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ADVOCACIAGERAL DA UNIÃO
PROCURADORIAGERAL FEDERAL
PROCURADORIA FEDERAL ESPECIALIZADA JUNTO À AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES
SEDE
COORDENAÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
SAUS, QUADRA 6, BLOCO H, 6º ANDAR, ALA NORTE BRASÍLIA/DF CEP 70.070940 (61) 23122062
PARECER n. 00134/2017/PFEANATEL/PGF/AGU
NUP: 53500.005645/201559
INTERESSADOS: LEIA PEREIRA DA SILVA PINHO
ASSUNTOS: INQUÉRITO / PROCESSO / RECURSO ADMINISTRATIVO
EMENTA: Dúvida jurídica. Controle do Ato Administrativo. Ampla revisibilidade do ato
administrativo. Recursos. Princípio do informalismo. Princípio da verdade material. Princípio da
segurança jurídica. Critérios. Princípio da Dialeticidade. Processo administrativo sancionador.
Informe complementar nº 84/2016/SEI/UO0001/SFI. Discordância. Pela admissibilidade do
terceiro recurso interposto. Respostas aos questionamentos constantes do Memorando nº
4/2017/SEI/IF.
1. RELATÓRIO
1.1 Instauração e instrução do Procedimento para Apuração de Descumprimento de Obrigações
Pado
1. Tratase de procedimento administrativo instaurado em face de LEIA PEREIRA DA SILVA PINHO,
executante não outorgada do serviço de radiodifusão em frequência modulada, na cidade do Gama/DF, pelo uso não
autorizado de radiofrequência.
2. A parte assinou o Auto de Infração produzido nos autos.
3. No Relatório de Fiscalização alegou a infratora que não seria a responsável pela emissora de Rádio e
que apontaria os supostos responsáveis pela instalação e manutenção dos equipamentos utilizados na atividade
clandestina na peça de defesa. Alegou ainda ter pouca escolaridade e não ter a intenção de realizar a atividade de
forma clandestina.
4. Na defesa, fls. 32/35, sustentou a infratora que teria começado suas atividades em 28/02/2015, e que
operava a rádio clandestina por duas horas diárias, pagando a quantia de R$ 300,00 (trezentos reais) pelo
desenvolvimento desta atividade ao Sr. Ricardo Lúcio da Silva, que supostamente teria a outorga da atividade.
5. O Informe nº 46/2015 – UO001F12/UO001 de 02/06/2015, fls. 44/47, sugeriu a aplicação de multa no
valor de R$ 2.152,87 (dois mil, cento e cinquenta e dois reais e oitenta e sete centavos).
6. A infratora apresentou suas Alegações Finais, fls. 50/53.
7. O Despacho nº 5.846, de 20 de julho de 2015, acolheu a sugestão do valor da multa calculado pela área
técnica em R$ 2.152,87 (dois mil, cento e cinquenta e dois reais e oitenta e sete centavos), fls. 58.
1.2 Recurso 1
8. Após notificada da decisão prolatada, a infratora apresentou o primeiro recurso, em que reiterou os
argumentos já constantes na defesa apresentada, fls. 64/66.
9. No Informe nº 154/2015 UO001 F12/UO001, de 19/11/2015, fls. 73/74, a área técnica opinou pelo não
conhecimento do recurso em face da ausência do requisito de admissibilidade relativo à tempestividade.
10. O recurso interposto pela infratora assim não foi conhecido, por meio do Despacho nº 10.358, de 19 de
novembro de 2015, do Gerente da Unidade Operacional da Anatel do Distrito Federal Substituto.
1.3 Recurso 2
11. Após a notificação da decisão, por meio do Ofício nº 306/2014UO001F12/UO001 Anatel, de
27/11/2015, fls. 78, houve a interposição do segundo recurso, protocolizado em 15/12/2015.
12. Destacou a área técnica ser intempestivo este recurso e também não atender ao requisito da
regularidade formal, por conter apenas pedido de reforma da decisão que considerou o primeiro recurso intempestivo.
Na verdade, a infratora teria apresentado no Recurso 2 cópia que contém indicação de protocolo de apresentação junto à
Agência datado de 07/08/2015, data diferente da que foi considerada no opinativo da área técnica para analisar a
tempestividade do primeiro recurso, qual seja, 10/08/2015.
1.4 Recurso 3
13. Por meio do Despacho Decisório nº 164/2016/SEI/FIGF/SFI, o Superintendente de Fiscalização da
Agência Nacional de Telecomunicações decidiu por não conhecer do Recurso 2, por intempestividade.
14. Da decisão proferida houve notificação da parte.
15. Houve também a notificação de Ricardo Lúcio da Silva, que, como alega a infratora, supostamente teria
a outorga da atividade, tendo, contudo transcorrido o prazo sem qualquer manifestação, conforme certidão juntada ao
SEI.
16. A parte interpôs o Recurso 3 em 07/06/2016, considerado tempestivo pela área técnica, tendo esta
sugerido, por meio do Informe nº 79/2016/SEI/UO001/SFI que, por não assistir razão à infratora em suas impugnações,
deveria lhe ser negado provimento.
17. Logo em seguida, por meio do Informe complementar nº 84/2016/SEI/UO0001/SFI, a área técnica
retificou o Informe anterior acima mencionado, alterando seu entendimento e sua conclusão, a fim de que não fosse
conhecido o recurso por ausência do requisito de admissibilidade, relativo à regularidade formal, porque lhe faltaria
a exposição clara e completa das razões de inconformidade da recorrente.
