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COMUNICAÇÃO RURAL: ELO POSSÍVEL ENTRE O DESENVOLVIMENTO

LOCAL E AS NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO

Giuseppa Spenillo1

Este artigo tem como objetivo discutir a atuação do profissional de comunicação


quanto ao uso de tecnologias de informação num sentido comunitário, em que a meta
seja o desenvolvimento local. A comunicação rural, a nosso ver, pode se colocar como o
espaço de encontro entre tecnologias e desenvolvimento comunitário, desde que sejam
consideradas algumas práticas e posturas de atuação. É para esta atuação que o artigo
busca analisar bases teórico-metodológicas.

Os recursos comunicacionais disponíveis em nossa sociedade, sejam estes as in-


trincadas redes de comunicação interpessoal (vizinhança, grupos de trabalho) ou as mo-
dernas redes digitais de informação em tempo real (Internet, por exemplo), são muitas ve-
zes mal utilizados ou mal direcionados, deixando no ar uma suposta complexidade sobre
seu emprego. O uso destes recursos de maneira assertiva e bem-sucedida chega a assumir,
para os leigos, aspectos de transciência ou mágica daqueles que o realizam. Na verdade, o
que há por trás desta roupagem é uma disputa pelo poder que a comunicação carrega.
Desde os tempos em que o homem ainda vivia nas cavernas, a comunicação vem
assumindo para a civilização humana um papel cada vez mais importante na construção do
desenvolvimento social. Afinal, ela permite a troca entre pessoas, o intercâmbio de idéias e
o registro de fatos e dados que nos permitem contar nossa trajetória e nos construirmos
enquanto sujeitos. No entanto, os instrumentos e as técnicas de comunicação vêm sendo
reservados a minorias poderosas e hegemônicas nas distintas formações sociais ao longo
da história.
Conquistar este direito, o de conhecer e utilizar a arte da comunicação, tem sido
resultado das lutas da sociedade civil organizada, em sua busca por igualdade, democracia,

1
Mestre em Administração Rural e Comunicação Rural e Professora da Escola Superior de Relações Pú-
blicas/Recife - PE
2

liberdade e desenvolvimento socioeconômico. É o esforço para sair da condição de mero


receptor de informações e participar das negociações sociais como sujeito do processo.
Este esforço, porém é quase sempre, marcado pelo amadorismo e pelo voluntarismo, que
se por um lado apresentam compromisso e envolvimento para com a causa a que se dis-
põem, por outro podem impossibilitar a concretização de um consistente trabalho de co-
municação para o desenvolvimento local, pela falta de técnicas adequadas de ação.
Para que as comunidades possam rever o lugar de receptores que lhes foi conferi-
do e chegar não apenas a uma democracia em que há várias opções de escolha, mas a uma
condição de real democracia, em que possuam os elementos necessários para também
produzir comunicação (e não só consumi-la) é preciso empenho dos comunicadores para
levar até as camadas populares o arsenal de recursos tecnológicos a serviço da comunica-
ção hoje e, mais do que isto, trabalhar em prol de revelar, encontrar e fazer serem utiliza-
dos os recursos comunicacionais locais - que, ao contrário do que se imagina, são variados
e ricos em qualidade. “Estimular a ‘competência comunicativa do receptor’ (Barbero),
apontando para sua participação e para a transformação do sistema dos MCM da socieda-
de deve ser a base de uma nova capacitação do comunicador.”2
É sobre o papel do profissional de comunicação que atua junto aos grupos popula-
res, em especial aqueles que se encontram no meio rural brasileiro numa época de globali-
zação, informatização e conseqüentes mudanças estruturais na sociedade, que nos interes-
sa discutir. “Trata-se de elaborar uma concepção de formação de uma figura profissional
emergente: a do comunicador como mediador das demandas de comunicação e de cultura
que provêm da sociedade civil.”3
No momento atual, em que a tecnologia e a velocidade se colocam em evidência
nas dinâmicas sociais - sejam urbanas, rurais, populares, hegemônicas, massivas - faz-se
necessário, ainda, pensar a comunicação que se pode realizar naquele meio popular rural.
Uma Comunicação Rural desimpedida das históricas interações entre governo, organiza-

2
LOPES, Mª Immacolata Vassalo de. “Sobre um novo projeto pedagógico no campo da comunicação”. In:
BACCEGA, Mª Aparecida (org.). Comunicação e cultura: um novo profissional. São Paulo :
CCA/ECA/USP, 1993, p. 15 (grifos da autora).
3
Id. Ibid., p. 16.

