam, se enfrentem e se corrijam, a
passagem de cada indivíduo de uma para outra são fenômenos que
denunciam a vitalidade e a saúde de um organismo social (MARÍAS
apud BELTRÃO, 1980, p. 18).
A sociedade contemporânea exige que a opinião seja publicada, seja amplamente
divulgada, o que é feito principalmente pelos meios de comunicação, como imprensa,
rádio, televisão, internet. E essa importante função é desempenhada pelo jornalista ou
ainda por quem desempenhe tal atividade, o que orientará o homem e, portanto, a
sociedade em que vivemos.
A opinião
Essencialmente atrelado à sociologia, às ciências políticas e da informação e,
ainda, à psicologia social, o conceito de opinião pública não é estável. Nos séculos
XVIII e XIX, associava-se a opinião à razão aplicada no julgamento de uma questão de
interesse geral; no final do século XIX e início do XX, a opinião era associada a
sentimentos e emoções dos populares que eram manipuladas e expressas por greves ou
manifestações de rua; por fim, a opinião pública é concebida atualmente via estatísticas,
são os estudos quantitativos que mostram, que evidenciam a vontade da população.
De um modo geral, a opinião é expressa pela mídia, seja impressa ou falada, pela
Internet e ainda, eventualmente, pelos homens políticos. Tanto a mídia quanto os
políticos são, pois, responsáveis pela veiculação da opinião que emerge em determinada
sociedade.
No entanto, há que se ressaltar o caráter aproximativo das sondagens
jornalísticas, o que permite inferir que possivelmente a opinião veiculada na mídia é, no
máximo, um registro da opinião expressa em determinada época. Tal qual uma
fotografia que apenas registra um certo momento.
Atualmente, pode-se observar uma separação entre a classe política, os sujeitos
ativos, e a opinião, “instância testemunha que assiste ao „espetáculo‟ e interpreta a sua
significação” (LANDOWSKI, 1992, p. 22). A opinião é também política se se pensar
que é ela que faz agir os membros da “classe política” por meio da sua “competência”
persuasiva. E é justamente por isso que a opinião deve ser observada mais detidamente:
é ela que determina, em última instância, as ações políticas.

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De acordo com Landowski (1992) não se pode confundir a noção de opinião
com a de seus sinônimos aparentes
por oposição ao público, disperso numa multidão de construções de
subúrbio e que, simples coleção de indivíduos, justapõe uma série de
unidades sob a forma de uma totalidade partitiva, a Opinião (no caso
ausente) só pode ser concebida como unidade molar, um actante
coletivo propriamente dito – numa palavra, como uma totalidade
integral (1992, p. 24).
Sendo assim, o público, incluído aí os eleitores, define a equipe governante de
forma pontual, a saber, nas eleições com seu voto. Já a opinião, quando existe, pode
interferir nas atitudes dos dirigentes a qualquer momento. A ausência da opinião pública
pode significar tranquilidade para a classe política, ou ainda, enfraquecimento da
própria vida pública.
E se a opinião intervém nas ações dos agentes políticos e ainda nas convicções
do auditório, pode-se dizer com Landowski (1992) que a opinião não é manipulada,
mas, na verdade, a grande manipuladora.
Há que se destacar ainda os “porta-vozes da opinião”, ou seja, aqueles que
exercem uma função interpretativa em relação à opinião. Os jornalistas são os
responsáveis tanto por transmitir aos governantes (“fazer conhecer”) os anseios do
povo, suas reações, quanto por informar ao público (“fazer compreender”) sobre a
significação e as razões das condutas políticas. Ainda de acordo com Landowski “a
„opinião pública‟ não é apenas uma figura da história que se conta, ela tem ligação
direta com os sujeitos da comunicação em busca da sua própria identidade” (1992, p.
40).
No entanto, jornalistas e políticos podem utilizar-se de estratégias para se impor
à opinião pública. Uma delas seria invocar a opinião para tentar influenciar nas ações de
outros sujeitos, ou seja, antecipa-se possíveis juízos da coletividade. O que torna a
mídia e os atores políticos capazes de manipulações intersubjetivas.
