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RESENHA

Resenha do livro Teoria social pós-moderna: introdução crítica

André Moulin DARDENGO1

RESENHA/ BOOK REVIEW

EVANGELISTA, João Emanuel. Teoria social pós-moderna:


introdução crítica. Porto Alegre: Sulina, 2007. 197 p.

Economista, mestrando em Política Social na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES, Brasil).
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E-mail: <andremoulindardengo@yahoo.com.br>.
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Argumentum, Vitória (ES), v. 4, n.2, p. 279-284, jul./dez. 2012
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Com o desenvolvimento da sociedade do final da década de 70 do século pas-


mercantil, ao mesmo tempo em quase sado através do periódico paulista, dis-
alteraram ao longo da história as condi- seminando-se em seguida em revistas
ções materiais de existência dos seres acadêmicas mais restritas.
humanos, também se modificaram a cul-
tura, a ideologia e as formas de pensar. Esse é um período, segundo Evangelis-
Em tal processo essencialmente confor- ta,de formação e consolidação de uma
mador, as transformações no campo da nova elite intelectual no país, principal-
produção de ideias moldaram-se às ne- mente em São Paulo, condizente com o
cessidades de legitimação e reprodução projeto de excelência universitária pau-
do sistema capitalista. A partir da década lista, numa estratégia flagrante de garan-
de 1970,nos países capitalistas avança- tir a produção técnico-científica exigida
dos, diante de uma propaladíssima crise pelo capital. Porém, nossos novos inte-
de paradigmas e do modelo societário lectuais continuavam a reproduzir um
proposto pela ‘modernidade’, houve um perfil ‘colonizado’ ao realizar uma ‘im-
novo esforço intelectual de interpretação portação acrítica’ do conhecimento pro-
das transformações capitalistas que deu duzido nas ‘metrópoles’. Sem perceber,
origem ao pensamento pós-moderno. esses intelectuais realizavam uma função
Trata-se do início de uma nova fase de estratégica para a indústria cultural e
conformação no campo das ideias legi- editorial.
timadoras do capitalismo.
A análise de Evangelista é rica em deta-
Esse é o ponto de partida do professor lhes e demonstra a relação existente en-
João Emanuel Evangelista em ‘Teoria so- tre as universidades, os cadernos culturais
cial pós-moderna – introdução crítica’ (Porto da mídia impressa e a indústria editorial.
Alegre: Sulina, 2007). Nessa obra, o autor O debate e a produção intelectual na a-
discute o contexto e as características cademia, e a divulgação e a crítica nos
dessa crise de paradigmas, e ilustra como cadernos de cultura atendiam aos inte-
essas proposições pós-modernas, oriun- resses da nova indústria cultural e edito-
das dos países centrais do capitalismo, rial onde o livro como representação e
chegaram ao Brasil de forma irrefuta- materialização do conhecimento precisa-
velmente pouco despretensiosa. va ser escoado no mercado. Nessa mer-
cantilização pouco importa sobre o que
Evangelista, que é sociólogo e doutor em se escreve e o que se pesquisa, desde que
ciências da comunicação, realizou uma venda e obtenha lucro. Dessa forma, o
minuciosa pesquisa documental onde modismo do pensamento pós-moderno
analisou todos os cadernos de cultura do foi importado como um grande filão do
jornal Folha de São Paulo de 1976 a 1996. mercado editorial a ser explorado, e con-
Trabalho hercúleo que possibilita evi- solidou-se mais claramente durante os
denciar nas páginas da sua publicação governos neoliberais no Brasil, legiti-
como as primeiras proposições pós- mando o postulado da mão-invisível e
modernistas chegaram ao Brasil a partir

