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A quinta tarefa — Servir o não-racional

N
essa parte da história, Baba Yaga, a Mãe Selvagem, é a mestra que
Vasalisa pediu o fogo a Baba podemos consultar nesses casos. Ela instrui
Yaga, e a Yaga concorda o ordenamento da casa da alma. Ela infunde
se Vasalisa zer, em troca, uma ordem alternativa no ego, uma ordem em
alguns serviços domésticos que a magia pode acontecer, a alegria pode ser
para ela. As tarefas psíquicas desse período de criada, o apetite permanece intacto, as tarefas
aprendizado são as seguintes: são realizadas com prazer. Baba Yaga ensina
tanto a morte quanto a renovação.
• car com a Deusa Megera; No conto de fadas, ela ensina a Vasalisa como
• aclimatar-se às imensas forças selvagens cuidar da casa psíquica do feminino selvagem.
da psique feminina. Lavar as roupas da Yaga é um símbolo
• chegar a reconhecer o poder dela (o seu lendário. Nos países primitivos, e ainda hoje
poder) e os poderes das puri cações em dia, para lavar a roupa a pessoa descia até
interiores; limpar, escolher, alimentar, o rio e lá fazia as abluções rituais feitas desde
criar energia e idéias (lavar as roupas da o princípio dos tempos para renovar o tecido.
Yaga, cozinhar para ela, limpar sua casa e Trata-se de um belo símbolo da limpeza e da
separar os elementos). puri cação de toda a imagem da psique.
Na mitologia, tecido é fruto do trabalho das
Há não muito tempo, as mulheres se envolviam mães da vida-morte-vida. No Oriente, por
profundamente com os ritmos da vida e da exemplo, há as Três Parcas: Cloto, Láquesis e
morte. Elas aspiravam o cheiro acre do ferro Atropos. No Ocidente há a Na’ ashjé’ii Asdzáá,
no sangue fresco do parto. Elas também a Mulher-aranha, que transmitiu ao povo
lavavam os corpos frios dos mortos. A psique navajo o dom da tecelagem.
da mulher moderna, especialmente daquelas
provenientes de culturas
industriais e tecnológicas, é
muitas vezes privada dessas
experiências básicas e
abençoadas de natureza
prática e íntima.
Existe, porém, um Essas mães da vida-morte-vida ensinam às
meio para que a não- mulheres a sensibilidade ao que deve morrer
iniciada participe e ao que deve viver, ao que deve ser retirado
dos aspectos com a carda e ao que deve ser aproveitado
sensíveis dos no tecido. Na história, Baba Yaga encarrega
ciclos da vida Vasalisa de lavar sua roupa para que esse
e da morte. tecido, esses padrões da deusa da vida-morte-
vida, venha à luz, à consciência. Ao lavá-lo, ela dessa tarefa iniciática na qual se exige que
o renova. a mulher puri que as personas, o manto de
Lavar alguma coisa é um ritual de puri cação autoridade da grande Yaga da oresta. Ao
atemporal. Ele não representa apenas a lavar as roupas da Yaga, a própria iniciada verá
puri cação. Ele também signi ca — como como são feitas as costuras da persona, que
o batismo proveniente do latim baptiza — modelos os trajes seguem. Logo, ela mesma
empapar, impregnar com uma força e um terá alguma quantidade dessas personas a
mistério numinosos. No conto, a lavagem das serem penduradas no seu armário em meio a
roupas é a primeira tarefa. Ela simboliza outras criadas por ela durante toda a vida.
repor em boas condições aquilo que perdeu
a forma com o desgaste. As roupas são como
nós, que nos desgastamos cada vez mais até É fácil imaginar que os símbolos de poder e
que nossas idéias e valores cam frouxos com o autoridade da Yaga — suas roupas — tenham
passar do tempo. A renovação, a revivi cação, as mesmas qualidades que ela tem em termos
ocorre na água, na redescoberta daquilo que psicológicos: a força, a resistência. Portanto,
realmente consideramos verdadeiro, daquilo lavar sua roupa é uma metáfora através da
que realmente consideramos sagrado. qual aprendemos a perceber e a adotar essa
No simbolismo dos arquétipos, os trajes combinação de qualidades, bem como a
representam a persona, a primeira impressão saber como separar, consertar e renovar essa
que o público tem de nós. A persona é uma qualidades pela puri catio, a lavagem das
espécie de camu agem que permite que os bras do ser.
outros conheçam de nós apenas o que nós
queremos que eles conheçam, e nada mais. A tarefa seguinte é a de varrer o casebre
No entanto, existe um signi cado mais antigo e o quintal. Nos contos de fadas do leste
da persona, encontrado em todos os ritos europeu, as vassouras muitas vezes são
da América Central, um signi cado bem- feitas de gravetos de árvores e arbustos, e
conhecido das cantadoras y cuentistas. A ocasionalmente das raízes de plantas rijas.
persona não é apenas uma máscara atrás O trabalho de Vasalisa consiste em passar