É, portanto, a opinião que vai legitimar a identidade coletiva de referência
construída pelos que atuam no terreno político, e, consequentemente,
a opinião pública cumpre nesse contexto uma função discursiva precisa:
encarnação reconhecida do destinador social, ela representa uma das
principais figuras, em referência às quais se define e, por assim dizer, se
mede a legitimidade do „Poder‟ (LANDOWSKI, 1992, p. 42).
A reflexão sobre a opinião pública, em Análise do Discurso, nos remete ainda à
noção de representação social que, por sua vez, nos remete aos conceitos bakhitinianos
de dialogismo e de interdiscurso.
De acordo com Bakhtin, a linguagem é essencialmente dialógica e,
consequentemente, a opinião, expressa pela linguagem, também o é. O caráter dialógico
da linguagem pode ser entendido como sua própria constituição. Em todo ato
linguageiro pode-se perceber uma voz outra, um discurso outro, além da voz e do
discurso do próprio enunciador. E se cada discurso é composto também pelo discurso
do outro, remetemo-nos ao conceito de intertextualidade, que é a presença de outros
textos em determinado texto.

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A opinião pública é, pois, também constituída dialógica e intertextualmente. De
fato, uma vez que a opinião é formada tendo como base discursos e/ou textos pré-
existentes, pode-se dizer que ela também se compõe por mais de uma voz. Além disso,
os imaginários sócio-discursivos também estão presentes na opinião.
Marin (1993 apud CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 43) confere às
representações três funções sociais:
de “representação coletiva”, que organiza os esquemas de classificação,
de ações e de julgamentos; de “exibição” do ser social por meio dos
rituais, estilizações de vida e signos simbólicos que os tornam visíveis;
de “presentificação”, que é uma forma de encarnação, em um
representante, de uma identidade coletiva.
Sendo assim, pode-se dizer que essas representações constituem o real; que esses
discursos sociais podem se configurar tanto de maneira explícita quanto de maneira
implícita; e, por fim, que esses discursos desempenham um papel identitário de
determinado grupo.
A argumentação como princípio constitutivo dos enunciados
A busca pela adesão do público, que pode ser percebida tanto nos atores
políticos quanto nos atores midiáticos, ocorre por meio da argumentação que é
constitutiva de toda interação social, uma vez que o homem constantemente forma
juízos de valor (avalia, julga, critica). Além disso, dado o caráter intencional da ação
verbal, o enunciador tenta influenciar tanto as opiniões quanto as atitudes de seu
interlocutor. O que permite Koch (2006) observar que “o ato de argumentar, isto é, de
orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, constitui o ato linguístico
fundamental, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia, na acepção mais
ampla do termo” (2006, p. 17 – grifos da autora).
De acordo com os estudos sobre a argumentação, a atividade argumentativa está
associada à atividade da fala. Ao falar o enunciador já está mostrando uma orientação
argumentativa. Nas palavras de Grize (1990, p. 40 apud CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, 2004, p. 52) a argumentação é “uma atividade que visa a instruir
sobre a opinião, a atitude, e mesmo sobre o comportamento de qualquer indivíduo” por
meio do discurso.
A intencionalidade do discurso, o fato de que o locutor o direciona em um
sentido, excluindo os demais, leva Anscombre e Ducrot (1988) a concluírem que a
argumentatividade é sinal constitutivo de muitos enunciados. No entanto, há que se
ressaltar que o valor argumentativo impregnado no enunciado pelo locutor pode não ser
percebido e, dessa forma, outras conclusões podem ser tiradas dele.
As normas do discurso argumentativo podem ser descritas de acordo com a
coerência textual, a eficácia, a veridicção e a retidão ética do discurso e, por extensão,
de quem profere o discurso (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 56).
De modo geral, a teoria retórica argumentativa concebe três tipos de
argumentos, também chamados provas. Os primeiros são os argumentos éticos, que são
associados à pessoa do enunciador (sua autoridade, seu ethos). Os segundos são os
argumentos patéticos, que são de ordem emocional (pathos), além de serem mais bem
expressos por meio de elementos semióticos não-verbais. Os terceiros são os
argumentos lógicos, que estão diretamente relacionados à proposição; um discurso

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verossímil “que exprime uma razão que dá autoridade a uma proposição controversa,
com estatuto de conclusão” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 58).
