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PENTAGRAMA

A revista Pentagrama propõe-se a atrair a ÍNDICE:


atenção dos leitores para a nova era que
2 O TRÍPLICE MISTÉRIO
começou para o desenvolvimento da DO CAMPO DE FORÇA

humanidade. 9 A GNOSIS VIVENTE


DO SÉCULO VINTE

14 FORMAÇÃO DA
O Pentagrama sempre foi, em todos os tempos, CONSCIÊNCIA HUMANA

o símbolo do homem renascido, do novo 17 AS METAMORFOSES


DE KUNDRY
homem. Também é o símbolo do universo
25 FELICIDADE E
e de seu eterno devir, por meio do qual
SOFR MENTO
acontece a manifestação do plano divino.
27 O VERDADEIRO
AUXÍLIO

Entretanto, um símbolo somente tem valor 31 O QUINTO ÉTER,


O ÉTER ELÉTRICO
quando se torna realidade. O homem que
37 A SENDA
realiza o Pentagrama em seu microcosmo, DO SILÊNCIO

em seu próprio pequeno mundo,


permanece no caminho de transfiguração. 1996
ANO 18
NÚMERO 6
A revista Pentagrama convida o leitor para
operar esta revolução espiritual em si mesmo.

© Stisch ing Rozekruis Pers. Reprodução proibida sem autorização prévia.


O
TRÍPLICE
MISTÉRIO
DO CAMPO
DE FORÇA
O sétuplo campo de força da Escola Teus raios enlaçam todas as regiões,
Espiritual da Rosacruz Áurea está estendem-se até as fronteiras
ligado aos sete raios fundamentais de toda a tua criação,
Tu estás infinitamente longe,
da Natureza superior; assim pode-
e no entanto
mos designá-lo como um campo de irradias sobre a terra.
luz sétuplo. Nós te contemplamos, e no entanto
ninguém pode ver onde te encontras.

Os antigos escritos da Corrente Quando desces


Universal das Fraternidades descrevem aos montes luminosos, ao Ocidente,
este campo de força como um campo o mundo jaz nas trevas, como morto.
de radiação universal que recobre tudo
e tudo penetra, como um céu-terra divi- Quando surges,
no. A Doutrina da sabedoria hermética os homens levantam os braços
afirma: Deus é uma esfera infinita, cujo para adorar-te.
centro está em toda a parte e cuja cir- Teus raios alimentam todas as plantas,
cunferência não está em parte alguma. Surges e diante de ti elas vivem
É um campo de vida que possui um e crescem.
núcleo central divino, cristocêntrico, no
qual e pelo qual se manifestam os sete O mundo repousa entre tuas mãos
raios da vida única e imperecível. As como tu o criaste.
palavras Do Egito chamei meu filho são Os homens vivem em tua claridade;
um apelo lançado ao ser humano, con- quando tu repousas, eles morrem.
vidando-o a entrar neste campo de luz
seguindo o caminho clássico da inicia- A vida está no tempo
ção. Todos os que buscam são chama- e o tempo está em ti.
dos do Egito a fim de voltar para a Única Em ti vivemos, em ti somos e estamos.
Luz, saindo do mais profundo abismo
das trevas exteriores da natureza dialé- Os antigos hierofantes compararam
tica. esta esfera ígnea, cantada por Akhenaton,
Akhenaton — “A
O faraó Akhenaton, um dos maiores a uma força solar e a representaram por
glória de Aton” —
e sua esposa
reis-sacerdotes do antigo Egito, colocou meio de um círculo com um ponto no
Nefertiti apresen- o princípio solar no centro de sua vida; centro, que simbolizava o princípio cen-
tam suas oferen- assim ele se expressava no hino ao sol: tral. Trata-se de um campo evolutivo em
das a Ra, o deus manifestação, não fechado sobre si
que dá a vida,
simbolizado
mesmo e procriador. Do ponto central
por raios que Quão formoso tu surges, emana uma linha e desta linha saem
terminam em ó, sol vivente, todas as figuras matemáticas: o círculo,
mãos estendidas nas alturas luminosas do céu, o triângulo, o quadrado etc. Do centro
e protetoras. Tu que estás no início de todas as coisas, nasce o primeiro algarismo, o número 1,
(Relevo do
irradias dos montes luminosos e depois os algarismos seguintes, inclu-
palácio de
Akhenaton em do Oriente sive o número 9. Esta série termina em
Tel-el-Amarna, e preenches as regiões terrestres zero e pelo número 1 de uma nova
1400 a.C.) com tua beleza. série.

3
O QUADRADO INSCRITO NO CÍRCULO nos do seu poderoso Conselho, a fim de
nos ensinar que, se tudo o que o gênio
humano descobriu fosse reunido, ele o
O círculo é um espaço fechado no faria servir a sua escrita oculta. O Livro
interior do qual acontece um processo da Natureza é, por conseguinte, desve-
de desenvolvimento. Sabe-se que den- lado a todos os olhos, mas bem raros
tro de todos os espaços sempre vão são aqueles que o podem ler, e, mais
surgindo algumas transformações: raros ainda, aqueles que o podem com-
cisão, divisão, multiplicação. Os antigos preender.
sábios colocaram um quadrado no inte- Da mesma maneira que a cabeça
rior do círculo para representar a vida: é humana possuiu dois órgãos para ouvir
um espaço que é vivificado, um campo e dois para ver, dois para cheirar e um
evolutivo que está totalmente inserido para falar, e que seria vão exigir que os
no campo original de força ígnea e que olhos falassem e que os ouvidos vis-
pode ser definido como “vida”. Ora, esta sem, assim também houve épocas em
vida somente será completa quando que se viu, outras em que se ouviu e
existir a possibilidade de manifestação, outras ainda em que sentiram odor, e,
de renovação e de realização. Os anti- em muito pouco tempo virá a época,
gos simbolizaram este processo com o que se aproxima a grandes passos, em
triângulo ou a pirâmide. que a língua receberá a honra de expri-
Esta descrição clássica de um campo mir tudo o que antes já foi visto, ouvido
de força deixa ver claramente o símbolo e percebido pelo olfato. Depois que o
do círculo, do triângulo e do quadrado, mundo houver despertado do seu sono
que é o símbolo da Escola Espiritual da de embriaguez, bebido na taça envene-
Rosacruz Áurea. Com este símbolo, ela nada, o homem irá ao encontro do sol
dá a entender que coloca seus alunos nascente, ao raiar do dia, com o cora-
diante destes três aspectos, que for- ção aberto, a cabeça descoberta e os
mam uma perfeita unidade no interior de pés nus, jubiloso e transbordante de
seu campo de força. Círculo, triângulo e alegria.1
quadrado representam a totalidade do Esta profecia faz alusão à obra gnós-
campo de força com seu princípio cen- tica universal da Escola Espiritual da
tral, de onde se desenvolve o plano de Rosacruz Áurea em sua atual manifes-
manifestação. O quadrado de constru- tação, e que apresenta à humanidade a
ção é realizado e o triângulo de fogo do necessidade de um renascimento trípli-
novo campo de vida eleva-se a partir ce e fundamental. Para atingir este esta-
dele. do é preciso decidir firmemente libertar-
Este símbolo do campo de força indi- se do espaço e do tempo, do nascimen-
ca que a força divina desce na natureza to, da vida e da morte. Trata-
dialética ímpia como um campo cósmi- -se de um processo que se baseia nas
co sétuplo. É assim que a natureza dia- cinco atividades da Gnosis, mais do que
lética corrompida é captada pela luz: o nunca perceptíveis em nossa época.
zodíaco duodécuplo é aniquilado e um
novo firmamento magnético, um novo
céu e uma nova terra vão-se esboçan- EXISTEM CONDIÇÕES DE VIDA IDEAIS?
do. Os antigos rosa-cruzes diziam que
este campo de força manifestava-se de
setecentos em setecentos anos, a fim Em primeiro lugar, é preciso adquirir a
de conduzir os buscadores até o campo compreensão libertadora. Sobre esta
da luz. base nasce o anseio pela salvação, a
Deus já enviou mensageiros de sua aspiração ao restabelecimento da vida
vontade, as estrelas que surgiram em original. Este anseio é seguido pelo aban-
Serpentarius e Cygnus, os grandes sig- dono dos valores que determinavam a

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vida até este momento: é a auto-entrega. O HOMEM E A NATUREZA MORTAL
Depois deste adeus ao antigo eu, surge o
novo comportamento, que permite ao
candidato transformar-se interiormente e Comparado a este campo poderoso e
preparar-se para o novo nascimento. desmascarador de luz e de força liberta-
Com relação ao processo, as condi- doras, o homem não passa de um
ções de vida de muitos alunos não são “minutum mundum”, um pequeno mun-
as ideais: é por esta razão que podemos do, um microcosmos em interação com
indagar-nos quem está preparando o a natureza mortal. Este pequeno mundo
quadrado de construção; quem já se é fechado: para a alma é uma prisão
encontra no processo de renovação onde reinam a “vida” e a “morte”, pois aí
interior; quem já efetuou a renovação não se encontra o triângulo de fogo da
quádrupla de seus veículos material, possibilidade de libertação. Por esta
etérico, astral e mental; quem já domi- razão, este pequeno mundo tornou-se
nou completamente seus desejos, seus inativo, submetido à “vida” e à “morte”. O
pensamentos e seus atos, subordinan- fogo divino encontra-se recolhido ao
do-os à prática da nova vida; quem par- núcleo central e está sempre esperando
ticipa conscientemente do Trigonum o dia do novo nascimento, processo
Igneum, o fogo sobre o qual fala a descrito em todos os textos sagrados.
Fama Fraternitatis; quem já nasceu de Esta senda leva à formação da cons-
Deus, morreu em Jesus e ressuscitou ciência, ao desaparecimento dos limites
no Espírito Santo. Cada um tem o da antiga personalidade e à entrada no
dever e o poder de determinar onde se novo campo de vida. O símbolo do tem-
encontra. plo de Haarlem traduz este processo.
No fim do século XVI, Tobias Hess No decorrer da consagração deste tem-
percebeu que um novo fogo cósmico plo, em 20 de dezembro de 1957, Jan
surgia no céu. Neste fogo, ele viu um van Rijckenborgh disse o seguinte:
presságio do grande fogo cósmico que
começa hoje sua atividade na Era de Este signo simboliza os sete vezes sete
Aquarius. O fogo do Trigonum Igneum, raios do Espírito Santo Sétuplo que
como o chamavam os antigos rosa-cru- opera através de todos os tempos, em
zes, é o fogo dos planetas dos Mistérios: todas as esferas de nosso cosmo. A
Urano, Netuno e Plutão. Neste momen- força da Doutrina Universal, que confe-
to, ele envolve o cosmos, o mundo e a re ao Lectorium Rosicrucianum sua
humanidade para a necessária renova- autoridade e seus poderes, ativa este
ção interior. Quando os rosa-cruzes fala- campo de radiação sétuplo em seus
vam de sete dias de criação ou sete templos, o que significa que os sete
períodos em que surgia o Trigonum raios do campo de radiação do Amor
Igneum, eles tinham como objetivo nada divino estão manifestados e que agem
mais do que a manifestação da Frater- na alma de todos os que a ele se
nidade universal da Luz, que desce nas abrem. A estrela de cinco pontas, que
trevas para aí libertar as almas huma- se encontra no meio do emblema, pode
nas aprisionadas. É com esta finalidade ser considerada a estrela de Belém,
que foi edificado o Corpo-Vivo da Escola símbolo sagrado do nascimento de
Espiritual da Rosacruz Áurea atual. Este Jesus no buscador que, tocado pelo
corpo é, de fato, imortal, pois está liga- princípio do renascimento, prepara-se
do à corrente cósmica do fogo espiritual para percorrer o caminho estreito da
liberto da natureza da morte, o fogo regeneração. É neste caminho que ele
espiritual que penetra nas regiões do aprende a aprofundar-se no mistério
espaço e do tempo, como uma arca que que Jesus Cristo apresenta nesta era a
pode levar dentro de si as almas dos todos os que são sensíveis a ele e que
homens e conduzi-las à libertação. estão prontos para percorrer, efetiva-

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mente, a senda de retorno à Casa do uma placa de bronze onde se lia:
Pai, com todas as conseqüências que
lhe são inerentes. É por isso que a A.C.R.C fiz deste compêndio do Universo,
sabedoria e sua manifestação por meio em vida, um sepulcro.
de atos concretos são as característi-
cas do Lectorium Rosicrucianum. Em volta do primeiro círculo estava es-
crito:

A MENSAGEIRA DO NOVO CÉU-TERRA JESU MIHI OMNIA (Jesus é tudo para


mim).