da qual a pessoa se esconde, mas, sim, uma esse objeto feito de matérias vegetais sobre o
presença que encobre a personalidade piso da casa e do quintal para manter o local
rotineira. Nesse sentido, a. limpo de resíduos. A mulher sábia mantém
persona ou máscara é um seu ambiente psíquico organizado. Ela
indicador de hierarquia, consegue isso mantendo a cabeça limpa,
virtude, caráter e mantendo um local limpo para seu trabalho
autoridade. A persona e se dedicando a completar suas idéias e
é o signi cante projetos.
exterior, a Para muitas mulheres, essa tarefa exige que
manifestação elas separem todos os dias algum tempo
exterior de para a contemplação, que abram um espaço
comando. para habitar que seja nitidamente seu,
Gosto muito com papel, canetas, tintas, ferramentas,
Portanto, aqui no nal da reinstalação mulheres perversas? Não. O que deve morrer conversas, tempo, liberdades que se destinam a Baba Yaga da psique, o que se oferece a uma
da iniciação na psique feminina, temos morre. Como se toma uma decisão dessas? apenas a esse trabalho. Para muitas delas, a deusa tão selvagem. Em primeiro lugar, para
uma jovem mulher com experiências Sabe-se, simplesmente. psicanálise e outras experiências de mergulho cozinhar para a Yaga, acende-se o fogo — a
espantosas que aprendeu a seguir seu Para a maioria das mulheres, deixar morrer e transformação fornecem o local e o tempo mulher precisa estar disposta a arder, arder de
conhecimento. Ela suportou todas as não é contra sua natureza, é contra sua criação. especiais para esse trabalho. Cada mulher tem paixão, arder com as palavras, com as idéias,
tarefas para chegar à iniciação plena. Os Isso pode ser modi cado. Todas nós sabemos suas próprias preferências, seu próprio estilo. com o desejo por não importa o quê que ela
louros lhe pertencem. Talvez a intuição quando chegou a hora da vida, quando chegou Se esse trabalho puder ser realizado no realmente aprecie. É de fato essa paixão que
seja a mais fácil das tarefas, mas mantê- a hora da morte. Podemos tentar nos enganar casebre de Baba Yaga, tanto melhor. Mesmo provoca o cozimento, e as idéias signi cativas
la no consciente, deixando viver o que por vários motivos, mas sabemos. perto do casebre é melhor do que longe dele. da mulher são o alimento que é preparado.
possa viver e deixando morrer o que tiver Pela luz da caveira incandescente, nós Seja como for, a vida selvagem de cada um tem Para cozinhar para a Yaga, daremos um jeito
de morrer, é de longe a tarefa mais árdua, sabemos. de ser mantida em ordem com regularidade. para que nossa vida criativa tenha um fogo
apesar de tão satisfatória. Não é su ciente dedicar a ela um dia uma vez constante a aquecê-la.
por ano.
Baba Yaga é o mesmo símbolo da Mãe Nyx, Seria melhor para a maioria de nós se nos
a mãe do mundo, uma outra deusa da vida- No entanto, como é o casebre da Baba Yaga tornássemos mais competentes em vigiar o
morte-vida. A deusa da vida-morte-vida é que Vasalisa varre, como se trata do quintal fogo que está por baixo do nosso trabalho, se
sempre também uma deusa criadora. Ela da Baba Yaga, estamos falando também da observássemos com mais cuidado o processo
cria, forma e sopra a vida. Ela está presente manutenção em ordem das idéias incomuns. de cozimento para a nutrição do Self selvagem.
para receber a alma quando o alento se foi. São idéias que incluem o que é incomum, Infelizmente, muitas vezes voltamos as
Seguindo suas pegadas, tentamos aprender místico, da alma e amedrontador. costas à panela, ao fogão. Esquecemo-nos
a deixar nascer o que deve nascer, quer todas de vigiar, esquecemo-nos de acrescentar
as pessoas certas estejam ali, quer não. A Varrer o ambiente signi ca não só começar a lenha, esquecemo-nos de mexer. Pensamos
natureza não pede licença. valorizar a vida não-super cial, mas também erroneamente que o fogo e o ato de cozinhar são
Floresça e dê à luz sempre que tiver cuidar da sua organização. Às vezes, as parecidos com algumas daquelas resistentes
vontade. Como adultas, precisamos muito mulheres se confundem quanto ao trabalho plantas domésticas que sobrevivem sem água
pouco de licença para vicejar e orescer. interior da alma e deixam de cuidar da sua oito meses até que um dia não agüentam mais.
Deixar morrer é o tema do nal da história. arquitetura até que ela seja retomada pela Não é bem assim. O fogo exige atenção
Vasalisa aprendeu sua lição. Ela cai numa oresta. Aos poucos, o mato vai crescendo e porque é fácil deixar que ele se apague. A
crise histérica quando a caveira faz arder as nalmente o local se transforma numa ruína Yaga precisa ser alimentada. E vai haver um
arqueológica escondida na barulho dos diabos se ela sentir fome.