“Toda argumentação visa à adesão dos espíritos” (PERELMAN; OLBRECHTS-
TYTECA, 2005, p. 16) e, portanto, é necessário que haja também um contato
intelectual, que haja uma comunidade efetiva entre os espíritos. E, para que se forme
essa comunidade efetiva entre os espíritos onde a argumentação possa se instaurar, o
mínimo exigido é a possibilidade de comunicação, a existência de uma linguagem em
comum. Além disso, há que se respeitar as normas preestabelecidas que permitem o
início da conversa. Tais normas estão de acordo com as próprias regras sociais.
A argumentação prescinde também da valorização da adesão do interlocutor, o
que faz com que muitos apreciem o fato de serem reconhecidos como pessoas abertas à
discussão. É importante destacar ainda a modéstia de quem argumenta, pois é essa
modéstia que o faz admitir que o que ele diz não constitui uma verdade indiscutível. Tal
reconhecimento o leva a tentar persuadir, a elaborar argumentos em função de seu
interlocutor. Por fim, é preciso ser ouvido pelo interlocutor, despertar sua atenção. Uma
vez que o interlocutor se dispõe a ouvir o locutor, mostra, assim, uma predisposição a,
eventualmente, aceitar seu argumento.
De fato, para que a argumentação se estabeleça, é mister que o locutor desperte a
atenção do interlocutor e seja ouvido. Por isso, a argumentação é mais bem percebida
nos discursos orais do que nos escritos. O que não impede, é claro, que ela aconteça de
forma eficiente também nos discursos escritos, como é o caso dos editoriais de revistas
impressas.
O contato entre o locutor e seu interlocutor é essencial para o desenvolvimento
da argumentação, mesmo que esse contato se faça via revista impressa. E se a
argumentação tem por objetivo obter a adesão de seu auditório, pode-se dizer que ela se
refere inteiramente ao seu alvo. De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca, o
auditório é “o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação”
(2005, p. 22), tendo em vista seus princípios éticos, morais, religiosos etc.
Sendo assim, a construção do auditório, psicológica ou sociologicamente, deve
adequar-se à experiência. De fato, o auditório deve ser presumido o mais próximo
possível da realidade, sob pena de os argumentos não alcançarem seus objetivos. É
importante salientar que razões que são consideradas pró por um determinado auditório
podem ser consideradas contra por outro. Pode-se dizer, então, que o orador deve se
adaptar ao auditório que pretende persuadir.
A heterogeneidade (de caráter, de vínculos, de funções) do auditório deve ser
contornada com a utilização de argumentos vários que alcancem todos os componentes
do grupo. Tal capacidade garantirá ao locutor o status de grande orador.
O discurso e a manipulação
Em Discurso e poder, van Dijk (2008) trata, como o próprio título do livro
sugere, das relações de poder estabelecidas via discurso. Para tanto, usa, dentre outras, a
noção de manipulação, e, ressalta o autor, a manipulação que acontece “através de
algum tipo de influência discursiva” (2008, p. 234), ou ainda, e o que mais nos interessa
neste trabalho, “manipulação como uma forma de interação, tal como os políticos ou a
mídia manipulam seus eleitores e leitores”.

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Sendo assim, van Dijk entende a manipulação como uma forma de controle
exercida por um manipulador sobre outras pessoas, sendo que ela ocorre contra a
vontade e os interesses dessas pessoas. E se ocorre “contra” a vontade das pessoas, o
conceito de manipulação é, portanto, negativo já que transgride normas sociais.
Além de poder, a manipulação envolve, principalmente, abuso de poder, ou seja,
trata-se de uma forma de dominação na qual a influência exercida pelo manipulador, por
meio do discurso, não é legítima. O manipulador age, pois, em prol de seus interesses
particulares e contra os interesses dos que são por ele manipulados.
A manipulação poderia, em um primeiro momento, ser associada à persuasão.
Mas um olhar mais detido revela o quão diferentes são, na verdade, essas duas formas
de convencimento. A persuasão utiliza-se de argumentos, que podem ou não ser aceitos
pelos interlocutores, para convencer, mas na persuasão os interlocutores são livres para
tomar a atitude que melhor lhes convier. Já na manipulação, os interlocutores são
vítimas, ou seja, por não compreenderem as reais intenções do manipulador ou ainda
por não perceberem as consequências de suas crenças e ações, são induzidos a atitudes
e/ou crenças equivocadas.
