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Direção editorial:

Luciana de Castro Bastos


Diagramação e Capa: Daniel Carvalho e Igor Carvalho
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


ORSINI, Adriana Goulart de Sena, JÚNIOR, José Eduardo de Resende Chaves e
MENEGHINI, Nancy Vidal.
Trabalhadores Plataformizados e o Acesso à Justiça Pela Via dos Direitos: Regulações e
Lutas Em Países das Américas, Europa e Ásia Voltadas Ao Reconhecimento, Redistribuição
e Representação.
Belo Horizonte, 2021: Editora Expert.
Organizador:Adriana Goulart de Sena Orsini, José Eduardo de Resende Chaves Júnior e
Nancy Vidal Meneghini
ISBN: 9786589904038
1. Direito de Trabalho 2. Direito 3.Tecnologia I. I. Título
CDD:341.6

Pedidos dessa obra:

experteditora.com.br
contato@editoraexpert.com.br
Dr. Eduardo Goulart Pimenta
Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFMG e PUC/MG

Dr. Rodrigo Almeida Magalhães


Professor Associado da Faculdade de Direito da UFMG e PUC/MG

Dr. João Bosco Leopoldino da Fonseca


Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG

Dr. Marcelo Andrade Féres


Professor Associado da Faculdade de Direito da UFMG
TRABALHADORES PLATAFORMIZADOS
E O ACESSO À JUSTIÇA PELA VIA DOS
DIREITOS:

REGULAÇÕES E LUTAS EM PAÍSES DAS


AMÉRICAS, EUROPA E ÁSIA VOLTADAS AO
RECONHECIMENTO, REDISTRIBUIÇÃO E
REPRESENTAÇÃO

Belo Horizonte, 2021


Sumário

Adriana Goulart de Sena Orsini


José Eduardo de Resende Chaves Júnior
Nancy Vidal Meneghini

Introdução..................................................................................17

Ailana Santos Ribeiro


Raissa Lott Caldeira da Cunha

Um estudo sobre os direitos trabalhistas e sociais dos


trabalhadores enquadrados na Assembly Bill 5: desmistificando o
discurso neoliberal da desregulamentação trabalhista nos EUA

1. Introdução...............................................................................21
2. Legislação trabalhista estadual da Califórnia: Abordando os princi-
pais direitos trabalhistas garantidos aos empregados californianos....
..................................................................................................23
2.1. Remuneração e jornada de trabalho.......................................23
2.1.1. Salário Mínimo...................................................................23
2.1.2. Horas extras.......................................................................24
2.1.3. Intervalo para repouso........................................................26
2.1.4. Intervalo de refeição...........................................................26
2.2. Licenças e afastamentos do trabalho......................................27
2.2.1. California Family Rights Act (CFRA).......................................27
2.2.2. Disability Insurance - auxílio por incapacidade temporária.....28
2.2.3. Paid family leave - Licença familiar remunerada....................29
2.2.4. Paid Sick Leave - Licença médica remunerada.......................29
2.3. Saúde e segurança no trabalho...............................................30
2.3.1. Health Care Continuation - Cal/COBRA...................................30
2.3.2. Segurança e Saúde Ocupacional - Cal/OSHA..........................31
2.4. Rescisão do contrato de trabalho............................................31
2.4.1. Cal-WARN Act.....................................................................31
2.4.2. Rescisão contratual.............................................................32
2.5. Reembolso de despesas.........................................................33

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VI A D O S D I R EI TO S
3. O sistema de proteção social destinado aos trabalhadores enqua-
drados na AB-5............................................................................34
3.1. Principais benefícios sociais previstos pela Social Security Act que
se correlacionam diretamente com o vínculo de emprego..............36
3.1.1. Aposentadoria....................................................................36
3.1.2. Seguro-desemprego ...........................................................37
4. Considerações finais................................................................39
5. Referências..............................................................................40

Dorinethe dos Santos Bentes


Thiago Fernandes Morais
Igo Zany Nunes Correa

Exceções de enquadramento de trabalhadores na Assembly Bill nº 5

1. Introdução...............................................................................43
2. Análise específica da lei Assembly Bill n. 5 e debate das exceções de
enquadramento dos trabalhadores ...............................................45
3. Aplicação da lei no judiciário da Califórnia................................53
4. Considerações finais................................................................55
5. Referências..............................................................................57

Bianca Caroline Bento Menezes


Breno Lucas de Carvalho Ribeiro
Bruna Salles Carneiro

Assembly bill nº 5 e classificação dos empregados na Califórnia:


um caminho para a proteção social trabalhista

1. Introdução...............................................................................61
2. Panorama geral: gig economy e estrutura do legislativo EUA........62
2.1. Processo Legislativo dos EUA e Processo de aprovação da AB5.. 64
3. Da classificação incorreta ao caso Dynamex..............................66
4. Assembly bill N. 5 e o conceito de empregado..............................69
5. Considerações sobre análises conceituais e classificação correta...
..................................................................................................75
6. Considerações finais................................................................80
7. Referências..............................................................................81

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V IA DOS DIREITOS
Daniel de Faria Galvão
Eugenio Delmaestro Corassa
Victor Sousa Barros Marcial e Fraga

O subcontract na Assembly Bill No. 5

1. Introdução...............................................................................84
2. Testes Borello e ABC na Assembly Bill No. 5.................................85
3. Subdivisão (F) e subcontrato na indústria da construção ............88
4. Efeitos práticos da Assembly Bill No.5 e as categorias excepcionais..
..................................................................................................92
5. O contrato de empreitada no Brasil e sua relação com a situação
Californiana................................................................................94
6. Conclusão................................................................................98
7. Referências..............................................................................99

Ana Carolina Paes Leme


Anna Jéssica Araújo Costa
Nancy Vidal Meneghini

A Assembly Bill Nº 5 da Califórnia e o tratamento penal da


contratação fraudulenta: Uma tradição do Common Law norte-
americano e breves considerações de Direito Comparado em
relação ao ordenamento brasileiro

1. Introdução............................................................................. 104
2. O tratamento penal às violações nos EUA................................. 105
3. Tratamento penal à classificação incorreta como empregado e a
AB5........................................................................................... 111
4. O relatório da força tarefa do governo da nova Jersey na classifica-
ção equivocada de empregado.................................................... 113
4.1. Educação direcionada e divulgação pública:.......................... 114
4.2. Fortalecimento da Contratação Estadual: ............................. 114
4.3. Execução Coordenada Interagências: ................................... 114
4.4. Compartilhamento de dados: .............................................. 115
4.5. Cooperação com Estados Vizinhos: ...................................... 115

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VI A D O S D I R EI TO S
4.6. Treinamento cruzado:......................................................... 115
4.7. Denúncias criminais: .......................................................... 115
4.8. Utilizar Leis de Compensação de Trabalhadores:................... 115
4.9. Usar o poder do “Comissário do Trabalho” para revogar e
suspender licenças: .................................................................. 116
4.10. Recomendações legislativas: .............................................. 116
5. O caso da Pensilvânia............................................................. 116
6. Direito comparado: breve panorama sobre a fraude de contratação
no Brasil................................................................................... 119
6.1. A fraude de contratação na CLT............................................ 119
6.2. Tratamento penal da fraude de contratação.......................... 119
6.3. A pejotização como objeto de fraude trabalhista no Brasil...... 121
6.4. Inferências sobre o tratamento penal da contratação fraudulenta
no Brasil................................................................................... 123
7. Conclusão.............................................................................. 124
8. Referências............................................................................ 125

