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REVISTA SILVA – Humanidades em Ciências Militares

Vol 2, n.1 – 2018/1 – ISSN: 2594-8199

escrita no contexto da EAD.


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PALAVRAS-CHAVE:
Letramento; Cibercultura; Ensino a Distância.

LETRAMENTO E
ENSINO A DISTÂNCIA ABSTRACT:
The diffusion of new information and
(EAD): communication technologies has brought
different possibilities of reading and writing.
Uma reflexão sobre a In this new scenario, it became necessary to
use the literacy approach, to review the
leitura e escrita no concepts and practices of reading and writing
contexto da that were structured in the context of a
paper culture, and in linear and alphabetical
cibercultura mode, from the vectors of cyberculture. In
this perspective, this work seeks to analyze
the modifications in the process of literacy in
Júlio César Gomes the context of online communication. Thus,
Exército Brasileiro to answer this objective, a bibliographical
research was carried out on the most
Wanderli Coriolano Bezerra important theoretical categories of the fields
Univ. Cidade de São Paulo of study focused, such as literacy, literacy,
reading, writing, cyberculture and ODL,
seeking to describe the main changes in
___________________________________ literacy concepts and practices after the
digital revolution and pointing out the
RESUMO: possibilities and problematic aspects of the
A difusão das novas tecnologias da use of the internet and digital media in the
informação e da comunicação trouxe process of reading and writing in the context
possibilidades diferentes de leitura e escrita. of EAD.
Neste novo cenário, tornou-se necessário
utilizar a abordagem do letramento, para
rever os conceitos e práticas de leitura e de KEYWORDS:
escrita que foram estruturadas no contexto Literacy; Ciberculture; Distance Education
de uma cultura do papel, e no modo linear e
alfabético, a partir dos vetores da
cibercultura. Nesta perspectiva, este trabalho
busca analisar as modificações no processo
de letramento no contexto da comunicação
on-line. Assim, para responder a esse
objetivo realizou-se uma pesquisa
bibliográfica sobre as categorias teóricas
mais importantes dos campos de estudo
enfocados, tais como letramento,
alfabetização, leitura, escrita, cibercultura e
EAD, buscando descrever as principais
alterações dos conceitos e práticas de
letramento após a revolução digital e
apontando as possibilidades e aspectos
problemáticos do uso da internet e das
mídias digitais no processo de leitura e

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Introdução indivíduos ou dos hábitos coletivos que nos