Dada a impossibilidade de se estabelecer um limite fixo entre o que pode ser
considerado manipulação e o que pode ser considerado persuasão, van Dijk assume que
“os critérios cruciais são os que fazem as pessoas agirem contra sua total consciência e
interesses, e que a manipulação serve aos interesses do manipulador” (2008, p. 235). De
fato, a mesma mensagem pode manipular determinados interlocutores, mas não outros e
ainda os mesmos receptores, em circunstâncias diferenciadas, podem ser mais ou menos
suscetíveis à manipulação. E, ainda, a persuasão legítima pode ser encarada como
manipuladora mesmo que siga padrões éticos socialmente aceitáveis, como a persuasão
comercial, política ou religiosa.
Van Dijk defende, ainda, o que ele chama de “abordagem triangular”, já que
a manipulação é um fenômeno social – especialmente porque ela
envolve interação e abuso de poder entre grupos e atores sociais – é um
fenômeno cognitivo, porque a manipulação sempre implica a
manipulação das mentes dos participantes, e é um fenômeno discursivo-
semiótico, porque a manipulação é exercida através da escrita, da fala e
das mensagens visuais (2008, p. 236)
Para ele, as três abordagens devem ser combinadas com o intuito de se distinguir as
variadas formas de manipulação.
A manipulação que nos interessa é a social, e sua reprodução em práticas
discursivas, ou seja, interessa-nos as formas de manipulação entre os grupos e seus
membros e não a manipulação entre atores sociais individuais.
O discurso público pode ser entendido, então, como o lugar privilegiado para a
manipulação discursiva. De fato, se a manipulação é entendida como abuso de poder, é
necessário que o manipulador tenha acesso aos meios de comunicação de massa e ao
discurso público. Políticos, jornalistas, acadêmicos, escritores, professores são, pois,
exemplos da elite “simbólica” que detém o acesso a uma das principais formas de
comunicação, os meios de comunicação de massa. E é justamente o discurso público, o
lugar onde a reprodução do poder social acontece. Sendo assim, jornalistas (ou as
pessoas que exercem a função de jornalista), por exemplo, têm a possibilidade de

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exercer seu poder por meio do discurso público, que permite, simultaneamente, a
reprodução e também a confirmação de seu poder social. O poder social dos jornalistas
advém de seu acesso privilegiado à informação. A mídia é, então, dentre as formas de
discurso público no Brasil, talvez a que tenha maior visibilidade, dado seu alcance
significativo, principalmente entre as pessoas que não têm acesso à internet ou mesmo à
educação básica.
É importante ressaltar, no entanto, que não se está afirmando que o simples fato
de um jornalista deter certas informações o torna um manipulador. Na verdade, essa
transformação só vai acontecer de acordo com o uso que ele fizer da informação que
possui. Assim, ele estaria se inserindo em uma forma de interação ilegítima, ou seja,
que serve “apenas aos interesses de uma parte e são contra os interesses dos receptores”
(van DIJK, 2008, p. 238). Denominar essa forma de interação de ilegítima se justifica
tendo em vista as “próprias bases sociais, legais e filosóficas de uma sociedade justa ou
democrática, e dos princípios éticos do discurso, da interação e da comunicação” (van
DIJK, 2008, p.238).
A ilegitimidade creditada à manipulação por van Dijk (2008) se deve à
possibilidade que ela tem de (re)produzir a desigualdade, ou seja, ela atende aos
objetivos dos poderosos e não atende aos dos menos poderosos. Dessa forma, sua
definição de manipulação está baseada nas consequências sociais que ela produz.
A manipulação discursiva nos editoriais de Caros Amigos
No editorial da revista Caros Amigos, de outubro de 2007, intitulado A linha de
frente (anexo 1), fez-se referência ao 1º Anticurso de Jornalismo Caros Amigos. Tal
anticurso tem como proposta fazer oposição aos cursos convencionais de jornalismo
atualmente encontrados nas universidades brasileiras. De fato, “em lugar de deitar
regras, a proposta era cada palestrante expor seus conceitos a respeito da profissão,
contar suas experiências e responder a perguntas dos antialunos”. Já o editorial Feliz
ano-novo? (anexo 2), de janeiro de 2008, trata de um desabafo com o leitor da revista.