Adriana Goulart Sena Orsini


Igo Zany Nunes Corrêa
José Eduardo de Resende Chaves Junior

ECONOMIA DE PLATAFORMS, PLATAFORMAS E O DIREITO


COMPARADO
Apontamentos sobre a regulação e a judicialização da atividade
empresarial de transporte de passageiros e relações de trabalho
por aplicativos de mobilidade urbana na Argentina

1. Introdução............................................................................. 128
2. Globalização e relações de trabalho......................................... 129
3. Uber na Argentina.................................................................. 131
4. Uber em Mendoza e demais territórios.................................... 138
5. Considerações finais.............................................................. 140
6. Referências............................................................................ 142

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V IA DOS DIREITOS
Adriana Goulart Sena Orsini
Dorinethe dos Santos Bentes

O trabalho em plataformas digitais na Itália

1. Introdução............................................................................. 145
2. Realinhamento ao capitalismo digital e os movimentos dos
trabalhadores............................................................................ 146
2.1. O realimento das legislações trabalhistas aos interesses do novo
modelo do capital de plataformas digitais................................... 147
3. As relações de trabalho por meio de aplicativos de plataformas
digitais no judicario Italino........................................................ 149
3.1. As reviravoltas no judiciário Italiano nas disputas da Uber para
continuar atuando na Itália ....................................................... 154
4. Considerações finais.............................................................. 156
5. Referencias............................................................................ 158

Ailana Ribeiro

A situação jurídica dos motoristas plataformizados na China: um


estudo a partir da plataforma chinesa DiDi Chuxing

1. Introdução: uma breve visão da proteção jurídico-trabalhista na


China........................................................................................ 161
2. A ascensão da plataforma tecnológica de transportes Chinesa Didi
Chuxing .................................................................................... 167
3. Uma análise dos elementos presentes na relação entre a Didi e os
motoristas vinculados ............................................................... 168
4. Considerações finais .............................................................. 172
5. Referências............................................................................ 173

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VI A D O S D I R EI TO S
Thiago Fernandes Morais

Breves ponderações sobre o transporte de passageiros por


aplicativo na Alemanha

1. Introdução............................................................................. 175
2. Transporte de passageiros por aplicativo na Alemanha............. 177
2.1. FreeNow.............................................................................. 177
2.2. Uber na Alemanha.............................................................. 178
3. Lei de transporte de passageiros da Alemanha ........................ 181
3.1. Projeto de alteração da Lei de Transporte de Passageiros....... 182
4. As decisões judiciais e as alterações nos serviços da Uber......... 183
5. Questões trabalhistas na Alemanha quanto aos serviços prestados
por intermédio de aplicativos..................................................... 185
6. Conclusão.............................................................................. 186
7. Referências............................................................................ 187

Daniel de Faria Galvão

A luta contra a Uber na Índia: entre a resistência feminista, a


exploração laboral e os movimentos grevistas

1. Introdução............................................................................. 189
2. A uberização como reflexo da crise: o apagamento da identidade
coletiva da desconcentração produtiva até a cooptação da luta femi-
nista......................................................................................... 190
3. Os primeiros anos da uber na Índia: a resistência feminista .... 195
4. A Uber na Índia nos tempos atuais: exploração do trabalho e explo-
são dos movimentos grevistas.................................................... 199
5. Conclusão.............................................................................. 202
6. Referências............................................................................ 203

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V IA DOS DIREITOS
Ana Carolina Reis Paes Leme

Tratamento jurídico aos trabalhadores plataformizados na


Espanha: análise das decisões que reconheceram os entregadores
da plataforma Glovo como empregados

1. Introdução............................................................................. 206
2. Primeira sentença Espanhola que declara a relação de emprego
entre um trabalhador-entregador e a plataforma digital Glovo...... 207
3. Segunda sentença Espanhola que declara a relação de emprego
entre um trabalhador-entregador e a plataforma digital Glovo...... 214
4. Acórdão da suprema corte Espanhola. Tribunal supremo. “El pleno
de la sala cuarta de lo social”. Sentencia n. 805/2020....................... 216
5. Conclusão.............................................................................. 221
6. Referências............................................................................ 222

Anna Jéssica Araújo Costa

O caso Uber na França: Regulamentação e breves considerações


sobre os impactos da decisão do Tribunal de Cassação Francês no
acesso à justiça dentro do panorama global

1. Introdução............................................................................. 224
2. O caso Uber na França............................................................ 225
2.1. Breve histórico sobre o desenvolvimento e a regulamentação das
atividades da Uber na França..................................................... 225
3. O caso concreto analisado pelo Tribunal de Cassação Francês .. 228
4. O conceito de subordinação adotado pela decisão Francesa e os
critérios fixados para a caracterização do trabalho autônomo...... 234
5. Breves considerações sobre os impactos da decisão Francesa no
acesso à justiça dentro do panorama global................................. 236
6. Conclusão.............................................................................. 238
7. Referências............................................................................ 239

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VI A D O S D I R EI TO S
Eugênio Delmaestro Corassa

Plataformas de trabalho na federação Russa:


Uma análise preliminar da situação dos trabalhadores na
“economia dos bicos” Russa

1. Introdução............................................................................. 242
2. Gig-Economy e direitos sociais................................................. 243
3. Uma breve história dos aplicativos de trabalho na Rússia.......... 246
4. Relações de trabalho na Gig-Economy: o caso Russo.................. 249
5. Acesso aos direitos por parte dos trabalhadores Russos............ 252
6. Conclusão.............................................................................. 254
7. Referências............................................................................ 255

Raissa Lott Caldeira da Cunha

A regulamentação da Uber na Austrália e as batalhas judiciais


contra o reconhecimento da relação de emprego com os seus
motoristas

1. Introdução............................................................................. 259
2. Histórico da Uber na Austrália: da ilegalidade às reformas na in-
dústria de transportes de passageiros......................................... 260
2.1. Estratégias adotadas pela Uber para forçar a sua regulamentação
na Austrália............................................................................... 260
2.2. A regulamentação da Uber na Austrália: reformas no setor de
transporte de passageiros........................................................... 263
2.2.1. Regulamentação da Uber no Território da Capital Australiana...
................................................................................................ 264
2.2.2. Regulamentação da Uber na Nova Galês da Sul................... 264
2.2.3. Regulamentação da Uber na Austrália Meridional.............. 265
2.2.4. Regulamentação da Uber na Tasmânia............................... 265
2.2.5. Regulamentação da Uber em Queensland.......................... 266
2.2.6. Regulamentação da Uber em Victoria................................ 267
2.2.7. Regulamentação da Uber no Território do Norte................. 267
2.2.8. Regulamentação da Uber na Austrália Ocidental................. 268