perguntamos se a própria noção de memória
Ao longo do século XX, o EAD pode ser ainda é pertinente” (LÉVY, 1993, p. 118).
compreendida de acordo com os recursos A cibercultura foi engendrada com o
tecnológicos utilizados, que determinam a surgimento do ciberespaço, que é o novo
geração ou configuração técnico-educacional meio de comunicação que surge da
da modalidade de ensino. Assim sendo, o interconexão mundial dos computadores.
EAD inclui Tecnologias da Informação e Este termo se refere à infraestrutura material
Comunicação (ou mídias) antigas tais como o da comunicação digital, ao seu universo de
livro, a TV e o rádio ou digitais informações e aos seres humanos, os
(computadores e videogames), classificadas usuários. A expansão do ciberespaço resulta
como analógicas ou radiodifusivas, digitais ou de um movimento internacional de jovens
multimídias. voltados para a experiência de formas de
A evolução do EAD foi então comunicação diferentes das mídias clássicas.
profundamente impactada pela revolução Segundo Levy (1993, p. 127), o
tecnológica, decorrente do avanço técnico ciberespaço orienta-se três princípios: a
nos campos das telecomunicações e da interconexão, a criação de comunidades
informática, que gerou possibilidades novas virtuais e a inteligência coletiva. A primeira
de comunicar e de produzir e difundir consiste em colocar os indivíduos, os lugares
informação. Tal mutação foi potencializada e momentos em contato. Por sua vez, as
pela internet, difusão do computador, à qual comunidades virtuais favorecem a
se acrescentam os telefones celulares socialização, com finalidades lúdicas,
multifuncionais, IPOD e MP3 e games. Neste econômicas ou intelectuais. Finalmente, a
contexto, as mídias tornam-se mais inteligência coletiva consiste no modo de
individualizadas e invasivas. Da “aldeia realização da humanidade que a rede digital
global”, passou-se à “sociedade da universal favorece, que promove a plena
informação ou do conhecimento” e, sinergia de seus recursos intelectuais.
sobretudo, à “sociedade em rede”, que
Na cibercultura, à semelhança da memória,
intensificou, a um nível jamais visto, a
a imaginação se apoia nas simulações e a
inteligência coletiva, a autonomia dos
percepção se amplifica com os sensores
indivíduos e o processo de democratização da
digitais e com as realidades virtuais. A este
cultura, além do fomento crescente da
respeito, no campo da leitura e escrita,
realidade virtual.
Chartier considera o texto digital como uma
A difusão das novas tecnologias da revolução do espaço da escrita que altera a
informação e da comunicação trouxe relação do leitor com o texto, com os modos
possibilidades diferentes de leitura e escrita. de ler, alterando os processos cognitivos, pois
Neste novo cenário, tornou-se necessário às relações de contiguidade construídas no
utilizar a abordagem do letramento, para objeto impresso, a escrita gera um processo
rever os conceitos e práticas de leitura de de livre composição de fragmentos
escrita que foram estruturadas no contexto ‘’comandam, inevitavelmente [....]
de uma cultura do papel, e no modo linear e imperativamente, novas maneiras de ler,
alfabético, a partir dos vetores da novas relações com a escrita, novas técnicas
cibercultura. Considerada como uma nova intelectuais (CHARTIER, 1994, p. 100-101).
forma de relação com o saber, estabelecida
Na verdade, a cibercultura reconduz a
no âmbito da sociedade em rede,
comunicação às sociedades orais, mas em
caracterizada pela informação digital e
outra escala, em uma órbita completamente
conectividade, ela é formulada por meio do
diferente. Os textos não são mais
ciberespaço, “que suporta tecnologias
autossuficientes. A compreensão se constrói
intelectuais que amplificam, exteriorizam e
por meio da interconexão das mensagens
modificam numerosas funções cognitivas
entre si, de sua relação permanente com as
humanas”, como a memória, que “se
comunidades virtuais em criação, que lhe
encontra tão objetivada em dispositivos
conferem sentidos variados por meio de uma
automáticos, tão separada do corpo dos
renovação permanente.

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Neste contexto da cibercultura e de Graças às limitações do conceito de