Referências: psique. A varredura cíclica

Mulheres que correm com os lobos - Dra. Clarissa evitará que isso ocorra. Portanto, é o cozimento de novas coisas,
Pinkola Éstes (Capítulo 03) Quando a mulher dispõe de novos rumos, da dedicação à nossa arte e ao
Alguns trechos foram transcritos na íntegra, outros
resumidos e adaptados. Os comentários em vermel- espaço livre, a natureza nosso trabalho que alimenta a alma selvagem
ho são de minha autoria.
selvagem viceja melhor. permanentemente. É isso mesmo o que nutre
Exercício da Assembléia de Vozes - São José Maria
Escrivá a Velha Mãe Selvagem e lhe dá sustento na

Outras fontes consultadas para desenvolver este Para cozinhar nossa psique. Sem o fogo, nossas grandes
material: para Baba Yaga, idéias, nossos pensamentos originais, nossos
Episódios sobre o conto da Vasalisa do Podcast perguntamos anseios e desejos continuam crus, e todo o
Talvez seja isso
Aulas sobre o conto da Vasalisa, a sabida, Pela Carol literalmente mundo se sente frustrado. Por outro lado,
Conte, da @Casadacarol
como se alimenta qualquer coisa que façamos que tenha fogo irá
agradar à Mãe Selvagem e manter a todas nós papoula do estrume e milho mofado do milho “mamãe”. Damos uma olhada e sabemos. “Sou
nutridas. são é uma das lições mais difíceis de aprender, da sua prole. Sou sua lha. Ela é minha mãe;
já que ela exige ânimo, determinação e minha avó.” Todos essas mulheres poderiam
No desenvolvimento das mulheres, dedicação, e muitas vezes implica esperar ser chamadas de pequenas mães selvagens.
todas essas ações ligadas às “prendas pelo que se quer. Geralmente cada pessoa tem pelo menos
domésticas”, cozinhar, lavar, varrer, uma. Se tivermos sorte, ao longo da vida
signi cam algo além do rotineiro. Todas Existe, porém, o útil e o inútil. Também existem inteira teremos diversas. Na época em que
essas imagens sugerem modos de se coisas que às vezes são destrutivas, bem como conhecemos esse tipo de criatura
pensar na vida da alma, de avaliá-la, outras que são construtivas. No entanto, como já somos adultas ou pelo menos chegamos
alimentá-la, nutri-la, corrigi-la, puri cá-la todos sabem, o jardim deve ser revolvido ao nal da adolescência. Elas são muito
e organizá-la. Vasalisa recebe a iniciação em no outono a m de que se prepare para a diferentes da mãe-boa-demais. As pequenas
todos esses aspectos, e sua intuição a ajuda a primavera. Ele não tem como estar orido o mães selvagens nos orientam e se enchem
realizar as tarefas. A natureza intuitiva dispõe ano inteiro. Devemos, por isso, permitir que de orgulho com nossas realizações. Mas
da capacidade de estimar as situações num nossos ciclos inatos, não uma outra pessoa elas também criticam os bloqueios na
relance, de avaliar num átimo, de eliminar o externa a nós mesmas, determinem as nossa vida criativa, sensual, espiritual e
entulho que cerca uma idéia e de identi car a curvas de ascensão e de mergulho na nossa intelectual.
essência, para lhe infundir vitalidade, cozinhar vida. Existem certas entropias e criações Seu objetivo é o de nos ajudar, cuidar da
idéias cruas e preparar alimento para a psique. constantes que fazem parte dos nossos ciclos nossa arte e reatar nossos vínculos com
Vasalisa, através da boneca da intuição, está interiores. Nossa tarefa é entrar em sincronia os instintos selvagens. Elas orientam a
aprendendo a escolher, a compreender, a com eles. Como os ventrículos do coração, restauração da vida intuitiva. E cam
manter em ordem, a limpar e a arrumar o que se enchem, se esvaziam e se enchem de entusiasmadas quando entramos em
ambiente da psique. novo, nós “aprendemos a aprender” o ritmo contato com a boneca, orgulhosas quando
Além disso, ela aprende que a Mãe Selvagem desse ciclo da vida-morte-vida em vez de encontramos a Baba Yaga e felizes
exige muito alimento para poder realizar seu nos sentirmos martirizadas por ele. Vamos quando nos vêem voltando com a caveira
trabalho. Não se pode impor a Baba Yaga compará-lo a pular corda. O ritmo já existe. incandescente à nossa frente.
uma dieta de folha de alface e café preto. Se Nós balançamos para a frente e para trás até
quisermos nos aproximar da Mãe Selvagem, nos sentirmos no ritmo. Então, entramos. É Já vimos que ser ingênua demais é perigoso.
devemos perceber que ela tem apetite por assim que se faz. Não é nada mais complicado Mas talvez você ainda não esteja convencida.
certos alimentos. Se quisermos ter um do que isso. Talvez esteja pensando: “Ai, meu Deus, quem
do imprevisto, do inesperado, do vasto e
relacionamento com o quer ser como Vasalisa?” E eu lhe digo que você
do imenso, que é a escala da Natureza, do
feminino ancestral, Na realidade consensual, quer. Você quer ser como Vasalisa, realizar
peculiar, do estranho e do incomum.
precisaremos cozinhar todas temos acesso a o que ela realizou e seguir pela trilha que ela
muito. mãezinhas selvagens deixou ao passar, pois é esse o caminho para
Os ciclos das mulheres de acordo com as
Com essas tarefas. em pessoa. Elas são reter e desenvolver a alma. Porque a Mulher
tarefas de Vasalisa são os seguintes:
Baba Yaga ensina, e mulheres e, assim Selvagem é a que ousa, a que cria e a que
Vasalisa aprende, a que as vemos, destrói. Ela é a alma primitiva e engenhosa
• limpar nosso pensamento, renovando
não se intimidar algo dentro que possibilita todos os atos e artes da criação.
nossos valores com regularidade;
diante da escala de nós salta Ela forma uma oresta à nossa volta, e nós
• eliminar da nossa psique as
do grande, do e pensa começamos a lidar com a vida a partir dessa
insigni câncias, varrê-las, puri car nossos
poderoso, perspectiva nova e original.
estados de pensamento e sentimento com
do cíclico,
regularidade.
selvagem. Durante esse período, tudo que sentido, os três carvõezinhos pertencem ao • Acender a fogueira criativa e cozinhar Na história, a Yaga descobre que Vasalisa
a oprimia perde a libido. Ela foi totalmente campo da mãe da vida-morte-vida. Eles foram idéias num ritmo sistemático e completou todas as tarefas que lhe foram
gasta na boa viagem. Sem a libido, os reduzidos praticamente a nada na psique. especialmente cozinhar muito para propostas e ca satisfeita, mas também um
aspectos mais desagradáveis da psique, Estão privados da libido. Agora, algo de novo alimentar o relacionamento entre nós pouco decepcionada por não poder ralhar com
aqueles que exploram a vida criativa da pode ocorrer. Na maioria dos casos, quando mesmos e a natureza selvagem. a menina. E assim, só para se certi car de que
mulher ou que a incentivam a desperdiçar privamos conscientemente algum aspecto Vasalisa não casse con ante demais. Baba
seu tempo com insigni câncias, cam psíquico de seiva, ele murcha, e sua energia é Vasalisa, através do período passado com Yaga diz mais ou menos o seguinte: “Bem, só