1.5 Conselho Diretor dúvida jurídica
18. Após ter sido encaminhado o Recurso 3 para análise do Conselho Diretor, foi encaminhado
Memorando pelo Conselheiro Igor Vilas Boas a este órgão jurídico, para que se manifeste em caráter geral sobre dúvida
jurídica, in verbis:
Nesse sentido, outros questionamentos, sobre os quais seria relevante obter manifestação dessa
PFE, foram suscitados, a seguir:
1. Considerandose o princípio do formalismo moderado ou informalismo, seria possível se
aplicar, ao juízo de cognoscibilidade dos recursos interpostos nos processos administrativos, o
mesmo rigor exigido para a admissibilidade dos recursos interpostos nos processos judiciais
cíveis, exigindose dos administrados a obediência ao princípio da dialeticidade? Há sentido em
se permitir que o próprio administrado exerça o seu direito de defesa, sem que se lhe exija
representação por advogado e, ao mesmo tempo, dele se demandar conhecimentos jurídicos
aprofundados, tais como a observância ao princípio da dialeticidade, para que tenha seu recurso
conhecido pela Agência?
2. Em eventual conflito entre o princípio da verdade material e o princípio da dialeticidade, qual
deve prevalecer?
3. A observância do princípio da dialeticidade deve necessariamente ensejar o não conhecimento
do Recurso Administrativo e consequentemente o não enfrentamento das questões de mérito por
ventura suscitadas na peça recursal?
19. É o breve relatório. Passase ao opinativo.
2. FUNDAMENTAÇÃO
20. A tramitação do processo ocorreu em conformidade com os dispositivos legais e regulamentares, sendo
observados os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
21. Quanto ao último recurso interposto, a área técnica propôs que não fosse conhecido, por ausência do
requisito de admissibilidade relativo à regularidade formal, porque lhe faltaria a exposição clara e completa das razões
de inconformidade da recorrente, inobservandose o princípio da dialeticidade.
22. Após o recurso ter sido remetido ao Conselho Diretor para análise, o Conselheiro Igor Vilas Boas
remeteu os autos para consulta a este órgão jurídico, diante da recente aprovação do Parecer nº 506/2016/PFE
ANATEL/PGF/AGU, a fim de que a Procuradoria esclareça a aplicabilidade do princípio da dialeticidade nos processos
administrativos no âmbito desta Agência, tendo em vista também a revogação do Parecer nº 380/2010/CBS/PGF/PFE
Anatel.
23. Passase, então, ao exame da questão.
2.1 Princípio da dialeticidade
24. Este órgão jurídico foi instado a se manifestar sobre o princípio da dialeticidade, visto que surgiram
algumas dúvidas no âmbito da Agência após a prolação do Parecer n. 00506/2016/PFEANATELSEDE/PGF/AGU. No
mencionado opinativo, esta Procuradoria afirmou, em síntese, a) que o conhecimento de recurso administrativo não se
sujeita ao excessivo rigor que impera no processo civil; b) não se vislumbrar irregularidade no fato de o recorrente, em
sua peça recursal, apenas reiterar argumentos já apresentados em fases processuais anteriores; c) a necessidade de
revogação do Parecer nº 380/2010/CBS/PGF/PFEAnatel, em razão da superação de entendimento, sugestão aprovada
pelo ProcuradorGeral da Anatel.
25. O princípio da dialeticidade, próprio do processo judicial, tem o sentido de que o recurso deve conter
todas as razões de inconformismo do recorrente, impugnandose especificamente todos os fundamentos adotados na
decisão recorrida.
26. Confirase a seguir precedente jurisprudencial em que revela o sentido do princípio da dialeticidade
aplicável aos recursos judiciais, in verbis:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO.
MAGISTÉRIO SUPERIOR. ATRASO DE MEMBRO DA COMISSÃO EXAMINADORA NA
REALIZAÇÃO DA PROVA ESCRITA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. SEGURANÇA
CONCEDIDA. APELAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO.
AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇAO ESPECÍFICA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO
DA DIALETICIDADE. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. DEFERIMENTO DO
PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA.
[...]
3. Não se conhece de recurso que não impugna especificamente os fundamentos da decisão
recorrida, limitandose a relatar os fatos ocorridos no certame que culminaram com a sua
anulação e a realização de novo concurso público.
4. A omissão da parte em impugnar especificamente os fundamentos da sentença recorrida
viola o princípio das dialeticidade e acarreta o não conhecimento do recurso. Precedentes
deste Tribunal.
[...] [Grifos nossos].
[TRF/1ª Região. AMS 00045282520134013600, Rel. Des. Federal Néviton Guedes, Quinta
Turma, eDJF1 de 1.12.2015, p. 1.258].
27. A previsão legal para a exigência do princípio da dialeticidade está, entre outros dispositivos
normativos, nos seguintes artigos do Novo Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 932. Incumbe ao relator:
[...]
III não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado
especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão
colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.
§ 1o Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da
decisão agravada.
28. A leitura levada a cabo pelo Poder Judiciário ao seu funcionamento, a realçar seu entendimento sobre o
próprio alcance do princípio da dialeticidade naquela esfera, pode ser exemplificada pelo que está materializado na
súmula 283 do Supremo Tribunal Federal, que impõe excessivo rigor ao conhecimento dos recursos extraordinários
encaminhados àquela corte constitucional: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta
em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles". Ou seja, na esfera judicial, o recorrente
deve impugnar especificamente todos os fundamentos em que se funda cada capítulo de sentença ou decisão.
29. Como se vê, a aplicação desse princípio no processo judicial tem grande rigidez. Porém, no processo
civil, a atuação judicial depende de provocação das partes, de modo que o órgão judicante, em regra, somente pode
julgar dentro dos estritos limites estabelecidos pelos pedidos dos litigantes. No processo administrativo, ao contrário,
a Administração Pública possui liberdade para decidir além do que pedido pelos interessados. Assim, mesmo que
determinado aspecto no processo não seja levantado pelo administrado, à Administração lhe é permitida tomar as
correspondentes providências.