sobrevivência tenaz das práticas escritas, alfabetização, difundiu-se o enfoque do
como pode ser definido o letramento? letramento nas últimas décadas,
No sentido amplo, o letramento consiste impulsionado pelas mudanças nos
nas práticas sociais de leitura e escrita, paradigmas teóricos no campo do ensino no
“como as práticas e eventos relacionados qual a vertente behaviorista, dominante nos
com uso, função e impacto social da escrita” anos de 1960 e 1970, é substituída, nos anos
(KLEIMAN,1998, p. 181). Nessa concepção, o de 1980, pelo paradigma cognitivista, que se
letramento consubstancia-se como as inclinou, na década de 1990, para o
práticas sociais de leitura e escrita e os paradigma sociocultural.
eventos em que essas práticas são postas em Assim sendo, em meados dos anos de 1980
ação, assim como as suas implicações ocorreu, simultaneamente, a invenção do
socioculturais. conceito e das práticas de letramento no
Nesta perspectiva, este trabalho busca Brasil, do illettrisme, na França, da literacia,
responder uma série de questionamentos: em Portugal, para nomear fenômenos
como o letramento se modificou no contexto distintos daquele denominado até então de
da comunicação on-line? Como estas alfabetização, que consistia exclusivamente
transformações se relacionaram com as no desenvolvimento de habilidades e
estratégias de ensino e de leitura utilizadas capacidades de decodificação da língua
pelo EAD? Para tal, este estudo realizou uma escrita em seus estágios iniciais, e num
pesquisa bibliográfica sobre as categorias âmbito restrito de utilização.
teóricas mais importantes dos campos de O endosso da abordagem do letramento
estudo enfocados, tais como letramento, alterou profundamente a concepção do
alfabetização, leitura, escrita, cibercultura, processo de construção da representação da
EAD, buscando descrever as principais língua escrita, pela criança, que deixou de
alterações dos conceitos e práticas de ser considerada como dependente de
letramento após a revolução digital, estímulos externos para aprender o sistema
apontando as possibilidades e aspectos de escrita - uma concepção presente nos
problemáticos do uso da internet e das métodos de alfabetização até então em uso,
mídias digitais no processo de leitura e chamados de “tradicionais”. Deste modo, no
escrita no contexto do EAD. novo enfoque, a criança se torna um sujeito
ativo, que levanta e testa hipóteses no
processo de construção pessoal do sistema
Letramento e alfabetização no alfabético e das tipologias textuais.
contexto da cibercultura Nos países desenvolvidos, a abordagem do
No Brasil, até hoje a mídia vem usando, em letramento tornou-se consensual porque as
matérias sobre as competências de leitura e práticas sociais de leitura e de escrita
escrita da população brasileira, termos como assumiram uma relevância maior, uma vez
semi-analfabetos, iletrados, analfabetos que a população, embora alfabetizada, não
funcionais, criticando as informações sobre dominava as habilidades de leitura e de
índices de alfabetização e analfabetismo que escrita necessárias para uma participação
tomam como base apenas o critério efetiva e competente nas práticas sociais e
censitário simplista e redutor de saber ou profissionais que envolviam a língua escrita
não saber “ler e escrever um bilhete no campo econômico e político, que se
simples”. Nesta perspectiva, o conceito de tornava cada vez mais complexo. Nesta
alfabetização caracterizava-se por sua perspectiva, Kirsch e Jungeblut, na conclusão
excessiva especificidade, consubstanciada na da pesquisa sobre habilidades de leitura da
autonomização das relações entre o sistema população jovem norte-americana, afirmam
fonológico e o sistema gráfico em relação às que o problema não estava na illiteracy (no
demais aprendizagens e comportamentos na não saber ler e escrever), mas na literacy (no
área da leitura e da escrita, além de envolver não-domínio de competências de uso da
uma concepção limitada do processo de leitura e da escrita) (SOARES, 2002).
leitura e de escrita (SOARES, 2002). A este respeito, Tfouni distingue o

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letramento da alfabetização, ressaltando que determinam mecanicamente, mas sem