Vamos considerar agora que esta- No centro encontravam-se quatro figu-


mos em um universo fechado, engloba- ras, envoltas por círculos, cujas inscri-
dos por um firmamento microcósmico, ções eram:
prisioneiros de nossos sentidos, das for-
ças e dos núcleos em que todo o nosso 1. NÃO HÁ ESPAÇO VAZIO.
passado está gravado. Nossa personali- 2. O JULGO DA LEI.
dade terrestre é habitante deste sistema 3. A LIBERDADE DO EVANGELHO.
e se manifesta como uma projeção do 4. A GLÓRIA DE DEUS É INATACÁVEL.2
firmamento microcósmico e macrocós-
mico. É neste velho céu que a força da
Gnosis deve agora surgir como a estre- A FINALIDADE DA VIDA TERRESTRE:
la pentagonal do nascimento, mensa- O ADEUS À MATÉRIA
geira do novo céu-terra, da nova terra,
do novo homem ressuscitado, em quem
Espírito, alma e corpo encontram--se Quem descobre esta santa mensa-
em perfeita harmonia. Quando os gem deve enfrentar a força mercuriana
irmãos da Rosa-Cruz diziam estar neste do Trigonum Igneum. É o fogo primordial
caminho rumo ao Templo de Iniciação da Corrente da Fraternidade Universal,
de Christian Rosenkreuz, eles queriam onde surge o clássico caminho de ini-
dizer que estavam diante da transforma- ciação: a demolição do antigo templo, a
ção fundamental de todo o seu sistema. edificação e a reconstrução do novo
O ser humano que trilha consciente- templo em três dias. Este mistério faz-
mente este caminho em nossa época, a nos compreender que o adeus à maté-
ponto de poder abstrair-se a si mesmo ria, a saída do circuito fatal da vida e da
total e absolutamente, a fim de que sua morte é a finalidade da vida terrestre.
alma imortal recupere a liberdade, Viver cada dia torna-se um “morrer cada
encontra-se, como os irmãos da Rosa- dia” da antiga natureza, para a realiza-
-Cruz, diante do templo sepulcral de ção da nova vida. A Fama Fraternitatis
Christian Rosenkreuz. fala da “semente semeada no coração
de Jesus”, pois o caminho rumo à nova
Na Fama Fraternitatis está escrito: Pela vida somente pode ser realizado com a
manhã, abrimos a porta e encontramos pura imitação de Cristo. Tudo o que é
uma cripta com sete lados e sete can- velho deve morrer em Cristo. Todas as
tos. Cada lado media cinco pés, e a forças e normas da vida terrestre devem
altura, oito pés. Apesar de essa cripta ser aniquiladas nele, a fim de que sobre
nunca haver sido iluminada pelo sol, uma base totalmente nova, a nova vida
era iluminada, porém, por outro sol que possa ser realização.
se achava em cima, no centro da crip- Não há espaço vazio! Quer dizer,
ta, e tinha aprendido isso do sol. No todo o nascimento microcósmico, cós-
centro, em vez de uma pedra sepulcral, mico ou macrocósmico é determinado
havia um altar circular coberto com anteriormente e deve ser realizado na

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Símbolo da
Jovem Gnosis,
na entrada de
Renova.

força do fogo fundamental, o Trigonum LIBERAÇÃO DA ESPIRAL DESCENDENTE


Igneum. No momento em que esta força,
que é o elemento que falta, encontra o
antigo círculo e o antigo quadrado, a nova Assim alicerçado, o peregrino chega
compreensão desperta. A nova lógica é o diante da glória de Deus, que é inatacá-
jugo da lei, aceito em auto-entrega e vel. Ele permanece na Corrente da
auto-oferenda, perfeita e voluntária. É a Fraternidade e emite o Verbo divino a
lei da imitação absoluta de Cristo, na fim de libertar as almas de seus irmãos
força do Espírito que tudo preenche e da prisão da matéria. A entrada na
tudo vivifica. Aquele que, conscientemen- câmara sepulcral de Christian Rosen-
te, continua sob este jugo da lei, é integra- kreuz, em uma época em que a huma-
do na Corrente da Fraternidade Universal nidade ultrapassa a fronteira do terceiro
da Luz e descobre a liberdade do milênio, é de uma importância excepcio-
Evangelho, a liberdade da plenitude da nal, pois, no templo funerário encontra-
Palavra divina que passa a se manifestar. -se o protótipo do Novo Homem, o
O Verbo se cumpre como confirmação de vivente imitador de Cristo. Este Novo
uma nova criação, de um novo nascimen- Homem preparou-se para receber, de
to. O Evangelho vivente é então uma maneira correta, a força do Espírito
força libertadora, não ligada aos critérios Santo, e está pronto para colocá-la em
e dogmas humanos, que oferece a eterna prática.
liberdade divina aos corações dos Aquarius, o aguadeiro, levanta o cân-
homens e os liberta da espiral descen- taro de água viva para derramá-la sobre
dente. toda a humanidade acorrentada, e
todos os que receberem esta força com
um coração receptivo e com as mãos

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abertas poderão experimentar suas
bênçãos. Trata-se da força que confirma
a transformação, a renovação e a trans-
figuração de todo o sistema humano tão
danificado. “Do Egito chamei meu filho!”
Quem se encontra neste processo de
renovação forma com todos os que com
ele caminham um novo cosmos, um
novo elo da corrente da Fraternidade
Universal. Ele está integrado na corren-
te das Fraternidades da Luz, a fim de
desvelar o selo dos mistérios do círculo,
do triângulo e do quadrado, conforme a
lei de Deus.

A Direção Espiritual Internacional


J. R. Ritman

1 Confessio da Fraternidade da Rosacruz,


Jan van Rijckenborgh, Lectorium Rosicru-
cianum, VIII, p. 9, 1ª edição, 1987.
2 Fama Fraternitatis, p. XXXIII,
Jan van Rijckenborgh, Rozekruis Pers,
Haarlem, Holanda.

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A GNOSIS VIVENTE DO SÉCULO VINTE

Nestes últimos dez anos, as idéias e vez maior de pessoas percebe, espon-
as ações da humanidade passaram taneamente ou depois de uma certa
por transformações bastante acen- manipulação, o que há por detrás da
linha que divide a matéria grosseira da
tuadas. Depois de uma onda de pro-
matéria sutil.
testos contra os princípios estabele- As religiões oficiais e a ciência apa-
cidos, muitos conceitos mudaram, rentemente seguem os fatos, apesar de
aumentando o abismo entre os idea- uma certa hesitação e não sem uma
listas e os homens de boa vontade, certa prevenção, para recobrarem um
pouco do brilho de sua antiga autorida-
de um lado, e, de outro, os materia-
de. Entretanto, elas já viraram a casaca
listas endurecidos, que não têm ou- já há muito tempo e reconheceram as
tro ideal senão o de conseguir cada dimensões invisíveis para compreender
vez mais dinheiro, bens e poder. o que agita o homem moderno e para
não perdê-lo de vista no decorrer de
suas explorações mais remotas. Eviden-
O homem atual vive em um século de temente também há negócios a serem
explorações extraordinárias. O mundo feitos neste novo mundo. Quem é hábil
exterior, assim como seu mundo interior, e sabe manipular as forças naturais que
o cativam. As pessoas de idade apenas acabam de ser descobertas ganha
sabem muito bem que, em sua juventu- muito dinheiro: é simplesmente inevitá-
de, a autoridade vinha do alto. O que o vel! Com esta evolução, o termo “seita”*
pai, a mãe, o professor, o teólogo, o tornou-se pejorativo. Geralmente, com
político ou o ministro diziam era lei. Era razão, pois as experiências no mundo
assim mesmo! etérico e astral podem acabar muito
Mas as coisas mudaram. Não somen- mal!
te a juventude atual nem se importa
com as autoridades, como manifestam
suas próprias opiniões. Ela quer ser seu PRELÚDIO OU ADVERTÊNCIA?
próprio guia e descobrir tudo por si
mesma. Ela se baseia em suas próprias
percepções e suas próprias experiên- E os rosa-cruzes, eles negam a exis-
cias, que, aliás, são muito bem alimen- tência deste novo mundo? Eles são
tadas pela mídia. A pessoa que antiga- contra às grandes perspectivas que este
mente via duendes e gnomos era consi- novo mundo oferece? Será que eles
derada como louca: ninguém falava com querem limitar as atividades do homem
ela, como se estivesse morta, e as moderno e dinâmico do século XX?
obras esotéricas eram geralmente tran- Será que eles querem amedrontá-
cadas a sete chaves nas bibliotecas. A -lo com regras e dogmas?
humanidade começa a entrar em um Nada disso! Qualquer pessoa que
novo mundo. Os exploradores que parti- vive conscientemente tem suas próprias
ram antes voltam com histórias fantásti- opiniões sobre tudo o que acontece no
cas. Os turistas do além são legiões. É mundo e é livre para expressá-las e
permitido falar sobre o que se viu, con- divulgá-las. Entretanto, achamos que a
versar sobre isto... e um número cada informação que o ser humano recebe

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atualmente carece de alguma coisa mem seja o produto do mundo que ele
muito importante: acreditamos que é mesmo criou! Todas as suas percep-
nosso dever esclarecer todas as pes- ções e todos os seus julgamentos são
soas receptivas, explicando a elas, por fixados a priori e não lhe dão nenhuma
meio da Doutrina Universal, o que está liberdade de movimento. Como sua
por detrás das transformações do mun- consciência foi formada na natureza e
do e do cosmo. Fazemos isto porque es- pela natureza, ele logo chega à conclu-
peramos que os leitores desta revista são de que falta alguma coisa em sua
Pentagrama poderão, assim, melhor de- vida, e que ele não consegue ir muito
terminar sua posição e fazer uma esco- longe. Assim, todos vão percorrendo um
lha motivada clara e conscientemente. círculo vicioso do qual já não podem
Há quarenta anos a Rozekruis Pers, sair. Para sair deste círculo é preciso um
em Haarlem, na Holanda, editou um outro impulso, que os rosa-cruzes cha-
livrinho que descrevia o desenvolvimen- mam de “Gnosis”.
to atual como uma conseqüência inevi- O conhecimento dos antigos gnósti-
tável da direção que foi tomada pela cos foi divulgado até em nossa época e
humanidade até esta época. Assim muitos especulam bastante sobre o que
como os rosa-cruzes do século XVII vem a ser o conceito de “Gnosis”.
advertiram seus contemporâneos quan- Entretanto, podemos certificar expres-
to aos acontecimentos presentes e futu- samente que a Gnosis não tem nada a
ros, por meio dos escritos de Johann ver com certos livros interessantes,
Valentin Andreæ, assim também, no novas idéias ou manuscritos apaixonan-
século XX, a Rosacruz Áurea vem fazer tes de tempos passados. Para os rosa-
o mesmo. -cruzes, a Gnosis é a força que é preci-
A humanidade faz uma viagem atra- so ser descoberta, que nos toca e nos
vés do Universo, que pode ser conside- liberta, como forma que emana da fonte
rado neste sentido como uma escola de original. Quem a vivencia um pouco,
aprendizagem do processo do verdadei- quem dela testemunha por escrito ou
ro devir humano: como o campo de tra- através da fala é considerado um gnós-
balho onde a humanidade se prepara tico. Uma pessoa como esta pode con-
para entrar novamente no processo da ceber idéias e imagens extraordinárias
criação original — portanto, se prepara e profundamente cativantes, mas nem
para o restabelecimento da realidade de por isso estas idéias e imagens consti-
antigamente, que existia antes que ela tuem a Gnosis. São um testemunho da
sofresse a queda na matéria.
*A palavra “seita” vem do latim “secare”, que
significa cortar. Esta palavra geralmente era
A VIDA É BUSCA, E A BUSCA empregada neste sentido para designar um
Durante o
FORMA A CONSCIÊNCIA grupo que se separou, com ou sem razão,
primeiro milênio
da religião reconhecida oficialmente. Esta
da era cristã, tendência para a separação existe em
o pavão muitas Por esta razão os rosa-cruzes dizem todas as religiões ou grupos ideológicos do
vezes simbolizava mundo inteiro. Geralmente trata-se de diver-
que, no coração humano encontra-se gências de interpretação da doutrina oficial.
o Cristo. Em
oculto um germe imortal que contém to- Em determinado momento, o grupo que se
outras tradições,
ele representava do o processo de restabelecimento do forma em torno de suas próprias concep-
também conceitos homem original. Assim, o ato de deci- ções separa-se da “antiga casa” ou da insti-
como imortalida- frar, da interpretação e da execução na tuição oficial. Este fenômeno sempre existiu
de, renascimento, prática deste plano formam a consciên- na história da humanidade e sempre foi
ou a intang bilida- aceito pelos regimes tolerantes. Mas, em
cia. Portanto, a consciência é a soma de
de da alma épocas de tensões políticas, tanto no pas-
(Manuscrito
toda uma série de experiências feitas sado como hoje, sempre se encontra um
espanhol, 945 durante a viagem de exploração através modo de fazer deles os bodes expiatórios e
d.C.). do Universo. Mas o trágico é que o ho- combatê-los.

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Gnosis, que é um fenômeno compará-
vel à eletricidade: ela é invisível, mas
nós a percebemos claramente por meio
de seus efeitos.
O toque da Gnosis é tríplice: ele
chama, esclarece e salva. Esta tríplice
atividade sempre acompanhou a huma-
nidade. Não é de modo algum um fenô-
meno novo, o achado de uma das teolo-
gias ou da política: de fato, ele é a única
realidade diante da qual a humanidade
se encontra.
O chamado da Gnosis sempre ecoou
para impulsionar os humanos a voltar
para seu campo de vida original. Este
chamado sempre foi explicado – geral-
mente de forma velada. Conduzir a hu-
manidade a um plano superior e libertá-
-la do reino da morte onde ela está mer-
gulhada é uma tarefa que jamais cessou.
Giordano Bruno (1548-1600), filósofo e O chamado ecoa em cada um: ele é forte
livre-pensador italiano. Em suas consi- ou fraco, percebido de maneira hesitante
derações metafísicas, atacou todas as ou como um poderoso impulso para rom-
autoridades que se basearam em dog- per com todos os laços. A voz dos porta-
mas. Estabeleceu que todas as manei- -vozes divinos pressiona e sempre se faz
ras de ver a vida dependem do lugar ouvir, apesar de nem sempre ser muito
em que a pessoa se encontra no bem compreendida; e sempre há uma
mundo, que a verdade absoluta é mão salvadora estendida, apesar de que
indescritível e que a verdade e a sabe- raros são os que a seguram.
doria não têm limites. Segundo ele, o Em nossa época tudo mudou: as coi-
mundo é composto de elementos indis- sas tomaram um novo rumo, uma nova
sociáveis que obedecem a leis do corrente vai crescendo e é possível se-
Universo. Para ele, Deus está em todas gui-la. A humanidade está sendo convo-
as coisas e todas as coisas estão em cada para descobrir em si mesma esta
Deus. Conseqüentemente, seus con- nova corrente; ela é explicada e os re-
ceitos influenciaram inúmeros filósofos sultados são mostrados.
– particularmente Leibniz e Spinoza.
Por ter idéias heréticas, teve de deixar
a Ordem dos Dominicanos, em 1576. A TENDÊNCIA A INTERROMPER
Voltando a Veneza, foi julgado por A QUEDA E ESCAPAR DELA
heresia e queimado vivo em 1600.