30. Portanto, o princípio da dialeticidade não pode ser transposto para o processo administrativo com a
mesma conotação inerente aos recursos judiciais. No processo administrativo, sobretudo no processo sancionador, o
princípio da dialeticidade deve ser encarado como um simples diálogo com o processo, de forma que o recurso
apresentado pelo interessado tenha coerência com a matéria tratada nos autos.
31. No processo administrativo vige, também, o informalismo procedimental, segundo o qual "no silêncio da
lei ou de atos regulamentares, não há para o administrador a obrigação de adotar excessivo rigor na tramitação dos
processos administrativos, tal como ocorre, por exemplo, nos processos judiciais" (CARVALHO FILHO, José dos
Santos. Manual de Direito Administrativo. 25. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2012, p. 968).
32. Ademais, segundo o art. 3º, inc. IV, da Lei de Processo Administrativo LPA (Lei nº 9.784, de 1999), o
administrado tem o direito de "fazerse assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a
representação, por força de lei". Não é crível, portanto, permitir ao administrado defenderse diretamente perante a
Administração, sem a assistência de um advogado, mas lhe exigir o cumprimento de diversos requisitos não expressos
nas leis administrativas vigentes, cujos detalhamentos e complexidades só seriam exigíveis de conhecimento por parte
de um especialista.
33. Segundo preconiza o art. 6º da LPA, regra repetida pelo Regimento Interno da Anatel (art. 41), todo
requerimento do interessado deve conter alguns dados, dentre eles, "a formulação do pedido, com exposição dos fatos e
de seus fundamentos". No parágrafo único do referido dispositivo, vedase à Administração recusar imotivadamente o
recebimento de documentos, devendo o interessado ser orientado quanto à necessidade de suprir eventuais falhas. Não
consta do comando legal a necessidade de o recurso impugnar especificamente todos os fundamentos adotados pela
decisão recorrida. Exigível do recorrente é a existência, em sua peça recursal, da formulação de pedido, com exposição
dos fatos e fundamentos que entenda como suficientes para ter seu pleito avaliado.
34. Considerando que sequer se exige do administrado que se faça representar por advogado, não há de se
empregar rigor nessa análise de juízo de admissibilidade. Ao contrário, podese dizer que o não conhecimento de
recurso por não observância de tais requisitos deve ser excepcional, apenas em casos extremos, em que, por exemplo, a
parte simplesmente seja incompreensível ou que se manifeste de maneira claramente dissociada do objeto do processo.
Assim, basta que a petição tenha relação com a matéria tratada no respectivo processo para que ela seja conhecida.
35. O Regimento Interno, no art. 116, dispõe sobre os requisitos para permitir o conhecimento de recursos
pela Administração e, no art. 120, determina a observância do disposto no art. 41. Portanto, devese exigir do
administrado, ao interpor seu recurso, a observância desses requisitos para conhecimento da sua irresignação, não sendo
recomendável à Administração fazer maiores digressões sobre eles, sob pena de dificultar ou, até mesmo, impedir o
direito de defesa do interessado.
36. Vale salientar que o recurso administrativo encontra suporte jurídico no direito de petição, previsto no
art. 5º, XXXIV, "a", da Constituição Federal, que é um dos meios de controle administrativo previsto no ordenamento
jurídico, não podendo os recorrentes encontrar obstáculos extremamente formalistas para sua interposição.
37. Por outro lado, também vige no processo administrativo sancionador o princípio da verdade material, que
tem como finalidade a busca da verdade real pela Administração, de modo a lhe permitir, além de trazer à tona as
questões de ordem pública, decidir de acordo com os fatos, e não apenas com as provas produzidas e argumentos
trazidos pelo administrado. Desse modo, ainda que o recorrente não alegue determinado fato ou fundamento que lhe seja
favorável, a Administração deve considerálo no momento de decidir o processo, se for de seu conhecimento,
obviamente, buscandose, com isso, a concretização da verdade material.
38. Acerca do princípio da verdade material no processo administrativo, confirase o seguinte precedente
jurisprudencial, in verbis:
DIREITO TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. SALDO NEGATIVO DE IRPJ E CSLL. ERRO
NO PREENCHIMENTO DE DOCUMENTOS FISCAIS. COMPENSAÇÃO NÃO
HOMOLOGADA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITOS
FISCAIS. PROVAS E DOCUMENTOS. ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL. AUTENTICAÇÃO.
PRINCÍPIO DA BOAFÉ DAS PARTES LITIGANTES. PERÍCIA. APURAÇÃO.
ILEGALIDADE DO IMPEDITIVO ADMINISTRATIVO AO RECONHECIMENTO DA
COMPENSAÇÃO POR MERO EQUÍVOCO NO PREENCHIMENTO DAS INFORMAÇÕES
AO FISCO. RECURSO DE APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL DESPROVIDOS.
1. Rejeitase a preliminar de não conhecimento do recurso por ofensa ao princípio
da dialeticidade defendido pela apelada, quando verificado, nas razões recursais, que a parte
apelante impugnou os fundamentos da sentença, aduzindo argumentos para reformála.
2. Um dos princípios que norteiam o processo administrativo é o da verdade material, de
forma que o administrador deve perseguir a verdade real, mediante o exame dos fatos, não
limitando sua atuação à mera verificação de formalidades do processo. A busca pela verdade
real não se resume às situações de constituição do crédito tributário, mas estendese a todo
processo administrativo fiscal, inclusive os casos de restituição e compensação. Nesse
contexto, o contribuinte tem o direito de ver o seu requerimento apreciado para permitir a
realização da restituição ou compensação de direito, caso seja constatada a existência de
crédito em seu favor (saldo negativo), valendose da interposição de recurso
administrativo cabível ou da medida judicial adequada. Não se deve privilegiar o excesso de
formalismo em detrimento dos princípios da instrumentalidade das formas, da verdade real e
da efetividade da tutela jurisdicional (arts. 244 e 250, parágrafo único, do CPC/1973).
[...]