TRA BA L H A DORES P L ATA FORMI ZADOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V IA DOS DIREITOS
3. Classificação dos motoristas da Uber na Austrália: a atuação da
corte trabalhista e do órgão de fiscalização do cumprimento das leis
trabalhistas............................................................................... 269
3.1. Caso “Kaseris vs. Rasier Pacific V.O.F.” perante a Fair Work Commis-
sion (2017)................................................................................. 270
3.2. Caso “Pallage vs. Rasier Pacific Pty Ltd” perante a Fair Work Com-
mission (2018)............................................................................ 271
3.3. Caso “Suliman vs. Rasier Pacific Pty Ltd” perante a Fair Work Com-
mission (2019)............................................................................ 272
3.4. Conclusão da investigação do Fair Work Ombudsman sobre a rela-
ção entre a Uber e os seus motoristas.......................................... 272
4. Conclusão.............................................................................. 273
5. Referências............................................................................ 274

Breno Lucas de Carvalho Ribeiro

Trabalhadores da Uber na Colômbia e no Brasil: entre


precariedades e regulações

1. Introdução............................................................................. 280
2. Gig-Economy, indústria 4.0 e economia colaborativa................. 281
3. Entraves da Uber na Colômbia................................................ 283
4. Precaridade e regulação: desafios dos trabalhadores da Uber na
Colômbia.................................................................................. 286
5. Desafios dos trabalhadores da Uber no Brasil........................... 288
6. Considerações finais.............................................................. 290
7. Referências ........................................................................... 291

Nancy Vidal Meneghini

Trabalho de plataforma na Dinamarca:


O modelo de mercado de trabalho Nórdico e o direito laboral
Dinamarqueses frente à economia de plataforma e à uberização

1. Introdução............................................................................. 294
2. Visão geral do direito trabalhista Dinamarquês........................ 295

T RA BA L H A D O R ES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACES S O À JUSTIÇA PELA


VI A D O S D I R EI TO S
2. O modelo de mercado de trabalho próprio da Dinamarca e a econo-
mia de plataforma..................................................................... 298
3. A uberização e o tratamento da Dinamarca.............................. 301
4. Breve paralelo da situação da Dinamarca em comparação ao trata-
mento dado pelo direito Brasileiro.............................................. 304
5. Conclusão.............................................................................. 306
6. Referências............................................................................ 307

Bianca Caroline Bento Menezes

O ridículo mosaico de 30.000 Small Businesses:


A Uber no Reino Unido e as contribuições para a classificação
laboral dos motoristas de aplicativos

1. Introdução............................................................................. 309
2. A ideia de economia compartilhada e suas derivações.............. 311
3. Aspectos gerais do direito laboral no Reino Unido.................... 314
4. A inserção da Uber no Reino Unido enquanto serviço de transporte
e plataforma de trabalho............................................................ 316
5. Disputa judicial entre motoristas e a Uber no Reino Unido........ 319
7. Conclusão.............................................................................. 323
8. Referências............................................................................ 324

Bruna Salles Carneiro

Apontamentos sobre o direito do trabalho no Canadá: trabalho em


plataformas digitais e o caso Heller v. Uber

1. Introdução............................................................................. 327
2. Noções gerais sobre a regulamentação trabalhista no Canadá... 328
2.1. Breve histórico.................................................................... 328
2.2. Principais conceitos: empregado, empregador e “contratado
dependente”.............................................................................. 331
2.3. Panorama dos Direitos trabalhistas...................................... 334
3. Debates em torno do trabalho em plataformas e o caso Heller v.
Uber Technologies........................................................................ 336

TRA BA L H A DORES P L ATA FORMI ZADOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V IA DOS DIREITOS
4. Considerações finais.............................................................. 341
5. Referências............................................................................ 342

Victor Sousa Barros Marcial e Fraga

Panorama do trabalho em aplicativos na Hungria

1. Introdução............................................................................. 345
2. Uber na Hungria.................................................................... 345
3. Atualização da legislação Húngara.......................................... 347
4. Transporte de passageiros após a Uber.................................... 349
5. Aplicativos de entrega durante a pandemia.............................. 352
6. Limitações e possibilidades do trabalho em plataformas.......... 353
7. Conclusão.............................................................................. 355
8. Referências............................................................................ 356

T RA BA L H A D O R ES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACES S O À JUSTIÇA PELA


VI A D O S D I R EI TO S
Introdução

Desde a promulgação da Constituição de 1988, ainda que


formalmente, o Brasil pode ser classificado como um Estado de Direito
e como uma democracia. Liberdades e direitos individuais e coletivos
são previstos no texto da Carta Magna. Entretanto, movimentos
de aceleração do tempo dos direitos para sua esterilização têm
sido estudados e denunciados, pois uma tarefa sempre presente e
inescusável é a de garantir o compromisso da Constituição de 1988 e
sua dimensão de evolução progressiva de direitos e normativamente
inclusiva. Essa dimensão se desenvolve no tempo, sem aceleração,
como um aprendizado social, tenso e por vezes contraditório, mas que
não cabe ceder a soluções mágicas e oportunistas, desvinculadas do
sentido e da normatividade protetiva da pessoa humana de 1988.
No campo do Direito e do Processo do Trabalho tem se assistido
uma sucessão de reformas, especialmente no campo normativo, com
a justificativa de que contribuirão para reduzir os custos laborais, bem
como a alegada excessiva rigidez no mercado de trabalho nacional,
e aumentar a produtividade das empresas, o que contribuiria para o
crescimento do emprego e, por conseguinte, para o enfrentamento do
grave problema do desemprego e degradação do mercado de trabalho
brasileiro observados desde 2016.
Ao longo dos últimos anos, a área de estudos - Acesso à Justiça
pela via dos Direitos e Direitos Humanos - do Programa de Pós-
Graduação em Direito da UFMG tem se debruçado em problematizar
os argumentos econômicos, sociais e históricos que compõem as
reformas, o tratamento jurídico do trabalho humano subordinado,
além das temáticas e questões que o direito comparado nos traz como
potencial via de acesso via direitos.
No campo teórico, trabalha-se com bibliografia densa e
atualizada, além de autores nacionais e internacionais que compõem
o cabedal de estudiosos e pesquisadores voltados a efetividade dos
direitos fundamentais do trabalho, não se descurando da compreensão
dos marcos legais virtuosos e adequados a garantia da dignidade a
pessoa do trabalhador/trabalhadora.
No 1º semestre de 2020 foi ofertada disciplina na PPGD UFMG