enquanto a alfabetização é individual, o dúvida influenciam processos cognitivos e
letramento apresenta um caráter social: discursivos.
“Enquanto a alfabetização ocupa-se da De fato, em vários estudos, concluiu-se que
aquisição da escrita por um indivíduo, ou a memória de curto prazo, que realiza a
grupo de indivíduos, o letramento focaliza os recuperação da informação da memória
aspectos sócio históricos da aquisição de um profunda, fica sobrecarregada na leitura on
sistema escrito por uma sociedade” (TFOUNI, line, prejudicando a recuperação de
1995, p. 20). informações da memória de longo prazo, o
Ou seja, o letramento é o estado ou que impede a interpretação mais profunda do
condição de indivíduos ou de grupos sociais texto. Por outro lado, a leitura ágil de uma
de sociedades letradas que exercem multiplicidade de hipertextos potencializa as
efetivamente as práticas sociais de leitura e capacidades cognitivas de lidar
de escrita, participando competentemente de simultaneamente com uma multiplicidade de
eventos de letramento, entretendo com os estímulos e de tomar decisões, ao mesmo
outros e com o mundo que os cerca formas tempo em que diminui as capacidades de
de interação, atitudes, competências interpretação pessoal das informações e os
discursivas e cognitivas que lhes conferem processos mais sofisticados de compreensão,
um determinado estado ou condição de inferência e inferência, que são favorecidos
inserção eficaz em uma sociedade letrada. pela leitura dos livros (CARR, 2010, p171).
Para Walter Ong, Eric Havelock e Jack Nesta perspectiva, convém analisar agora
Goody, autores que se ocupam da passagem as ferramentas da comunicação on-line e seu
das práticas de oralidade para as da cultura modus operandi – as mídias digitais –
escrita, o estudo da contraposição entre as utilizadas no EAD, para destacar como
culturas letradas e aquelas de oralidade favorecem as mudanças nos modos de leitura
primária pode favorecer uma compreensão e escrita em relação ao padrão da leitura
mais ampla da natureza do letramento no livresca, alfabética e linear, que predominou
contexto da cibercultura, que gerou o no Ocidente até meados do século XX, antes
desenvolvimento de novas práticas digitais da explosão da civilização da imagem e do
de leitura e de escrita, em confronto e advento da internet.
superposição às práticas sociais e
quirográficas e tipográficas de leitura e de
escrita. As ferramentas de reconfiguração
A este respeito, convém destacar o fato de das práticas de leitura e escrita
que as tecnologias da escrita e leitura no EAD: a internet e mídias
modelam profundamente a cognição e o digitais
comportamento. Por exemplo, os estudos da
oralidade destacaram o papel da memória,
que diminuiu, no âmbito da cultura escrita, Oriunda de experiências de uso militar
enquanto aumentaram as capacidades de depois da 2º Guerra Mundial (1939-1945),
abstração, análise e síntese de conceitos. do ponto de vista técnico, a internet,
Deste modo, na cibercultura, interagem inicialmente chamada de ARPANET, em 1979,
indivíduos ou grupos sociais letrados que foi criada pelo Departamento de Defesa dos
utilizam novas tecnologias de escrita, que EUA, que buscava criar uma rede que não
impactam os instrumentos das práticas pudesse ser destruída por bombardeios e
sociais de leitura e de escrita, assim como os fosse capaz de ligar pontos estratégicos,
processos de aprendizagem e de construção como centros de pesquisa e tecnologia.
do conhecimento. A este respeito, Lévy A internet consiste em um conjunto
(1993) inclui as tecnologias de escrita entre internacional de redes de computadores que
as tecnologias intelectuais, considerando-as opera de modo a oferecer aos seus usuários
responsáveis por gerar estilos de a ilusão de uma rede unitária, unificada. Tem
pensamento diferentes, insistindo, porém, múltiplas possibilidades de uso: encontrar
que as tecnologias intelectuais não informação, enviar e receber mensagens,