7. Recurso de apelação e remessa oficial desprovidos. [Grifos nossos].
[TRF/3ª Região. APELREEX 1712115, Rel. Des. Federal Antônio Cedenho, Terceira Turma, e
DJF3 de 31.5.2016].
39. Em razão do princípio da verdade material, bem como da informalidade e da ampla revisibilidade dos
recursos administrativos, a apresentação de recurso pelo administrado, ainda que não contenha fundamentos que
ataquem diretamente a decisão impugnada, mas tratem da matéria veiculada no processo, impõe à Administração o
dever de analisar o recurso interposto, bem como todos os fatos e argumentos constantes dos autos, a fim de decidir em
consonância com a verdadeira realidade dos fatos. Nesse ponto, vale lembrar que matérias de ordem pública, a exemplo
da prescrição, devem ser enfrentadas pelo órgão julgador independentemente de provocação do administrado.
40. Seguindo essa linha de raciocínio, o recurso apresentado pelo administrado não deve deixar de ser
conhecido se houver, em suas razões recursais, motivação com conexão à matéria tratada nos autos, salvo se existirem
outras hipóteses para o não conhecimento do recurso (art. 116 do Regimento Interno).
41. Após essas primeiras ponderações acerca do princípio da dialeticidade, passase a seguir a fazer
algumas considerações sobre os princípios administrativos que embasam o entendimento exposto acima, bem como no
Parecer n. 00506/2016/PFEANATELSEDE/PGF/AGU.
2.2 Princípios informalismo, verdade material, segurança jurídica
42. Por meio dos recursos do administrado, o pleito pela revisibilidade do ato é levado ao conhecimento da
Administração. Para tanto, o recurso deve atender a alguns requisitos, a fim de que possa ser conhecido e analisado em
seu mérito, conforme previsão no art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, e nos arts. 115 e 116 do Regimento Interno da
Anatel, in verbis:
Lei do Processo Administrativo
Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.
Regimento Interno da Anatel
Art. 115. Das decisões da Agência, quando não proferidas pelo Conselho Diretor, cabe
interposição de recurso administrativo por razões de legalidade e de mérito, independentemente
de caução.
§ 1º O recurso administrativo será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, que:
a) decidirá sobre o seu conhecimento, nos termos do art. 116;
b) na hipótese de conhecimento, caso não se retrate, o encaminhará à autoridade
hierarquicamente superior.
§ 2º Caberá recurso contra decisão que não conhecer do recurso administrativo, na hipótese
prevista na alínea “a” do parágrafo anterior, que deverá ser encaminhado à autoridade
hierarquicamente superior à que proferiu a decisão.
§ 3º A reforma da decisão sobre admissibilidade do recurso administrativo ensejará, na
mesma decisão, a deliberação sobre o mérito do recurso originalmente interposto.
§ 4º Salvo disposição em contrário, a autoridade imediatamente superior àquela que proferiu a
decisão será competente para analisar o pedido de concessão de efeito suspensivo, quando
houver.
(negritouse)
Art. 116. O recurso, dentre outras hipóteses, não será conhecido quando interposto:
I fora do prazo;
II por quem não seja legitimado;
III por ausência de interesse recursal;
IV após exaurida a esfera administrativa;
V quando contrariar entendimento fixado em Súmula da Agência.
Parágrafo único. O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício
o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa.
43. Conforme lição trazida por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, tratamse os recursos de instrumentos de
controle administrativo dos atos e processos suspeitos de defeitos de legalidade ou de mérito nos processos
administrativos:
“São instrumentos do controle administrativo os atos e os processos, previstos em lei, destinados
a suscitar e a realizar o reexame de atos suspeitos de defeitos de legalidade ou de mérito.
(...)
Recursos em processos administrativos
Ainda com assento constitucional, no art. 5º, LV, os recursos são garantidos aos litigantes em
processo administrativo, não importa que os regule.
Recursos administrativos são os pedidos formais de reexame de atos, geralmente fundados no
princípio hierárquico ou especialmente instituídos por lei. O ato da autoridade recorrida, como
resultado da apresentação do recurso, salvo se de outro modo venha dispor a lei, é devolvido
para reapreciação da autoridade recorrente sob todos seus aspectos, de legalidade e de
mérito. (negritouse)
(Curso de Direito Administrativo, 14ª edição, Editora Forense, fls. 568)
44. Assim, de acordo com o princípio da recorribilidade, as decisões no processo administrativo podem ser
revistas pela autoridade hierárquica recursal (art. 5º, LV, CF), sendo exigidos por lei alguns requisitos, a fim de que os
recursos sejam admitidos e analisados.
45. Insta salientar que tais requisitos não apresentam o mesmo rigor exigido para os processos judiciais, já
que o processo administrativo é regido por regime jurídico próprio, orientado e disciplinado por princípios que lhe são
peculiares.
46. Leciona Celso Antônio Bandeira de Mello que no ordenamento jurídico brasileiro são aplicáveis alguns
princípios a todo procedimento, dentre eles o princípio da revisibilidade, o princípio da verdade material e o princípio do
informalismo. Esclarece ainda o doutrinador que o princípio do informalismo não se aplica aos procedimentos
concorrenciais (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 19ª edição, editora Malheiros
Editores, fls. 469/470). Confiramse, in verbis:
Sem embargo, dito princípio não se aplica aos procedimentos concorrenciais, na medida em que
sua utilização afetaria a garantia da igualdade dos concorrentes. Assim, não é aplicável à
generalidade dos procedimentos, visto que existe esta exceção apontada.
(Curso de Direito Administrativo, 19ª edição, editora Malheiros Editores, fls. 473).