Tradução do memorial: Em todas as partes do mundo as


A Giordano Bruno, queimado vivo por pessoas estão analisando as reações.
intolerância religiosa. A comunidade Existe uma forte tendência de ultrapas-
democrática de Dovadola não esquece sar o que há de bestial no ser humano.
que é na harmonia da vida em comum As pessoas estão buscando, interpre-
que a liberdade de pensamento encon- tando, traçando diretrizes para adquirir
tra seu fundamento. uma nova consciência. Um grande nú-
mero de salvadores se anunciam. Mui-
1º de agosto de 1909. tos, infelizmente ainda não conseguem
permanecer em solo firme.

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Vivemos em tempos agitados. E, em filhos não a compreenderem. Afinal, ou
meio a toda esta agitação, quando to- eles estão em luta uns contra ou outros
dos os princípios se desfazem e quando ou então se dão tapinhas nas costas
surgem novos valores, é preciso que o uns dos outros, mas jamais procuram
homem moderno continue em pé e vi- dentro de si mesmos a causa de seus
vencie suas provas. Mas como ele pode males.
fazer isto se ele não sabe de que se tra- Esta causa está dentro do próprio
ta nem para onde vai o mundo? homem, no campo de vida que está
Em 1995 aconteceu na Alemanha um submetido à morte. Mas, sobretudo, no
simpósio onde um dos temas era: o de- fato de se comprazer com a situação, de
senvolvimento simultâneo da consciên- se acomodar, de tentar adaptar-se a ela
cia e da imunidade, tendo como base o e de estar sempre reconstruindo as coi-
autoconhecimento e o conhecimento de sas para esconder um pouco a infelici-
um possível adversário. Para poder de- dade atrás da porta ... onde ele tenta
fender-se, um sistema deve contar com fechar todos os medos e sofrimentos.
o autoconhecimento a fim de poder re- Em meio a todas estas tentativas, a
conhecer as influências que possam Gnosis o arrebata. Ela toca seu cora-
atacá-lo. Se um sistema não se conhe- ção, seu ponto mais sensível, onde está
ce, é incapaz de situar o inimigo e se inscrito o plano completo do futuro divi-
destrói. É lógico e justo; mas, ao mesmo no. Este toque lhe faz mal porque lhe
tempo, é a causa do enfraquecimento e mostra que ele está sempre no caminho
da degeneração da raça humana. Afi- errado. Ora, ele não quer nem saber
nal, quando um ser humano já não co- disto! Enquanto isto, o caminho certo
nhece a finalidade de sua vida, ele tam- lhe é indicado, a senda que consiste em
bém não sabe quem são seus inimigos. aniquilar a fonte de todos os males, a
Portanto, ele não sabe nem como se de- senda pela qual se chega à nova Vida,
fender nem como escapar. onde a doença fundamental e sua exis-
tência e a morte já não vigoram.

ENXERGAR OU NÃO ENXERGAR


A SITUAÇÃO DE FRENTE

É nesta situação que se encontram


os homens, no limiar do século XXI.
Mas eles não enxergam ou não querem
enxergar. No entanto, eles são as víti-
mas desta situação! Neste estágio, a
Gnosis entra em contato com eles, es-
clarece esta situação e lhes mostra a
saída. Este toque e suas conseqüências
transformam a consciência do ser hu-
mano. Suas idéias mudam, sua vida
muda. O mundo passa a ter uma nova
face.
De um lado, uma face bem conheci-
da, apresentada pela mídia: sangue,
violência, ódio, crime. De outro, a face
da humanidade: bondade, socorro e au-
xílio em caso de sofrimentos e emer-
gências. Mas ainda há uma terceira fa-
ce: a criação que sofre pelo fato de seus

13
FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA HUMANA

A corrente de vida humana conhece os homens desta jovem humanidade


dois processos de desenvolvimento: o durante muito tempo não possuíram
corpo material e a terra ainda não pos-
do microcosmo e, no interior deste
suía uma forma sólida. Deste período,
último, o do homem biológico, que de- nada foi encontrado.
ve servir de instrumento para ele, pa-
ra permitir seu retorno à vida original.
São dois processos que caminham OS ESTÁGIOS DE EVOLUÇÃO
DA HUMANIDADE
paralalelamente, mas que acontecem
cada um por si, em lados diferentes.
O microcosmo vem do reino divino,
Nos estágios de evolução que deno-
enquanto o homem biológico é intei- minamos período de Saturno, Solar,
ramente constituído de materiais da Lunar e Terrestre, foram sendo forma-
natureza terrestre mortal. dos não somente o corpo dialético, mas
também os corpos sutis que constituem
atualmente a personalidade quádrupla.
O microcosmo compreendia, original- Este processo foi acontecendo paralela-
mente, Espírito, alma e corpo. Esta uni- mente ao desenvolvimento da consciên-
dade se perdeu quando ele foi separado cia. Em cada período foi depositado o
do campo de vida divino. O núcleo da germe da fase seguinte: assim foram-se
alma continuou no microcosmo, mas sucedendo diversos estados de cons-
impotente e sem força, depois de sua ciência, comparáveis por exemplo ao
ruptura com o Espírito. Da mesma forma estado de consciência atual dos mine-
o corpo original ficou impossibilitado de rais, das plantas e dos animais. Para co-
manifestar-se no campo de vida terres- meçar, surgiu uma consciência latente
tre. Por esta razão, foi preciso que se (fase mineral) que, pouco a pouco, foi-
desenvolvesse uma entidade no micro- se transformando em uma consciência
cosmo mutilado, para que este pudesse adormecida ou consciência de sonho,
exprimir-se. É por isso que foi necessá- como a das plantas. Em seguida, de-
rio um segundo processo de crescimen- senvolveu-se uma consciência obscura,
to, guiado e estimulado por inúmeras que pode ser comparada à consciência
forças espirituais. animal, e finalmente surgiu a consciên-
O processo de devir dos seres huma- cia humana atual.
nos aconteceu há muitos milhões de O homem não se desenvolveu, por-
anos, paralelamente ao processo de de- tanto, como se pensa muitas vezes, a
senvolvimento da terra, pois foi também partir de uma forma mineral para depois
preciso criar para estes seres um cam- passar por uma forma vegetal e a uma
po de vida, onde pudessem habitar e forma animal, até chegar ao homem de
vivenciar experiências como instrumen- hoje. Ele somente atravessou estados de
tos do microcosmo. Todo este processo consciência específicos dos três reinos.
deve desenrolar-se em um espaço de O que hoje chamamos de consciência
tempo inconcebível para a consciência humana apenas pode expressar um prin-
humana. A paleontologia apenas evi- cípio animado preenchido por quatro cor-
dencia uma parte deste processo, pois pos intimamente entrelaçados uns aos

14
mas sim que ele impôs-se como
“Na mais alta antigüidade, o povo sa- senhor dentro do sistema humano.
bia somente que os príncipes existiam. Como aconteceu este processo?
Depois da ligação entre o microcosmo
O povo amou e louvou os príncipes e a entidade que o habitava, parecia
que se seguiram a eles.Os que os que faltava algo muito importante a
sucederam, o povo temeu.. esta entidade: o princípio diretor que
até este momento havia determinado
E os que o seguiram, o povo sua conduta. Antigamente, a humani-
desprezou. dade era dirigida por forças espirituais,
que velavam para que ela atravessasse
Quem perde a confiança no outro todas as etapas de desenvolvimento
já não conta com sua confiança. necessárias para que nascesse uma
personalidade autônoma capaz de
Os antigos eram lentos e graves em consagrar-se inteiramente ao restabe-
suas palavras.Quando eles tinham lecimento da unidade entre o Espírito
feito tudo prosperar e haviam termi- divino, a alma e o corpo terrestre. Logo
nado suas tarefas, que esta personalidade estivesse
constituída, os guias deste processo
o povo dizia: “Aqui estamos, por deveriam retirar-se, a fim de acelerar a
nós mesmos.” independência do homem, assim como
(Citação do Tao Te King, “A Gnosis os pais dão a liberdade a seus filhos
Chinesa”, capítulo 17, Jan Van Rijckenborgh, para que eles possam tornar-se com-
Rozekruis Pers, Haarlem, Holanda, 1992) pletamente adultos.
Entretanto, o guia interior do homem,
o princípio divino situado no centro do
microcosmo, ainda não havia desperta-
outros. Nem os minerais, nem as plantas, do. É neste estágio transitório que
nem os animais dispõem de um sistema foram-se desenvolvendo as religiões.
tão aperfeiçoado. É por isso que estas Os sacerdotes, que ainda eram envia-
formas de vida são ativadas e conduzi- dos divinos, ensinavam aos homens a
das por impulsos exteriores. Neste con- respeito de sua origem e sua missão, e
texto, falamos de forças diretrizes da assim foram surgindo, pouco a pouco,
natureza, ou de espíritos-grupo. A cons- alguns grupos preparados espiritual-
ciência individual desenvolveu-se no mente para cumprir esta missão. Mas os
decorrer do tempo, em ligação direta dirigentes terrestres intervieram ao
com o desenvolvimento dos corpos sutis mesmo tempo, querendo conduzir os
e do processo de concentração destes homens, muitas vezes convencidos de
corpos ao redor de um único núcleo. É que eles também eram enviados divi-
somente no final desta fase construtiva nos! Era um grande perigo, pois o
que o homem começou a tornar-se cons- homem deste período já possuía um
ciente de sua própria existência, a fim de corpo de desejos. Desta forma, ele era
poder aprender a discernir e a cumprir capaz, com a ajuda de seu enorme
seu papel no interior do microcosmo. poder mental, de manipular seus dese-
jos egocêntricos como bem entendesse.
Assim, esta humanidade jovem aca-
A SEGUNDA QUEDA bou perdendo a proteção dos verdadei-
ros guias espirituais. Já não contando
com seus bons exemplos, ela foi sofren-
Os textos esotéricos nos ensinam do completamente a influência dos diri-
que o homem não se tornou um servi- gentes terrestres e dos sacerdotes que
dor, um instrumento do microcosmo, estavam submetidos a eles. Como a

15
acumular conhecimento e experiências
exotéricas, mas sim de tirar a única con-
clusão correta de todas essas experiên-
cias. Como “Deus não deixa perecer a
obra de suas mãos”, sempre houve, em
todas as épocas, assim como existem
em nossos dias, forças divinas atuantes
para sustentar a todos os que desejam
chegar a ele pelo caminho da luz.
O processo de devir dos seres huma-
nos aconteceu há muitos milhões de
anos, paralelamente ao processo de de-
senvolvimento da terra, pois foi também
preciso criar para estes seres um
campo de vida, onde pudessem habitar
e vivenciar experiências como instru-
mentos do microcosmo. Todo este pro-
cesso deve desenrolar-se em um espa-
ço de tempo inconcebível para a cons-
ciência humana. A paleontologia ape-
nas evidencia uma parte deste proces-
so, pois os homens desta jovem huma-
nidade durante muito tempo não possuí-
ram corpo material e a terra ainda não
possuía uma forma sólida. Deste perío-
do, nada foi encontrado.

Narciso contempla maioria da humanidade ainda estava “na


seu reflexo na infância”, e portanto era ingênua, e como CONTANDO COM O AUXÍLIO DE UMA
água (Michel de
ela tinha necessidade de ser dirigida, as AUTÊNTICA ESCOLA ESPIRITUAL
Marolles, Paris,
1655).
forças que trabalhavam para entravar ou
tornar lento o processo original consegui-
ram desviá-la facilmente do caminho divi- Uma escola espiritual decidida a
no. Todas as situações e experiências auxiliar a humanidade que vagueia sem
que decorreram deste fato estão registra- rumo, forma, para tanto, um campo de
das no microcosmo: todos nós, querendo força magnético, que dinamiza o princí-
ou não, estamos submetidos diariamente pio divino dentro daquele que busca,
a estas influências, o que determina a acompanhando-o neste processo. Ela
formação do caráter e da consciência. faz com que ele compreenda sua ruptu-
O crescimento da consciência inferior ra com a vida original e também o dese-
ainda latente para uma consciência jo de restabelecer o microcosmo danifi-
alma-espírito não seria possível se o cado. É esta força que a alma espiritual
homem não chegasse a compreender e o conhecimento original vão liberando
seu estado graças a estas vivências que pouco a pouco, satisfazendo e nutrindo
estão gravadas dentro dele e que devem este anseio tão puro, que também é
fazer com que ele descubra consciente- chamado de desejo de salvação. O fim
mente seu aprisionamento. Ele precisou, deste processo de desenvolvimento é a
e precisa sempre, compreender como união do Espírito e da alma que se torna
pode libertar-se das potências e forças imortal. Então, se forma uma consciên-
que atrapalham seu desenvolvimento, cia totalmente nova, que conduz ao res-
tanto no plano microcósmico como no tabelecimento do microcosmo e da enti-
plano macrocósmico. Não se trata de dade que habita dentro dele.