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 17


V IA DOS DIREITOS
com professor convidado da PUC MINAS e IEC, estudioso da Lei
denominada de ASSEMBLY BILL Nº 5 DA CALIFÓRNIA/EUA, Doutor
José Eduardo de Resende Chaves Júnior. A análise da lei californiana e
do trabalho de plataformas de transporte em vários países do mundo,
como os textos elaborados por pesquisadores docentes e discentes
demonstram a riqueza do material que é ofertado à comunidade
científica nacional, decorrente dos trabalhos em produtivo e destacado
semestre na PPGD.
Para analisar os impactos no Direito e no Processo do Trabalho
sob a perspectiva do acesso à justiça pela via dos direitos laborais, tem-
se garantido, ano após ano, um espaço de debate e estudos das ideias
de Nancy Fraser no tocante à Justiça aplicadas ao ramo trabalhista.
Trabalha-se com a injustiça nas relações de trabalho do ponto de vista
do reconhecimento, do distributivo e da representação. É a concepção
tridimensional da Teoria de Justiça de Nancy Fraser. Nenhum dos
aspectos se sobrepõe ou se reduz: todos compõe os caminhos para se
acessar direitos.
De modo a trazer os estudos, trabalhos e pesquisas que se
desenvolveram no ano de 2020, a obra foi dividida em duas partes.
Na primeira delas, os textos se dedicam a tratar da Assembly Bill n.
5 da Califórnia - EUA. Na segunda parte, a abordagem transcende os
Estados Unidos da América e analisa as plataformas de trabalho em
outros países e no direito comparado.
O primeiro texto analisa os direitos trabalhistas e sociais dos
trabalhadores enquadrados na AB5 de modo a desmistificar o discurso
neoliberal da desregulamentação trabalhista nos EUA, de autoria de
Ailana Santos Ribeiro e Raissa Lott Caldeira da Cunha. Em seguida,
o texto de Dorinethe dos Santos Bentes, Thiago Fernandes Morais e
de Igo Zany Nunes Correa analisa as exceções de enquadramento de
trabalhadores na referida legislação do Estado da Califórnia. O terceiro
trabalho, de autoria de Bianca Caroline Bento Menezes, de Breno
Lucas de Carvalho Ribeiro e de Bruna Salles Carneiro se debruçou
sobre a classificação dos empregados na Califórnia como um caminho
para a proteção social trabalhista.
Como o modelo transnacional de negócios e de atividades
das plataformas se operam sem fronteiras, o quarto texto deste

18 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
livro preocupa-se com o tratamento legal via AB5 em relação ao
denominado “subcontract” da lavra de Daniel de Faria Galvão, de
Eugenio Delmaestro Corassa e de Victor Sousa Barros Marcial e Fraga.
O quinto e último texto desta primeira parte, abordou o tratamento
penal da subcontratação fraudulenta na lei da California e suas autoras
são Ana Carolina Paes Leme, Anna Jéssica Araújo Costa e Nancy Vidal
Meneghini.
Na segunda parte da obra, os textos abordam aspectos da
economia das plataformas e das próprias plataformas e o direito nos
países estudados. Nessa segunda parte, tanto são encontrados artigos
autorais, como artigos em coautoria com os professores da disciplina.
Os cinco primeiros capítulos tratam da regulação e a
judicialização da atividade empresarial de transporte de passageiros
e relações de trabalho por aplicativos de mobilidade Urbana na
Argentina; do trabalho em plataformas digitais na Itália; da situação
jurídica do motoristas plataformizados na China; do trabalho de
passageiros na Alemanha e das lutas contra a UBER na Índia.
Os outros quatro textos que compõe a segunda parte da obra,
tratam do tratamento jurídico aos trabalhadores plataformizados na
Espanha; o caso UBER na França; das plataformas de trabalho na
Federação Russa e das batalhas judiciais contra a UBER na Austrália.
Os Trabalhadores do UBER na Colômbia e no Brasil; o Trabalho de
Plataforma na Dinamarca; Small Businesses no Reino Unido e o Caso
Heller v. UBER no Canadá, fecham a obra, sendo os últimos 4 trabalhos
que a compõem.
Todos os artigos reunidos nesta obra são resultado dos estudos,
dos trabalhos e da pesquisas que foram realizadas no ano de 2020
no bojo dos debates e das aulas na disciplina do Programa de Pós-
Graduação em Direito da UFMG.
Firme no propósito de formação crítica e socialmente reflexiva
frente ao mundo do trabalho cada vez mais tecnológico e globalizado,
a UFMG mantém a sua tradição de ofertar à comunidade jurídica
nacional e internacional as suas produções acadêmico-cientificas
realizadas com vista ao acesso à justiça pela via dos direitos trabalhistas
sem olvidar das dificuldades e desafios do capitalismo de dados, do
trabalho por plataformas, da economia colaborativa, do trabalho de

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 19


V IA DOS DIREITOS
multidão, da subordinação algorítmica e da relação de emprego digna
e protegida no Brasil e no mundo.

Adriana Goulart de Sena Orsini


José Eduardo de Resende Chaves Júnior
Nancy Vidal Meneghini

20 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Um estudo sobre os direitos trabalhistas e sociais
dos trabalhadores enquadrados na Assembly Bill 5:
desmistificando o discurso neoliberal da desregulamentação
trabalhista nos EUA

Ailana Santos Ribeiro1


Raissa Lott Caldeira da Cunha2

1. Introdução

A aprovação da Assembly Bill 5 (AB-5) pelo Senado da


Califórnia, em 18 de setembro de 2019, promoveu a reclassificação
de milhares de trabalhadores erroneamente classificados como
autônomos na Califórnia, reconhecendo, em caráter vanguardista, a
condição de empregado a diversas categorias, inclusive dos motoristas
plataformizados. Adotando um sistema de enquadramento jurídico
conhecido como “Teste ABC”, a legislação introduziu um critério para
reconhecimento de vínculo de emprego de caráter aproximativo ou
tipológico, garantindo aos trabalhadores enquadrados os direitos e
garantias trabalhistas aos quais todos os empregados da Califórnia
têm acesso.
De acordo com o Teste ABC, para um trabalhador ser
considerado autônomo devem ser preenchidos três requisitos
cumulativos, quais sejam: estar o trabalhador livre do controle ou
direção do empregador na execução do seu trabalho; estar a atividade
desempenhada fora do curso normal dos negócios da empresa e fora
do seu estabelecimento; estar o trabalhador habitualmente envolvido
em um comércio, ocupação, profissão ou negócio independente.
Nota-se, portanto, que a recente legislação californiana parte
do pressuposto inicial de configuração de vínculo empregatício, que
será passível de ser descaracterizado apenas se presentes, in casu, os
três requisitos acima descritos.
Cabe destacar, de plano, que se encontram previstos pela
1 Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).
2 Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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V IA DOS DIREITOS
AB-5, os direitos a um salário mínimo, à indenização por acidente
de trabalho, ao seguro desemprego e a licenças médica e familiar
remuneradas3. Isso significa que, a despeito do senso comum e do
que costuma ser falsamente divulgado, o Direito do Trabalho norte-
americano, especialmente o californiano, prevê uma considerável
gama de proteções trabalhistas e sociais.
Com efeito, a principal legislação trabalhista federal do país
é a Fair Labor Standards Act. Elaborada durante o governo Roosevelt,
nos anos 1930, essa lei prevê limites à jornada de trabalho, salário
mínimo e proibição de trabalho infantil, sendo aplicada à maioria
dos empregados dos setores privado e público4. Além dessa, outras
legislações trabalhistas federais oferecem importantes proteções aos
trabalhadores norte-americanos e merecem ser destacadas, antes de
se aprofundar no estudo da AB-5.
Integrando a ampla rede legislativa de proteção aos
trabalhadores norte-americanos, tem-se o Contract Work Hours and
Safety Standards Act (1962), que dispõe sobre jornada de trabalho e
segurança no trabalho; o Equal Pay Act (1963) e o Civil Rights Act (1964),
que garantem equidade salarial e proíbem discriminações por gênero
e raça; o Age Discrimination in Employment Act (1963), que proíbe a
discriminação salarial em razão da idade; o Migrant and Seasonal
Agricultural Worker Protection Act (1983), que estendeu a proteção
trabalhista aos trabalhadores rurais volantes; o Occupational Safety and
Health Act (1970) e o Mine Safety and Health Act (1977), leis que dispõem