como luvas vazias, sem mãos. liberada ou reformulada. a Yaga, acabará incorporando algo do jeito porque você conseguiu fazer o serviço uma
e do estilo da Yaga. E nós também. Cabe a vez, não quer dizer que você vai conseguir de
A caveira incandescente começa a tar a A forma de manter o nosso vínculo com o nós, dentro das nossas próprias limitações novo. Por isso tenho mais um dia de tarefas
madrasta e suas lhas. Ela não deixa de lado selvagem consiste em nos perguntarmos humanas, seguir seu exemplo. Isso nós para você. Vamos ver como você se sai,
observá-las com atenção. Será que um exatamente o que desejamos. Essa pergunta aprendemos, apesar de carmos assombradas queridinha... se não...”
aspecto negativo da psique pode ser é a que separa a semente do estrume. Uma ao mesmo tempo, pois na terra de Baba Yaga Mais uma vez, Vasalisa cumpre as tarefas,
reduzido a cinzas só por ser alvo de das discriminações mais importantes que há objetos que voam à noite e estão de pé ao recorrendo à capacidade da orientação
observação constante? Pode. Pode, sim. podemos fazer nesse sentido é a da diferença nascer do sol, todos convocados pela natureza intuitiva, e a Yaga lhe concede a contragosto
Mantê-lo sob o olhar in exível do consciente entre o que acena para nós de fora e o que instintiva selvagem. Há os ossos dos mortos uma aprovação mal-humorada... daquele tipo
pode fazer com que se desidrate. Numa das chama de dentro da nossa alma. que ainda falam e há os ventos, os fados, os que sempre vem de uma mulher mais velha
versões da história, os membros da família sóis, a lua e o céu, que vivem todos no enorme que já viveu muito e viu muitas coisas, que
perversa são torrados até se tornarem Quando estamos ligados ao self instintivo, à baú da Yaga. No entanto, ela mantém tudo até certo ponto preferia não ter vivido e visto
quebradiços. Numa outra versão, eles são alma do feminino que é natural e selvagem, em ordem. O dia vem depois da noite. Uma tanto e ao mesmo tempo sente orgulho disso.
reduzidos a três carvõezinhos. Os três em vez de examinar o que por acaso esteja estação segue-se à outra. Ela não é aleatória.
carvõezinhos contêm uma imagem muito em exibição, dizemos a nós mesmas: “Estou Ela tem Pé e Cabeça.
antiga e interessante. É freqüente a crença com fome de quê?” Sem olhar para nada no
de que o início da vida se deu a partir de um mundo externo, nós nos voltamos para dentro
pequeno respingo ou pontinho negro. No e perguntamos: “Do que sinto falta? O que
Antigo Testamento, quando aquele Deus criou desejo agora?”
o primeiro homem e a primeira mulher, ele os Perguntas alternativas seriam: “Anseio por ter
moldou com terra, barro, lama, dependendo o quê? Estou morrendo de vontade do quê?” E
da tradução que se leia. Que quantidade de a resposta costuma vir rápido. “Ah, acho que
terra? Ninguém diz. Entre outras quero... na verdade o que seria muito gostoso,
histórias da criação, porém, o um pouco disso e daquilo... ah, é, é isso o que
princípio do mundo e dos eu quero.” Isso está no bufe? Talvez sim, talvez
seus habitantes ocorre não. Na maioria dos casos, provavelmente
muitas vezes a partir não. Teremos de ir à sua procura por algum
do respingo, de um tempo, às vezes por muito tempo.
grãozinho, de um
único pontinho No nal, porém, iremos encontrar o que
escuro de alguma procuramos e caremos felizes por termos
coisa. feito sondagens acerca dos nossos anseios
mais profundos. Essa discriminação que
N e s s e Vasalisa aprende ao separar sementes de
frente, refulgindo adiante da mulher, como determinar o consciente e o inconsciente em nós
uma presença que anda um pouco à sua frente, mesmas e nos outros. É a varinha de condão do
mantendo-a informada do que vai encontrando. conhecimento. É o espelho no qual se pressente
É uma patrulha de reconhecimento perpétua. tudo. É a profunda natureza selvagem. Não
No entanto quando a pessoa dispõe dessa obstante, há horas em que suas informações são
capacidade de ver e de pressentir, é preciso fazer dolorosas e quase insuportáveis; pois a caveira
algo a respeito do que se viu. Possuir uma boa aponta para o lugar onde se trama a traição,
intuição e um poder considerável gera trabalho. onde a coragem falta àqueles que dizem o
Gera trabalho, a princípio, pela observação contrário. Ela denuncia a inveja oculta como
e compreensão das forças e desequilíbrios gordura fria por trás de um sorriso de
negativos tanto de fora para dentro quanto de carinho. Ela indica os olhares que são meras
dentro para fora. Também provoca o esforço no máscaras para a aversão. No que diz respeito
sentido de reunir a disposição necessária para a nós mesmas, sua luz brilha com a mesma
fazer algo a respeito do que se vê, seja para o intensidade: ela ilumina nossos tesouros bem
bem, ou pelo equilíbrio, seja para permitir que como nossas fraquezas. São esses conhecimentos
alguma coisa morra. que são mais difíceis de encarar. É nesse ponto
É verdade, não vou mentir para vocês. É mais que sempre temos vontade de jogar fora essa
fácil jogar fora a luz e ir dormir. É verdade maldita perspicácia nossa. É aí que, se não
que é bem difícil segurar a luz da caveira à quisermos ignorá-la, sentimos uma força
nossa frente em algumas ocasiões. Pois, com poderosa, dizendo, “Não me jogue fora. Fique
ela, vemos nitidamente todos aspectos de nós comigo. Vai ser bom para você.”
mesmas e dos outros, tanto os deformados
quanto os divinos, além de todas as condições Enquanto Vasalisa avança oresta adentro,
intermediárias. ela sem dúvida está pensando também na
Mesmo assim, com essa luz, chegam ao nível da família da madrasta, que perversamente a
consciência os milagres da profunda beleza que mandou sair para a morte; e, muito embora
existe no mundo e nos seres humanos. Com essa ela própria tenha um coração generoso, a
luz penetrante, pode-se ver do outro lado da má caveira não é imparcial com a maldade. Sua
ação um coração generoso; pode-se vislumbrar função é a de ter plena visão. Por isso, quando
um espírito delicado esmagado Vasalisa quer se desfazer dela, sabemos que a
sob o ódio; pode-se entender menina está pensando na dor provocada por
muito em vez de apenas se ter conhecimento de determinadas coisas a
sentir perplexidade. Essa respeito de nós mesmas, a respeito dos outros
luz pode discriminar e da natureza do mundo.
camadas distintas da
personalidade, das Ela chega em casa, e a madrasta e suas lhas
intenções e das lhe dizem que caram sem fogo, sem energia,
motivações enquanto ela estava fora; que, não importa
nos outros. o que zessem, não conseguiram acender o
Ela pode fogo. E é exatamente isso o que acontece na
psique da mulher quando ela está no poder
A nona tarefa — Reformular a sombra A sexta tarefa — Separar isso daquilo