2
3

ções da sociedade civil e populações na busca de mudanças sociais de cunho ideológico4.


Uma Comunicação Rural que se apresente à comunidade como um possível “instrumento
prioritariamente viabilizador de um ‘fórum’ local com capacidade de definir e gerar local-
mente políticas de desenvolvimento.”5 Entendemos meio popular rural como os espaços
não-urbanos, não-industrializados, não produtores nem veiculadores de informação. Os
espaços distantes (não apenas fisicamente) dos grandes centros de tomada de decisões.6
Isto porque as realidades populares rurais estão fortemente presentes nas dinâmicas da
sociedade brasileira, em movimentos sociais, em produção de gêneros alimentícios essen-
ciais, em números ainda relevantes de população e em possibilidades de saída para a crise
do desemprego que se coloca para as cidades neste fim de século.
Com este intuito, acreditamos ser possível reunir esforços para traçar, junto às
comunidade rurais, projetos de utilização e aplicação de recursos comunicacionais tecno-
lógicos e interpessoais visando ao desenvolvimento local, compreendido como “um esfor-
ço de mobilização de pequenos grupos no município, na comunidade, no bairro, na rua, a
fim de resolver problemas imediatos ligados às questões de sobrevivência econômica, de
democratização de decisões, de promoção de justiça social.”7. Quais as maneiras de uso
dos recursos comunicacionais para o desenvolvimento comunitário? Há diversas formas de
se colocar em prática o potencial comunicacional de um grupo de pessoas, e sua variação
estará de acordo com as condições concretas da comunidade, com os objetivos ao utilizá-

4
Ver SANTOS, Mª Salett Tauk, SPENILLO, Giuseppa. “Uma nova política para o ensino da comunica-
ção rural: o caso UFRPE”. In: SANTOS, Mª Salett Tauk. (org.). Políticas de comunicação rural nos anos
90. Recife : Imprensa Universitária/UFRPE, 1998, p. 111-115.
5
SANTOS, Mª Salett Tauk, CALLOU, Angelo Brás Fernandes. “Desafios da comunicação rural em tem-
po de desenvolvimento local”. In: Signo. Revista de Comunicação Integrada. João Pessoa, V. 2, N. 3,
1995, p. 46.
6
“... um grupo social é considerado rural pela forma de garantia da sobrevivência (produção) se dar pre-
dominantemente pela via agrícola, mesmo quando há outras formas de recolhimento de recursos financei-
ros por seus membros (...); pelo lugar sócio-geográfico que ocupa em relação aos grandes centros de pro-
dução de informação e circulação de capital; pelas origens históricas (e apegos a elas) do sujeito coletivo;
por características próprias do grupo capazes de lhe garantir condições de reunir-se em buscas de trans-
formações sociais que permitam a manutenção do grupo num meio rural e, ao mesmo tempo, sua inserção
econômica e política junto à sociedade através de atividades produtivas locais.” SPENILLO, Giuseppa.
“Lazer e comunicação na era da informática: interpessoalidade ou automatismo? Um estudo de caso entre
os reassentados do Projeto Brígida”. Recife : UFPRPE, 1998. Dissertação (Mestrado em Administração
Rural e Comunicação Rural), p. 67-68.
7
SANTOS, Mª Salett Tauk, CALLOU, Angelo Brás Fernandes. “Desafios da comunicação rural em tem-
po de desenvolvimento local”. Op. Cit., p. 45.