16
AS METAMORFOSES DE KUNDRY

Em Parsifal, a ópera de Richard te reino do Graal, a força com cabeça de


Wagner, Kundry tem um significado leão não pode conservar sua beleza
muito especial. Seus atos e seus passageira. Ela é desmascarada e deve
mostrar sua verdadeira face: a face de
gestos estão estreitamente relacio-
um ser miserável e digno de piedade.
nados com todos os personagens da Exteriormente, ela está pronta a oferecer
peça. Ela conhece a origem e o pas- ajuda, mas é incapaz de realizar qual-
sado de todos os que estão relacio- quer coisa boa. Ele tenta incessante-
nados à busca de Parsifal. Mas mente satisfazer os desejos dos Ca-
valeiros do Graal. Ela percorre o mundo
quem é este ser enigmático que
incansavelmente, a fim de encontrar um
surge ora como uma mulher velha e remédio para o ferimento de Amfortas.
feia, ora como uma sedutora de uma Ela emprega suas forças naturais exclu-
beleza resplandecente no reino de sivamente para aliviar os males que o
Klingsor? mundo dialético provoca em seus habi-
tantes. Assim, o ser aural se esforça
constantemente em saciar os desejos e
W agner representou em Kundry um as ambições no plano horizontal, o que
aspecto do microcosmo humano conhe- tem como resultado enganar o buscador
cido pelo nome de ser aural. Este ser e aniquilar suas reminiscências.
aural, ou eu superior, envolve a perso- Kundry vai revestindo sucessivamen-
nalidade e expressa-se por meio dela: é te três aspectos e vai sofrendo transfor-
ele quem provoca todos os impulsos, mações radicais. No primeiro ato, ela faz
reações e atividades da personalidade. penitência e ainda busca o reino do
As experiências de todas as personali- Graal para servi-lo. Ela leva seu auxílio
dades que foram-se sucedendo no mi- aos Cavaleiros do Graal em caso de
crocosmo ficam gravadas neste eu su- urgência, assim é dito, mas, se alguém
perior, que é assim como um escriba pergunta a respeito disso, ela grita: ‘Eu
onisciente, ou como a lipika do destino. não ajudo nunca!”. Há milênios, vagan-
É um ser autônomo que ultrapassa a do pelo mundo da mentira, ela sabe que
personalidade, que é o eu inferior, por no final, sua ajuda é inútil. Seus esforços
seu conhecimento e sua inteligência. já a esgotaram. A Kundry que faz peni-
Kundry representa a soma das forças tência no reino do Graal quer apenas
dialéticas concentradas no microcosmo: dormir, dormir e dormir. Mas ela é
é a força chamada “força com cabeça de empurrada para frente e continua: não
leão”, no Evangelho da Pistis Sophia. pode fazer outra coisa senão procurar
Segundo este evangelho, trata-se de aquele que haverá de salvá-la de seu
uma força que dispõe de uma luz grande aprisionamento.
e bela, que conduz muitas vezes a Pistis Kundry traz de sua última viagem
Sophia a uma pista falsa. Assim, Kundry errante pelo mundo um “bálsamo da
apresenta-se neste jardim encantado de Arábia”, que alivia a dor de Amfortas,
Klingsor sob o aspecto de uma mulher sem que este remédio, no entanto, apre-
cheia de sedução, que se esforça por sente qualquer efeito positivo. O que es-
provocar o desejo de suas vítimas para te episódio sugere? Na Fama Fraterni-
desviá-las do caminho correto. Mas, nes- tatis, o manifesto dos rosa-cruzes do sé-

17
Parsifal, Galaad culo XVII, está escrito: ...porém, lá teve
e Bors desco- de permanecer devido a dificuldades
brem o Graal corporais e — granjeando a simpatia
(Manuscrito
do século XV,
dos turcos por conta de seus conheci-
Biblioteca mentos de medicina — ouviu casual-
Nacional, Paris). mente falar sobre os sábios de Damcar,
na Arábia, dos milagres que faziam e
que toda a Natureza lhes estava desve-
lada. Christian Rosenkreuz escreve, na
Arábia, o Livro da Humanidade, onde
ele registra toda a cosmologia da natu-
reza tal como ela lhe foi revelada.
Quando Kundry traz da Arábia o bál-
samo para curar Amfortas, ela também
traz o conhecimento dos segredos mile-
nares do passado. O ser aural possui
este conhecimento, mas, no século XX,
ele já não tem nenhuma força libertado-
ra. Isto surge no momento em que
Kundry revela a Parsifal que seu pai,
O EVANGELHO DA PISTIS SOPHIA* Gamuret, morreu em um combate na
Arábia. Desta forma, ela quer significar
A Pistis Sophia diz para si mesma: que o passado está morto e que, pren-
“Quero descer a esta região, der-se às coisas do passado não ofere-
sem o ser que me ligou, e tomarei ce nenhuma perspectiva. É preciso abrir
esta luz para dela formar um eão uma nova senda iniciática levando em
de luz para mim mesma; assim conta as possibilidades que valem para
estarei em tal estado que poderei a época atual. Entretanto, Kundry nada
transportar-me até a Luz das Luzes pode fazer com estas novas possibilida-
que se encontra na mais alta das des, que só podem ser utilizadas por
alturas. uma alma pura e renovada, ou seja um
Enquanto assim refletia, ela Parsifal.
saiu de sua região, que era o No primeiro ato, Gurnemanz assinala
Décimo-Terceiro Eão, e desceu outros aspectos de Kundry:
rumo aos doze eões. Todos os
arcontes dos eões, furiosos contra Sim, muitas vezes, quando ela
ela, a perseguiram, pois ela trazia ficou longe por muito tempo, nos
consigo a idéia de uma grande glória. sobreveio a infelicidade.
Enquanto isso, ela também deixou
os doze eões, chegou às regiões No segundo ato, a causa de sua ausên-
do caos e aproximou-se da cia é evidente. Klingsor mandou chamá-
força-luz com cabeça de leão para la e a mantém prisioneira para exercer a
absorvê-la, mas todas as emanações sedução no jardim encantado.
materiais de Authades a envolveram
dentro de um círculo. A grande Vem, vem cá, chega perto de mim!
força-luz com cabeça de leão Teu mestre te chama, inominável
engoliu toda a força-luz de Sophia e deusa demoníaca das origens!
tirou dela toda a posse de sua luz, Rosa do inferno! Foste
que ela devorou.” Herodíade, e o que mais ainda?

(Capítulo 31) Segundo os evangelhos, Herodíade foi


esposa de seu tio Herodes Antipas, em

18
segunda núpcias. Quando João Batista tar fazer dele sua vítima. Com sua malí-
a acusou por esta razão, ela mandou cia habitual, ela dirige seu ataque para
decapitá-lo. Assim, Kundry é desmasca- o ponto fraco da personalidade de
rada: é a força da natureza corrompida Parsifal: ela se lamenta pela morte da
que, por sua violência, constrange João mãe dele, Herzeleide, e o culpa por tê-
Batista, “aquele que clama no deserto”, -la abandonado um dia. O plano parece
a calar-se. Sob sua influência, o ser dar certo. Ela desperta em Parsifal um
humano é arrastado através do oceano sentimento de culpa que poderia torná-
da vida dialética, abandonado, desar- -lo receptivo a novas investidas. É a táti-
mado, à ilusão astral da natureza da ca clássica do ser aural, que se esforça
morte. para enlaçar a personalidade. Vencido
No segundo ato, no jardim encantado pela tristeza, Parsifal acaba caindo aos
de Klingsor, acontece o inevitável pés de Kundry, que age como se fosse
encontro entre Kundry e Parsifal. Esta a mensageira de Herzeleide, simulando
cena dramática faz lembrar a tentação querer consolar Parsifal e ensinar-lhe o
A visão de Parsi-
de Jesus no deserto, quando Satã lhe que é o amor. Seu beijo deve dissipar fal. Ele contem-
promete poder, fama e riqueza. Jesus seus sentimentos de culpabilidade. pla o Leão com
não cede e Satã se retira. a Ekklesia,
Na ópera de Wagner, Parsifal anda Como último adeus de tua mãe, símbolo da
nova vida que
entre as moças-flores que estão sob o eu te ofereço agora o amor e um
confere o Amor
poder de Klingsor. Seu coração puro o primeiro beijo divino. Atrás de-
preserva de seus artifícios e seduções. le encontra-se
Mas, depois de ter resistido a esta ten- Parsifal está como enfeitiçado e deixa- o dragão do
tação, ele encontra Kundry, a personifi- -se enganar. O beijo de Kundry, entre- Apocalipse, ima-
gem da humani-
cação de seu ser aural, seu “guardião tanto, não abre em seu coração puro as
dade decaída
do umbral”. Ele consegue resistir a sua comportas astrais do desejo, mas sim (França, manus-
fervilhante beleza, mas Kundry abre os olhos de seu coração. Como um raio, crito do século
todo o arsenal de seu charme para ten- ele tem a visão do trágico destino de XIV).
Amfortas, o rei do Graal, e percebe a pertar, ele é capaz de resistir a seus
causa de todo o sofrimento do mundo. ataques. Simultaneamente, ele abre seu
Mas ele também vê a graça que oferece ser ao sofrimento do Salvador e ao
o caminho de libertação. Amfortas! O desejo dos Cavaleiros do Graal de um
ferimento! Pena cruel! clama ele, com dia serem salvos. E, depois de ter tenta-
os olhos já abertos. Ele se livra dos bra- do fazer com que Kundry compreendes-
ços de Kundry antes que ela possa se que a missão que ele realiza também
arrastá-lo para mais longe. Pela compai- significa a libertação dela, Parsifal
xão ele recebeu o conhecimento e que- clama:
brou a magia de Klingsor! Quanto a
Kundry, seu encontro com uma alma Desaparece, infeliz tentadora!
pura fez com que ela fizesse um bem,
ainda que involuntariamente. Ela se Mas ela não vai embora sem antes lhe
debate, esbraveja, suplica que ele tenha dizer:
piedade dela, mas todos os seus esfor-
ços são vãos. Sabes onde podes encontrar-me!

Com um último e desesperado esforço,


UMA LUTA MORTAL Kundry chama Klingsor, o senhor das
trevas, para vir em seu socorro. Ele vem
e atira a lança, que antigamente havia
O ser aural do candidato que, na roubado de Amfortas, na cabeça de
senda de libertação, ameaça livrar-se Parsifal: mas a arma sagrada plana
dos poderes do jardim encantado da acima dele como a pomba do Espírito
natureza dialética, comporta-se exata- Santo sobre a cabeça de Jesus. Então,
mente como Kundry. No momento em Parsifal pega a lança e assim põe fim às
que o buscador vai libertar-se da prisão tentativas de sedução de Kundry. Ela se
da natureza dialética, seu ser aural desvanece, enquanto o castelo e o jar-
reúne todas as suas forças para opor-se dim encantado de Klingsor vão desapa-
a personalidade inspirada pela nova recendo. É exatamente assim que acon-
alma. Os antigos laços de repente fa- tece na vida do aluno quando as estre-
zem valer seus direitos. A dúvida em re- las do céu de sua lipika caem e vão sur-
lação à senda libertadora volta a povoar gindo um novo céu e uma nova terra.
sua cabeça. Será que a senda não é um
caminho tão assustador quanto egocên-
trico? Motivos aparentemente nobres A NOVA LIPIKA
servem de pretexto para deixar-se levar
pelas forças sedutoras da natureza. Se
o aluno reage aos ataques do eu supe- No terceiro ato, Gurnemanz desperta
rior, entra em uma luta mortal. O eu su- Kundry de seu sono mortal. Esta cena
perior sabe que deve morrer se não se passa no reino do Graal. Uma atmos-
conseguir opor-se à personalidade ani- fera maravilhosa de paz e de reconcilia-
mada pela Gnosis, e o candidato deve ção impregna a natureza. Kundry ope-
combater até o fim. Nesta situação, Par- rou sua última metamorfose: a sedutora
sifal invoca o Salvador: incansável tornou-se uma humilde ser-
vidora que unge os pés de seu senhor,
Salvador, Senhor da Graça, Parsifal, assim como Maria Madalena
como posso eu, pecador, expiar meu ungiu os pés de Jesus, o Senhor. Par-
pecado? sifal abençoa Kundry. Finalmente, de-
pois de uma viagem longa e fatigante,
Como seu coração se fecha aos Parsifal volta para o reino do Graal, on-
desejos ímpios que Kundry tenta des- de vai cumprir sua missão de novo rei