47. Tratase o princípio do informalismo de um princípio importante no âmbito dos procedimentos
administrativos (com exceção dos procedimentos concorrenciais), que busca dar efetividade ao princípio da verdade
material sendo ainda um desdobramento do princípio da ampla defesa, em que se oportuniza ao administrado poder ser
ouvido, em suas razões, pela Administração, ao pleitear a revisão de uma decisão, mesmo se não tiver atacado
especificamente os fundamentos da decisão recorrida.
48. Assim, o princípio do informalismo procedimental, que orienta os processos administrativos, deve
orientar a atuação da Administração, evitandose a aplicação de rigorismos exagerados, sobretudo no silêncio da lei e
de demais atos normativos, efetivandose o princípio da ampla defesa.
49. Ademais, a atuação da Administração deve ser compreendida e disciplinada pelo princípio da verdade
material, segundo o qual ela não deve ficar restrita apenas às provas produzidas nos autos, para decidir no âmbito do
processo administrativo.
50. Ressaltase que, tratandose de processo administrativo punitivo, em que há o exercício do poder de
polícia, em que pode a Administração, sob o comando legal, restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos
individuais em favor do interesse da coletividade, o princípio da verdade material ganha ainda maior importância.
51. Destacase também o princípio da segurança jurídica, que garante aos administrados que não sejam
surpreendidos a todo o tempo por decisões casuísticas, já que estão submetidas aos critérios estabelecidos pela lei.
52. Tratandose de processo administrativo sancionador, as condutas infrativas e respectivas sanções têm
previsão legislativa, devendo se pautar pela verdade real, sem rigorismos exacerbados, conferindose assim segurança
jurídica aos administrados. Além disso, é conferido ao administrado, para maior segurança jurídica, a oportunidade de
pleitear que a decisão sancionatória seja reanalisada pela Administração, que se pautará pela verdade material.
53. Tamanha é a importância da aplicação do princípio da verdade material aos processos administrativos
que há previsão no art. 63, §1º, da Lei 9.784/99, que, na hipótese de o recurso ser interposto perante autoridade
incompetente pelo administrado, a este será apontada a autoridade competente e lhe será devolvido o prazo para
recorrer, in verbis:
Art. 63. O recurso não será conhecido quando interposto:
I fora do prazo;
II perante órgão incompetente;
III por quem não seja legitimado;
IV após exaurida a esfera administrativa.
§ 1o Na hipótese do inciso II, será indicada ao recorrente a autoridade competente, sendolhe
devolvido o prazo para recurso.
§ 2o O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal,
desde que não ocorrida preclusão administrativa.
54. Neste mesmo sentido, conferindose segurança jurídica e pautandose no princípio da verdade
material, o art. 63, §2º, estabelece que o não conhecimento do recurso não impede que a Administração revise o ato de
ofício, se se tratar de ato ilegal, em que não tenha havido preclusão administrativa.
55. Tratase de regras próprias do processo administrativo que dão efetividade ao regime jurídico a que está
sujeito, dandose aplicabilidade aos princípios da verdade material, do informalismo, da segurança jurídica,
diferenciandose, assim, das regras próprias que regem o processo judicial, para o qual se exige um maior rigor formal.
2.3 Ampla revisibilidade da decisão, critérios, princípio da dialeticidade
56. Cabe ainda fazer referência à lição de José dos Santos Carvalho Filho, segundo o qual os recursos
administrativos têm seu fundamento no sistema de hierarquia orgânica, no exercício do direito de petição e na garantia
do contraditório e ampla defesa.
57. Isso significa que, tendo o recurso administrativo fundamento no direito de petição, previsto no art. 5º,
XXXIV, "a", da CF, que é um dos meios de controle administrativo previsto no ordenamento jurídico, deve ser
interpretado de maneira mais ampla, não podendo os recorrentes encontrar obstáculos extremamente formalistas para
sua interposição, já que devem ser pautados pelo princípio do contraditório e ampla defesa.
58. Ademais, o recurso no âmbito administrativo tem ampla revisibilidade, de modo que a autoridade
revisora da decisão impugnada pode analisar toda a matéria envolvida nos autos, ainda que não tenha havido
impugnação, por parte do recorrente de todos os aspectos constantes no respectivo processo administrativo.
59. Assim, a interposição de recurso administrativo, mesmo se não estiver bem fundamentado, garante o
direito ao acusado de que a conduta pela qual está sendo processado seja reanalisada por autoridade julgadora
hierarquicamente superior àquela que prolatou a decisão recorrida, garantindose maior segurança jurídica (art. 63, §2º
da Lei 9.784/99, acima transcrito).
60. Sendo assim, concluise que o rigor formal do recurso administrativo é mais atenuado em relação ao
exigido para os recursos judiciais. Neste sentido, ensina ainda José dos Santos Carvalho Filho:
Outro aspecto é o relativo à forma dos recursos. Como já tivemos a oportunidade de salientar, por
mais de uma vez, os recursos não dispensam os pontos básicos do formalismo (petição escrita,
assinada etc.) porque assim exigem os princípios administrativos aplicáveis. Entretanto, o rigor
formal é mais atenuado do que o exigido para os recursos judiciais. Nenhuma forma especial
relativa ao conteúdo do recurso é cobrada do recorrente. Assim, este não precisa de advogado
para representálo, o que torna possível que ele mesmo aponte suas razões, mesmo que estas não
tenham as mínimas condições de aceitabilidade. Não se lhe exige estilo ou perfeição no emprego
do idioma. Na verdade, nem o motivo do pedido revisional é condição de conhecimento do
recurso. (Manual de Direito Administrativo, 21ª edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,
2009, fls. 907).
61. No entanto, o informalismo procedimental presente no processo administrativo não significa que o
recurso não deva respeitar os mandamentos estabelecidos em lei. Para a interposição dos recursos a parte deve
obedecer aos critérios já previamente estabelecidos na legislação.
62. Na verdade, os recursos administrativos, para serem admitidos, devem preencher alguns requisitos de
admissibilidade, dentre os quais: a) cabimento; b) legitimidade para recorrer; c) interesse em recorrer; d)
tempestividade; e) regularidade formal; f) inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer.