3
4

los, com o tipo de interesse do grupo e sua articulação/ mobilização, com elementos ex-
ternos ao grupo que chegam até ele e muitas vezes determinam o modo de ser e de estar
no mundo (pertencimento simbólico), com a cultura peculiar à comunidade. Desta forma,
quem determina com que finalidade os recursos comunicacionais serão usados é a estrutu-
ra social e as conjunturas sob as quais vive o grupo com o qual se estará trabalhando.
O uso de recursos comunicacionais para o desenvolvimento comunitário aparece
como uma alternativa ao trabalho com grupos populares rurais numa busca por atuar so-
bre problemas identificados localmente, de acordo com as prioridades da comunidade, e,
principalmente, numa tentativa de fazer o grupo assumir sua realidade e sua capacidade
para transformá-la. Mais do que as deficiências, até mesmo estruturais, em áreas como
educação, saúde, trabalho e lazer, moradia, com as quais as camadas populares são obri-
gadas a conviver cotidianamente, a exclusão na produção social de informação/ comunica-
ção destitui esses grupos do poder e do direito de decisão, participação e exercício da ci-
dadania. A questão que se apresenta, então, é:

Como instrumentalizar os grupos populares rurais, frente ao cenário social atual


(global, tecnológico, informacional), e considerando suas identidades culturais e regio-
nais, de modo a estabelecer uma prática democrática da comunicação?

Novas tecnologias voltadas para os recursos comunicacionais locais: uma proposta


de desenvolvimento

As novas tecnologias de produção, consumo e comunicação trazem para a socie-


dade novos hábitos socioculturais, por conta das alterações que provocam no cotidiano
marcado - desde os primórdios da industrialização - pelo trabalho. Com a revolução tec-
nológica que presenciamos atualmente, os postos convencionais de emprego e a estrutura
tradicional do trabalho-sobrevivência já perdem espaço nos cenários sociais para a auto-
mação da produção e o deslocamento da mão-de-obra produtiva para o setor de serviços.
São as novas formas de ocupação que surgem como um vetor de absorção das necessida-

4
5

des de criação e sobrevivência (remuneração) do homem enquanto o mundo transita entre


duas fases distintas, porém conseqüentes: a do homo faber e a do homo ludens.8
Por sua vez, a comunicação social vai se transformando, também, e ocupando no-
vas esferas na conformação do cotidiano. As interações entre sujeitos, e entre sujeitos e
objetos, adquirem cada vez mais aspectos tecnológicos de informação programada (a par-
tir de softwares desenvolvidos para este fim), a ponto de já se pensar numa casa não mais
equipada por aparelhos elétricos que facilitam e abreviam o trabalho doméstico, mas uma
casa comandada e controlada a partir de um microcomputador.9
Nos meios populares rurais há condições características de um desenvolvimento
lento em relação à velocidade urbana, sentidas desde o ritmo do trabalho agrícola até as
disposições geográficas na ocupação do espaço. No entanto, o elemento urbano chega aos
ambientes ditos rurais de várias maneiras e é por ele apreendido e utilizado da forma que
mais lhe convém.10 Exemplo disso são as motocicletas - mais baratas e mais aptas para
circular nas áreas rurais que os carros e mais ágeis e velozes do que os cavalos; e os free-
zers, logo adquiridos quando da chegada da eletricidade para o armazenamento de comi-
das industrializadas ou semi-industrializadas.
Na atual fase de transição, como fica, então, o setor primário da economia? Como
envolver o meio rural neste cenário? Também na produção agrícola a tecnologia que dis-
pensa mão-de-obra vai se impondo. Tanto nos latifúndios mecanizados e que chegam já ao
requinte de utilizar robôs em tarefas como a aplicação de defensivos químicos, quanto em

