Você está na página 1de 3

Os Biscateiros Invisíveis do Brasil

Por Rodrigo M.Lehnemann

Introdução: O presente trabalho resulta-se de uma síntese realizada sobre um série de artigos cuja
temática principal aborda a uberização e a terceirização da mão de obra no atual panorama social,
onde busca-se trazer um breve resumo sobre a condições que fizeram emergir tal movimento em nossa
sociedade e seu impacto na estrutura trabalhista como hoje conhecemos.

Autores:
• Andrea Fumagalli, Doutor em Economia Política é atualmente professor no Departamento de
Economia Política e Método Quantitativo da Faculdade de Economia e Comércio da
Università di Pavia, Itália. Seus temas de interesse são teoria macroeconômica, teoria do
circuito monetário; economia da inovação e da indústria, flexibilidade do mercado de trabalho
e mutação do capitalismo contemporâneo: o paradigma do capitalismo cognitivo, entre outros.
Dentre seus vários livros publicados, citamos: Il lavoro. Nuovo e vecchio sfruttamento (Milão:
Punto Rosso, 2006), Bioeconomia e capitalismo cognitivo, Verso unnuovo paradigma di
accumulazione (Roma: Carocci Editore, 2007), e La crisi economica globale (Verona: Ombre
corte, 2009). Confira a entrevista.
• Jamie Woodcock, Doutor em Sociologia pela Universidade de Londres, é professor sênior da
Open University e pesquisador com sede em Londres, já tendo ocupado cargos na Goldsmiths,
Universidade de Leeds, Universidade de Manchester, Queen Mary, NYU Londres, Cass
Business School, LSE e Universidade de Oxford. Ele é o autor de The Gig Economy (Polity,
2019), Marx at the Arcade (Haymarket, 2019), e Working The Phones (Pluto, 2017) e tem
suas pesquisas voltadas à economia digital e às transformações no mundo do trabalho,
concentrando-se no labouro, trabalho, gig economy, plataformas, resistência, organização,
videogames e gameficação. Ele está no conselho editorial do Notes from Below e do
Historical Materialism.
• Ludmila Costhek Abílio, Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de
Campinas –Unicamp. Possui mestrado em Sociologia pela Universidade de São Paulo – USP e
é Graduada em Ciências Sociais pela mesma instituição. Fez seu Pós-doutorado (USP) sobre
a constituição dos discursos sobre a chamada “nova classe média” brasileira, tratando da
relação entre exploração do trabalho e acumulação capitalista, com estudo sobre o trabalho
dos motofretistas na cidade de São Paulo. Atua principalmente nos seguintes temas:
Uberização do trabalho: novas formas de gestão, organização e controle do trabalho; Relações
entre exploração do trabalho, financeirização e acumulação capitalista; Estudos do
desenvolvimento: exploração do trabalho e acumulação capitalista na periferia; Relações entre
trabalho e consumo no capitalismo contemporâneo. Atualmente é pesquisadora do CESIT, na
Faculdade de Economia da UNICAMP, onde desenvolve pesquisa de Pós Doutorado sobre
Desenvolvimento, atuais políticas de austeridade e as transformações do trabalho no Brasil;
assim como pesquisa correlacionada sobre a Uberização do trabalho, com enfoque no trabalho
dos motofretistas na cidade de São Paulo.
• Ricardo Antunes, Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, Mestre em
Ciências Sociais pela Universidade estadual de Campinas e Graduado em Administração
Pública pela Fundação Getúlio Vargas possui Pós-Doutorado em Livre Docência pela
Universidade Estadual de Campinas e Pós-Doutorado em Ciências Humanas pela University
of Sussex, é Professor Titular de Sociologia do Trabalho na Universidade Estadual de
Campinas – UNICAMP. Autor, entre outros livros, de Os Sentidos do Trabalho (Boitempo,
publicado também na Itália, Inglaterra/Holanda, EUA, Portugal, Índia e Argentina); Adeus ao
Trabalho? (Ed. Cortez, publicado também na Itália, Espanha, Argentina, Colômbia e
Venezuela) e Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil (organizador, Boitempo), Vol. I, II e
III. Coordena as Coleções Mundo do Trabalho, pela Boitempo e Trabalho e Emancipação,
pela Expressão Popular. Coordena as Coleções Mundo do Trabalho, pela Boitempo e Trabalho
e Emancipação, pela Expressão Popular e atualmente é professor visitante na Universidade
Ca’Foscari em Veneza, Itália.
• José Dari Krein, Doutor e Mestre em Economia Social e do Trabalho pela Universidade
Estadual de Campinas – Unicamp, Graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná - PUC-PR, é professor no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do
Trabalho – Cesit. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Emprego, Relações
de Trabalho, Sindicalismo e Negociação Coletiva, atuando principalmente nos seguintes
temas: flexibilização, legislação trabalhista, reforma, sindicalismo, trabalho, reestruturação
produtiva, emprego, tecnologia, trabalho, salário mínimo e desenvolvimento econômico.