3 Seção 1, (e), Assembly Bill 5: “SEÇÃO 1. O Legislativo encontra e declara todos os


seguintes itens: (e) Também é intenção do Legislativo ao promulgar este ato garantir
que os trabalhadores atualmente explorados por serem classificados erroneamente
como contratados independentes, em vez de reconhecidos como empregados,
tenham os direitos e proteções básicos que merecem de acordo com a lei, incluindo
um salário mínimo, indenização dos trabalhadores se forem feridos no trabalho,
seguro desemprego, licença médica paga e licença familiar paga. [...]” MATERIAL
TRADUZIDO PELA PROFA. DRA. ADRIANA GOULART DE SENA ORSINI COMO
FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA A DISCIPLINA PPGD/UFMG – DIR 887 – TEMAS
DE DIREITO DO TRABALHO COMPARADO – 1o SEM/2020 – “ASSEMBLY BILL Nº 5
DA CALIFÓRNIA E SEUS IMPACTOS NO DIREITO E NO PROCESSO DO TRABALHO
TENDO EM VISTA O ACESSO À JUSTIÇA PELA VIA DOS DIREITOS LABORAIS”. Belo
Horizonte, 30 de julho de 2020.
4 ROCHA, Júlio César de Sá da. Direito do Trabalho nos Estados Unidos: considerações
sobre as bases do sistema norte-americano. Revista de Direito do Trabalho (São Paulo),
São Paulo, v.33, n.125, jan./mar. 2007. p. 133-146.

22 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
sobre saúde e segurança no trabalho; o Family and Medical Leave Act
(1993), que prevê o direito à licença protegida por motivos médicos
e familiares; o Employment Retirement Income Security Act – ERISA
(1974), que dispõe sobre o sistema de seguro social e planos de saúde;
o Pregnancy Dicrimination Act (1978), o Americans with Disabilities
Act (1990) e o Genetic Information Non-Discrimination Act (2008), que
estabelecem normas antidiscriminatórias no trabalho; e, ainda, o
Patient Protection and Affordable Care Act (2010), que dispõe sobre a
obrigatoriedade do fornecimento de plano de saúde aos trabalhadores
e sobre os direitos trabalhistas de lactantes.
A legislação trabalhista estadual da Califórnia, por sua
vez, amplia muitos direitos estabelecidos pela legislação federal,
oferecendo, por exemplo, proteções antidiscriminatórias mais amplas,
um salário mínimo mais alto e licença remunerada em decorrência de
doença ou acidente envolvendo o trabalhador ou seus familiares.
Nesse sentido, com o intuito de demonstrar ser ardiloso
o discurso neoliberal que associa o desenvolvimento econômico
norte-americano, sobretudo do estado da Califórnia, a uma suposta
ausência de proteção social à classe trabalhadora, passa-se a abordar,
nos tópicos a seguir, o arcabouço legislativo californiano, dando-se
enfoque aos principais direitos trabalhistas e sociais garantidos aos
empregados reclassificados pela AB-5.

2. Legislação trabalhista estadual da Califórnia: Abordando


os principais direitos trabalhistas garantidos aos empregados
californianos

2.1. Remuneração e jornada de trabalho

2.1.1. Salário Mínimo

Conforme disposto pelo artigo 1182.12 do Código Trabalhista da


Califórnia, regulado pelo California Department of Industrial Relations
(CA Minimum Wage Order 2019), todos os empregados da Califórnia,
não excepcionados expressamente pela legislação, têm direito a uma
garantia de que receberão ao menos $12,00 ou $13,00 por cada hora

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 23


V IA DOS DIREITOS
trabalhada, a depender da quantidade de empregados que a empresa
possui.5
A maioria dos empregadores na Califórnia estão sujeitos às leis
de salário mínimo federal e estadual. Além disso, as entidades locais
(cidades e condados) estão autorizadas a estabelecer o seu valor de
salário mínimo, desde que não seja inferior ao estadual e ao federal.
Assim, havendo normas a nível federal, estadual e local o empregador
deve obedecer à norma que for mais benéfica para o empregado, ou
seja, a que estabelece um valor de salário mínimo mais elevado.6
O pagamento do salário mínimo é considerado uma obrigação
do empregador, que não pode ser dispensada ou mitigada por nenhuma
espécie de acordo, incluindo acordos coletivos de trabalho.
Nesse sentido, cabe destacar que, conforme disposto nos
artigos 1668 e 3513 do Código Civil da Califórnia, nenhuma legislação
destinada à proteção dos empregados pode ser violada por acordo
firmado entre o empregador e o empregado.
Há, contudo, previsão legal que excepciona da Lei do Salário
Mínimo alguns empregados em situações bem específicas, como
os vendedores externos, aqueles que são pais, cônjuges ou filhos do
empregador e aprendizes regularmente contratados.

2.1.2. Horas extras

Nos termos do artigo 510 do Código de Trabalho da Califórnia,


todos os trabalhadores não excepcionados pela legislação fazem jus
ao recebimento de horas extras com adicional de 50% por todas as
horas trabalhadas além de 40 horas em uma semana de trabalho e
08 horas em um dia de trabalho, bem como pelas primeiras 08 horas
do sétimo dia consecutivo de trabalho. Além disso, o empregador é
obrigado a pagar horas extras com adicional de 100% aos empregados
que trabalham mais de 12 horas em um dia de trabalho ou mais de 08

5 Labor Commissioner’s Office. State of California Department of Industrial Relations.


Disponível em: https://www.dir.ca.gov/dlse/. Acesso em: 20 ago. 2020.
6 Minimum Wage. State of California Department of Industrial Relations. dez. 2019.
Disponível em: https://www.dir.ca.gov/dlse/faq_minimumwage.htm. Acesso em: 20
ago. 2020.