8
Ver MARCELLINO, Nelson. Lazer e humanização. Campinas : Papirus, 1995. 2ª ed.
9
Para Vinton Cerf, engenheiro americano responsável pela criação da norma que possibilita o fluxo de
informações na Internet: “Um dia haverá mais dispositivos ligados à rede do que pessoas no planeta.
Quantos aparelhos já podem ser conectados? O PC, o notebook, o celular e o pager. Mas temos geladeiras,
máquinas de lavar. Os microondas serão programáveis. Será possível copiar um programa melhorando
suas funções, atualizando-o”. MOON, Peter. “O pai do ciberespaço”. In: Revista Isto é. N. 1541,
14/4/1999, p. 44-45 - Ciência & Tecnologia.
10
“Em Brígida, por exemplo, a presença de parabólicas, aparelhos de som, televisão, videocassete e vide-
ogame compõe o cenário comunitário de modo até exacerbado. Mas quais as condições de uso? Não há no
local locadoras de filmes ou games; não há emissoras de rádio ou televisão comunitárias (...). O que se faz
em Brígida com os instrumentos e tecnologias de comunicação massiva, no entanto, não demonstra uma
rejeição comunitária por não corresponderem ou não partirem das questões locais. Ao contrário, os apa-
relhos são adquiridos e incorporados ao cotidiano familiar. Também não se pode afirmar que ocorre o
inverso: uma total aceitação e alienação quanto ao núcleo de programações das emissoras.” .” SPENILLO,
Giuseppa. “Lazer e comunicação na era da informática: interpessoalidade ou automatismo? Um estudo de
caso entre os reassentados do Projeto Brígida”. Recife : UFPRPE, 1998. Op. Cit., p. 137-138.

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projetos governamentais de colonização, reforma agrária ou reassentamento em que a po-


pulação é formada basicamente por pequenos agricultores.11
E na produção da comunicação, espaço em que as tecnologias vêm se estabelecen-
do com êxito, velocidade e incrível aceitação pela população mundial, os meios populares
rurais se colocam como demandas, também, das inovações. Independentemente da vonta-
de e dos projetos dos assessores técnicos ligados ao setor agrícola, as populações rurais
absorvem e se apropriam das novas formas de comunicação disponibilizadas pelos avanços
tecnológicos. Assim, a antena parabólica, o telefone celular e o computador entram nas
casas, nas associações comunitárias, nos bolsos e no imaginário das populações rurais para
suprir antigas necessidades não resolvidas pelas formas mais convencionais.
A Comunicação Rural, portanto, deve estar atenta a estas demandas e a estas com-
petências locais, uma vez que queira servir de instrumento mediador internamente - na
construção de fóruns de discussão - e externamente nas interações da comunidade com as
demais instâncias da sociedade.
No entanto, as novas tecnologias, ao mesmo tempo em que propiciam outros con-
fortos, trazem o desemprego estrutural12, formando no meio rural um contingente de mão-
de-obra que encontra obstáculos ainda mais complexos do que aquele das cidades, uma
vez que com a revolução tecnológica as demandas dos consumidores ganham outros sen-
tidos - por conta da velocidade, dos estímulos gerados pela informática, como o celular e
a Internet, por exemplo, e pela projeção de uma postura de lazer sobre o trabalho, que vai
sendo diminuído de valor frente aos avanços da robótica. Isto aponta para uma tendência
de consumo de produtos finais (e não mais em estado de preparação), inclusive os ali-
mentos - principal fonte econômica nos meios populares rurais ainda hoje, e para produtos
de entretenimento (como o turismo).

11
Por exemplo, no Projeto Brígida, de reassentados da Barragem de Itaparica, criado e mantido pela
Companhia Hidro Elétrica do São Francisco - Chesf e Companhia para o Desenvolvimento do Vale do
São Francisco - Codevasf a irrigação é feita com bombas elétricas controladas a partir de painéis lumino-
sos. Ver SPENILLO, Giuseppa. “Lazer e comunicação na era da informática: interpessoalidade ou auto-
matismo? Um estudo de caso entre os reassentados do Projeto Brígida”. Dissertação (Mestrado em Admi-
nistração Rural e Comunicação Rural). Recife : UFRPE, 1998.
12
Diferentemente do desemprego conjuntural, em que a recessão provocava demissões que poderiam ser
corrigidas com a volta do crescimento econômico, o desemprego estrutural significa o desaparecimento de
postos de trabalho pelo emprego de automotores na produção.