Em meio as inúmeras controversas e decisões questionáveis que o governo Bolsonaro tem tomado
frente a maior pandemia do século, atitudes estas que certamente serão comentadas e discutidas em
salas de aula no futuro, ao menos uma atitude positiva emergiu: A luta logística para socorrer os
invisíveis por eles criados.

Invisíveis, está é a palavra utilizada pelo governo para classificar os profissionais autônomos e
uberizados que circulam pelo pais, os filhos abandonados da tecnologia e do neoliberalismo que se
viram jogados a própria sorte na mais adversa, mas ainda assim já esperada das situações. Mas o ponto
principal que precisamos ter em mente ao abordarmos a situação dos invisíveis biscateiros do brasil, é
o movimento que os gerou, movimento esse que move suas engrenagens desde muito antes do
conceito de aplicação ser utilizado para denominar softwares de cunho meramente utilitaristas
disponibilizados a dispositivos móveis.

Quando observamos o funcionamento do Uber, 99 Pop, Rappi, iFood, é possível perceber que maneira
estes se relacionam com seus funcionários não é em momento algum uma novidade, sendo possível
inclusive afirmar tratar-se de uma tendência, basta olharmos para o exército invisível de vendedoras
Avon e Natura que sustentam toda uma indústria de cosméticos on demand, ou até certo ponto aos
famigerados esquemas ponzi como Herbalife, Dinastia, Rinode e Telexfree que circulam pelo pais até
ganharem proporção o suficiente para colapsarem. Este é o sombrio semblante das unilaterais
parcerias de hora zero que se espalham fortemente pelo pais, parcerias estas onde o funcionário fica a
disposição da empresa, sem que esta lhe pague ou lhe garanta qualquer garantia de trabalho, recebendo
apenas por aquilo que ele produz.

Tudo de certa forma incia-se com a desestruturação dos sindicatos, que tiveram sua força corroída.
Sua própria estrutura de funcionamento já parece não condizer mais com a realidade vivida pelos
trabalhadores, assim apenas os grandes grupos sindicais, atrelados a órgãos públicos como os
Sindicatos dos Professores ou aqueles ligados a indústria, ainda parecem ter força para resistir. No
entanto as demais forças de trabalho brasileiras se veem desamparadas, forçadas a acordos individuais
muitas vezes livremente impostos pela empresa, abrindo espaço para os movimentos de terceirização.

A terceirização iniciada nos governos Lula e Dilma e levada ao extremo no breve e destrutivo governo
Temer, que abriu brechas para que o processo de empresariamento pessoal do trabalhador fosse
acelerado, fazendo emergir contratos unilaterais de emprego, onde as garantias e os direitos
trabalhistas são substituídos por um contrato de prestação de serviços, onde o trabalhador elevado ao
“status” MEI abre mão de seus direitos historicamente conquistados em troca de uma oportunidade,
insegura e instável. E por mais atroz que essa ideia possa parecer, ela mais uma vez não é nova, e já é
adotado pelo Senac na contratação de professores a décadas.