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do laissez faire, laissez passer como a única tuindo a partir do materialismo históri-
alternativa de organização societária. co-dialético, uma ferramenta teórica para
interpretar o capitalismo e superá-lo ru-
Para além dessa análise, a obra de Evan- mo ao socialismo.
gelista discute a crise da modernidade no São esses os dois principais projetos soci-
capítulo 2, caracteriza o pensamento pós- etais, oriundos do iluminismo, que per-
moderno no capítulo 3 e, no capítulo 4, passam o debate acadêmico e político
apresenta um resumo das ideias dos durante todo século XIX e XX. Todavia,
principais autores críticos a perspectiva nas últimas décadas, no que se refere à
pós-moderna (Jürgen Habermas, Fredric produção intelectual e às práticas políti-
Jameson, David Harvey, Terry Eagleton). cas, percebe-se a manifestação de gran-
No último capítulo, há uma arguta dis- des transformações, ao que se vem de-
cussão das implicações do pensamento nominando crise de paradigmas. A pos-
social pós-moderno no tocante a hege- sibilidade de hegemonia de um pensa-
monia neoliberal. mento social que ao mesmo tempo seja
inclusivo e abrangente está sendo mina-
A pesquisa de Evangelista evidencia co- da por teorias que prezam pela relativi-
mo a ideia de ‘modernidade’ coincide zação sem precedentes da explicação dos
com o período de desenvolvimento e fenômenos. Essa exacerbação do irracio-
supremacia do capitalismo, onde a ciên- nalismo não é à toa, cumpre as exigên-
cia e a razão, princípios iluministas, pas- cias desse novo momento histórico de
saram a ocupar o centro do projeto socie- ‘crise da modernidade’, onde um mal-
tário e o campo ideológico da sociedade estar generalizado, caracterizado por
do totalitarismo mercantil. Esse é um pessimismo e melancolia, aparece diante
processo marcadamente dialético, contí- do plano de sociabilidade capitalis-
nuo e contraditório, e nele há um claro ta/moderno. Essa crise que se dá no pla-
embate de perspectivas transformadoras no do pensamento e se expressa com o
e conservadoras, reflexo da própria luta avanço da chamada perspectiva pós-
de classes. De um lado, há o primado de moderna cumpre uma função legitima-
que o conhecimento técnico-científico dora do capitalismo em sua nova fase
baseado no racionalismo e no positivis- financeirizada e mundializada.
mo, bases de uma ciência interessada nas
mudanças técnicas funcionais ao capital, No decorrer de seu texto, Evangelista
constitui o caminho emancipatório para mostra como inicialmente o pós-
o homem. Essa perspectiva, aliada ao modernismo surge como crítica a estética
liberalismo, consolidou uma nova forma arquitetônica e literária modernista. Se o
de pensar, uma ideologia do progresso e modernismo, enquanto movimento artís-
da liberdade alcançadas somente através tico, já fora uma proposta de superação
do mercado. Contrariamente, no outro estéticado realismo nas artes e na arqui-
lado, no âmbito da luta pela transforma- tetura, buscando nas artes o transitório, o
ção, foi o marxismo que coadunou os efêmero, o perspectivismo, o relativismo,
interesses da classe trabalhadora, consti- a exaltação da subjetividade e a criação

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de estilos individuais e inconfundíveis, o samento socialista. Ao negarem qualquer


pós-modernismo aparece no debate de tipo de lógica totalizante e universalista
superação da estética modernista procu- os pós-modernos preconizam um pen-
rando expressar nas artes o momento samento opaco incapaz de realizar um
histórico de crise de representação dos combate teórico e uma ação política
indivíduos marcada pela irrealidade, transformadora. Criticam de forma su-
sensação de vazio existencial e confusão perficial e irresponsável o grande para-
intelectual. Foi só posteriormente que o digma teórico marxista negando seus
pós-modernismo se consolidou como fundamentos em completa oposição com
pensamento social e adentrou no campo a realidade concreta, apenas para aten-
das ciências humanas e sociais, para as- der a seus desígnios estilísticos de lin-
sim, explicar o comportamento e as guagem criativa.
transformações no capitalismo contem-
porâneo característicos de uma nova ex- Esse grupo de intelectuais critica ferre-
pressão sócio-histórica dos seres huma- nhamente a razão, pois essa teria se tor-
nos, definida como condição pós- nado um avatar de Deus na sociedade
moderna. Ganhou status num momento moderna, e a ciência, que seria apenas
muito propício, onde ocorre de um lado, um jogo de linguagem como outros na
o avanço das concepções neoliberais, e sociedade. A fé cega nos caprichos da
de outro, a ruína das experiências do racionalidade não teria, segundo eles,
socialismo real. conduzido ao progresso da humanidade,
mas sim produzido todas as suas maze-
Os adeptos do pós-modernismo, mesmo las. Pautam-se pela monocausalidade
com a dificuldade de caracterizá-los, vis- segregando os nexos pluricausais para
to as inúmeras linhas que seguem, desa- explicar a dinâmica social, servindo-se
creditam no projeto moderno oriundo do de uma ampla argumentação contra a
iluminismo. Diante da ‘modernidade’, compreensão da totalidade da vida soci-
ocorreu uma aceleração do tempo exigi- al. Evangelista mostra que a realidade se
da pelas necessidades de acumulação e organiza para esses teóricos pós-
reprodução do capital. Nessa realidade, modernos a partir da heterogeneidade
marcada por um ininterrupto devir caó- onde os traços marcantes são a indeter-
tico que afeta a tudo e a todos, surge um minação, a descontinuidade, a fragmen-
novo sentimento social de fragmentação tação, o caos, o ecletismo. A verdade
e de efemeridade que somado as guerras, produzida pela ciência é completamente
a miséria, a falta de sentido existencial relativizada, pois existe sempre a pre-
levam os defensores da perspectiva pós- missa de uma irrefutabilidade paradoxal.
moderna a criticar todas as metanarrati-
vas provenientes da ‘era das luzes’. Po- A forma como essa visão parcelar dos
rém, Evangelista verifica que por trás fenômenos sociais vem ocupando o es-
dessa generalização da crítica, os pós- paço de produção acadêmica é estarre-
modernos deixam de evidenciar seus cedora. É singular, por exemplo, como
reais adversários: o marxismo e o pen- que uma historiografia cada vez mais