6
7

Para David Harvey13, o espaço e o tempo vêm sendo comprimidos pela ordem ca-
pitalista tecnológica, que acelera o ritmo de vida, criando novas necessidades e novos con-
sumidores. O mundo todo passa a estar no mesmo espaço, ao mesmo tempo, na forma de
mercadorias. Para Paul Virilio14, estar vivo é uma velocidade. Velocidade que decide a
permanência ou não da humanidade. A maneira como homens e mulheres olham o mundo
o transforma, alterando a realidade, hoje, em função daquilo que a tecnologia pode fazer.
Virilio acredita que o império da cidade já é uma realidade, e que o mundo rural se
desfaz, com a desocupação do campo, pela unificação econômica e cultural da nova or-
dem mundial. “Há pouco tempo, este projeto imperial se tornou uma realidade quotidiana
que não podemos mais ignorar em termos econômicos, e menos ainda culturalmente. Daí
este fim da oposição cidade-campo que presenciamos, depois do Terceiro Mundo, agora
na Europa, com o despovoamento de um mundo rural entregue às culturas rotativas e à
desocupação.”15
Nesse contexto, como podemos pensar os conflitos de terra, os assentamentos e
reassentamentos, os milhares de bóia-frias e sem-terras que povoam o interior do Brasil?
Como pensar, sobretudo, o papel do pesquisador, do profissional de comunicação e das
universidades em relação a estas comunidades rurais?
A este quadro é preciso juntar os recentes movimentos de Reforma Agrária que
vêm distribuindo (com maior ou menor intensidade) terras para agricultores sem condi-
ções tecnológicas de produção - e, logo, sem competitividade - que produzem para sub-
sistência e não encontram mercados interessados em sua matéria-prima. É o que se pode
chamar de musealização16, ou perda do valor de uso do espaço/território, por ele não se
apresentar mais como investimento que interesse ao grupo hegemônico da sociedade.
Isto porque as tecnologias de comunicação fazem do tempo o local para os grandes
investimentos. O tempo real permite inúmeras outras formas de investimento que indepen-

13
HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo : Edições Loyola, 1993.
14
VIRILIO, Paul. O espaço crítico. Rio de Janeiro : Editora 34, 1993: “As perspectivas do tempo real”, p.
101-119.
15
Id. Ibid., p. 116, (grifos do autor).
16
Ver COLETIVO NTC. Pensar Pulsar - cultura comunicacional, tecnologias, velocidade. São Paulo :
Edições NTC, 1996, p. 159-160. Musealização é um conceito usado pelos autores para referir-se aos bens
sociais já em desuso pelos grupos hegemônicos e que, portanto, restam para os grupos populares.

7
8

dem de um espaço onde abrigá-los. Por exemplo, pode-se participar de leilões via Internet
adquirindo e vendendo objetos sem chegar a possuí-los materialmente, ou seja, sem pegá-
los, transportá-los e acomodá-los em espaço próprio.

“Levando esta perspectiva às últimas conseqüências, pode-se di-


zer, grosso modo, que o acesso às tecnologias do tempo real na socie-
dade tecnológica de fim de século provoca uma clivagem fundamental
entre duas macrocategorias sociais básicas, com temporalidades tecno-
lógicas profundamente distintas: a que investe - a partir de um espaço
privado delimitado, fechado - maciçamente no tempo real, ou melhor,
nas novas práticas de teleurbanismo, e outra, composta por milhões de
pessoas que, não encontrando uma saída, só podem investir no territó-
rio, nas grandes extensões, na pólis real, nas práticas de urbanismo con-
vencional. São as cidades convencionais, territorializadas abertamente
pelos movimentos migratórios dos novos excluídos tecnológicos.”17

Portanto, quando pensamos nos movimentos para redistribuição de terras nas áreas
rurais brasileiras, percebemos mais do que a força e a conquista dos grupos populares,
uma manifestação das classes hegemônicas (governo, latifundiários) no sentido de desviar
seu interesse econômico desses espaços, cedendo, então, terra a quem se encontra agora
excluído do território virtual (e tudo o que ele implica).