20
do Graal. No final da história de Parsifal, da matéria: primeiro dentro de si mesmo,
parece que a senda da libertação da mas logo em seguida também na nature-
alma não passa pela unificação da per- za que o rodeia. Tocado pela força gnós-
sonalidade com o ser aural, nem pelo tica, ele começa sua busca e seu cami-
apaziguamento dos conflitos cármicos nho o leva, através da busca e da purifi-
no eu superior. É exclusivamente pela cação, a servir a Gnosis de forma verda-
abnegação e conseqüentemente pela deira e consciente.
rejeição às forças aurais que o novo Wagner mostra estas três etapas do
poder da alma vai-se desenvolvendo, caminho de Parsifal nos três atos de seu
permitindo que ela retome a posse da drama musical. Na narrativa primitiva,
lança: o Espírito. As janelas da alma que os Cavaleiros do Graal se encontram
davam para o jardim encantado de em uma situação infeliz depois da
Klingsor agora já estão fechadas, queda de Amfortas. Será que não existe
enquanto se vão abrindo outras para nenhum cavaleiro capaz de assumir a
deixar entrar o novo sol em ascensão, realeza no lugar de Amfortas? Por que
cujos raios consomem e dissolvem os esta escolha recai sobre Parsifal?
restos da herança cármica do microcos- A resposta se encontra no primeiro
mo. Kundry recebe o batismo: ela está aspecto de seu nome. Os cavaleiros que
instruída para sempre quanto a sua rodeiam Amfortas são os homens-
vocação humana. Ela, a quem somente -almas que ainda não têm nenhuma
Parsifal, o “tolo”, o puro, tinha o poder de experiência pessoal, que, por causa
trazer a salvação. disso, não sabem ainda empregar seu
livre-arbítrio. Sua pureza é essencial-
mente inconsciente: eles são inaptos
O CAMINHO DE PARSIFAL para exercer a realeza. Amfortas possuía
as qualidades requeridas, mas deixou
que sua vontade seguisse um ato ímpio.
O nome Parsifal designa não somen- Somente Parsifal pode agora preen-
te o personagem principal da narração, cher as condições para assumir a reali-
mas também representa o protótipo do za do Graal. Ele possui um grande te-
homem que realiza o caminho do de- souro de experiências no mundo dialéti-
senvolvimento e da libertação espiritual. co, e manteve sua pureza original e seu
Neste sentido, sua imagem pode ser coração sempre aberto.
comparada à de Christian Rosenkreuz,
o símbolo do homem que deve seguir
seu caminho em novas condições at- AQUELE QUE NÃO TEM NOME
mosféricas.
A palavra Parsifal tem dois sentidos
diferentes: par ce vale, que significa pelo Entretanto, este tesouro de experiên-
centro e também fal parsi, que significa cias não está simplesmente à disposi-
puro tolo. Estas duas interpretações são ção e pronto. Ao contrário: no primeiro
adequadas. Parsifal é o protótipo do ho- ato, ele é apresentado como uma pes-
mem que deve vagar em meio à natureza soa estúpida e ignorante. Além do mais,
dialética, acumulando muitas experiên- ele comete o erro escandaloso de matar
cias. E, na qualidade de “tolo” e “puro”, ele um cisne com uma flecha. Ora, o cisne
tem o poder de voltar para o reino do é o símbolo do Espírito e um pássaro
Graal enquanto está a caminho. Final- sagrado no reino do Graal! Por isso,
mente ele torna-se o rei iniciado, o prote- Gurnemanz pergunta a ele por que fez
tor e realizador dos Mistérios. É o homem isso e fica desconcertado com sua falta
que está pronto para deixar o mundo do de jeito. Parsifal não consegue respon-
espaço-tempo. Por sua reminiscência, ele der a nenhuma pergunta. Ele nem se-
pode ajudar a libertar o Espírito da prisão quer consegue dizer seu nome! “Eu não

21
O que é o me lembro de nenhum!” Esta é uma alu- reza dialética. Suas ações geralmente
Graal? Nenhuma são às inúmeras personalidades que se não têm um motivo e aparentemente
palavra pode foram sucedendo em seu microcosmo. ele segue em frente, sem rumo na vida.
explicá-lo. Mas
quem o encontra,
Elas já estão todas mortas e esqueci- E, quando tenta conformar-se com as
capta sua mensa- das. É somente quando Kundry conta a normas deste mundo, que lhe é estra-
gem (Ilustração respeito de sua juventude que ele se nho, não consegue. Seus relaciona-
Pentagrama). lembra de alguma coisa de seu passado mentos com os outros são superficiais
microcósmico. Ele vê como tornou-se ou cheios de frustração e de oposição.
culpado de crueldade e joga longe seu Este distanciamento do mundo exte-
arco e suas flechas. Jamais ele voltará a rior assinala o homem que busca a Ver-
caçar um cisne. dade. Mas esta condição dolorosa é ne-
Da descrição de sua juventude, sabe- cessária para que seu desejo de voltar a
-se que ele viveu vagando aqui e ali, em seu estado original vá-se tornando cada
completa inocência e simplicidade. Ele vez mais evidente.
não sabe o que é o bem ou o mal, e No começo, o buscador não compre-
pergunta a Kundry se é ameaçado por ende nada sobre seu estado. Ele não
forças malignas. Ele teve uma vaga sabe responder à pergunta sobre sua
idéia de tornar-se como “estes homens origem, e ignora para onde seu cami-
faiscantes, sobre seus belos cavalos” nho o conduz. O átomo-centelha-do-
que um dia havia visto de passagem. -espírito despertou em seu coração, é
Mas, até este momento, ele não teve verdade, e tornou-se uma pequena
esta chance e é por isso que não ficou chama sob o toque da força divina. A
em nenhum lugar por muito tempo. origem, o caminho e a finalidade estão
Quem se encontra nesta fase do pro- presentes neste átomo, sem entretanto
cesso não pode, de fato, continuar por estarem à disposição da antiga cons-
muito tempo em nenhum lugar da natu- ciência.

22
O GUIA INVISÍVEL seu caminho de autoconhecimento. To-
dos os dias ele se vê frente a frente com
suas esperanças e desejos, e sente que
Parsifal deixou-se guiar inconsciente- lhe está sendo despojado de sua força-
mente por seu átomo-centelha-do-espí- luz. É então que ele aprende lenta mas
rito, que finalmente o conduziu ao reino firmemente a afastar estas influências,
do Graal. O que se espera dele necessita evitando dar-lhes atenção.
uma consciência que tenha autoconheci-
mento, mas ele ainda não a possui.
Gurnemanz o conduz ao interior do cas- A VISÃO CLARA
telo do Graal, onde ele toma parte, cheio
de espanto, na cena solene no decorrer
da qual Amfortas desvela o Graal. Apesar Então acontece o encontro decisivo
de já ter fixado sua missão de salvador, entre Parsifal e Kundry. Também é a pri-
Parsifal ainda não pode realizá-la. A igno- meira vez que o nome de Parsifal é pro-
rância e a falta de qualidade alma não o nunciado. Isto significa que ele se torna
permitem. À pergunta de Gurnemanz so- consciente de si mesmo. Mas, como po-
bre se ele sabe o que vê, ele menea sua de ser que este “tolo”, este “puro”, pos-
cabeça e não pode responder. Ele nada sa ver seu “eu superior” e como ele po-
compreende do sofrimento de Amfortas, de sentir o sofrimento de Amfortas
nem sobre a oferenda do Graal ou a ceri- como se fosse seu próprio sofrimento?
mônia que se passa diante de seus olhos. A própria essência de todas as expe-
É por isso que ele deve deixar o reino do riências vividas pelos moradores ante-
Graal e voltar à vida comum. riores de seu microcosmo está presente
A mesma coisa acontece a muitos no ser aural. Portanto, é compreensível
buscadores da verdade. E isto provavel- que aquele que segue o caminho possa
mente no decorrer de inúmeras encar- atingir, num certo momento, o ponto em
nações. É verdade que eles percebem o que o habitante precedente parou: é
chamado da centelha-do-espírito, mas neste lugar que a senda de libertação
eles não são capazes de responder a foi interrompida, e o sofrimento que re-
ela conscientemente. Para tanto, é pre- sultou disto ficou gravado no ser aural.
ciso ter um coração puro e uma perso- Os personagens do Parsifal, de Wagner,
nalidade que já tenha atingido o limite não devem, portanto, ser considerados
de suas possibilidades. Afinal, quem como personalidades diferentes, mas
busca deve aprender a causa do sofri- como aspectos do próprio Parsifal. Da
mento e o que ele deve ou não deve fa- mesma forma, Amfortas pode ser visto
zer para libertar sua alma prisioneira. como a personalidade que precedeu a
A fim de adquirir esta consciência, o atual personalidade de Parsifal, mas
caminho o conduz ao jardim encantado também como o primeiro homem a ser
de Klingsor. Nem bem Parsifal deixa o vítima de Kundry. Neste caso, ele repre-
Castelo do Graal e já chega a este jar- senta o átomo-centelha-do-espírito, que
dim onde as moças-flores giram em tor- sofre e espera dentro do coração. No
no dele forçando-o a ficar. E Parsifal faz confronto entre Parsifal e Kundry, a ex-
gracejos circulando entre elas. Mas, co- periência de Amfortas estava, portanto,
mo elas não param de movimentar-se, potencialmente presente. Amfortas tam-
ele quer fugir e diz com humor: bém foi, por sua vez, seduzido por Kun-
dry, pois, como ainda era ignorante, ele
Deixem-me, vós não me fareis reagiu espontaneamente às forças da
cair em vossa armadilha! natureza. E o sofrimento de Amfortas é
despertado em Parsifal pelo beijo de
Assim, ele faz alusão aos desejos co- Kundry. A compaixão lhe faz reconhecer
muns que todo ser humano encontra em o perigo, e ele tem a força de resistir às

23
seduções da natureza personificadas
por Kundry. E, quando Klingsor atira-lhe
a lança na cabeça, ele tem o poder de
segurá-la sem perigo e já pode deixar o
jardim encantado para pôr-se a caminho
em busca do Castelo do Graal.

O REI DO GRAAL

No terceiro ato, Parsifal atinge o reino


do Graal. Ele descreve o longo caminho
cheio de tentações e perigos que ele
precisou seguir depois de ter tomado
posse da lança:

Inúmeras circunstâncias e disputas peri-


gosas e dolorosas me constrangeram a
desviar do caminho, quando eu pensava
que o conhecia bastante!

Agora, ele chegou a uma nova fase.


Com a chave da nova compreensão e
do discernimento, e fortificado pela
Gnosis, ele atravessou todos estes a-
contecimentos. Ele mostrou que podia
servir e penetra, enfim conscientemen-
te, no Castelo do Graal, o novo campo
de vida. Seu passado cármico, sob o as-
pecto de seu ser aural, já não o detém
no caminho, mas participa em seus es-
forços, tendo em vista libertar a humani-
dade. “Servir” é a primeira palavra pro-
nunciada por Kundry e, para finalizar,
ela unge os pés de Parsifal como sua
serva.
Parsifal chega, finalmente ao Castelo
do Graal, cura o rei Amfortas e ocupa
seu lugar. O homem decaído está salvo.
O Novo Homem, o Homem divino, toma
o seu lugar.

* Jan van Rijckenborgh, Os Mistérios


Gnósticos da Pistis Sophia, Rozecruiz
Pers, Haarlem, Holanda.

24
FELICIDADE E SOFRIMENTO

A felicidade é uma necessidade segurança e de simpatia, a felicidade


básica. No entanto, todos, com cer- que nasce das relações entre os seres
teza, já perceberam que os momen- humanos e que acaba tornando-se a
finalidade da vida. Este tipo de felicida-
tos de felicidade são efêmeros.
de e de sofrimento pertence aos pro-
Como gostaríamos que fosse dife- cessos da vida terrestre e somente diz
rente! Se olharmos para o mundo, respeito à dimensão natural do homem
veremos que a felicidade não é mortal, a seus desejos e necessidades.
duradoura em nenhum lugar e que
em toda a parte o sofrimento se pro-
longa; e como os irmãos se matam ALEGRIA E SOFRIMENTO DIVINO
uns aos outros, combatendo com
atrocidade!

Também há um sofrimento e uma ale-


N a primeira metade do século XX, tão gria que provêm de uma outra fonte,
profundamente “esclarecido”, cerca de que provêm da ignorância ou da cons-
70 milhões de homens foram mortos, ciência da presença de um princípio de
em guerras horríveis. O abuso do poder eternidade dentro de nossos corações.
e a violência que dele decorre derrama- Quem capta e sente um pouco estas
ram sobre a humanidade uma onda forças de eternidade, sente uma alegria
ininterrupta de sofrimentos assustado- intensa e ao mesmo tempo um grande
res. Conflitos interiores e exteriores não sofrimento.
pararam de fazer crescer o medo e o Estas vivências podem acontecer com
desespero. regularidade e tomar conta de todo o ser,
Para tentar explicar a situação, mui- para sempre. E isto acontece cada vez
tos afirmam com convicção que o sofri- que o comportamento se aproxima de
mento é necessário e até mesmo que Deus ou se afasta dele. Esta experiência
ele tem um certo valor na vida. Parti- pode ser traduzida pelo profundo sofri-
cipar do sofrimento dos outros é ter mento de sentir-se separado da vida divi-
compaixão e quem sofre considera que na original. Mas também há a alegria que
isto é um sinal de Deus que está olhan- volta cada vez que se pode ouvir o apelo
do por ele. De fato, Deus castiga aque- da eternidade em meio à solidão, à cruel-
les que ama! (Epístola aos Hebreus, dade e à futilidade do mundo.
12:6). Se nos aprofundarmos neste A felicidade e o sofrimento terrestres
grande mistério e estudarmos as emo- são a própria expressão da vida natural
ções do coração humano, descobrire- sobre a terra. A felicidade e o sofrimen-
mos que existem duas espécies de feli- to que resultam de nos colocarmos em
cidade e de sofrimento. Há o sofrimen- harmonia com o princípio interior do Es-
to causado pela crueldade, pelas crises pírito divino fazem entrever uma nova
e pela injustiça deste mundo, e pela possibilidade de vida: uma vida que ha-
incapacidade de enfrentá-las de manei- verá de desabrochar a partir do princí-
ra correta. Por outro lado, existe a felici- pio imortal do Espírito dentro de nosso
dade causada pelos sentimentos de coração.

25
no dentro dele e que por isto torna-se
presa fácil do sofrimento.