63. O princípio da dialeticidade aplicável aos processos judiciais, segundo expõe a doutrina, é um
desdobramento do requisito da regularidade formal e corresponde à necessidade de que a parte aponte os todos pontos
de inconformismo da decisão, ou seja, sua motivação. Neste sentido, expõe Fredie Didier Júnior, citando doutrina de
Nelson Nery Júnior (Teoria Geral dos Recursos, Princípios Fundamentais, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 176178):
Assim, deve o recorrente, por exemplo, sob pena de inadmissibilidade de seu recurso: a)
apresentar suas razões, impugnando especificamente os fundamentos da decisão recorrida (art.
932, III, CPC); (...) e) formular o pedido recursal; g) respeitar a forma escrita para interposição do
recurso (...)
A doutrina costuma mencionar a existência de um princípio da dialeticidade dos recursos. De
acordo com esse princípio, exigese que todo recurso seja formulado por meio de petição pela
qual a parte não apenas manifeste sua inconformidade com ato judicial impugnado, mas, também
e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento
da questão nele cogitada.
Rigorosamente, não é um princípio: tratase de exigência que decorre do princípio do
contraditório, pois a exposição das razões de recorrer é indispensável para que a parte recorrida
possa defenderse, bem como para que o órgão jurisdicional possa cumprir seu dever de
fundamentar suas decisões.
64. Impende ressaltar que o princípio da dialeticidade, ao ser transposto para o processo administrativo
sancionador, tem sentido diverso daquele aplicável aos recursos judiciais. Como o processo administrativo é regido por
sistemática própria, diferente da dos processos judiciais, conforme se expôs, o princípio da dialeticidade também ganha
contornos diferentes na esfera administrativa, devendo ser entendido em consonância com os princípios que disciplinam
e orientam o processo administrativo, dentre eles, os princípios da ampla revisibilidade, da informalidade, da verdade
material e da segurança jurídica.
65. Assim, no âmbito do processo administrativo sancionador, o recurso do infrator deve expor as razões de
reforma da decisão, mas sem que lhe seja exigido o rigor aplicado aos processos judiciais. No processo administrativo,
sobretudo porque não se exige da parte representação por advogado, o princípio da dialeticidade deve ser entendido
como o simples diálogo com o processo, no sentido de que as razões recursais não fujam do escopo do que está em
discussão nos autos. Não se aplica, portanto, a mesma concepção de dialeticidade dos processos judiciais, que apontam
para a necessidade de o recorrente impugnar todos os argumentos em que se funda a decisão recorrida.
66. Conforme ensina Bruno de Souza Vichi, no exercício da função administrativa, pode o Administrador,
inclusive, julgar o recurso administrativo além da pretensão ali contida:
“É com esteio no exato exercício da função administrativa que a Administração Pública possui
uma liberdade ampla na decisão sobre a matéria recursal. Como se vê, o órgão competente pode,
por exemplo, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida. Isso
demonstra que o administrador não está vinculado nem à pretensão das partes nem das provas por
eles produzidas (...)
(...) a extensão do interesse público concernente às circunstâncias trazidas pelo recurso
administrativo não pode ser medida pela dimensão do pleito contido na peça recursal. É a
Administração Pública, diante do caso concreto trazido pelo recurso, que identificará a exata
medida da satisfação do seu deverpoder”
(Comentários à Lei Federal do Processo Administrativo, Editora Fórum, 2004, Belo Horizonte:
Editora Fórum).
67. Cabe, inclusive, frisar que o art. 41, parágrafo único, do Regimento Interno da Anatel Resolução nº
612/2013 , estabelece, em cumprimento aos princípios da informalidade e da verdade material, que deve o interessado
ser orientado quanto à necessidade de regularização de eventuais falhas relativas ao seu requerimento administrativo,
vedandose a recusa imotivada deste. Confiramse os termos do mencionado dispositivo, in verbis:
Art. 41. Todo requerimento dirigido à Agência, ressalvados os casos em que for admitida
solicitação oral, deve ser formulado por escrito e conter os seguintes dados:
I órgão ou autoridade administrativa a que se dirige;
II identificação do interessado e de quem o represente, se for o caso;
III domicílio do interessado ou local para recebimento de intimações;
IV formulação do pedido, com exposição dos fatos e de seus fundamentos;
V data e assinatura do interessado ou de seu representante legal ou procurador.
Parágrafo único. É vedada a recusa imotivada de requerimento, devendo o interessado ser
orientado quanto à necessidade de regularização de eventuais falhas.
Art. 120. O recurso administrativo observará o disposto no artigo 41 e sua tramitação obedecerá
às regras previstas neste Capítulo.
68. Resta claro, assim, que em matéria recursal na esfera administrativa exigese que o recorrente
apresente as razões pelas quais pretende recorrer, mas sem que lhe seja exigido um rigor exagerado na sua elaboração,
isso porque, conforme já exposto, o administrador não está adstrito à pretensão das partes e nem mesmo às provas por
elas produzidas nos autos para reanalisar a matéria.
69. Com efeito, a Lei 9.784/99 assegura o princípio da informalidade, prevendo a possibilidade de o
administrado apresentar, inclusive, requerimentos sem auxílio de um advogado, ou seja, diretamente à Administração,
resguardandose o direito de petição que permite dar conhecimento à autoridade do ato para o qual se deseja reforma.
Vejase o que dispõe a lei:
Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros
que lhe sejam assegurados:
(...)
IV fazerse assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação,
por força de lei.