“A nova e esperada onda de modernização no campo assentada


na informática, na microeletrônica e na biotecnologia deverá ser ainda
mais excludente que as anteriores (...) As evidências empíricas disponí-
veis, no caso brasileiro, indicam que as melhorias das condições de vida
e de trabalho das populações rurais estão muito mais relacionadas com o

17
COLETIVO NTC. Pensar Pulsar - cultura comunicacional, tecnologias, velocidade. São Paulo : Edi-
ções NTC, 1996, p. 160.

8
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‘nível de urbanização’ do que com o grau de desenvolvimento tecnoló-


gico alcançado pelas atividades agropecuárias numa região.”18

Ou seja, a chegada da informática na produção agrícola, enquanto obedecer as re-


gras de seleção e exclusão dos que não podem pagar pelos bens sociais, só conseguirá
reforçar as distorções e as injustiças na conformação da sociedade. Em nada adianta des-
envolver tecnologias de produção agropecuária, como as sementes transgênicas, que con-
servam nos alimentos propriedades determinadas em laboratório, ou raças perfeitas de bo-
vinos, eqüinos, caprinos, nas quais não se corre o risco de doenças e perda da cria. Para as
camadas populares rurais, importa libertar-se do estigma de plantar para subsistência,
quando a seca deixa, e viver da solidariedade e caridade dos demais setores sociais.
É preciso conquistar, efetivamente, um lugar digno para estas populações, na nova
lógica capitalista informática, em que seja possível viver no meio rural sem que no entanto
se esteja obrigado a aceitar os restos deixados pelos grupos hegemônicos. Se há uma nova
lógica capitalista, colocada pela informatização, pela globalização dos mercados e pela
redução do valor do trabalho, é possível, então, pensarmos em novas formas de ocupação
remunerada para estes grupos populares rurais, como por exemplo as atividades ligadas ao
turismo rural e ao ecoturismo e outros tipos de serviço, como a industrialização de ali-
mentos e a organização de eventos rurais - os rodeios, por exemplo.19
Cabe, então, buscarmos novas possibilidades de atuação do profissional de comu-
nicação no contexto de vida destas populações rurais que convivem, entre outros proble-
mas, com a necessidade de adequação à ordem capitalista globalizadora a partir, princi-
palmente, da geração de emprego e renda em atividades diversas do tradicional trabalho
agrícola de plantar e colher, porém sem que seja necessário deslocá-las para as cidades, já
tão inchadas e problemáticas. Esta deve ser a atuação da Comunicação Rural: voltar o uso
das novas tecnologias que chegam à comunidade para o aproveitamento dos recursos co-
municacionais locais, servindo, então, como forma da comunidade conhecer-se e direcio-

18
GRAZIANO, José. Revista Reforma Agrária. Rio de Janeiro, maio/agosto, N. 1, 1993, p. 14. Apud:
SANTOS, Claudia, LIRA, Hildebrando. “Políticas de comunicação rural nas organização governamentais:
o caso Emater”. In: SANTOS, Mª Salett Tauk. (org.). Políticas de comunicação rural nos anos 90.
Op.Cit., p. 20.

9
10

nar-se competentemente para um trabalho coletivo de desenvolvimento local a partir de si


mesma. E à pesquisa em Comunicação Rural cabe, então, mapear e analisar as possibilida-
des do grupo popular rural para ocupar-se de novas tecnologias e engajar-se num proces-
so de desenvolvimento local.

“Não é demais lembrar que o objetivo final da pesquisa é iniciar


o diagnóstico da comunicação, para que a partir da realidade atual, se
possam propor políticas e ações que permitam o uso racionalizado da
comunicação nos processos que vive a América Latina.”20

É o caso, por exemplo, de se realizar pesquisas com fins práticos, ou seja, buscan-
do encontrar junto às comunidades estudadas potenciais possíveis de serem explorados no
sentido de captar e utilizar recursos, locais ou não, em função do desenvolvimento local.
Assim podemos considerar o Projeto Brígida21, onde percebemos uma disponibilidade e
interesse da população para o aprendizado da informática e outras tecnologias (irrigação,
por exemplo), aplicadas ao cotidiano.
Uma pesquisa comprometida com o desenvolvimento local precisa ocupar-se des-
tas demandas de modo a apresentar uma documentação do perfil comunitário quanto às
possibilidade de desenvolvimento local, sempre entendido como “um esforço de mobiliza-
ção de pequenos grupos (...) a fim de resolver problemas imediatos ligados às questões de
sobrevivência econômica, de democratização de decisões, de promoção de justiça soci-
al.”22, mas também apresentar propostas para atuações futuras do profissional de comuni-
cação numa perspectiva de desenvolvimento e resgate das cidadanias.