V N
asalisa volta para casa com representação de todos os processos psíquicos essa parte da história, Baba pergunta, mas sem que nos ocorram muitas

a caveira incandescente na que estão ligados à discriminação. Ela está Yaga exige de Vasalisa idéias que nos ajudem a resolver a questão.

vara. Ela quase a joga fora, relacionada aos ritos de a nidade com os duas tarefas muito difíceis. Se a deixamos em paz, no entanto, e voltamos

mas a caveira a tranquiliza. ancestrais e, portanto, à memória. As tarefas psíquicas da mais tarde a ela, pode ser que uma boa solução

Uma vez de volta à casa, mulher são as seguintes: esteja à nossa espera ali onde antes não havia

a caveira observa a madrasta e suas lhas, Pois a caveira é mais uma representação da nada. Ou “vá dormir, veja com que vai sonhar”,

queimando-as até reduzi-las a cinzas. intuição — ela não faz mal à Yaga ou a Vasalisa • aprender a discriminar meticulosamente, talvez a velha de dois milhões de anos chegue

e dispõe de um poder de discriminação. a separar as coisas umas das outras com o das trevas para visitá-la. Talvez ela traga a

São as seguintes as tarefas desse estágio: Vasalisa agora leva a chama do conhecimento. melhor discernimento, solução, ou mostre que a resposta está bem

Ela possui aqueles sentidos aterradores. Ela • aprender a fazer distinções sutis (ao abaixo da sua cama, dentro do seu bolso, num

• usar a própria visão aguçada (os olhos pode usar à vontade sua visão, audição, olfato escolher o milho mofado do milho são e ao livro ou atrás da sua orelha. É um fenômeno

incandescentes) para reconhecer a e gosto, e ela é dona do seu próprio Self. Ela selecionar as sementes de papoula de um o fato de uma pergunta feita quando a pessoa

sombra negativa da nossa própria psique tem a boneca, a capacidade sensorial da Yaga monte de estrume). vai dormir, com a prática, suscitar uma

e/ou os aspectos negativos das pessoas e e agora tem também a caveira incandescente. • Observar o poder do inconsciente e como resposta quando a pessoa desperta. Existe

acontecimentos do mundo exterior bem ele funciona mesmo quando, o ego não algo na psique, algo da boneca selvagem,

como para reagir a eles. Por um momento, Vasalisa sente medo do está familiarizado (os pares de mãos que algo que ca por baixo, acima ou dentro do

• Reformular as sombras negativas da poder que carrega e pensa em jogar fora a aparecem no ar). inconsciente coletivo que separa os materiais

própria psique com o fogo-da-megera caveira luminosa. Com esse poder formidável • Aprender mais sobre a vida (o milho) e a enquanto dormimos e sonhamos. E con ar

(a perversa família da madrasta, que às suas ordens, não é de surpreender que morte (as sementes de papoula). nessa qualidade também faz parte da natureza

anteriormente torturava Vasalisa, é ocorra ao seu ego que talvez fosse melhor, selvagem.

reduzida a cinzas). mais fácil, mais seguro, livrar-se dessa luz Pede-se a Vasalisa que separe quatro

ardente, tendo em vista seu valor e o valor que substâncias, o milho mofado do milho são,

Vasalisa traz a caveira incandescente numa Vasalisa adquiriu com ela. No entanto, uma voz e as sementes de papoula do estrume. A

vara diante de si enquanto atravessa a pé a sobrenatural de dentro da caveira recomenda boneca intuitiva realiza essa separação.

oresta, e sua boneca indica o caminho de que ela que calma e siga em frente. E isso ela Às vezes, esse processo de

vol ta . “Vá por aqui, agora por aqui.” consegue fazer. separação ocorre num nível

Vasalisa, que costumava tão profundo que ele mal

ser uma tolinha de olhos Cada mulher que resgate sua intuição e seus chega ao nosso consciente,

vidrados, é agora uma poderes semelhantes aos da Yaga chega a um até que um dia...

mulher que anda com a ponto em que se sente tentada a se desfazer


força à sua frente. deles, pois de que adianta ver e saber todas A separação relatada

Uma luz ardente essas coisas? Essa luz da caveira não perdoa. nessa história é

emana dos olhos, Sob sua claridade, os velhos são idosos; os belos, do tipo que surge