Nele é exposta a situação economicamente precária na qual se encontrava a revista à
época de sua publicação, “A situação que temos vivido se estabeleceu por razões
explicáveis: a receita de publicidade nas páginas de Caros Amigos não cobre os nossos
custos”. Desabafo que é feito “seguindo nosso princípio jornalístico aberto, sem peias e
quase íntimo com o leitor”.
Habermas (1989 apud FAIRCLOUGH, 1995, p. 44) apontou a mídia como uma
efetiva esfera pública política, um espaço para debate racional e discussão de temas
políticos, sem deixar de mencionar a influência do processo de comercialização que
conduz de volta ao século XIX. Ele se referia à “refeudalização” da esfera pública
midiatizada, na qual o público é apenas espectador e não participante, além de ser
direcionada a consumidores de entretenimento e não a cidadãos. Em contrapartida
Tolson (1991 apud FAIRCLOUGH, 1995, p. 44) aponta as contradições internas da
esfera pública, que a faz vacilar entre demandas por informação e demandas por
entretenimento.
No entanto, destaca Fairclough, há que se refletir sobre o conceito de
informação. As análises dos textos midiáticos em geral apontam para uma produção
orientada, ou seja, ideologicamente formada. Dessa forma, o discurso midiático
contribui para a reprodução social das relações de dominação e exploração. O que, para
Fairclough, contribui para a distinção entre aspectos ideológicos do discurso e aspectos
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persuasivos do discurso. Ambos são, na verdade, diferentes aspectos políticos do
discurso que problematizam a idéia de que a mídia simplesmente “transmite
informação”.
A análise dos editoriais de Caros Amigos confirma as proposições de
Fairclough. Há, de fato, um discurso orientado, ultrapassado e retrógrado, no qual o
interesse primordial é o de se insurgir contra a mídia convencional. Prevalece na revista
um discurso único, “revolucionário”, defensor da justiça e da igualdade, demonstrado na
forma de ataques ao poder constituído em todas as suas instâncias, mídia, política,
educação etc. A opinião pública, nessa revista, manifesta-se pela “contra-opinião”, pelo
posicionamento de uma “opinião” que não critica propriamente, por exemplo, trazendo
soluções, refletindo sobre os conflitos, mas cria uma “opinião conflitiva”, arraigada em
lugares comuns e preconceitos. Tudo isso tem uma razão de ser, já que a “opinião” pode
se formar também no embate ideológico e, nesse campo, a ideologia pode construir um
discurso próprio, dirigido a um grupo que compartilha dessa “opinião” difusa, mas ao
mesmo tempo muito concreta em seus objetivos contraditoriamente também
capitalistas. No fim, a opinião se constrói em uma grande encenação, cooptando, com
essa estratégia, leitores que comungam de uma “opinião” que não reflete a realidade,
mas cria uma outra realidade contraditória com as opiniões da sociedade. No trecho
“Felizmente, sempre existirão também as vanguardas que batalharão contra a
mediocrização da sociedade proposta pelos jornalões e revistas das empresas grandes de
comunicação” (A linha de frente, outubro de 2007) aponta-se para a “mediocrização” da
mídia, mas não há uma reflexão, não fica claro o que significa essa “mediocrização” da
mídia.
Se por um lado, há setores da mídia que atuam apenas como pouco mais do que
instrumentos dos interesses dominantes, por outro, a mídia como um todo tem uma
relação mais complexa e variável com esses interesses. Para Fairclough (1995, p. 47) o
discurso midiático pode ser entendido como um lugar de processos contraditórios
complexos e frequentes, incluindo o processo ideológico. A ideologia pode ser mais
evidente do que outros temas e de fato possui uma função de controle e reprodução
social. Mas opera também com mercadoria cultural em um mercado competitivo, que
tem por objetivo manter as pessoas informadas social e politicamente. O que também
pode ser confirmado na leitura dos editoriais de Caros Amigos.