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V I A D O S DI REI TOS
horas no sétimo dia consecutivo de trabalho.7
A Califórnia é o único estado dos Estados Unidos que prevê em
sua legislação o pagamento de horas extras com adicional de 100%. Em
outros estados norte-americanos, esse adicional aparece, por vezes,
em contratos de trabalho, como uma forma de incentivo ao trabalho
além do expediente, não havendo, contudo, obrigatoriedade por lei.
O artigo 1194 do Código de Trabalho da Califórnia dispõe que
um empregado deve receber todas as compensações de horas extras
às quais tem direito, independentemente da existência de qualquer
acordo ou renúncia às horas extras que lhe tenha sido imposta.
É importante pontuar que a maior e mais importante
categoria de empregados excepcionados do direito às horas extras é
composta por profissionais liberais, executivos e profissionais que
exercem atividades administrativas ou de gerenciamento, conhecidos
como “trabalhadores de colarinho branco”. Para ser incluído nessa
categoria, as principais funções do empregado devem ser executivas,
administrativas ou profissionais (isto geralmente significa que 50% ou
mais do seu tempo de trabalho deve ser dedicado a tais tarefas), bem
como o empregado deve ter autonomia para tomar decisões relativas
ao trabalho e deve ganhar um salário equivalente a pelo menos duas
vezes o salário mínimo estadual para trabalho em tempo integral (40
horas/semana).
Outros empregados excluídos do direito às horas extras são
os empregados da área de software de computador que são pagos por
hora; vendedores externos; empregados que possuem parentesco com
o empregador; motoristas cujas horas são regulamentadas pelo Código
de Regulamentação Federal do Departamento de Transporte dos EUA,
Título 49, Artigos 395.1 a 395.13, Horas de Serviço dos Motoristas;
motoristas cujas horas são regulamentadas pelo Título 13 do Código de
Regulamentos da Califórnia, subcapítulo 6.5, Artigo 1200 e seguintes;
empregados abrangidos por um acordo coletivo de trabalho válido,
que prevê expressamente os salários, horas de trabalho, condições
de trabalho e taxas salariais especiais para todas as horas extras
trabalhadas; motoristas de táxi; membros da tripulação de um barco

7 Overtime. State of California Department of Industrial Relations. Disponível em:


https://www.dir.ca.gov/dlse/FAQ_Overtime.htm. Acesso em: 20 ago. 2020.

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V IA DOS DIREITOS
de pesca comercial; atores profissionais e projecionista de cinema.8

2.1.3. Intervalo para repouso

O Código de Trabalho da Califórnia exige que os empregadores


autorizem e permitam que os empregados, não excepcionados pela
legislação, tenham um período de descanso remunerado de 10 minutos
para cada quatro horas trabalhadas ou “fração principal” delas - a
Division of Labor Standards Enforcement (DLSE) considera duas
horas ou mais como uma “fração principal” de quatro. No entanto, um
período de descanso não é necessário para funcionários cujo tempo
total de trabalho diário seja inferior a três horas e meia. Na medida
do possível, o período de descanso deve ser no meio do período de
trabalho.9
Conforme disposto no artigo 226.7 do Código de Trabalho da
Califórnia, o empregado não pode ser obrigado a trabalhar durante os
intervalos de descanso exigidos. No entanto, o empregado é livre para
pular seus intervalos de descanso, desde que reste comprovado que o
empregador não exigiu ou incentivou a continuidade do trabalho.
O período de descanso é contado como tempo de trabalho
e, portanto, o empregador deve pagar por tais períodos. Se um
empregador não autorizar ou permitir um período de descanso, o
empregador deverá pagar ao empregado uma hora de pagamento à
taxa normal de pagamento do empregado para cada dia de trabalho
em que o período de descanso não seja fornecido.

2.1.4. Intervalo de refeição

Na Califórnia é exigido que os empregadores forneçam aos


empregados um período de refeição não inferior a 30 minutos quando
eles trabalharem mais de cinco (05) horas consecutivas. A menos

8 Exemptions from the overtime laws. State of California Department of Industrial


Relations. Fev. 2019 Disponível em: https://www.dir.ca.gov/dlse/faq_overtimeexemp-
tions.htm. Acesso em: 20 ago. 2020.
9 Rest Periods/Lactation Accommodation. State of California Department of Industrial
Relations. Nov. 2017. Disponível em: https://www.dir.ca.gov/dlse/faq_restperiods.htm.
Acesso em: 24 ago. 2020.

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V I A D O S DI REI TOS
que o empregado seja dispensado de todas as funções durante todo o
período de refeição de 30 minutos e seja livre para deixar as instalações
do empregador, o período de refeição deve ser contado como horas
trabalhadas e pago de acordo com o salário normal do funcionário.10
A lei da Califórnia só permite que os empregadores forneçam
um período de refeição sem a possibilidade de se ausentar do trabalho
quando a natureza do trabalho impedir o empregado de ser dispensado
de todas as obrigações e quando, por acordo por escrito entre o
empregador e o funcionário, um período de refeição no trabalho for
acordado (artigo 512 do Código de Trabalho da Califórnia).
Se o empregado trabalha mais de 10 horas por dia, ele tem direito
a um segundo intervalo para refeição de pelo menos 30 minutos, que
deve começar antes do final da décima hora do seu turno. É possível
combinar com o empregador a dispensa do segundo intervalo para
refeição se o empregado não trabalhar mais de 12 horas e se não tiver
dispensado o primeiro intervalo para refeição.
O principal grupo de empregados excluídos do direito à
concessão de intervalos para repouso e refeição na Califórnia são,
novamente, os chamados “trabalhadores de colarinho branco”. Além
desse grupo, empregados de outros setores também são excepcionados,
como os empregados dos setores de construção civil, saúde, cinema,
panificação e outros.

2.2. Licenças e afastamentos do trabalho

2.2.1. California Family Rights Act (CFRA)

O California Family Rights Act (CFRA) foi estabelecido para


garantir que os empregados da Califórnia tivessem direito à licença
médica e familiar (artigos 12945.2, 12945.3 e 19702.3 do Código do
Governo da Califórnia). Essa lei se assemelha à Lei Federal de Licença
Médica e Familiar (FMLA), mas amplia os direitos previstos aos
empregados.
Essa lei garante proteção ao emprego, ou seja, ao retornar
10 Meal periods. State of California Department of Industrial Relations. 07 nov. 2012.
Disponível em: https://www.dir.ca.gov/dlse/FAQ_MealPeriods.htm. Acesso em: 24 ago.
2020.

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V IA DOS DIREITOS
de uma licença o empregado deve voltar para o mesmo posto de
trabalho ou para outro que seja substancialmente semelhante àquele
que ocupava antes de fazer uso da licença. O empregador não pode
despedir, ameaçar ou retaliar um funcionário por utilizar uma licença
médica ou familiar.11
O CFRA permite o uso da licença médica e familiar para
os casos de nascimento ou adoção de uma criança na família do
empregado e problema de saúde grave do empregado ou de seu filho,
pai ou cônjuge. Com ela, os empregados podem se ausentar por até 12
semanas de trabalho, não concomitantes, em um período de 12 meses.
A licença garantida por essa lei é geralmente uma licença não
remunerada, a menos que o empregado opte por usar ou o empregador
exija que ele use, concomitantemente, o benefício de licença médica
remunerada, licença familiar remunerada, auxílio por incapacidade
temporária ou outro período de licença remunerada acumulada.