A soma de todos esses fatores criou o terreno fértil para a Uberização, sem o suporte sindical ou sob as
regras de um contrato unilateral, a proposta de trabalhar livremente sem contrato algum tornou-se
curiosamente mais atrativa, a chamada gig economy ou economia do biscate e seus invisíveis. Assim
como menciona Jamie Woodcock, “flexibilização é um termo poderoso”, a eterna busca de muitos por
horários e ambientes de trabalho flexíveis, de poder trabalhar da maneira como desejar onde desejar,
uma armadilha ardilosa, que apenas faz flexibilizar os riscos para a empresa. Esta assumindo uma
postura de mediadora, busca de mecanismos e brechas jurídicas para se isentar de todo e qualquer
vínculo com o funcionário, passando para a ele toda a responsabilidade e risco do serviço prestado e
abocanhando sua parte nos lucros, e em alguns casos extremos colocando-o em uma situação quase
análoga a escrevidão. Sem esquecer claro, das descaracterização do trabalhador, que não vê como um
motorista profissional, por exemplo, passando a ser apenas alguém “ que está ha fazer Uber”.

O vínculo é superficial, qualquer um pode se cadastrar como um prestador de serviços em uma destas
plataformas, não há entrevista ou métrica qualitativa que o empeça de entrar, no entanto essas métricas
são pesadamente impostas a aos trabalhadores através de um sistema de avaliação propositalmente
nebuloso, que transforma a base de usuários nos certificadores de qualidade que ditarão a trajetória do
biscateiro invisível, criando um ambiente de competitividade hostil que mina a emergência de
movimentos sindicais, assim, por exemplo, se um motorista nega-se a prestar uma corrisa sua
avaliação baixa, indiferentemente do motivo ou da situação, caso reclame, corre o risco de ser
desligado da plataforma.

É importante compreender aqui que precisamos reestruturar os movimentos de resistência, reinventar


as bases sindicais e reconquistar os direitos ha muito adquiridos e agora perdidos. Os meios que
permitem a Uberização existir, são também as maiores armas contra a mesma, a comunicação cada
vez mais presente pode se tornar a principal via de articulação, que pode fazer emergir nos grupos de
whatsapp novos sindicatos invisíveis, que veem no boicote a força que os operários do passado viram
nas greves, dando a eles força para reivindicarem direitos e melhores condições de trabalho. Assim
como Ludmila Costhek Abílio no trás:

Quando os trabalhadores paralisam seu trabalho, usam as suas redes para se organizar, e
demonstram que são centenas, milhares, enfrentando uma empresa, aí toda aquela intangibilidade cai
por terra.

Mas talvez a grande e pergunta ainda sem resposta seja: quais são os verdadeiros tensionamentos que
movem o trabalhador moderno? Conforme aponta Ludmila Costhek Abílio:

Podemos ver que o trabalhador tem o savoir faire para trabalhar cada vez mais, e temos de nos
interrogar sobre suas motivações, as quais são também muito pouco compreendidas.

É muito claro a diferença entre o semblante e a histórias de satisfação contatas por um motorista de
Uber, entregador de iFood sobre sua inúmeras horas de trabalho, com o semblante de um caixa de
mercado ou atendente assalariado e protegido e muitas vezes desmotivado. Desta forma trazer a
discussão para este ponto é sair da zona de conforto e explorar de certa maneira um terreno arenoso e
pouco explorado, entender as motivações que fazem com que um trabalhador totalmente terceirizado
demonstre um real satisfação em comparação a um empregado tradicional, muitas vezes esgotado por
uma jornada de trabalho não tão extensa, nos faz questionar o que de fato valorizamos, salário?
Segurança? Liberdade? Família? Dinheiro? Por isso finalizo esta análise trazendo a pergunta: Quem
realmente são os invisíveis biscateiros do Brasil?

Você também pode gostar