O 1º Anticurso de Jornalismo Caros Amigos expressa bem o caráter
pretensamente independente da revista e a crença de que há estudantes de jornalismo
que compactuem com a “independência pessoal”; que “não desejariam fazer carreira à
custa de sacrificar as próprias ideias e ideais em benefício das ideias e ideais dos donos
das empresas de comunicação”. No entanto, a leitura regular da revista permite notar
uma contradição no que se refere ao seu caráter independente. Em vários momentos da
seção editorial da revista aparecem pistas que demonstram o contrário. Por exemplo, no
editorial de janeiro de 2008, Feliz ano-novo?, no qual é exposta a dependência da
revista em relação aos anunciantes. Tal situação é apontada no próprio texto como
regra, ou seja, a própria Caros Amigos mostra que a possibilidade de se fazer jornalismo
independente é muito remota. Mesmo que tal situação seja considerada “ingrata”: “É
sabido que qualquer publicação jornalística periódica, seja de grandes ou pequenas
editoras, garante seu sustento principalmente com o dinheiro dos anúncios, além da
venda em bancas e de assinaturas”.

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A contraposição de termos como “independência pessoal” e “empresas de
comunicação”, em A linha de frente, permite algumas inferências no que se refere à
construção da opinião veiculada pela revista. Procura-se “desconstruir” a opinião
veiculada pelos grandes conglomerados midiáticos, mas ao mesmo tempo não se
constrói uma opinião própria, o que gera um discurso difuso. O que vem a ser esse
“ideal no jornalismo”? Será que existe, de fato, jornalismo independente? No editorial
Feliz ano-novo?, como já foi demonstrado, a contradição é revelada, pois há uma
constatação de que o número de anunciantes diminuiu, ou seja, critica-se o sistema, mas
concorda que necessita dele para sobreviver. Onde está a independência?
O discurso é, no entanto, muito bem estruturado para seus objetivos, em geral,
desconstruir a opinião veiculada pelos meios de comunicação de massa, mas a
linguagem utilizada é exatamente o discurso (ou o contradiscurso) oposicionista vazio,
sem ideologia, ou com ideologias superadas. Aqui entra a questão da ética no discurso,
pois esse tipo de discurso não encontra eco na sociedade que constrói uma opinião
baseada em ideologias ou convicções coletivas e o que a revista propõe é exatamente
desconstruir essa opinião que se manifesta em uma “comunidade de comunicação” e da
qual a revista, propositalmente, procura se distanciar ou se diferenciar. A questão é bem
interessante, pois nada mais é do que um “discurso forjado” contra o sistema e que
contraditoriamente faz parte do sistema. Essa contradição forja um imaginário político
no leitor (ou uma “opinião”), tão vítima das grandes corporações midiáticas quanto o
jornalismo de Caros Amigos. Ao se negar o “jornalismo chapa branca”, cai-se na
armadilha de reproduzir o tão criticado discurso a que se contrapõe, pois a realidade, tal
como no discurso da grande mídia, está deturpada, manipulada, criando, em um círculo
vicioso, a dinâmica do discurso jornalístico “independente”. Perpetua-se, dessa forma, a
“desconstrução da opinião na „opinião‟”.
Fazer jornalismo independente no Brasil não é, de fato, tarefa fácil. O alcance do
que é veiculado de forma “independente” é muito menor se comparado ao alcance do
que é veiculado pelas grandes “empresas de comunicação”. O que talvez justifique a
aparente independência do discurso de Caros Amigos, que permite que a revista seja
vista como um veículo não manipulável, mesmo não o sendo. Uma leitura mais atenta
dos editoriais da revista revela, na verdade, um discurso hermético e autoritário, ou seja,
tão manipulador quanto o veiculado pela denominada “mídia chapa branca”.