A VERDADEIRA FELICIDADE

Finalmente, ele reconhece que existe


dentro si um princípio divino e o coloca
à frente de tudo para que ele possa
viver e crescer. Então, ele descobre que
muitos sofrimentos vão-se enfraquecen-
do e até mesmo podem ser evitados,
graças a sua atitude totalmente diferen-
te em relação à vida. Ele já não experi-
menta o sofrimento como um flagelo,
mas como um auxílio e uma graça no
caminho de sua vida. São como de-
graus pelos quais ele deve subir até o
mundo divino, o mundo da verdadeira
felicidade.
Por que ele tem de subir estes degra-
us? Para adquirir cada vez mais com-
preensão, constatando que todos os so-
frimentos são causados pelo egocen-
trismo, e que o eu deve retirar-se pouco
a pouco e morrer a fim de que o Homem
original ressuscite.
A luta entre o REVALORIZAÇÃO Assim, cada vitória sobre o eu, fazen-
leão e o grifo é, na
do-nos sofrer e cair de nosso pedestal,
verdade, uma luta
desesperada, pois
nos eleva também cada vez mais rumo
o grifo é o famoso Considerados deste ângulo, felicida- à eternidade. Quando compreendemos
dragão alado, de e sofrimento passam a ter um novo e sentimos o sofrimento, ele é aceito, e
o fogo serpentino valor, que será como uma oportunidade é sem hesitação que subimos os de-
que ainda não foi a ser alcançada, uma tarefa a ser cum- graus um a um para, enfim, nos perder-
purificado e
prida, e principalmente como uma pro- mos na beatitude divina.
que ameaça
constantemente a messa. Se continuarmos prisioneiros do
vida da alma, e o sofrimento ao qual a humanidade está
leão é o símbolo submetida desde a sua origem, acaba-
da força do amor remo-nos esgotando e abandonando a
divino, que sempre
luta, arrastados para sempre no círculo
sai vitoriosa do
combate (Johfra, vicioso onde não é possível haver vitória
1968). no combate: a luta pela felicidade e a
luta contra o sofrimento não chegam a
nenhum resultado positivo. Todos os
que vêem claramente adquirem uma
compreensão totalmente nova e vêem
as coisas sob uma nova luz. Quem jul-
gava seu sofrimento exclusivamente em
função dos critérios terrestres, agora
está certo de que o ser humano sempre
tem tendência a renegar o princípio divi-

26
O VERDADEIRO AUXÍLIO

Quem quer auxiliar, recebe auxílio. mo ele é impulsionado pela compaixão,


Duas forças fazem o ser humano ele não pára de auxiliar e sustentar seu
agir: o desejo e a vontade. Daí resul- próximo. Ele fala sobre isto, ele age, ele
sacrifica muito talvez para atingir sua
ta que cada um vivencia, em sua
finalidade. Ora, esta busca muito justa
vida, a alternância contínua da ale- faz com que lhe caia nas mãos um livri-
gria e da tristeza que estas duas for- nho: A Voz do Silêncio. Não consegui-
ças provocam. mos sempre aquilo de que temos ne-
cessidade? Então ele lê:

Alguns consideram esta alternância Que a tua alma de ouvidos


como sendo natural e percorrem seu ca- a todo o grito de dor,
minho do nascimento até a morte, confor- como a flor de lótus abre seu seio
mando-se: a vida é assim! Desejar, que- para beber o sol matutino.
rer e depois felicidade e tristeza; e nova-
mente desejar, querer, felicidade e triste- Que o sol feroz não seque uma
za; e assim por diante. Mas também há única lágrima de dor antes
pessoas que, em um dado momento, já que a tenhas limpado os olhos
não aceitam esta situação, geralmente de quem sofre.
logo em seguida a um profundo sofrimen-
to interior, ou de uma pessoa próxima. Que cada lágrima humana
Quem desta forma foi tomado no mais escaldante caia no teu coração e aí
profundo de sua alma não consegue des- fique; que nunca a tires enquanto
ligar-se tão facilmente de seu sofrimento. durar a dor que a produziu
Então a questão do sentido da existência
se coloca a ele irrevogavelmente; depois Sustentado por estas palavras, ele vai
se abre o estágio da busca que represen- socorrer seus semelhantes com uma
ta uma nova etapa da vida cheia de inda- força renovada. Entretanto, cedo ou
gações ardentes, de dificuldades, de tarde, chega o momento em que ele
erros, mas também de acontecimentos e percebe que é impossível ajudar verda-
de encontros extraordinários. Diferentes deiramente os outros. Que dolorosa
caminhos se apresentam então ao bus- constatação! Por mais que faça o
cador, de acordo com seu estado e as cir- melhor de si, que aja com muito amor,
cunstâncias. São caminhos que condu- e que trabalhe duramente, ele não
zem sempre ao mesmo fim: a solução do ajuda verdadeiramente: no máximo traz
problema da vida. um pouco de consolo, um alívio tempo-
Vamos seguir, por exemplo, o anda- rário, um instante de esquecimento da
mento de um buscador que se preocupa triste realidade. Mas “o verdadeiro auxí-
com as questões sociais. O que ele vai lio”, este, não existe!
passar? O que se passaria conosco na
mesma situação?
Este buscador sofre principalmente UMA SITUAÇÃO QUE TODOS CONHECEM
com o sofrimento de seus semelhantes.
Como ele não pode e não quer seguir o
curso monótono da vida cotidiana e co- Entretanto, é isto que ele quer ofere-

27
cer de todo o seu coração: um auxílio cuida bem em que ele não renasça
verdadeiro! Então, ele se pergunta de- da morte.3
sesperadamente o que deve fazer. Con-
tinuar? Isto não serve para nada. E, de- E muitas outras exortações vão-se se-
cepcionado, com o coração sempre guindo. Então, ele se põe corajosamen-
cheio do desejo justo de pôr fim ao sofri- te a trabalhar e tenta colocar em prática
mento dos outros, este buscador entra todos estes conselhos. Ele se exercita.
na fase seguinte de sua busca. Ele tenta matar todos os seus desejos.
Enquanto vai refletindo profundamen- Se ele quiser “verdadeiramente auxi-
te no problema do sofrimento, ele pega liar”, a semente deverá germinar e a flor
novamente A Voz do Silêncio. Ele relê a deverá desabrochar! Enquanto isso, de-
mesma passagem, mas, como se sente pois de muitas decepções, ele vai per-
mais rico com uma nova vivência, ele a lê cebendo que é impossível matar seus
com outros olhos e vai compreendendo próprios desejos.
pouco a pouco o que se espera dele. Ele
acredita que chegou ao fundo do proble- Mais uma vez desiludido, mas enrique-
ma, acha que o captou e o compreende. cido com um novo conhecimento, ele se
encontra em seu ponto de partida: ele
Então ele lê: continua incapaz de auxiliar verdadeira-
mente os outros! Apesar disso, ele ain-
Estas lágrimas, ó tu de coração tão da não perdeu este desejo. Neste mo-
compassivo, são os rios que irrigam mento ele se pergunta se não há algu-
os campos da caridade imortal. ma coisa errada nesta recomendação:
É neste terreno que cresce a flor mata o desejo!. No entanto, está bem
noturna de Buda, mais difícil escrita e é bem isto o que ele quer!
de achar, mais rara de ver do que Ele não desiste. E a força de seu de-
a flor da árvore Vogay. sejo justo lhe faz encontrar outras pes-
É a semente da libertação do soas e ler outros livros. Ele compreende
renascer. Ela isola o Arhat tanto de repente que todos os seres huma-
da luta como da luxúria, nos, há séculos, lutam para resolver os
leva-o através dos campos do ser mesmos problemas, individual e coleti-
para a paz e a felicidade vamente. Mas, como esta semente pode
que só se conhecem na terra do germinar? Como a flor vai nascer para a
silêncio e do não-ser. 2 vida? O que fazer? Como matar seu de-
sejo? O que é o desejo? Ele vai perce-
Perseverando em seu desejo de com- bendo que há séculos as mesmas dire-
preender como auxiliar “verdadeiramen- trizes são dadas para resolver estas
te” a seu próximo, a idéia de que algu- questões: são idéias universais com ex-
ma coisa vai acontecer interiormente pressões que só diferem de acordo com
vai amadurecendo dentro dele. Uma as épocas e os países. Ele descobre o
semente deve germinar dentro de seu Baghavad Gita, o Tao Te King, de Lao-
coração: a semente de um renascimen- Tse, a Bíblia, a Fama Fraternitatis.
to, que é a libertação! Mas para que
este crescimento aconteça, ele deve Nesta última obra, ele lê:
desaparecer, apagar-se. Enquanto isso,
uma nova questão se coloca: como O desejo é uma força que não é deste
poderemos renascer? O que devemos mundo e esta força somente pode rea-
fazer para que isto aconteça? lizar-se em um reino que não é deste
mundo. uma força que preenche nosso
E ele lê: sangue, nos acossa dia e noite, até
que cheguemos de maneira absoluta,
Mata o desejo; mas se o matares, mas tão absoluta, ao ponto morto em

28
vós mesmos. É somente então que
poderemos ir buscar o segredo da sal-
vação. 4
Aquele que se encontra nesta busca,
encontra a resposta para suas indaga-
ções. Ele reconhece que a força do de-
sejo está oculta, fortemente enraizada
dentro de cada ser humano. Ele reco-
nhece que é esta força que o arrastou e
que o desejo vai em todas as direções,
tanto para baixo como para cima. A Voz
do Silêncio lhe fala da flor maravilhosa.
Ele aprende como colocar em prática as
recomendações seculares da Doutrina
Universal. Os Mistérios crísticos vão se
desvelando diante dele, assim como di-
ante de todos os homens que já estão
prontos. Ele sabe que, para ele, já che-
gou a hora.
Dando uma olhada para trás, no ca-
minho percorrido, ele vê o desenvolvi-
mento de sua busca, suas tentativas, e
a finalidade de todos os seus esforços.
Não era preciso chegar ao limite de su-
as possibilidades para só depois passar
à fase seguinte? E, chegando a este li-
mite, ele que buscou e experimentou de
tudo, percebe que está sendo auxiliado
para “auxiliar de verdade” os outros. Ele
vê claramente sua tarefa diante de si.
Se estiver pronto e for capaz de mor-
rer para seus desejos primários aniqui-
lando-se em Cristo, então um milagre
mágico acontece.5
E ele sabe que está pronto. E ele sa-
be que está em condições para tanto.
Cheio de confiança, ele se abandona ao
mistério crístico para ser transformado e
poder, enfim, levar aos outros o “verda-
deiro auxílio”.

1, 2 e 3. A Voz do Silêncio, Helena


Petrovna Blavatsky, Editora Ground, 1990.
4 e 5. Jan van Rijckenborgh, Fama
Fraternitatis, o chamado da Fraternidade
da Rosa-Cruz, Rozekruis Pers, Haarlem,
Holanda, 1983.

29
O QUINTO ÉTER, O ÉTER ELÉTRICO

“A verdadeira manifestação aconte- trução da matéria. Eles são compostos


ce no quinto campo, chamado de por um núcleo em torno do qual giram
Reino dos Céus. Neste campo, são os elétrons ligados ao núcleo por uma
tensão elétrica. Os músculos dos ho-
assimiladas as forças dos quatro
mens e dos animais somente funcionam
campos precedentes (os campos de por diferença de tensão e por meio do
preparação, do devir) e, no equilíbrio comando desta tensão. Nossas ações
perfeito assim atingido, a forma divi- geralmente são os resultados de gran-
na se manifesta. Nasce o homem des tensões sob uma sobrecarga de tra-
balho. Aprecia-se a arte principalmente
celeste.”
por causa da tensão que emana da obra
Jan van Rijckenborgh, Os sete campos do e que fala ao espectador ou ao auditor.
microcosmo* A música é audível graças a diferenças
de tensão (tensão do couro do tambor,
P ara compreender como se manifesta tensão dos lábios do trompetista, ten-
o quinto éter, chamado de éter de fogo são das cordas do piano) e a tradução
ou éter elétrico talvez fosse bom escla- destas tensões pelo ouvido.
recer o tema começando por examinar o A vida social apresenta muitos cam-
estado e a ação atuais dos quatro pri- pos de tensão conflitantes, que nascem
meiros éteres em nosso mundo mortal. do desejo de realização pessoal. São
A partir do artigo de Jan van Rijcken- tensões que se manifestam por cresci-
borgh intitulado Os sete campos do mi- mento e expansão. Os desacordos fa-
crocosmo, é possível, por indução, en- zem nascer interesses divergentes e
contrar analogias entre a atividade ter- conflitos. O crescimento parece ser um
restre visível destes éteres e sua ativi- critério importante para o bem-estar do
dade na natureza original. Assim, pode- indivíduo, da saúde do grupo, de uma
ríamos sondar a idéia que está por de- empresa, de um sistema econômico ou
trás da natureza e as características da da sociedade como um todo. O que faz
natureza original; e, ao mesmo tempo, crescer a consciência são as experiên-
descobrir o que é preciso fazer ou dei- cias que resultam de tensões diversas.
xar de fazer para atingir esta natureza O ritmo é um movimento que se repete
pura. Pode-se chegar a ela deduzindo de acordo com uma estrutura fixa da
das propriedades fundamentais, conhe- qual ele é prisioneiro.
cidas e habituais do mundo mortal as O estudo aprofundado das formas ou
propriedades do mundo original. campos de tensão faz com que apare-
O mundo em que vivemos é constituí- çam três elementos importantes:
do por diversos campos de tensão, e • um campo de tensão comporta um
mantido pelas tensões que aí se mani- centro;
O quinto éter, festam. Estas tensões nascem entre • uma tensão se concentra em torno de
o éter elétrico dois pólos opostos, entre os quais se um núcleo;
derrama-se dão os processos de evolução da natu- • um campo de tensão possui uma for-
sobre a humani-
reza dualista, dialética. Os exemplos se- ça intrínseca.
dade mergulha-
da nas trevas. guintes darão, sem dúvida, mais relevos Um campo de tensão comporta limites,
(Foto a estas primeiras considerações. no interior dos quais sua força parece
Pentagrama). Os átomos são os materiais de cons- estar prisioneira e separada da força