2.2.2. Disability Insurance - auxílio por incapacidade


temporária

O State Disability Insurance (SDI) da Califórnia oferece


reposição parcial de salário para empregados que se encontram
incapazes de realizar seu trabalho regular ou habitual devido a uma
doença ou lesão não relacionada ao trabalho, incluindo condições
relacionadas à gravidez. O programa é financiado integralmente
por impostos retidos sobre o salário dos funcionários. O auxílio por
incapacidade temporária não garante proteção ao trabalho, para tanto
ele deve ser utilizado junto da licença médica e familiar garantida pelo
California Family Rights Act (CFRA).12

11 The Family and Medical Leave Act and the California Family Rights Act FAQs.
Employment Development Department State of California. Disponível em: https://
www.edd.ca.gov/Disability/faqs-fmla-cfra.htm. Acesso em: 30 ago. 2020.
12 About Disability Insurance. Employment Development Department State of
California. Disponível em: https://edd.ca.gov/Disability/About_DI.htm. Acesso em: 30
ago. 2020.

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V I A D O S DI REI TOS
2.2.3. Paid family leave - Licença familiar remunerada

O benefício da licença familiar remunerada garante reposição


parcial de salário aos empregados que se ausentarem para cuidar de
um membro da família gravemente doente ou para criar vínculo com
uma criança dentro um ano do nascimento ou da adoção. O empregado
pode receber cerca de 60 a 70 por cento (dependendo da renda) da
remuneração recebida nos últimos 5 a 18 meses antes da data de início
do seu pedido.13
Os empregados podem tirar até oito semanas de PFL em um
período de 12 meses e o tempo de trabalho em seu emprego atual
não afeta a elegibilidade. A Licença Familiar remunerada não oferece
proteção no emprego, para tanto é necessário utilizar de forma
concomitante o benefício oferecido pela California Family Rights Act
(CFRA).

2.2.4. Paid Sick Leave - Licença médica remunerada

A Licença Médica remunerada foi estabelecida na Califórnia


pelo Healthy Workplace Families Act de 2014 e prevê que qualquer
empregado que trabalhe na Califórnia por 30 ou mais dias dentro de
um ano, a partir do início do emprego, tem direito à licença médica
remunerada. 14 Essa licença pode ser usada pelo empregado para
cuidar ou acompanhar o tratamento de uma condição de saúde
própria ou de um familiar, bem como em casos de violência doméstica,
agressão sexual ou perseguição.
Os empregados, inclusive os de meio período e temporários,
recebem pelo menos uma hora de licença remunerada para cada
30 horas trabalhadas. A acumulação das horas começa a partir do
primeiro dia de trabalho e o empregado pode fazer uso delas após o
90º dia de trabalho. O empregador pode limitar a quantidade de horas/
dias de licença médica remunerada que o empregado pode usar em
um ano a 24 horas ou três dias. A licença que não for gasta pode ser
13 California Paid Family Leave. Employment Development Department State of Cal-
ifornia. Disponível em: https://www.edd.ca.gov/disability/about_pfl.htm#:~:text=Cali-
fornia%20Paid%20Family%20Leave%20(PFL,a%20new%20child%20entering%20the.
Acesso em: 30 ago. 2020.

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V IA DOS DIREITOS
transferida para o próximo ano, podendo ser limitada a 48 horas ou
seis dias.14
Existem empregados excluídos do benefício, dentre os quais
pode-se citar os empregados abrangidos por acordos coletivos válidos,
prestadores de serviços de apoio domiciliares e alguns funcionários
de transportadoras aéreas.

2.3. Saúde e segurança no trabalho

2.3.1. Health Care Continuation - Cal/COBRA

A legislação federal Consolidated Omnibus Budget Reconciliation


Act (COBRA) aplica-se a empregadores com 20 ou mais empregados e
dá aos empregados e seus dependentes o direito de continuar com o
seu plano de saúde empresarial, por um período limitado de tempo,
em alguns casos específicos, como perda voluntária ou involuntária do
emprego, redução nas horas trabalhadas, transição entre empregos,
morte, divórcio e outros.
A lei californiana, por sua vez, a California Continuation Benefits
Replacement Act (Cal-COBRA), aplica-se a pequenos empregadores
com dois a 19 funcionários que, portanto, não são cobertos pelo
COBRA federal devido à exceção para empregadores com menos de
20 funcionários (Código Cal Ins Sec. 10128.51). O Cal-COBRA também
exige que os planos de saúde empresariais ofereçam aos empregados
segurados a cobertura de continuação do COBRA federal por até 36
meses.15
O Cal-COBRA se aplica a planos de saúde patrocinados pelo
empregador, incluindo planos oftalmológicos e odontológicos. A
continuidade deve ser oferecida quando um beneficiário qualificado
perde a cobertura devido a morte do empregado coberto; término
do contrato de trabalho ou redução das horas do empregado coberto

14 California Paid Sick Leave: Frequently Asked Questions. State of California


Department of Industrial Relations. out. 2017. Disponível em: https://www.dir.ca.gov/
dlse/paid_sick_leave.htm. Acesso em: 30 ago. 2020.
15 Continuation Coverage. California Department of Insurance. Disponível em:
http://www.insurance.ca.gov/01-consumers/110-health/40-lost/continuation-cov.cfm.
Acesso em: 30 ago. 2020.

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V I A D O S DI REI TOS
(exceto no caso de rescisão por falta grave); divórcio ou separação
judicial do empregado coberto; e perda da condição de dependente
inscrito no plano.

2.3.2. Segurança e Saúde Ocupacional - Cal/OSHA

De acordo com a Lei de Segurança e Saúde Ocupacional da


Califórnia (Cal/OSHA), todos os empregadores da Califórnia devem
desenvolver e implementar um programa eficaz de prevenção de
lesões e doenças que inclua treinamento e instrução sobre práticas
de trabalho seguras e um sistema eficaz para se comunicar com os
funcionários (Artigo 3203 do Código de Regulamentos da Califórnia
T8CCR).16

2.4. Rescisão do contrato de trabalho

2.4.1. Cal-WARN Act

O WARN Act da Califórnia define uma dispensa coletiva como


a dispensa de 50 ou mais empregados em um período de 30 dias. Além
dos empregados atingidos por uma dispensa coletiva, essa lei também
cobre os empregados que sofrem uma dispensa devido ao fechamento
da empresa, suspensão das atividades ou transferência da sede da
empresa para um local a mais de 100 quilômetros de distância.17
As dispensas coletivas na Califórnia são regulamentadas pelos
artigos 1400-1408 do Código de Trabalho da Califórnia. Em regra, um
empregador não pode determinar uma dispensa coletiva a menos
que, 60 dias antes da ordem entrar em vigor, notifique por escrito os
empregados e o Departamento de Desenvolvimento de Emprego (artigo
1401 (a) - (c) do Código de Trabalho da Califórnia). A notificação/aviso
prévio visa fornecer aos empregados e suas famílias tempo para fazer

16 BAKER, Christine; SUM, Juliann. Health & Safety Rights: Facts for California
Workers. Department of Industrial Relations. jun. 2015. Disponível em: https://www.
dir.ca.gov/dosh/documents/health-and-safety-rights-for-workers.pdf. Acesso em: 01
set. 2020.
17 Cal-WARN Act. State of California Department of Industrial Relations. Disponível
em: https://www.dir.ca.gov/dlse/Cal-WARNAct.html. Acesso em: 01 set. 2020.