E é justamente sobre essa oposição entre “jornalismo independente” e
“jornalismo das empresas grandes de comunicação” que trata o editorial A linha de
frente. Faz-se uma apologia ao jornalismo independente em detrimento da
“mediocrização da sociedade proposta pelos jornalões e revistas das empresas grandes
de comunicação”. O jornalista independente “tratará de promover o conhecimento mais
amplo possível das injustiças sofridas pela maioria”, ou ainda, o jornalista independente
não omitirá fatos que demonstrem as grandes diferenças sociais existentes em nossa
sociedade. O que parece bastante vago, de que fatos, por exemplo, está tratando? Além
disso, “tratará de promover o conhecimento mais amplo possível das injustiças sofridas
pela maioria”, o que talvez explicite uma ruptura no contrato comunicacional proposto
pela revista, já que as críticas são verdadeiros ataques ao poder constituído em todas as
suas instâncias (mídia, política, educação etc.), mas não se aponta soluções, a revista
não propõe caminhos alternativos que poderiam (re)conduzi-la ao seu pretenso papel de
imprensa independente. A agressividade da linguagem utilizada na maioria dos
editoriais em suas críticas apenas confirma a gratuidade e superficialidade dos ataques.

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Para endossar seus propósitos “humanitários”, em A linha de frente, o editor da
revista retoma o lema da Revolução Francesa: igualdade, liberdade, fraternidade. O fim
da Revolução Francesa, em 1789, marca a primeira vitória na luta pelo reconhecimento
dos Direitos Humanos, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Essa
interdiscursividade parece tentar ratificar uma posição distinta da geralmente encontrada
na mídia grande, ou seja, a opinião/posição adotada pela revista Caros Amigos,
supostamente favorável a conceitos como os de igualdade, liberdade e fraternidade.
Pode-se dizer que o lema da Revolução Francesa constitui o que denominamos
imaginário sócio-discursivo. Esse conceito já está inserido no imaginário popular, o que
certamente contribui para a adesão do leitor aos argumentos encontrados nos editoriais
de Caros Amigos. No entanto, há que se reafirmar a diferença entre o alcance de um
veículo que se auto-intitula independente e o de uma das “grandes empresas de
comunicação”.
Nos editoriais de Caros Amigos, em particular em A linha de frente, a expressão
“empresa de comunicação” (por oposição a veículo de comunicação) é entendida como
os veículos que, por diversos motivos, atuam em função de interesses políticos e/ou
mercadológicos. Sendo assim, uma “empresa de comunicação”, ou seja, uma
comercializadora da informação, não pratica o jornalismo independente, mas o
jornalismo tendencioso. Nos editoriais tal distinção fica muito clara, além, é claro, da
posição adotada por Caros Amigos.
No entanto, a denominada “guerra desigual” não parece ser tão desigual assim,
uma vez que, como foi demonstrado, além de assumido pela própria revista, Caros
Amigos também faz parte do sistema, ou seja, também almeja o lucro.

Referências bibliográficas
ANSCOMBRE, J.-C.; DUCROT, O. L‟argumentation dans la langue. Langages, n. 42,
p. 5-27, 1976.
BELTRÃO, Luiz. Jornalismo opinativo. Porto Alegre: Sulina, 1980.
CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do
discurso. Coordenação da tradução Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2004.
FAIRCLOUGH, Norman. Media discourse. New York: St Martins Press Inc, 1995.
KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2006.
LANDOWISKI, Eric. A opinião pública e seus porta-vozes. In: LANDOWISKI, Eric.
A sociedade refletida. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: EDUC/Pontes, 1992.
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação. A
nova retórica. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia.
Petrópolis: Vozes, 2008.
van DIJK, Teun A. Discurso e poder. São Paulo: Contexto, 2008.

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Anexo 1
A linha de frente
Talvez boa parte dos leitores não tenha tomado conhecimento do 1º Anticurso de
Jornalismo Caros Amigos, que seria encerrado no primeiro sábado de outubro (o verbo
está no condicional porque o encerramento se daria depois de esta edição estar fechada).
Em princípio, a idéia do Anticurso causou estranheza a umas pessoas, mas não
aos 63 jovens que se inscreveram, entre eles sete de Curitiba (que cada vez vieram e
voltaram de ônibus), um de Caxias do Sul (também de ônibus) e um do Rio Grande do
Norte (que, hospedado em casa de parentes, passou o mês todo em São Paulo e em
nossa redação). Havia ainda onze inscritos vindos do Rio de Janeiro, Itatiba, Campinas,
Jundiaí, Sorocaba, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. A maioria – 60 por cento –
moças.