ouvidos, nariz exuberantes; os bobos, tolos; os embriagados, quando nos

e boca da bêbados; os in éis, traiçoeiros; e o inacreditável deparamos com

caveira. Ela é a é registrado como um milagre. A luz da caveira um dilema

vê o que vê. Ela é eterna, e ca sempre ali à ou com uma


metáforas, eles também são remédios para a complexo. Ela percebeu as características Ela aprendeu acerca da vida-morte-vida e
O milho mofado tem dois signi cados. Sob mente. Alguns nutrem, outros relaxam; alguns sombrias e inibidoras da sua própria madrasta do dom das mulheres sobre tudo isso. Com
a forma de bebida, o milho mofado pode ser causam languidez, outros são estimulantes. e irmãs emprestadas, bem como a destruição esse talento recém-adquirido da Yaga, ela
usado tanto como inebriante quanto como São facetas dos ciclos da vida-morte-vida. que elas pretendem lançar sobre ela. não precisa mais sentir falta de con ança
medicamento. Existe um fungo chamado Baba Yaga não está só pedindo que Ela conseguiu transpor as trevas e foi capaz de ou de potência. Tendo recebido o legado das
carvão do milho — um fungo preto bastante Vasalisa separe isso daquilo, que aprenda suportar o rosto da Megera, que é um aspecto mães — a intuição do lado humano da sua
peludo que se encontra no milho mofado — que a diferença entre coisas de natureza da sua própria natureza. Ela está, portanto, natureza e um conhecimento selvagem do lado
também tem a reputação de ser alucinógeno. semelhante — como, por exemplo, o amor capacitada para compreender poderes da psique ligado a La Que Sabe — ela está bem
Vários estudiosos aventaram a hipótese de que verdadeiro do falso, ou a vida revigorante espantosos e conscientes, dela mesma e de preparada. Segue adiante na vida, com os pés
alucinógenos originados do trigo, da cevada, da vida desperdiçada —, mas está pedindo outros. Nada mais de “mas estou com medo”. rmes, um atrás do outro, como uma mulher.
da papoula ou do milho teriam sido usados também que Vasalisa distinga um Ela prestou serviços à Deusa Megera da Ela aglutinou todo o seu poder e agora vê o
nos antigos ritos das deusas elêusicas na medicamento do outro. psique, alimentou o relacionamento, puri cou mundo e sua vida através desse novo enfoque.
Grécia. Além disso, a separação do milho que a persona, manteve limpo o raciocínio. Ela Vejamos o que acontece quando a mulher se
a Yaga pede à Vasalisa que faça também está Como os sonhos, que podem ser compreendidos conseguiu conhecer essa selvagem força comporta desse modo.
relacionada à coleta de plantas medicinais no nível objetivo mas que ainda retêm feminina e seus hábitos.
pelas curanderas, as velhas benzedeiras que uma realidade subjetiva, esses elementos
ainda. hoje podem ser vistas nessa atividade alimentícios/medicinais também representam Aprendeu a discriminar, a separar o

ADELANTE
em toda a América Central e do Sul. Vemos para nós uma orientação simbólica. Como pensamento dos sentimentos. Aprendeu
os antigos remédios e tratamentos das Vasalisa, temos de escolher nossos agentes a reconhecer a imensa força selvagem na
benzedeiras também na semente de papoula, medicinais psíquicos; temos de escolher muito sua própria psique.
que é um soporífero e um barbitúrico, assim para compreender que o alimento da psique
como no estrume, que foi usado desde também é o medicamento da psique, e
tempos remotos e ainda é usado hoje em temos de extrair a verdade, a essência
dia em cataplasmas e como envoltórios, desses elementos para nossa própria
banhos e até mesmo para ingestão sob certas nutrição.
circunstâncias.
Todos esses elementos e tarefas estão
Essa é uma das mais belas passagens da transmitindo a Vasalisa ensinamentos sobre
história. O milho são, o milho mofado, a a natureza da vida-morte-vida, o toma-lá-dá-
semente de papoula e o estrume cá dos cuidados com a natureza selvagem.
são todos remanescentes Às vezes, com o objetivo de aproximar uma
de uma antiga farmácia mulher da natureza da vida- morte-vida, eu lhe
medicinal. Eles são peço que cuide de um jardim. Seja ele psíquico,
usados como bálsamos, seja ele de lama, estrume e verdura, bem
ungüentos, infusões e como de todas as coisas que cercam, ajudam e
cataplasmas para atacam. Que ele representa a psique selvagem.
manter outros O jardim é um vínculo concreto com a vida e a
medicamentos morte. Seria mesmo possível dizer que existe
em contato uma religião dos jardins, pois eles nos ensinam
com o corpo profundas lições espirituais e psicológicas.
e, como Qualquer coisa que possa acontecer a um
seja necessário. A intuição não é para ser falecido de volta para uma consulta. É fácil jardim pode acontecer à alma e à psique —
consultada uma vez e depois esquecida. Ela imaginar que o Self da alma habite exatamente excesso de água, falta de água, pragas, calor,
não é descartável. Ela deve ser consultada a catedral óssea da testa, com os olhos como tempestades, enchentes, invasões, milagres,
a cada passo do caminho, quer o trabalho janelas, a boca como a porta e os ouvidos ressecamento, reverdecimento, bênçãos, cura.
da mulher seja o de enfrentar um demônio como os ventos.
interior, quer seja o de completar alguma Durante a existência do jardim, a mulher
tarefa no mundo externo. Portanto, quando a Yaga dá a Vasalisa escreve um diário, registrando os sinais de
uma caveira acesa, ela está lhe dando um doação de vida e de retirada de vida. Cada
Examinemos agora a caveira com a luz ícone de velha, uma “ancestral sábia” que registro ajuda a formar uma sopa psíquica.
incandescente. Ela é um símbolo de adoração deverá carregar pelo resto da vida. Ela está No jardim, adquirimos prática para deixar
dos ancestrais. Em versões mais recentes de iniciando Vasalisa no legado matrilinear do que pensamentos, idéias, preferências,
arqueologia religiosa da história, diz-se que as conhecimento, que permanece íntegro e desejos e até mesmo amores vivam e morram.
caveiras nas varas pertencem a seres humanos vicejante nas grutas e des ladeiros da psique. Plantamos, arrancamos, enterramos.
que a Yaga matou e comeu. No entanto, nas Secamos sementes, fazemos a semeadura,
religiões mais antigas que praticavam os ritos Assim, lá vai Vasalisa pela oresta escura protegemos as plantinhas. O jardim é uma
de a nidade com os ancestrais, os ossos eram adentro com a caveira na vara. Ela perambulou prática de meditação, a de dizer a hora de
reconhecidos como agentes para a um pouco para chegar até a Yaga mas agora alguma coisa morrer. No jardim, podemos
invocação de espíritos, sendo a caveira a parte volta para casa com maior segurança, ver chegar a hora de desfrutar e a hora da
mais notável. maior certeza, com a postura ereta, voltada regressão. No jardim, estamos nos movendo
para a frente. Essa é a subida a partir da de acordo com a inspiração e a expiração da
Nos ritos de a nidade com os ancestrais, iniciação da intuição profunda. A intuição grande natureza selvagem, não contra ela.
acredita-se que o conhecimento especial e foi engastada em Vasalisa como uma pedra
atemporal dos velhos de uma comunidade preciosa no centro de uma coroa. Quando a Através dessa meditação, reconhecemos que
esteja perpetuado nos seus próprios ossos mulher chegou a esse ponto, ela conseguiu o ciclo da vida-morte-vida é natural. Tanto
após a morte. Considera-se que a caveira seja a largar a proteção da sua própria mãe- o lado da mulher selvagem que dá a vida
cúpula que abriga um poderoso remanescente boa-demais interior, aprendeu a esperar quanto aquele que distribui a morte estão
da alma que partiu... remanescente este a adversidade no mundo externo e a esperando um contato amigo, esperando ser
que, se solicitado, pode invocar o espírito do lidar com ela num estilo forte em vez de amados para sempre. Nesse processo, nós nos
tornamos como a natureza selvagem cíclica.
Temos a capacidade de infundir
energia e reforçar a vida, sem
atrapalhar o que vai morrer.
Atividade
“Criando suas próprias A oitava tarefa — De pé nas quatro patas