70. Assim, neste contexto, o princípio da dialeticidade deve ser entendido, no âmbito do processo
administrativo, como um diálogo com o processo, devendo haver pertinência do recurso com o objeto do processo, ou
seja, a matéria contida no recurso deve ter relação com o processo em curso. Tal entendimento confere uma maior
segurança jurídica à parte de que a decisão será reanalisada por outra autoridade administrativa, sendo que esta não
deve se ater apenas à pretensão contida no recurso. A excessividade de um rigor formal para o conhecimento
do recurso, que devolve de forma ampla a matéria à Administração, poderia gerar um cerceamento ao direito de defesa
do infrator.
71. Essa linha de raciocínio também confere segurança jurídica à própria ANATEL, evitandose que o
Poder Judiciário, dado o entendimento garantista da jurisprudência em assuntos dessa natureza, em que se interpreta as
questões primeiramente à luz dos direitos à ampla defesa e ao contraditório, anule decisões de não conhecimento de
recursos administrativos da ANATEL por aspectos meramente formais. Devese recomendar, portanto, que o não
conhecimento de recurso por não observância ao princípio da dialeticidade (art. 6º, inciso IV, da Lei nº 9.784/99, e art.
41, inciso IV, do Regimento Interno da Agência) deve ser excepcional.
72. Portanto, entendese que atende ao princípio da dialeticidade o recurso administrativo apresentado
pelo infrator que exponha minimamente as razões de seu inconformismo e guarde pertinência com o processo
correspondente, em conformidade com o art. 60 da Lei 9.784/99:
Art. 60. O recurso interpõese por meio de requerimento no qual o recorrente deverá expor os
fundamentos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes.
2.4 Análise do caso concreto
73. Verificase no caso concreto que a interessada teve contra si aplicada sanção de multa, no valor de R$
2.152,87 (dois mil, cento e cinquenta e dois reais e oitenta e sete centavos). A infratora interpôs sucessivamente três
recursos, sendo os dois primeiros intempestivos, como bem esclareceu a área técnica.
74. Na análise do terceiro recurso interposto pela infratora, já dirigido ao Conselho Diretor, a área técnica
sugeriu que não fosse conhecido por ausência do requisito de admissibilidade, relativo à regularidade formal, em face da
ausência de exposição clara e completa das razões de inconformidade da recorrente, conforme se verifica a seguir, in
verbis:
Informe nº 84/2016/SEI/UO001/SFI
3.2 Em que pese o recurso ora sob verificação ser tempestivo, redundou argumentações já trazidas
em todas as outras oportunidades recursais, sem inovar qualquer dado que não sua indignação
por responder a tal procedimento administrativo por meio do Pado nº 53500.005645/201559.
Repisou ter a ré contribuído com todas as informações para identificação do real proprietário da
rádio, e reafirmou sua posição de "vítima do proprietário da rádio", conforme sua própria
descrição.
75. Porém, conforme argumentos já expostos neste Parecer, este órgão jurídico entende que o último recurso
apresentado pela infratora, além de tempestivo, atendeu ao princípio da dialeticidade, no sentido que deve ser
compreendido no âmbito do processo administrativo sancionador, estando em consonância com outros princípios, dentre
eles, os princípios da ampla revisibilidade, da informalidade, da verdade material e da segurança jurídica.
76. Desse modo, não se concorda com a sugestão do Informe nº 84/2016/SEI/UO001/SFI, no qual a área
técnica sugere o não conhecimento do recurso, por ter entendido pela ausência de exposição clara e completa das
razões. Então, no caso em tela, entendese que deve ser admitido o Recurso 3 pelo órgão julgador, para que seja
analisado seu mérito.
2.5 Respostas às questões contidas no Memorando nº 4/2017/SEI/IF
77. Tendo em vista que as questões contidas no Memorando nº 4/2017/SEI/IF, já foram respondidas ao longo
deste Parecer, neste tópico se apresentará o questionamento formulado e, logo em seguida, as respostas,
resumidamente:
a) Considerandose o princípio do formalismo moderado ou informalismo, seria possível se
aplicar, ao juízo de cognoscibilidade dos recursos interpostos nos processos administrativos,
o mesmo rigor exigido para a admissibilidade dos recursos interpostos nos processos
judiciais cíveis, exigindose dos administrados a obediência ao princípio da dialeticidade? Há
sentido em se permitir que o próprio administrado exerça o seu direito de defesa, sem que se
lhe exija representação por advogado e, ao mesmo tempo, dele se demandar conhecimentos
jurídicos aprofundados, tais como a observância ao princípio da dialeticidade, para que
tenha seu recurso conhecido pela Agência?
78. Conforme já exposto, ao juízo de cognoscibilidade dos recursos interpostos nos processos
administrativos não deve ser aplicado o mesmo rigor exigido para a admissibilidade dos recursos interpostos nos
processos judiciais, em razão dos princípios que regem o processo administrativo (informalismo, verdade material,
ampla revisibilidade, dentre outros) e, também, justamente porque, dada a possibilidade de o administrado atuar sem
representação por advogado, não é possível dele se exigir os referidos conhecimentos jurídicos aprofundados sobre
formas de impugnação de decisões.
79. Isso não significa a inexistência de critérios no juízo de admissibilidade, devendo a autoridade
competente verificar o cumprimento dos requisitos dispostos em lei, mais especificamente, os contidos nos arts. 41 e
116 do Regimento Interno da Anatel. Dentre eles, deve ser verificada a existência de fundamentação mínima pertinente
ao objeto do processo, em obediência ao princípio da dialeticidade. Este, no âmbito do processo administrativo
sancionador, deve ser interpretado como um simples diálogo com o processo, de forma que o recurso apresentado pelo
interessado tenha coerência com a matéria discutida nos autos.
80. Nesse sentido, ainda que o próprio administrado interponha seu recurso, sem auxílio de advogado, está
resguardado seu direito constitucional de levar ao conhecimento e à análise da Administração, de maneira ampla e sem
restrições rigorosas, as razões do seu inconformismo.
b) Em eventual conflito entre o princípio da verdade material e o princípio da dialeticidade,
qual deve prevalecer?
