Adeus à favela Infermidades da Língua, de Manoel Joseph Payva, tem explicação mais simples. Diz respeito às O jornal O Estado de S. Paulo (4/08/08), chuvas violentas e inoportunas, às vezes trouxe a notícia de que um quarto da população da imprevistas, que chegam com força e trazem uma cidade de São Paulo vive em favelas. Favela é o idéia negativa e fortuita. A expressão já fora nome que se dá à “moradia improvisada”, em que registrada em 1618, por Jorge Ferreira de residem pessoas de baixa renda. Quando Antonio Vasconselos. Depois que a expressão encontra Conselheiro foi cercado, os militares se mantiveram lugar e aceitação popular, adeus. no alto da favela. Por causa do nome das plantas Adeus, por seu lado, vem da redução de (arbustos ou árvores) da região (geralmente “entrego-te a Deus”, “encomendo-te a Deus”, Cnidosculos phyllacanthus ou Jatropha phyllacanta, usada em situações de despedida. E é esse mesmo euforbiácias – do grego euphor-, “bem nutrido”) , adeus que aquelas pessoas que vivem nas favelas conhecido pelos praças, o arraial foi batizado como querem dar à situação que as envolve. Dar um favela, nome que se espalhou rapidamente e hoje é adeus à situação de vida que as coloca, muita vez, aplicado às construções improvisadas. abaixo do nível de pobreza de que tanto falam os Se antigamente o termo favela dizia órgãos governamentais. Adeus. respeito às casas distantes dos centros, em São Paulo, por exemplo, esse cenário mudou. Hoje, as favelas se integraram até aos “bairros nobres”, e se fundem num marar de moradias. As favelas de BOX Conselheiro estavam entre a caatinga e o agreste; A Lei seca, em vigor em São Paulo, trouxe a as de hoje demarcam a diferença de mundos que discussão sobre direitos e responsabilidades do separa ricos e pobres e mostra uma terrível cidadão. Sob críticas, a lei persiste, evitando que situação social brasileira. motoristas mamados dirijam. Esse termo, que Essa situação pode ser mudada – queiramos significa embriagado, já foi usado por Gregório de acreditar… -- com as eleições deste ano. Ninguém Matos, nas Décimas, XLIX), no século XVIII: espere a solução para todos os problemas, mas é preciso começar a agir. E, mais do que em qualquer 4 Estava eu de uma grimpa outro momento, é preciso fugir dos enganos. Chega vendo a caça por extenso, de comprar gato por lebre. não a fez limpa Lourenço, A expressão anterior diz respeito a alguns e só a porca a fez limpa: momentos bem interessantes da história. No século porque como tudo alimpa XIX, por exemplo, houve, em Coimbra, uma de cães, e toda a mais gente, “caçada”, promovida por estudantes, cuja Lourenço intrepidamente finalidade era… culinária. Em 1871, com os cercos se pôs, e ao primeiro emborco militares a Paris, o gato era servido e muito mão por mão aos pés do porco apreciado. Sobre esse curioso paladar, Câmara veio a cair sujamente. Cascudo (Locuções Tradicionais do Brasil) conta que “lebre é pouco apreciada pelo paladar brasileiro. O gato é, quantitativamente, muito mais saboreado, 5 Tanto que a fera investiu, na veracidade da espécie, sabendo-se o que se tentado de valentão come.” Se isso ainda vale, em grandes cidades, armou-se-lhe a tentação, como a de São Paulo, os moradores podem – com o e na tentação caiu: perdão da brincadeira --, usando uma expressão a espada também se viu felina, deitar e rolar, pois há comida de sobra. cair na estrada, ou na rua, Camões, em seu Enfatriões, muito antes disso já e foi sentença comua, trazia a expressão, nas falas de Brómia. que nesta tragédia rara a espada se envergonhara Brómia: de ver-se entre os homens nua.
«Voyme a tierras estrañas
adó ventura me guia.» 6 Lourenço ficou mamado, Vai se Brómia e diz Feliseo: e inda não tem decidido se está pior por ferido Fantesias de donzelas, da porca, se por beijado: não há quem como eu as quebre, má porca te beije — é fado porque as quebre, muito mau de se passar, porque certo cuidam elas, e quem tal lhe foi rogar, que com palavrinhas belas foi com traça tão sutil, vos vendem gato por lebre. que a porca entre Adônis mil só Lourenço quis beijar. Esta tem la pera si qu'eu sou por ela finado; Mamado, bêbado ou até trêbado fica e crê que zomba de mim mesmo quem enche a cara de cachaça. A marvada, e eu digo lhe que sim, a água-que-passarinho-não-bebe, a pinga, a sou por ela esperdiçado. cachaça… a bebida que tem mais nomes que o Cão é nacionalmente conhecida e apreciada. Hoje, até Por que cargas d’água ainda existem tantas mais: uma iguaria exportada e muito bem recebida. favelas ou por que cargas d’água os governantes Já foi homenageada com músicas – talvez a mais demoram tanto a entender que o problema é curiosa seja a Pinga ni mim, de Teodoro e Sampaio gravíssimo? Essas são perguntas difíceis de – em que não se pode deixar de notar um ambigüidade bem engraçada. Aquela bebida “de muitos nomes” tem alguns apelidos bem curiosos: ana, uca, gole, bafo, quente, caninha, branquinha, leite-de-cana, suco-de-cana, perseguida, anjinho, mel, água, pura, goro, cobertor de pobre, aquela que matou o guarda, trinca, aguardente, mardita, tome-juízo, girgolina ou, simplesmente, “uma”. A origem do nome “pinga” vem do tempo dos engenhos. Era a bebida que pingava do caldo das canas. Fermentada, pingava dos alambiques gotejando bem amarela. Cachaça, por outro lado, é um problema. Há quem diga que a expressão vem de cacho, de frutas, algo que em Portugal deu à palavra cachaça o significado de vinho de borra. Por extensão, teria vindo ao Brasil para significar o “vinho” da cana. Há também que a associe a cacho, do latim capulus, punhado, agrupamento de frutos ou flores. Outros a associam ao latim vulgar cacculus, tacho, caldeira.