B
Medicinas Psíquicas” aba Yaga sente repulsa pela demais da doçura e ingenuidade excessiva.
bênção da mãe falecida e Isso ela deixa nas mãos da psique pessoal.
dá a Vasalisa a luz — uma Nesse sentido, pode-se dizer que ela sabe
Para um momento durante seu dia (ou noite) e re ita sobre quais atividades
caveira incandescente numa muito bem car no seu lugar. Seu lugar é o
poderiam ser inseridas na sua rotina e, consequentemente, integradas na sua
vara — dizendo-lhe que se mundo subterrâneo da psique. O lugar da
personalidade que te ajudariam a limpar, organizar e puri car o seu ambiente
vá. As tarefas desta parte da história são as mãe-boa-demais é o mundo da superfície.
psíquico.
seguintes: Quando a mulher integra esse aspecto da
Yaga, ela deixa de aceitar como verdadeira
Procure atividades que você goste e que cumpram a funçam de medicina psíquica.
• assumir um poder imenso de ver e afetar qualquer coisa que lhe apareça pela frente.
Escreva a sua preferida. Comece já!
os outros (o recebimento da caveira). Para conquistar um distanciamento mínimo
• Ver as situações da própria vida com essa da carinhosa bênção da mãe-boa-demais, a
nova luz (descobrir o caminho de volta à mulher aos poucos aprende não só a olhar,
família da madrasta). mas a xar os olhos e vigiar com atenção.

Baba Yaga sente repulsa porque Vasalisa foi Tendo criado, através de sua experiência
abençoada pela mãe, ou ela sente repulsa por de servir à Yaga, uma capacidade interior
bênçãos em geral? Na realidade, nem uma que antes não possuía, Vasalisa recebe
alternativa nem outra. uma parte do poder selvagem da Baba
Pode-se interpretar a questão da bênção Yaga. Algumas mulheres receiam que esse
da mãe do seguinte modo: a Yaga não sente profundo conhecimento por meio do instinto
repulsa pelo fato da bênção em si, mas está, sim, e da intuição irá torná-las irresponsáveis ou
irritada com o fato de a bênção ser proveniente desmioladas, mas esse é um medo infundado.
da mãe-boa-demais, a doce e gentil queridinha Vale o contrário. A falta de intuição, a falta
da psique. Se a Yaga for el a si mesma, ela de sensibilidade dão origem a escolhas que
não gostará de estar próxima acabam se revelando infelizes e até mesmo
demais, por muito tempo, do desastrosas. Com maior freqüência, esse
lado perfeitinho e recatado tipo de conhecimento da Yaga impulsiona as
Alguns exemplos são: meditação, terapia, oração, estudos,
da natureza feminina. mulheres com movimentos mínimos, e com
dança, jardinagem, costura, escrita, pintura, trabalhos manuais.
freqüência ainda maior fornece orientação ao
Embora a Yaga seja proporcionar imagens nítidas do “que está por
capaz de dar o sopro trás ou por baixo” das motivações, idéias, atos
da vida a um lhote e palavras próprias e dos outros.
de camundongo Se a psique instintiva disser “Cuidado!”, a
com uma ternura mulher deve prestar atenção. Se a intuição
in nita, ela profunda disser “Faça isso, faça aquilo, vá
prefere não por esse lado, pare aqui, siga em frente”, a
se aproximar mulher deverá corrigir seus planos conforme
A sétima tarefa — Perguntar sobre os
mistérios
avisa que “saber demais pode envelhecer a nada; a compreensão virá. Algumas coisas
pessoa antes do tempo”. Há uma quantidade precisam ser aceitas como fora do nosso

D
determinada de coisas que todos deveríamos alcance, muito embora elas nos in uenciem e

dar corda nas chaves que saíam das costas


saber em cada idade e cada estágio das nossas nos enriqueçam. Diz um ditado, “Há assuntos
epois de completar com
dos patos. Quando as chaves de dar corda de
vidas. Na história, conhecer o signi cado que só a Deus pertencem”.
sucesso as suas tarefas,
madeira não giravam mais, os patos caíam e
das mãos que aparecem e espremem o óleo Portanto, com o término das tarefas, a
Vasalisa faz algumas boas
seus corpos se estilhaçavam, ela devia abanar
de milho e da semente de papoula, dois intuição é aprofundada, e poderes intuitivos
perguntas à Yaga. As
seu avental para as almas no instante da sua
medicamentos que por si sós podem ser emanam tanto do lado humano quanto do
perguntas deste estágio são
liberação, espantando-as para o céu. Sua
revitalizantes e fatais, é querer saber demais. lado espiritual da psique. Agora temos como
as seguintes:
quarta função consistia em pôr mais tüz em
Vasalisa faz perguntas sobre os cavalos, mas mestres a boneca de um lado e a Baba Yaga