Da teoria à ação: a comunicação rural que se pretende

19
Podemos citar as tentativas da Federação Nacional de Rodeio Completo em transformar a prática numa
categoria esportiva. Ver ARAUJO, Rute. “Seguuura atleta!”. In: Isto é, N. 1534, 24/2/99, p. 50.
20
CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de massa sem massa. São Paulo : Summus Editorial, 1986, p. 112.
21
Projeto de reassentamento para produção agrícola das populações rurais da Barragem de Itaparica, lo-
calizado na cidade de Orocó, Pernambuco. Local onde realizamos nossa pesquisa de Mestrado, em 1997.
22
SANTOS, Mª Salett Tauk, CALLOU, Angelo Brás Fernandes. “Desafios da comunicação rural em tem-
po de desenvolvimento local”. Op. Cit., p. 45. (Ver nota 7).

10
11

O papel do comunicador que se dispõe a atuar junto às comunidades populares ru-


rais deve associar aspectos teóricos-metodológicos que lhe permitam construir um verda-
deiro trabalho de autonomização destes grupos, e não uma nova dependência - desta vez
em relação ao profissional de comunicação. Uma vez deslanchado o processo de comuni-
cação comunitária termina a função da Comunicação Rural, isto é, sua presença e atuação
dizem respeito ao momento (que vai variar de duração de acordo com o grupo) de for-
mulação das bases da comunicação e da busca de soluções para os problemas imediatos
que venham a coibir uma participação mais efetiva da população no processo de discus-
são, gestação e gestão dos recursos comunicacionais e das tecnologias à disposição.

“Para isso, o comunicador deverá saber formular essas demandas


e dar-lhes forma, não mais apenas como executor, através da ênfase no
adestramento, como ocorre dentro das habilitações atuais. Ele deve ser
fundamentalmente um planejador, alguém capaz de conceber o processo
integral que vai do projeto à realização, alguém que saiba integrar con-
teúdos, discursos e públicos de maneira criativa e experimental. A cria-
ção e a experimentação engajadas na perspectiva social e histórica da
comunicação devem constituir o eixo teórico e metodológico do novo
curso. Vale dizer que esse eixo visa à formação profissional assentada
sobre projetos de caráter integral e integrado e que seja uma alternativa
à formação tecnicista e midiacentrada.”23

Se o desenvolvimento local é para a comunidade uma forma de sobrevivência num


mundo globalizado e informatizado, porque possibilita rever e reagir contra as desigualda-
des sociais, a ação local é para o comunicador uma maneira de traçar e realizar políticas
comunicacionais e culturais a partir do cotidiano, ou seja, livre das amarras burocráticas
da macropolítica e das ideologias que a conduzem. É, no caso da Comunicação Rural, de-
sapegar-se das normas institucionais que cerceiam a conduta do técnico para atuar a partir
das demandas comunitárias, das necessidades endógenas apresentadas e percebidas.

23
LOPES. Op. Cit., p. 17, (grifos da autora).

11
12

“... é uma proposta teórica de crítica que segue em conjunto com


a reflexão sobre a ação local, pontual, fragmentária, minoritária, não-
teleológica, despojadas das ilusões da modernidade. Isto é uma ação
propriamente pós-moderna, o que não significa senão um reescalona-
mento, porque por um lado é crítica no seu sentido teórico, e, por outro,
ação local no sentido prático. O reescalonamento é a proposta de crítica
que inclui outra porposta, propriamente política, uma vez que a crítica
se insere no contexto social da ação prática cotidiana.”24