31
dos outros campos. A força associada rais e cristalizam as formas, tendo como
ao núcleo está, desta forma, aprisiona- característica a dureza. Particularmente
da no interior de seus próprios limites. A no homem, vemos claramente que o
estrutura bem conhecida dos átomos corpo físico tenro e suave vai-se endu-
nos dá uma clara ilustração. Não há ne- recendo em uma forma frágil, como se
cessidade de demonstrar que no interior fosse um pergaminho enrugado, escle-
destes limites estão presentes forças rosado.
consideravelmente poderosas – como
no átomo. Neste primeiro campo de vida, o Espí-
Todas as formas perceptíveis pelos rito Santo concentra a substância pri-
sentidos estão limitadas, apresentando mordial. Neste campo, não há absoluta-
um lado exterior que marca seu limite mente nenhuma forma[...] Neste primei-
com as outras formas. É assim que se ro campo de vida, trata-se de reunir e de
apresenta a realidade cotidiana para a concentrar a substância primordial. O
maioria dos humanos: quase unicamen- núcleo de consciência deste campo de
te pelo lado exterior das coisas; quanto vida tem a tarefa de dar a esta massa
ao que se encontra em seu interior, eles uma característica que lhe seja própria,
somente podem especular. Quem con- uma vibração própria[...] Pelo éter quí-
segue penetrar o lado exterior, logo des- mico, dá-se um processo de assimila-
cobre que o pretenso lado interior tam- ção de matéria e de força e a introdução
bém comporta lados exteriores! em um campo vibratório, graças ao qual
A “vida” terrestre não passa de ten- a idéia subjacente, a forma final, já co-
são e se mantém por tensão. Quatro é- meça a despontar fracamente, como
teres tomam parte neste processo: o uma imagem.*
éter químico, o éter vital, o éter de luz e
o éter refletor. Podemos demonstrar que
estes éteres estão em um estado de su- O ÉTER VITAL
jeira e de corrupção.

Cada um destes quatro éteres dá pro- O segundo éter, ou éter vital, conce-
priedades e poderes importantes aos de, entre outros, o poder de criação ou
reinos naturais em que ele se manifes- de reprodução. O homem emprega uma
ta. Por exemplo, o crescimento material; parte desta energia, por exemplo, para
a criatividade, o impulso criador, a re- exprimir-se pela fala ou pela escrita, pe-
produção; as percepções sensoriais e a la música, arquitetura, artes plásticas,
formação dos pensamentos conscien- enquanto que uma outra parte serve pa-
tes. O éter químico assegura, entre ou- ra a conservação da espécie.
tros, o processo de crescimento biológi-
co e o metabolismo, onde os processos Por outro lado:
de assimilação e de eliminação desem- Ora, a atividade do éter vital aconte-
penham um papel importante. E é o éter ce no interior dos reinos da matéria, co-
químico que mantém as diversas for- mo uma atividade quase sempre limita-
mas específicas. da à manutenção e à reprodução, em
vez de se manifestar de acordo com o
Por outro lado: plano divino com suas miríades de as-
Em vez de agir sobre a substância pectos. O princípio específico é reduzi-
primordial de acordo com o plano divino do a uma forma a mais pequena possí-
de manifestação, a atividade do éter vel, a semente ou óvulo, que, uma vez
químico corrompido provoca a cristali- reunidos, fazem surgir uma nova crista-
zação da natureza terrestre. Pressão e lização. Podemos observar este fenô-
tensão se exercem para começar sobre meno na individualização de quase to-
uma partícula, fazem nascer os mine- das as manifestações vitais.

32
No segundo campo de vida, ter de luz mostra as sutilezas de suas
vemos como se desenvolve um percepções sensoriais, por projeção,
poder de expansão e de diferenciação das cores de suas experiências passa-
autônoma, sobre a base da das e de suas esperanças pessoais. A
concentração de substância primordial luta é necessária para que ele sobrevi-
obtida no primeiro campo de vida. va. Ela aquece o sangue e o coração.
O núcleo de consciência do segundo
campo de vida confere ao material A idéia que está na base Plano de
concentrado e que está agora criação microcósmica formava, no
presente, a vibração que ele deseja, primeiro campo de vida, a unidade do
e esta vibração pode novamente devir. No segundo campo, a Idéia
diversificar-se. A unidade característica desenvolve a riqueza de aspectos
do primeiro campo de vida contida nesta unidade. No terceiro
torna-se uma multiplicidade ilimitada campo de vida, vemos esta riqueza
no segundo[...] Assim vai-se de vida em evolução revelar-se,
desenvolvendo, no quadro do plano anunciar-se como um calor, um brilho,
divino, a possibilidade de manifestação um fogo, uma luz sempre crescente...
de cada forma autônoma[...] No O desejo silencioso, o calor vital que
segundo campo, a Idéia recebe sua se desenvolve no terceiro campo de
cor. Aí se opera uma ligação entre vida é um desejo sem avidez, é um
os materiais de construção e as forças desejo que emana de cada átomo em
vitais; as forças vitais que aí se direção ao objetivo de servir, para aí
derramam fazem surgir um raio de luz perder-se inteiramente com alegria.
que se revela como cor na multiplicida- É um fogo que arde tranqüilamente
de das diferenciações.* diante da face de Deus, uma luz
santa.*

O ÉTER DE LUZ
O ÉTER REFLETOR

O terceiro éter ou éter de luz confere


particularmente o poder de percepção O quarto éter ou éter refletor confere
sensorial. O pólo negativo do éter de luz o poder de projetar um pensamento e, a
libera forças que permitem o desenvolvi- partir dele, chegar ao conhecimento
mento dos sentidos. O pólo positivo do consciente.
éter de luz regula a corrente dos fluidos
e a circulação sangüínea. Entre as es- Por outro lado:
pécies animais superiores, assim como Mas, em vez de chegar ao conheci-
no homem, ele estimula a energia térmi- mento de cada forma de manifestação
ca. O terceiro éter torna possível a expe- de acordo com a vocação interior origi-
rimentação. nal que está em sua base, o homem se
limita, ao contrário, à observação e à a-
Por outro lado: nálise das formas exteriores. A consci-
Em vez de colocar um desejo neutro ência humana separa e reflete, desta
e equilibrado a serviço total do Plano di- forma, sua própria divisão. Os argumen-
vino, o homem, ao contrário, é acossa- tos da razão são o resultado de especu-
do por seus sentidos direcionados para lações intelectuais e se fundamentam
a natureza terrestre. Nutrido pelo éter todos em percepções e experiências in-
de luz, ele está sempre e cada vez mais dividuais.
determinado pela luta incessante para
sua autoconservação e pelos esforços Esta consciência criadora que,
de atingir seus objetivos pessoais. O é- no terceiro campo, por um despertar

33
sagrado, se revela como um fogo, uma É impensável que a sociedade dos
luz, em sua riqueza da concentração países industrializados possa passar
da matéria primordial, liga-se, no sem a eletricidade. Ora, o uso desta for-
quarto campo, à Sabedoria divina. ma de energia parece colocar cada vez
Guiada pelo núcleo de consciência mais distância entre o homem e a maté-
deste campo, ela está totalmente unida ria.
à sabedoria do Plano divino. O campo
de trabalho em toda a sua extensão é • O homem cria instrumentos que ser-
percorrido pela Sabedoria divina: ela vem para prolongar, completar ou su-
está presente em cada partícula da bstituir seus sentidos.
esfera; o núcleo de consciência capta • Em todos os tipos de trabalho, o mo-
a intenção, a missão interior de cada tor elétrico substitui suas capacida-
elemento, de cada nuança vibratória... des pessoais e sua força.
O próprio Deus aí se reflete totalmente, • Com a luz artificial e o relógio, ele re-
contemplando-se a si mesmo em sua gula seu ritmo de acordo com suas
criação: o homem em formação.* necessidades e sua vida já não é de-
terminada pelo ritmo da natureza.
• Com o computador, ele cria sua pró-
O QUINTO ÉTER pria realidade, qualificada de “realida-
de virtual”.

No mundo material, o quinto éter ma- O quinto éter é o éter da realização. É


nifesta-se particularmente sob o aspec- por isso que se diz também que este é-
to da eletricidade. Esta energia, que de- ter tira do homem o que ele não reali-
termina a vida cotidiana principalmente zou, mas, por outro lado, consolida o
nos países industriais modernos, é, por que ele já realizou a serviço do plano di-
assim dizer, a forma material de uma vino. No mundo da experiência e das
força astral. Examinando de mais perto percepções, o homem se afasta da rea-
sua atividade, parece também que po- lidade, da forma, de sua própria mani-
demos induzir suas propriedades e po- festação. Como ele não consegue mani-
deres originais. Do ponto de vista cientí- festar-se sobre a base do quinto éter o-
fico, a eletricidade é uma forma de ma- nipresente, ele imita este poder por me-
téria e a matéria uma forma de eletrici- io da eletricidade e cria uma rede mun-
dade. A matéria é composta por átomos dial de informações que permite a todos
e os átomos são compostos por elé- os que utilizam computadores adquirir e
trons ligados a um núcleo por uma ten- colocar em prática os conhecimentos a-
são elétrica. Se conhecêssemos a fun- tuais.
do a própria essência da eletricidade,
compreenderíamos a matéria. Este es- O uso da eletricidade faz surgir duas
tudo mostra claramente que a matéria propriedades:
do campo de vida terrestre e a eletrici-
dade que aí se manifesta estão estreita- • Primeiro, a eletricidade é capaz de
mente ligadas uma à outra. Mas o que o transferir um movimento. O movimen-
plano divino original previa apresenta- to é transformado, por exemplo, gra-
-se aqui como uma matéria fechada em ças a um alternador, em uma tensão
si mesma, e a eletricidade é a tensão elétrica que permite fazer girar um
causada pela força criadora do quinto é- motor elétrico, acender uma lâmpada,
ter enclausurado na matéria. aquecer uma resistência elétrica etc..
Conseqüentemente, as aplicações Do ponto de vista científico, a eletrici-
práticas de eletricidade utilizadas na vi- dade é o resultado da resistência da
da comum fazem ver a imagem inverti- matéria ao movimento.
da da manifestação original. • Em segundo lugar, a eletricidade é

34
capaz de transportar a informação. O neste quarto campo, em que o
som, a imagem, são transformados equilíbrio ainda não foi estabelecido
em impulsos elétricos transmitidos a em razão da ação dominante do éter
partir de um emissor até um receptor. refletor. A verdadeira manifestação
acontece no quinto campo. Este
Estas duas aplicações estão baseadas campo é chamado de Reino. No
no poder que a eletricidade possui de o- quinto campo as forças dos quatro
rientar magneticamente os átomos. Este outros campos (campo de preparação,
poder de influência sobre os constituin- de devir) são assimiladas e, no
tes da matéria é uma das marcas mais equilíbrio perfeito que então foi
características da eletricidade na natu- atingido, a forma divina se manifesta.
reza mortal. O homem celeste nasce. O Mahatma
Como a eletricidade pode modificar e irradia fisicamente na luz divina. É o
orientar as formas da natureza, o mes- coroamento da obra do Espírito Santo
mo acontece com a força astral pura, e em sua primeira fase.*
esta tem uma potência infinitamente
maior (Helena Blavatsky fala de uma “di-
ferença” comparável à que existe entre O CAMINHO DE VOLTA
30 m/s e 180.000 km/s!) e é capaz de
dirigir e manifestar o núcleo divino no
homem de acordo com o plano divino. É Para que a personalidade não seja
por isso que é importante que todos os desnaturada por um toque demasiado
que desejam seguir a senda de retorno brusco e violento, o processo de resta-
tomem as disposições necessárias, belecimento acontece ao longo da sen-
sem perder de vista o objetivo, e que se da gnóstica. Com o auxílio da Gnosis, a
direcionem a partir da força original que força divina que sempre está presente
é a base de tudo o que é aparente. em toda a parte, a personalidade cor-
Esta constatação tem uma conse- rompida a ponto de ter-se tornado uma
qüência capital. A personalidade é com- fonte de tensão, pode ser pouco a pou-
posta por diversas condensações da su- co transformada em uma nova forma,
bstância primordial e é mantida por ten- nascida da vontade e do poder divino.
sões. Além disso, ela é limitada e fecha- Na senda de transfiguração – ampla-
da. Assim, ela é essencialmente inca- mente descrita na literatura da Rosa-
paz de produzir em si mesma as trans- cruz Áurea – é preciso distinguir cinco
formações necessárias, o correto direci- etapas: discernimento, anseio pela sal-
onamento magnético, pois a nova estru- vação, auto-rendição, nova atitude de vi-
tura é contrária à antiga. Se ela fosse to- da e transfiguração.
cada diretamente em seu “antigo“ esta- Quando acontece a primeira fase, o
do de vida pela força astral divina, ela discernimento, a força gnóstica revela-
se consumiria em um clarão. -se à personalidade nascida da nature-
A manifestação conforme o plano divi- za. Esta força serve-se do poder refletor
no diz respeito a uma consciência que do quarto éter. Poeticamente falando: “A
não foi constituída pelos campos de ten- Gnosis chama o homem”. Em seguida,
são terrestres, mas que foi formada e di- este homem concebe o anseio pela sal-
rigida pelo Espírito divino em um ser hu- vação. Um intenso desejo de cura total
mano direcionado de acordo com o plano desperta dentro dele. A Gnosis o toca
divino. O núcleo desta manifestação não em seu sangue, utilizando o poder do
está ligado às forças “inferiores”, mas irra- terceiro éter. Com o auxílio dos poderes
dia as forças superiores recebidas. dos dois éteres superiores, mesmo que
ainda corrompidos, o homem decaído
A matriz está pronta; a manifestação está doravante ligado à força-luz liberta-
pode acontecer. Entretanto, não será dora. Seu sangue recebe um elemento

35
vivificante e o processo de recriação do
homem original começa agora, baseado
nas palavras: “Seja feita a tua vontade, e
não a minha”.