Foram, se tudo correu direito no encerramento, oito palestras, duas por sábado,
por conta de José Arbex Jr., Mylton Severiano, Marcos Zibordi, Cláudio Tognolli,
Georges Bourdoukan, Renato Pompeu, Verena Glass e Claudius. Em lugar de deitar
regras, a proposta era cada palestrante expor seus conceitos a respeito da profissão,
contar suas experiências e responder a perguntas dos antialunos, se podemos chamá-los
assim.
Até aqui tudo deu certo, tanto que já estamos estruturando o 2º Anticurso. Os
jovens que se inscreveram nesse primeiro decerto concordam com o subtítulo da
proposta: “Como não enriquecer na profissão”. O que significaria, principalmente, que
acreditam na independência pessoal, isto é, não desejariam fazer carreira à custa de
sacrificar as próprias idéias e ideais em benefício das idéias e ideais dos donos das
empresas de comunicação. Pois é dessa forma, enfiando a consciência na terra, que os
jornalistas avestruzes acabam amealhando pequenas riquezas que lhes propiciam
freqüentar os meios dos abastados, dos patrões e amigos dos patrões, longe o quanto
possível da maioria da população, essa mesma cujos direitos mínimos eles fingem
defender em seus escritos. A tragicomédia burguesa de sempre, que nunca deveríamos
esperar de supostos formadores de opinião.
Felizmente, sempre existirão também as vanguardas que batalharão contra e
mediocrização da sociedade proposta pelos jornalões e revistas das empresas grandes de
comunicação. Para essas vanguardas é dirigida a idéia do Anticurso, e a resposta ao 1º
foi sintomática: elas são a minoria que, na profissão, tratará de promover o
conhecimento mais amplo possível das injustiças sofridas pela maioria.
É a guerra desigual pela igualdade, liberdade e fraternidade, principalmente esta
última, cada vez mais inalcançável no atual mundo de caixa dois.

Mais uma estréia auspiciosa: Joel Rufino dos Santos, carioca, autor de mais de
30 livros e da História Nova do Brasil, coleção didática que lhe custou uma prisão nos
anos da ditadura militar. Ele assinará a seção de livros.

Editorial Caros Amigos nº 127, outubro de 2007

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Anexo 2
Feliz ano-novo?
Esperamos que sim. Apesar dos pesares. É que todo ano que entra, as pessoas se
deixam levar pela tradição e auguram umas às outras tempos felizes, como se, de
repente, todos fizessem parte de uma mesma e fraterna coletividade.
Tudo bem que pelo menos em um ou dois dias do ano aconteça isso, mas, e os outros
363?
Pois é a propósito desses outros 363 dias que precisamos aqui expor o que pode
significar, para Caros Amigos, este ano-novo. Desde o começo, onze anos atrás, tem
sido difícil manter nossa modesta estrutura, já que nascemos com um capital mínimo, se
é que aquilo podemos chamar de capital.
E viemos, a duras penas, conseguindo tocando (sic) o barco, à custa de empréstimos
bancários e de amigos, sem contar um dado vital que já foi exposto neste espaço: a
impressionante cumplicidade dos colaboradores que assinam os artigos, seções e
colunas que todo mês preenchem – com a maior qualidade – as páginas da revista. Há
anos, todos eles (à exceção de três, que não podem prescindir de uma remuneração –
pequena – mensal) comparecem com seus trabalhos, pontualmente.
A situação que temos vivido se estabeleceu por razões explicáveis: a receita de
publicidade nas páginas de Caros Amigos não cobre os nossos custos. É sabido que
qualquer publicação jornalística periódica, seja de grandes ou pequenas editoras, garante
seu sustento principalmente com o dinheiro dos anúncios, além da venda em bancas e
de assinaturas. É uma regra, às vezes ingrata.
E que não temos conseguido o número mínimo de anúncios necessário para ir para
frente, desenvolver os muitos planos que temos na gaveta.
Fazemos essa colocação seguindo nosso princípio jornalístico aberto, sem peias e
quase íntimo com o leitor.
É preocupante o cenário que temos pela frente em 2008, mas continuaremos
brigando, como temos feito até aqui.

Editorial Caros Amigos nº 130, janeiro de 2008

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