outros lindos patos de porcelana, dar-lhes corda


não sobre as mãos. do outro.
• Perguntar e tentar aprender mais a
respeito da natureza da vida-morte-vida e e soltá-los para que vivessem suas vidas...
Nessa parte, a Yaga faz alusão a um outro
de seu funcionamento (Vasalisa pergunta
conjunto de ciclos da vida feminina. À
sobre os cavaleiros). ] A história do tüz é uma das mais claras na
medida que a mulher passa por eles, ela
• Aprender a verdade acerca da capacidade descrição de como a mãe da vida-morte-vida
compreende cada vez mais esses ritmos
de compreender todos os elementos da emprega seu tempo. Em termos psíquicos,
femininos interiores, dentre eles os ritmos da
natureza selvagem (“saber demais pode a Mãe Nyx, Baba Yaga, as Mulheres das
criatividade, da parição de lhos psíquicos e
envelhecer a pessoa antes do tempo”). Águas, La Que Sabe e a Mulher Selvagem
talvez de lhos humanos também, os ritmos
representam imagens diferentes, idades,
da solidão, da brincadeira, do descanso, da
Todas nós começamos com a pergunta “Quem disposições e aspectos diferentes da Mãe
sexualidade e da caça. Não é preciso forçar
sou eu, na realidade? Qual é a minha função Selvagem. Infundir tüz nas nossas idéias, nas
aqui?” A Yaga nos ensina que somos a vida- nossas vidas, nas vidas daqueles que tocamos:
morte-vida, que esse é o nosso ciclo, que esse é essa a nossa função. Espantar a alma de volta
é o nosso insight muito particular do feminino para casa: é essa a nossa função. Soltar uma
profundo. grande quantidade de centelhas para encher
o dia e criar uma luz para que possamos ver
Quando eu era menina, uma das minhas tias o caminho pela noite adentro: é essa a nossa
me contou a lenda das “Mulheres função.
das Águas”. Ela disse que às
margens de cada lago vivia Vasalisa pergunta sobre os homens a cavalo
uma jovem com mãos de que viu enquanto procurava o caminho até
velha. Sua primeira função o casebre da Baba Yaga: o homem de branco
era a de colocar tüz — que no cavalo branco, o de vermelho no cavalo
posso apenas descrever vermelho e o de negro no cavalo negro. O
como “fogo-da- casebre de Baba Yaga é uma cocheira para
alma” — em dúzias os cavalos multicores e para seus cavaleiros.
de lindos patos São eles que puxam o sol para que cruze os
de porcelana. céus durante o dia, e que puxam a cortina das
Sua segunda trevas para encobrir o céu à noite. Mas não é
função era a de só isso. Os cavaleiros de negro, de vermelho
e de branco simbolizam as antigas cores medicamento para as enfermidades psíquicas, Além dos cavaleiros, tanto Vasalisa quanto sua
associadas ao nascimento, à vida e à morte. uma cor que desperta o apetite. No mundo boneca estão vestidas de vermelho, branco e
Essas cores também representam velhas inteiro existe uma gura conhecida como preto. Vasalisa e sua boneca são as anlagen da
idéias de descida, morte e renascimento — o a mãe vermelha. Ela não é tão conhecida alquimia. Juntas elas fazem com que Vasalisa
negro signi cando a dissolução de antigos quanto a madona ou mãe negra, mas é a se torne a futura mãe da vida-morte-vida.
valores; o vermelho, o sacrifício de ilusões guardiã das “coisas que passam”. Suas graças Na história há duas epifanias ou doações de
mantidas anteriormente; e o branco, a nova são especialmente procuradas por quem está vida. A vida de Vasalisa é revitalizada pela
luz, o novo conhecimento que deriva de ter para dar à luz, pois quem quer que deixe este boneca e pelo seu encontro com Baba Yaga;
vivenciado as duas primeiras cores. mundo ou que nele entre precisa atravessar conseqüentemente por todas as tarefas que
seu rio vermelho. O vermelho é uma promessa ela consegue cumprir. Há também na história
Os velhos termos usados nos tempos medievais de que uma ascensão ou um nascimento está duas mortes: a da mãe-boa-demais e a da
são nigredo, negro; rubedo, vermelho; albedo, por acontecer. família da madrasta. No entanto, percebemos
branco. Eles descrevem uma alquimia que com facilidade que as mortes são convenientes
segue o trajeto da Mulher Selvagem, o trabalho O branco é a cor do novo, do puro, do e que, em última análise, elas proporcionam à
da mãe da vida-morte-vida. Sem os símbolos imaculado. É também a cor da alma livre do menina uma vida mais plena.
do amanhecer, da luz que sobe e da escuridão corpo, do espírito desembaraçado do físico. É
misteriosa, ela não seria quem ela é. Sem o a cor da nutrição essencial, do leite materno. Assim, essa atitude de deixar morrer, deixar
brotar da esperança nos nossos corações, sem Por outro lado, ele é a cor dos mortos, daquilo viver, é muito importante. Trata-se do ritmo
uma luz permanente — não importa se de uma que perdeu seu tom rosado, o rubor da básico e natural que as mulheres devem
vela ou de um sol — a discriminar isso daquilo vitalidade. Quando surge o branco, tudo ca, compreender... e vivenciar.
nas nossas vidas, sem uma noite a partir da temporariamente, tabula rasa, sem nenhuma
qual tudo pode ser amenizado, a partir da qual inscrição. O branco é uma promessa de que Captar esse ritmo reduz o medo, pois prevemos
tudo pode nascer, nós também não teríamos existe nutrição su ciente para que tudo o futuro, e os maremotos e marés vazantes
nada a aproveitar da nossa natureza selvagem. comece de novo. que ele reserva.
É isso o que Baba Yaga quer dizer quando
As cores da história são extremamente
preciosas pois cada uma tem seu lado de
morte e seu lado de vida. O negro é a cor da
lama, da fertilidade, da substância
básica na qual semeamos nossas
idéias. No entanto, o negro é
também a cor da morte,
do escurecimento da luz.
O negro tem ainda um
da descida. O negro é uma promessa de que
terceiro aspecto. Ele é a
você logo irá saber algo que antes não sabia.
cor associada àquele
mundo entre os
O vermelho é a cor do sacrifício, da fúria,
mundos no qual
de matar e de ser morto. No entanto, o
se baseia La
vermelho é também a cor da vida vibrante, da
Loba — pois o
emoção dinâmica, da excitação, de eros e do
negro é a cor
desejo. É uma cor considerada um poderoso

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