81. Sem adentrar na complexa discussão doutrinária acerca da aplicabilidade dos princípios como vetores
axiológicos do ordenamento jurídico, é possível dizer que os eventuais conflitos entre princípios não se resolvem no
plano abstrato, e sim à luz das especificidades do caso concreto, não cabendo definir, a priori, o resultado da chamada
ponderação axiológica, devendose postergar essa avaliação para quando realmente for o caso de ser feita. Além disso,
devese chamar atenção para o fato de que os aparentes conflitos entre princípios demandam soluções que extraiam a
máxima efetividade de cada um deles, não cabendo falarse em sacrifício de um em detrimento do outro. Ou seja,
diferentemente do conflito entre regras, cuja solução aponta para a escolha de uma delas em prejuízo da outra, no caso
dos princípios devese buscar uma interpretação harmônica que vise à concretização dos valores envolvidos na maior
medida possível segundo o caso em exame.
82. Nesse sentido, da situação sob consulta é possível extrair que os princípios da verdade material e da
dialeticidade devem ser interpretados conjuntamente, de maneira a serem harmonizados, não havendo que se falar, no
caso sob análise, da aplicação de um princípio em detrimento do outro. O que é possível afirmar, a respeito do juízo de
admissibilidade dos recursos administrativos, é que se deve, inclusive à luz da visão constitucional garantista da
jurisprudência em assuntos dessa natureza, privilegiar a máxima eficácia do princípio da verdade material, juntamente
com os do devido processo legal, da ampla defesa, da ampla revisibilidade dos atos administrativos e da informalidade,
reduzindose a prevalência do princípio da dialeticidade, de modo que a hipótese de não conhecer do recurso, em
decorrência desse último princípio, seja limitada a casos extremamente excepcionais, em que, por exemplo, a parte
simplesmente seja incompreensível ou que se manifeste de maneira claramente dissociada do objeto do processo.
c) A observância do princípio da dialeticidade deve necessariamente ensejar o não
conhecimento do Recurso Administrativo e consequentemente o não enfrentamento das
questões de mérito por ventura suscitadas na peça recursal?
83. Como já explicado, não há que se falar em exclusão ou desconsideração do princípio da dialeticidade,
mas de interpretação harmoniosa com os demais princípios que regem o processo administrativo. Ou seja, ainda que a
prevalência do princípio da dialeticidade, de modo a negarse conhecimento ao recurso, seja situação excepcional, ele
continua válido no ordenamento jurídico, em constante colisão com os demais princípios. Ocorre que, no âmbito do
processo administrativo, ele possui efetividade reduzida em relação aos outros.
84. De todo modo, já voltandose mais especificamente ao questionamento, se uma determinada situação
fática subsumirse à hipótese excepcional em que se deve assegurar concretude ao princípio da dialeticidade, realmente
será o caso de não conhecer do recurso administrativo, com todas as consequências ordinárias dessa decisão.
85. Sobre o caso concreto, por fim, entendese que o último recurso interposto pela interessada deve ser
conhecido pela autoridade competente, em razão de o recurso, além de tempestivo, apresentar regularidade formal
quanto ao aspecto do princípio da dialeticidade segundo a sua acepção aplicável ao processo administrativo, devendo,
assim, passar à análise do mérito pelo órgão julgador.
3. CONCLUSÃO
86. Por todo o exposto, esta Procuradoria Federal Especializada, órgão de execução da ProcuradoriaGeral
Federal, vinculada à Advocacia Geral da União – AGU, opina:
a) Ao juízo de cognoscibilidade dos recursos interpostos nos processos administrativos não deve
ser aplicado o mesmo rigor exigido para a admissibilidade dos recursos interpostos nos processos
judiciais. O princípio da dialeticidade, no âmbito do processo administrativo sancionador, deve
ser interpretado como um simples diálogo com o processo, de forma que o recurso apresentado
pelo interessado tenha coerência com a matéria apresentada nos autos. Nesse ponto, a
prevalência do princípio da dialeticidade, de modo a não conhecer do recurso, deve ser limitada
a casos extremamente excepcionais, em que, por exemplo, a parte simplesmente seja
incompreensível ou que se manifeste de maneira claramente dissociada do objeto do processo.
Ou seja, a apresentação de recurso pelo administrado, ainda que não contenha fundamentos que
ataquem diretamente a decisão impugnada, mas tratem da matéria veiculada no processo, impõe à
Administração o dever de analisar o recurso interposto;
b) No caso concreto, não se concorda com a sugestão do Informe complementar nº
84/2016/SEI/UO0001/SFI pelo não conhecimento do recurso, entendendose, ao contrário, que o
recurso apresenta regularidade formal, cabendo a análise quanto ao mérito pelo Conselho Diretor,
em consonância com o art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, e com os arts. 115 e 116 do Regimento
Interno da Anatel.
87. Registrase, por fim, que este Parecer não se aplica aos processos administrativos de natureza
concorrencial, em que o princípio da formalidade apresenta maior nível de efetividade.
88. À consideração superior.
Brasília, 21 de março de 2017.
VALÉRIA DE SOUZA MARTINS BRAGA
PROCURADORA FEDERAL
MATRÍCULA 1.873.247
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ASSUNTOS: INQUÉRITO / PROCESSO / RECURSO ADMINISTRATIVO
1. De acordo com o Parecer nº 00134/2017/PFEANATEL/PGF/AGU.
2. Encaminhemse os autos para a análise e aprovação do ProcuradorGeral.
Brasília, 21 de março de 2017.
LEANDRO DE CARVALHO PINTO
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1. Aprovo o Parecer nº 134/2017/PFEANATEL/PGF/AGU.
2. Encaminhese ao Gabinete do Conselheiro Igor Vilas Boas de Freitas.
Brasília, 21 de março de 2017.
PAULO FIRMEZA SOARES
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