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documental e centrada nos micro- edade pós-industrial sem trabalho, senão


eventos vai sobrepondo-se a análise ma- uma nova sociedade industrial com no-
cro e multirelacional dos fenômenos so- vas bases onde os seres humanos estão
ciais. A história passa a ser resultante de cada vez mais alheios a compreensão da
um sem número de eventos que ocorrem totalidade social e presos a dinâmica
sem regularidade, não conectados entre mercantil por correntes invisíveis como
si e num ambiente caótico. Nas ciências- verdadeiros escravos ‘modernos’. Evan-
sociais de uma forma geral acontece o gelista (2007, p. 183) sentencia:
mesmo, pesquisa-se sobre qualquer te- ‚[...] a proposição de que o mundo con-
mática, cada vez mais se focalizando nos temporâneo estaria assistindo a uma rup-
tura qualitativa na perspectiva da pós-
micro-eventos sem a busca de regulari- modernidade parece mais uma projeção
dades sócio-históricas.Não há um com- imaginária de alguns segmentos intelectu-
promisso político claro em muitas dessas ais, visto que a realidade da mundialização
pesquisas, porém implicitamente está do capital demonstra às escâncaras a con-
enraizada uma concepção detratora dos tinuidade da realização histórica, em esca-
la jamais registrada, do sistema capitalista.
princípios da interpretação dialética dos
[...] não há qualquer ruptura com a mo-
fenômenos. Fala-se que o marxismo, a derna sociedade industrial e tampouco de-
expressão máxima da compreensão dia- saparecem as contradições e os conflitos
lética da realidade, está obsoleto, repre- fundamentais inerentes à ordem social
senta o atraso, o sectarismo e a falta de burguesa, que, todavia, apresentam novas
e complexas formas de manifestação. As
criatividade. E com isso há um movi- transformações em andamento são uma
mento claro e não sem intenção de exclu- ‘ruptura’ dentro da ordem social do capi-
ir o marxismo do espaço acadêmico. Já é tal.‛
possível encontrar currículos de gradua-
ção e mesmo programas de pós- Por todo o exposto, o trabalho de Evan-
graduação na grande área das ciências gelista, segundo nossa compreen-
sociais sem sequer mencionar o senhor são,possui grande relevância e merece
K. Marx. Logo, defender essa teoria na ser conhecido e divulgado, principal-
trincheira da academia rende muitos i- mente nesse momento em que a despoli-
nimigos e a alcunha de atrasado. tização, a crença no fim da história e na
inevitabilidade da sociedade mercantil
Evangelista demonstra em suas laudas como único projeto de sociedade viável
que é perante essas circunstâncias que estão impregnadas nas consciências ou
surgem conceitos sem muita consistên- no que poderia ser chamado de imaginá-
cia, como é o caso das ideias de socieda- rio coletivo. As ambiguidades e ambiva-
de pós-industrial e da não centralidade lências do pensamento pós-moderno,
da categoria trabalho (que contesta a teo- sintomas claros da sua inconsistência
ria do valor-trabalho). Ora, o capitalismo teórica tão bem explicitados por Evange-
não se extinguiu, mas ao contrário se lista, indicam os alicerces defeituosos do
metamorfoseia a cada instante para e- edifício que devem ser atacados.
xaurir cada vez mais as forças humanas
produtoras de riqueza. Não há uma soci-

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A história, definitivamente, não acabou.


É imperioso desnudar o véu que paira
diante das pessoas abrindo-lhes os olhos
para a possibilidade e necessidade da
transformação social. Por isso, este livro,
resultado de uma pesquisa com com-
promisso político transformador, é es-
sencial para conduzir a desmistificação
do pensamento pós-moderno como refe-
rencial teórico. É mister, portanto, a re-
tomada do método crítico materialista-
dialético para interpretar as contradições
do capitalismo contemporâneo,bem co-
mo sustentar teoricamente a luta da
classe trabalhadora (que não deixou de
existir como propugnam os pós-
modernos) para um novo projeto de so-
ciedade. A disputa por essa hegemonia
também é um reflexo da luta de classes
onde conquistar as consciências instau-
rando uma nova cultura anticapitalista
está na ordem do dia.

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