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ouvir música, ler livros e revistas, conversar indefinidamente, ao longo das escalas
com outras pessoas, fazer compras, consultar dos grupos de precisão. 4. Princípio de
o saldo bancário, fazer download de software exterioridade: a rede não possui
e peticionar. unidade orgânica, nem motor interno.
Ao longo dos anos 70, a internet foi Seu crescimento e sua diminuição, sua
incorporada às universidades, com composição e sua recomposição
finalidades mais acadêmicas e nos anos 80, permanente dependem de um exterior
desencadeou profundas transformações no indeterminado. Por exemplo: para a
mundo do trabalho e nas organizações, rede semântica de uma pessoa
alterando significativamente as estratégias escutando um discurso, a din6amica
de seleção, organização e aplicação de dos estados de ativação resulta de uma
informações pelos indivíduos e instituições. fonte externa de palavras e imagens. 5.
Outrossim, mudou consideravelmente o Princípio de topologia: nos hipertextos,
modo de ler e escrever, que passou a contar tudo funciona por proximidade, por
com um acervo infinito e caótico de vizinhança. Neles o curso dos
informações e imagens. Ao invés do primado acontecimentos é uma questão de
do código alfabético, que exigia uma leitura topologia, de caminhos. A rede não
linear, atrelada à materialidade de um livro está no espaço, ela é o espaço. 6.
portátil, a internet estabeleceu um novo Princípio de mobilidade dos centros: a
suporte da escrita e da leitura - o hipertexto, rede não tem centro, ou melhor, possui
feito de cadeias semânticas infinitas, de nós permanentemente diversos centros que
e pontos de entroncamento, que permitem são como pontas luminosas
trajetórias múltiplas, um jogo ininterrupto de perpetuamente móveis, saltando de um
combinações, de superposições e nó a outro (LEVY Apud MAGNABOSCO,
combinações de significados, determinado 2007, p. 1392).
pelo leitor, onde se desvanece gradualmente Deste modo, no ambiente da internet,
a noção de autoria. Além do que, introduziu- graças ao hipertexto, a leitura tornou-se um
se em ampla escala a multimídia, centrada processo não linear, que opera por saltos e
no uso combinado ou isolado do som e da digressões imprevistas, que exigem um
imagem. esforço constante de síntese de massas de
A este respeito, Levy considera que o informações, além do tirocínio de discernir a
hipertexto obedece a vários princípios de confiabilidade da fonte e a veracidade da
organização cognitiva que o diferenciam informação, pois a internet é uma espécie de
completamente do texto em papel, e que ‘’terra de ninguém’’, ainda pouco regulada
alteram completamente as estratégias de nas suas práticas e usos, do ponto de vista
leitura: ético e mesmo jurídico.
1. Princípio de metamorfose: a rede Além da internet, e ligada a esta,
hipertextual está em constante difundiram-se também as mídias digitais. No
construção e renegociação. 2. Princípio sentido amplo, uma mídia é um meio de
de heterogeneidade: os nós e as comunicação que estabelece um processo de
conexões de uma rede hipertextual são emissão de mensagem, que exige uma
heterogêneos. O processo sociotécnico infraestrutura de suporte técnico. Seu
colocará em jogo pessoas, grupos, armazenamento ou ‘’embalagem’’, é a
artefatos, forças naturais de todos os maneira pela qual o produto da mídia será
tamanhos, com todos os tipos de manuseado pelo usuário. É o formato da
associações que pudermos imaginar embalagem que permite o transporte e a
entre estes elementos. 3. Princípio de forma de utilizar o produto simbólico
multiplicidade e de encaixe das resultante da mídia. Alguns exemplos de
escalas: o hipertexto se organiza em meios de armazenamento são o papel, o
um mundo “fractal”, ou seja, qualquer disquete, a fita de vídeo, o CD-ROM e o
nó ou conexão, quando analisado, pode pendrive.
revelar-se como sendo composto por Quando e como o EAD apropriou-se da
toda uma rede, e assim por diante, Internet e das mídias digitais?