Como sabeis, todo o devir resulta de


uma idéia espiritual. Quando o Espírito
age, manifesta-se em primeiro lugar a
Idéia, a imagem original, que a vontade
do Espírito impulsiona à realização, à
manifestação. Em torno desta imagem
original, o Espírito concentra a
substância primordial e, quando o
processo de preparação termina, ele
dispõe esta de modo a que sirva de
meio de manifestação à Idéia original.

Enfim, o homem celeste manifesta-se


com o auxílio do quinto éter e
“o Mahatma irradia fisicamente
na luz divina”.*

* As citações são extraídas do artigo de


Jan van Rijckenborgh intitulado Os sete
campos do microcosmo, artigo editado na
revista Pentagrama nº 4 do ano de 1995.

36
A SENDA DO SILÊNCIO

Quem não aspira por um pouco de de se encontrar sobre a terra.”


calma e de paz nestes tempos de agi- “E isto se parece com o quê?”, per-
guntou o rei, ansiosamente.
tação febril? Apesar disto, os homens
“Esta coisa era exatamente como
em geral parecem não poder conti- eu”, disse o mais velho.
nuar calmos durante muito tempo. “Tinha uma pele como a de um croco-
Eles são tocados e agitados por uma dilo”, adiantou o segundo.
espécie de inquietude interior que os “Ela era tão grande quanto o portão
do palácio”, respondeu o terceiro.
obriga rapidamente a ficar ativos e a
“Ela trazia uma coroa de pedras pre-
trabalhar compulsivamente. O puro ciosas”, clamou o quarto.
silêncio interior é um bem precioso e “Ela achou muito agradável encontrar
completamente fora do comum na alguém”, disse o quinto.
efervescência de nosso mundo. Ora, “Legiões de soldados estavam por
trás dela para defendê-la”, sustentou o
esta é uma condição fundamental do
sexto.
processo de libertação! Todas estas respostas divergentes
excitaram a curiosidade do rei e ele per-
guntou:
“Que caminhos vocês seguiram
E ra uma vez um rei que, em toda a sua para encontrar esta coisa desconheci-
vida não havia feito outra coisa senão da?”
viajar. Ele havia ido de país em país em Então seus filhos lhe contaram com
busca de alguma coisa verdadeiramen- muitos detalhes como o caminho era
te nova, desconhecida. Mas, no final, difícil e que tipo de perigo tiveram de
ele declarou que reconhecia que não encarar, e tudo isto por causa dele!
havia nada de novo sobre a terra. Tudo De repente, o rei observou que seu
estava sempre se repetindo. Apesar de filho mais novo ainda não havia dito
tudo, ele continuava a buscar, pois ele nada.
estava persuadido de que deveria existir “E você, meu filho, que caminho
algo diferente de tudo o que havia tomou?”
encontrado. Finalmente, chegou diante “A senda do silêncio, meu pai”, res-
da montanha mais alta do mundo, cuja pondeu o jovem príncipe.
ascensão era extremamente difícil. “A senda do silêncio? Há realmente
Cansado de todas estas expedições, um caminho com este nome que con-
ele pediu a seus sete filhos que subis- duz a esta montanha? Você executou
sem até o alto da montanha para aí bus- minhas ordens, de verdade, como seus
car, por sua vez, este “algo desconheci- irmãos?”
do”. “Perdoa-me, pai. Devo reconhecer
Era uma empreitada longa e perigo- que continuei no palácio. Quando fui até
sa. Quando seus filhos finalmente volta- a janela, à noite, e olhei as estrelas pen-
ram, o rei indagou com impaciência o sando na missão que o senhor nos con-
que eles haviam descoberto. fiou, um silêncio foi penetrando em meu
“Encontramos o que buscávamos, coração: um silêncio desconhecido na
pai. Encontramos uma coisa impossível terra!”

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COMPREENDER É ABANDONAR daí resulta pode transformar profunda-
mente sua vida. Tudo para ele adquire
um novo sentido e agora tudo está em
Esta história foi extraída do Fascículo seu lugar certo.
número 1 da Mocidade do Lectorium
Rosicrucianum. Ela traduz o grande
anseio do buscador de vivenciar a paz FINALMENTE, CHEGA!
divina desconhecida na terra. Inúmeras
emoções e agitações da vida cotidiana
têm como causa a busca, muitas vezes Pôr um fim às atividades habituais,
inconsciente, de alguma coisa verdadei- tornar-se silencioso diante do Senhor
ra e desconhecida: o silêncio divino. Ge- interior, é um momento importante na
ralmente é difícil aceitar e compreender senda da libertação interior. Sim, este
que ele está mais próximo de nós do momento é essencial, se quisermos ver-
que pés e mãos, e é bem menos estra- dadeiramente seguir esta senda. Seguir
nho do que possa parecer. o caminho, a senda, não é como viajar
O que significa “mais próximo do que em um trem, sentado confortavelmente,
pés e mãos”? O que entendemos por enquanto se espera chegar a um bom
“divino”? Em razão de sua natureza, o porto. Trata-se, na verdade, de determi-
homem está completamente ligado à nar conscientemente a direção a seguir
matéria de trevas; e, como o rei da his- e saber que o trem escolhido parte na
tória contada acima, ele anda quilôme- hora certa. Na prática, isto significa que
tros e quilômetros no mundo do espaço- devemos deixar para trás o que acredi-
tempo para tentar satisfazer seu desejo tamos ser nosso verdadeiro ser, o mais
de encontrar a fonte da água viva. Ora, conscientemente possível. É preciso
nesta situação, ele vai-se conduzindo renunciar a seguir a pista das antigas
como certos animais. Uma mosca, por experiências: todo o nosso passado dia-
exemplo, sobe até o alto de uma janela lético. Também não devemos pensar no
para sentir que lá realmente existe um futuro, pois quanto a ele apenas faze-
vidro. Mas, um instante depois, ela voa mos projeções adiantadas de todas as
com toda rapidez contra este vidro para antigas experiências. Esta “entrega” é a
sair da sala e conseguir sua liberdade. conclusão de experiências muito pro-
Muitas pessoas agem exatamente da fundas, a entrega dinamizada pela com-
mesma maneira quando descobrem preensão de que o eu, com suas ativi-
obstáculos em seu caminho. E isto dura dades e seus sonhos contínuos, jamais
até o momento em que, como o filho poderá ser livre. Estudando de fora as
mais jovem do rei, eles finalmente com- manobras do eu, fazemos o espaço-
preendem que devem parar de buscar e -tempo desaparecer por um instante, e
tornar-se silenciosos. então o puro presente, sem mácula, nos
Neste sentido, é no momento em que oferece o esplendor de seu silêncio.
alguém se fere duramente contra as Esta “escapada” não é contra o espa-
paredes da natureza dialética que ele ço-tempo: é uma transformação de
se salva! Então ele começa a perder as todas as agitações em um silêncio inte-
ilusões que ele acariciava durante tanto rior absoluto, que permite que a força
tempo, e logo ele se encontra nas ruí- libertadora e regeneradora da rosa-do-
A aproximação nas de todas as suas tentativas mate- -coração possa agir. Quem interrompe
de Deus riais. A partir deste momento, ele come- suas atividades egocêntricas pode ter a
pelo silêncio ça a compreender que os desejos de impressão de estar sentado em um trem
(Bononiensis,
seu eu jamais farão com que ele vá mais que está andando porque um outro trem
1574, Biblioteca
Philosophica longe. Este choque é uma graça, mes- está passando ao lado dele. Mas ele vê,
Hermetica, mo que ele tenha ficado ferido com isto de repente, que a estação, os passagei-
Amsterdam). e sinta dor. A nova compreensão que ros e ele próprio continuam imóveis. A

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ilusão do movimento explode como uma
bolha de sabão. É evidente que, na
realidade, ele continuou o tempo todo
imóvel. Jan van Rijckenborgh expressa
Quando despertamos de um sonho este conceito da seguinte forma
como este, podemos sentir o profundo em A Arquignosis Egípcia, Tomo 4,
silêncio da alma. A emoção causada por capítulo 12:
este silêncio é absolutamente diferente
da agitação provocada por todas as ati- Somente quando o coração se
vidades egocêntricas. O que está em torna verdadeiramente silencioso,
movimento nesta suprema calma é a puro, é que ele pode dedicar-se a
Criação divina. O ser que se absorve sua verdadeira tarefa, à qual todo
neste silêncio e nesta paz pode viver e o homem, devido a suas duas
agir no mundo sem ser de modo algum faculdades divinas, é chamado e
dirigido por este mundo e sem ficar eleito, a saber, a vitória sobre a
dependente dele. morte e assim ingressar verdadeiro
Voltemos ao início de nossa história: novo estado de vida.
os seis filhos não evitaram sua dor, nem
pouparam seus esforços. Então, eles
encontraram o que o mundo pode ofere-
cer de mais precioso: a celebridade, o
poder, a força. Eles encontraram o que
correspondia a seu desejo e imagina-
ção direcionados por seus “eus”: frag-
mentos da verdade, que podem dar um
contentamento de curta duração, que
logo se transforma em seu oposto. A
natureza não é mesmo impressionante?
A arte dos homens não é, muitas vezes,
efervescente? Os pensamentos não
parecem às vezes possuir uma profun-
didade incrível, assim como os senti-
mentos, e as relações com os outros,
que parecem que sempre vão dar
certo?
Valentemente, não paramos de “trico-
tar” com pés e mãos no universo dialéti-
co, comendo com prazer os frutos da
Árvore do Conhecimento do Bem e do
Mal. Mas, sistematicamente, o belo
transforma-se no feio, o quente no frio, o
alto no baixo e vice-versa. E tudo reco-
meça eternamente, até o dia em que
finalmente paramos, nos imobilizamos e
compreendemos o que realmente “é”.
O ser humano que, em sua existência
precipitada e ofegante, aprende a ficar
imóvel e silencioso, pode formar uma
imagem de sua própria realidade. Em
um estado interior de absoluta calma,
os pensamentos, os sentimentos e as
ações vão-se tornando mais claros. A

39
percepção objetiva das ilusões interio- o eu faz “muito barulho por nada”! Quem
res e exteriores da existência mostram não gostaria de abandoná-lo para dar
que o homem não é “nada”, despertan- lugar à Luz eterna? Quem é preenchido
do e reforçando o desejo de entrar no pela Luz não deseja outra coisa, pois
silêncio e no “não-agir”, do qual fala ele é semelhante à Luz. E todas as
Lao-Tsé. Quando tomamos consciência influências negativas que gostariam de
de que a vida exterior não passa de invadi-lo se dissipam como sombras,
uma corrida desenfreada que conduz às quase que imediatamente.
ilusões, podemos chegar e morar neste
“não-agir” interior; e a força e o poder do
verdadeiro silêncio se manifestam sem- O DIRECIONAMENTO PERFEITO
pre e cada vez mais. É o silêncio que
constitui a própria essência da rosa-do-
-coração. O silêncio profundo é um “direciona-
Os seis filhos do rei encontraram o mento” que conduz ao objetivo final da
que era visível, definido, e que corres- vida. Não se trata de uma concentração
pondia a suas naturezas. Por isso, cada voluntária em que afastamos todos os
um descobriu algo diferente. O sétimo pensamentos estranhos. Direcionamen-
filho calou-se: ele havia encontrado o to, aqui, significa o vazio e o silêncio da
silêncio indizível, o Tao, o que é impos- consciência dialética, a morte de todos
sível de ser definido, o que é impossível os desejos e a ausência de toda e qual-
de ser descrito. Ele não partiu porque “o quer projeção ou emoção. Este direcio-
reino estava dentro dele”, mais próximo namento é um silêncio interior durável,
do que mãos e pés, no próprio coração onde os pensamentos, as vontades e os
da vida vibrante, palpitante. Este silên- sentimentos centrados no eu já desapa-
cio interior não é ligado a um lugar ou a receram. Neste silêncio assim estabele-
um momento determinado. Em meio cido, é a paz quem domina. Não mais a
aos turbilhões da vida exterior, ele pode paz que reina entre duas guerras, mas
surgir em qualquer pessoa que esteja “a paz eterna que ultrapassa todo o
cansada de todas as contradições dialé- entendimento”.
ticas e que já tenha adquirido a maturi- Qualquer pessoa que viva em um
dade que é requerida para tanto. direcionamento como este participa do
Quem se mantém neste silêncio vive Amor absoluto, único, Onipresente. E,
da rosa-do-coração. O perfume da rosa no direcionamento total e no amor abso-
é sempre exalado como força do silên- luto, nasce o silêncio que reina no pró-
cio, e devemos estar prontos a respirar prio coração do Tao.
este perfume. Nosso ser está, então,
realmente no coração “da jóia maravi-
lhosa no lótus”, perfeitamente indiferen-
te a este lodaçal imundo que é a nature-
za dialética: ele foi, ele é e será para
sempre silencioso.
Portanto, não é necessário esperar
pelo silêncio, pois ele está presente a
todo o instante do dia, a partir do
momento em que nos distanciamos da
agitação e do barulho, e observamos os
movimentos, sem julgar, de dentro para
fora!
Se olharmos para as coisas friamen-
te, parece que a causa de toda a agita-
ção é o eu! Com relação à vida imortal,

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