Partindo de nosso estudo sobre formas de lazer e comunicação encontradas no co-


tidiano de grupos populares rurais (família), realizado durante o Curso de Mestrado25,
acreditamos que alguns indicadores concorrem para que o trabalho de desenvolvimento
comunitário se concentre na capacitação para o uso dos recursos comunicacionais locais.
Uma capacitação, porém, que se coloque como resultado de pesquisas anteriormente rea-
lizadas pelo profissional de comunicação, que tenham como finalidade conhecer a comu-
nidade com a qual se estará trabalhando, em suas características culturais próprias. Para
isto, além de uma postura crítica, criativa e responsável quanto ao uso da comunicação e
seus instrumentos tecnológicos, pode colaborar a aplicação de técnicas de pesquisa como
o estudo de caso, a observação participante, o diário de campo, as entrevistas semi-
estruturadas e a elaboração prévia e consistente das categorias de análise que conduzirão a
interpretação dos dados obtidos no empírico.26
As propostas de capacitação dos integrantes da comunidade para o uso de recur-
sos comunicacionais devem resultar das pesquisas realizadas no local. Através das ativida-
des de capacitação podemos habilitar a comunidade para sair da perspectiva de receptor
(ainda que não meramente passiva), deslocando-se para uma perspectiva de produtor-
receptor; desmistificar a produção de mensagens; estimular a comunidade a buscar seus
próprios recursos comunicacionais, quer estejam disponíveis ou em potencial; “profissio-
nalizar” a comunidade (a partir das organizações locais) para o uso destes recursos de

24
COLETIVO NTC. Atrator estranho. N. 31 - “Crítica como método”, p. 12.
25
Curso de Mestrado em Administração Rural e Comunicação Rural / Universidade Federal Rural de Per-
nambuco.

12
13

modo a torná-la autônoma nesta prática; permitir o diálogo e a construção de foros a par-
tir do uso dos recursos comunicacionais para negociações de medidas pertinentes ao des-
envolvimento e demandadas pela comunidade; estabelecer práticas duradouras de comuni-
cação plural27. E no caso específico da Comunicação Rural, autonomizar a comunidade
em termos comunicativos quanto aos técnicos que atuam modernizando seus espaços, de
modo a capacitá-la para aplicar as novas tecnologias a que venham a ter acesso no sentido
do desenvolvimento local e coletivo.

Referências Bibliográficas
CALLOU, Angelo Brás. “O GT - Comunicação Rural nos Congressos Intercom: balanço
para entrar no século XXI”. São Paulo : INTERCOM. Texto produzido para apresen-
tação no XX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 1997. Inédito.
CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos. Conflitos multiculturais da globa-
lização. Rio de Janeiro : Editora UFRJ, 1995.
CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de massa sem massa. São Paulo : Summus, 1986.
COLETIVO NTC. Pensar Pulsar - cultura comunicacional, tecnologias, velocidade. São
Paulo : Edições NTC, 1996.
COLETIVO NTC. Atrator estranho. N. 31 - “Crítica como método”.
HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo : Edições Loyola, 1993.
LOPES, Mª Immacolata Vassalo de. “Sobre um novo projeto pedagógico no campo da
comunicação”. In: BACCEGA, Mª Aparecida (org.). Comunicação e cultura: um novo
profissional. São Paulo : CCA/ECA/USP, 1993
MARCELLINO, Nelson. Lazer e humanização. Campinas : Papirus, 1995, 2ª ed.
MARCONDES FILHO, Ciro. Jornalismo fin-de-siècle. São Paulo : Scritta, 1993.
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SPENILLO, Giuseppa. “Lazer e Comunicação...” . Op. Cit., capítulo IV (Estratégias Metodológicas).
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Comunicação plural é um conceito empregado por Martín-Barbero para sintetizar um tipo de comuni-
cação social ideal, esperado pela democracia, em que as diferenças étnicas, religiosas, de gênero, culturais
seriam verdadeiramente superadas, e não apenas toleradas.

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_________________. “La communicación plural: alteridad y socialidad”. Dia-logos de la


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