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Embora as primeiras experiências de EAD nos AVA, alunos, tutores e demais agentes
no século XX tenham iniciado ainda nas envolvidos em processos de Educação a
formas de comunicação por correspondência, Distância têm acesso a conjuntos variados de
substituída gradualmente pelo rádio, ferramentas para interação e comunicação,
televisão e cinema, a difusão mais tais como o correio eletrônico, chats, fóruns,
significativa do EAD, caracterizado pelo dentre outros, que estabelecem novas
rompimento da presença simultânea de possibilidades de escrita compartilhada, de
docentes e discentes, coincidiu precisamente leitura coletiva síncrona e assíncrona,
com o advento da revolução digital, que recolocando em novos termos o conceito de
possibilitou o uso intensivo da internet e das autoria. Além disso, o AVA estimula a
chamadas mídias digitais. hipertextualidade, inventando novas
Dentre as mídias digitais, destacam-se os possibilidades de leitura e escrita coletiva
Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) e através de ferramentas interativas como o
as redes sociais, como ferramentas fórum de discussão.
relevantes da comunicação on-line e do EAD, Um dos tipos de AVA é a plataforma
onde são reinventadas as formas de educacional Moodle, que é um ambiente de
estruturação da leitura e da escrita. código aberto, livre e gratuito. É um software
Os AVA são um sistema que fornece utilizado para produzir e gerenciar atividades
suporte a qualquer tipo de atividade educacionais baseadas na internet,
realizada pelo aluno, funcionando por meio disponibilizando uma série de materiais e
de um conjunto de ferramentas usadas em ferramentas educativas tais como blogs,
diferentes situações do processo de chats, diários, fóruns, textos, glossário,
aprendizagem. lições, pesquisas de opinião, questionários,
rótulos/legendas, tarefas, workshop, dentre
Nesta perspectiva, um AVA pode ser
outros.
definido como um software concebido como
uma solução “tudo em um” - o ciberespaço O AVA também favorece várias
em que as interações e a facilitação da possibilidades educacionais de utilização das
aprendizagem acontecem de forma redes sociais uma vez que o Moodle pode ser
pedagogicamente estruturada. O AVA instalado e configurado em um servidor para
permite integrar mídias, textos, apresentar ser utilizado com um pacote para integração
informações de maneira organizada, do Facebook, permitindo que usuários
desenvolver interações entre pessoas e possam associar as contas do Facebook e do
objetos de conhecimento, elaborar e AVA. Esta possibilidade foi viabilizada sem
socializar informações tendo em vista atingir dúvida pelo desenvolvimento da Web 2.0, de
determinados objetivos educativos. Mas o ferramentas abertas, colaborativas e em rede
AVA não é apenas um software usado no (Wikis), que se utiliza de linguagens
ensino, mas uma plataforma virtual características das redes sociais, bem como a
pedagogicamente elaborada para o adoção de tecnologias de realidade virtual e
desenvolvimento mais amplo do processo de vídeos digitais,
ensino-aprendizagem. Neste sentido, as Convém ressaltar o fato de que as redes
atividades se desenvolvem no tempo, ritmo sociais são atualmente o laboratório mais
de trabalho e espaço determinados por cada ativo de invenção e reinvenção das práticas
participante de acordo com a sua vontade, de leitura e escrita, que se expandem a um
em conformidade com o planejamento prévio grau maximal, adotando formas mais
estabelecido no design educacional, que telegráficas, quase criptográficas, evoluindo
estrutura as atividades educativas para sistemas de comunicação mais ágeis e
(FRANCISCATO, 2008). de formulações mais sucintas, como o
A adoção desses ambientes, apoiados pelas Instagram. No contexto educacional, as
mídias digitais facilita o processo de ensino- redes sociais podem intensificar o processo
aprendizagem através da mediação de aprendizagem colaborativa, segundo a
pedagógica entre os integrantes do curso qual se deve buscar a construção coletiva do
(alunos, professores e agentes de EaD), que conhecimento, pois “quando os alunos
estão geograficamente dispersos. Para tal, trabalham em conjunto, isto é,

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colaborativamente, produzem um antes ocupado exclusivamente pelo escritor-


conhecimento mais profundo e ao mesmo autor. A tendência à comunicação sintética e
tempo, deixam de ser independentes para se ágil se alia, no entanto, a um fenômeno de
tornarem interdependentes” (PALLOFF E explosão da escrita e leitura, que se
PRATT, 2002, p. 141). organiza, no espaço virtual, nos nichos ou
As redes sociais virtuais são sistemas que tribos das comunidades virtuais de leitura e
permitem a construção de uma persona escrita, onde todos podem se manifestar
social através de um perfil público ou semi livremente, através de palavras, imagens e
público, promovendo a interação através de sons, com uma desenvoltura garantida pelo
comentários e da exposição pública da rede anonimato, numa escala jamais sonhada pela
social de cada ator, contribuindo, portanto, cultura do livro inaugurada pela invenção da
para o desenvolvimento de diferentes imprensa, por Gutemberg.
identidades sociais.
Atualmente, as redes sociais virtuais foram
adotadas por milhões de usuários, sendo
utilizadas amplamente na vida cotidiana. Tal Bibliografia:
situação é evidenciada pela quantidade e CARR, N. A geração superficial: o que a
variedade de redes existentes tais como a internet está fazendo com os nossos
Flickr, Instagram, Linkedin, Pinterest, cérebros. São Paulo: Agir, 2010.
Facebook, Twitter, Foursquare, MySpace,
dentre outras. CHARTIER, R. “Do códex à tela: as trajetórias
do escrito.” In:. A ordem dos livros:
As mídias sociais apresentam um leitores, autores e bibliotecas na Europa
significativo potencial interativo- entre os séculos XIV e XVIII. Brasília, DF:
comunicacional, auxiliando a romper com o UnB, 1994. p. 95-111.
sentimento de isolamento tão comum aos
AVA atuais, podendo contribuir no fomento FRANCISCATO, Fábio Teixeira. “Avaliação dos
de formas de aprendizagem colaborativa, das Ambientes Virtuais de Aprendizagem
atitudes de cooperação, impactando Moodle, TelEduc e Tidia - Ae: um estudo
fortemente as estratégias de leitura e escrita comparativo.” Novas Tecnologias na
herdadas da cultura do livro vigentes até Educação – CINTED. UFRGS – V. 6 nº 2,
poucas décadas atrás na família, na escola e dez, 2008.
na sociedade como um todo. KLEIMAN, A. “Ação e mudança na sala de
aula: uma pesquisa sobre letramento e
interação.” In: ROJO, R. (Org.).
Alfabetização e letramento: perspectivas
Conclusão: linguísticas. Campinas: Mercado de Letras,
1998, p. 173-203.
Constata-se que se estabeleceu um cenário
educacional favorável a ambientes de LÉVY, P. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora
aprendizagem inovadores baseados no 34, 1999.
conceito de educação em rede, como o AVA e MAGANABOSCO, G G. “Hipertexto: algumas
as redes sociais, que resultam em um considerações.” In: CELLI – COLÓQUIO DE
ciberespaço fecundo de reinvenção das ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS.
práticas de leitura e escrita, que, através dos 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009,
hipertextos e de outras ferramentas p. 1389- 1398 Disponível em:
utilizadas em contextos educativos, como o http://www.ple.uem.br/3celli_anais/trabal
AVA e as redes sociais, rompem com a hos/estudos_linguisticos/pfd_linguisticos/0
leitura linear, alfabética, individual, 31.pdf. Acesso em: 23/12/2016.
predominante a partir do século XIX, em PALLOFF, R; PRATT, K. Building Online
favor de uma leitura coletiva, síncrona ou Learning Communities: Effective
assíncrona, permeada pela imagem e pelo Strategies for the Virtual Classroom.
som, inscrita numa cadeia móvel, passível de Copyrighted Material, 2007.
recombinações determinadas pelo novo SOARES, M. Novas práticas de leitura e
sujeito-leitor que assume parte do espaço

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escrita: letramento na Cibercultura. Educ.


Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 143-
160, dez. 2002. Disponível em
<http://www.cedes.unicamp.br Acesso
em: 23/12/2016.
TFOUNI, L V. Adultos não alfabetizados: o
avesso do avesso. Campinas: Pontes,
1988.
_________, L.V. Letramento e alfabetização.
São Paulo: Cortez, 1995.

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