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V IA DOS DIREITOS
a transição e se ajustar à perda de emprego em perspectiva, procurar
outro emprego e, se necessário, tempo para obter treinamento ou
reciclagem.
Será exigido do empregador que deixar de notificar os
empregados atingidos por uma dispensa coletiva, no prazo estabelecido
em lei, o pagamento da remuneração e de todos os benefícios que os
empregados teriam direito até um máximo de 60 dias ou metade do
número de dias que o empregado trabalhou para o empregador, o que
for menor (artigo 1402 (a) - (c) do Código de Trabalho da Califórnia).18
Esses requisitos se aplicam apenas aos empregadores da
Califórnia que empregaram pelo menos setenta e cinco funcionários
nos últimos doze meses. Empregados em regime de tempo parcial
ou temporários também são protegidos pelo WARN Act, desde que
tenham trabalhado na empresa por, ao menos, seis meses antes da
dispensa coletiva ocorrer.

2.4.2. Rescisão contratual

De acordo com a artigo 2922 do Código de Trabalho da


Califórnia, presume-se que todos os empregos no estado sejam
passíveis de dispensa sem justa causa, a menos que as partes tenham
feito algum acordo expresso, oral ou escrito, especificando a duração
do emprego ou os motivos da rescisão. Entretanto, ainda que os
empregadores possam realizar dispensas sem justa causa, eles estão
proibidos de demitir empregados por motivos ilegais.19
Exemplos de motivos ilegais incluem:20

• Assédio ou discriminação em razão da religião,


raça, cor, etnia, nacionalidade, deficiência,
condição médica, idade, sexo ou orientação sexual
18 Worker Adjustment and Retraining Notification (WARN) Information for Employers.
Employment Development Department State of California. Disponível em: https://
edd.ca.gov/Jobs_and_Training/Layoff_Services_WARN.htm. Acesso em 01 set. 2020.
19 Employment Contracts. Employment Development Department State of California.
Disponível em: https://www.edd.ca.gov/UIBDG/Preface_PR_15.htm. Acesso em 01 set.
2020.
20 Wrongful Termination Law in California. Work Lawyers. Disponível em: https://
www.worklawyers.com/wrongful-termination-law-california/. Acesso em: 01 set. 2020.

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do empregado (California Fair Employment &
Housing Act; Título VII da Lei dos Direitos Civis de
1964);
• Retaliação em razão do empregado ter denunciado
uma conduta ilegal ou imprópria do empregador
(Artigo 1102.5 do Código de Trabalho da Califórnia;
Artigo 1278.5 do Código de Saúde e Segurança da
Califórnia);
• Retaliação em razão do empregado ter tirado
licença médica ou familiar (California Family
Rights Act; U.S. Family Medical Leave Act);
• Retaliação em razão do empregado ter solicitado
indenização trabalhista por acidente de trabalho
(Artigo 132a do Código de Trabalho da Califórnia);
• Retaliação em razão do empregado participar de
atividades e/ou investigações sindicais (National
Labor Relations Act);
• Retaliação em razão do empregado ter participado
de uma investigação por discriminação ou assédio
(California Fair Employment & Housing Act; Título
VII da Lei dos Direitos Civis de 1964).

Além disso, os tribunais da Califórnia reconhecem uma


exceção à regra geral de dispensa imotivada para as situações em que
existiria um acordo implícito entre o empregador e o empregado de
que o contrato de trabalho apenas se findaria por justa causa ou que
duraria um período determinado de tempo (Foley v. Interactive Data
Corp. (1988)).

2.5. Reembolso de despesas

O artigo 2802 do Código do Trabalho da Califórnia declara que


o empregador deve indenizar seu empregado por todas as despesas
relacionadas ao cumprimento do trabalho.21

21 California Law Addresses Employee Business Expense Reimbursement. Straggas


law group. abr. 2010. Disponível em: https://straggaslaw.com/california-law-addresses-

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 33


V IA DOS DIREITOS
Uma das despesas mais comuns dos empregados está
relacionada ao transporte e viagens, como o reembolso de
quilometragem. Em dezembro de 2018, o Internal Revenue Service
emitiu as taxas de quilometragem padrão opcionais de 2019. Essas
taxas calculam os custos de se operar um automóvel para fins
comerciais e profissionais. A partir de 1º de janeiro de 2019, as taxas de
quilometragem padrão para o uso de um carro (também vans, picapes
ou furgões) são as seguintes:

• 58 centavos por 1,61 Km (1 milha) dirigida para uso


comercial;
• 20 centavos por 1,61 Km (1 milha) dirigida para fins
médicos ou de mudança;
• 14 centavos por 1,6 Km (1 milha) dirigida a serviço
de organizações de caridade.

O uso obrigatório do telefone celular também se tornou mais


comum. A fim de minimizar os prejuízos suportados pelo trabalhador
em decorrência desta prática indiscriminada, um tribunal de apelação
da Califórnia decidiu que um empregador deve reembolsar um
funcionário se ele for obrigado a usar um telefone celular pessoal para
fazer ligações relacionadas ao trabalho.

3. O sistema de proteção social destinado aos trabalhadores


enquadrados na AB-5

O sistema de proteção social norte-americano foi instituído


por meio do Social Security Act, de 1935. Promulgada por Franklin D.
Roosevelt, presidente dos EUA à época, a legislação, paradoxalmente,
fazia parte do programa do New Deal, um conjunto de medidas liberais
norteadas pelo discurso de desregulamentação, implementadas com
o intuito de reerguer a economia norte-americana, minimizando os
efeitos da Grande Depressão.
Dispondo de uma redação abrangente e minuciosa e contando
com mais de mil artigos, o Social Security Act, conforme consta em seu
preâmbulo, consiste em
employee-business-expense-reimbursement/. Acesso em: 01 set. 2020.

34 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
“Uma lei para prover o bem-estar geral,
estabelecendo um sistema de benefícios federais
para idosos e permitindo que os vários Estados
façam provisões mais adequadas para pessoas
idosas, cegos, crianças dependentes e deficientes,
bem-estar materno-infantil, saúde pública e a
administração de suas leis de seguro-desemprego;
estabelecer um Conselho de Previdência Social;
para aumentar a receita; e para outros fins”. 22

Reforçando o presente objetivo de desmistificar os discursos


que associam o desenvolvimento econômico dos EUA à ausência de
proteção social, tachando, inclusive, o arcabouço legislativo brasileiro
de hiper protetivo em relação ao norte-americano, cabe destacar que,
conforme o Índice Global de Sistemas Previdenciários da Mercer
Melbourne, 2019, o sistema previdenciário americano ocupa a 17º
posição entre os 30 melhores sistemas previdenciários do mundo,
estando significativamente à frente do Brasil, que se encontra na 23ª
posição.23
O programa de seguridade social norte-americano é financiado
por meio do Federal Insurance Contributions Act (FICA). O FICA
consiste em um imposto federal incidente sobre a folha de pagamento,
cobrado diretamente dos empregadores pelos estados, sendo que
tanto empregadores quanto empregados contribuem igualmente, com
alíquotas idênticas de 6,2%. Além dessa alíquota de 6,2%, empregador
e empregados também contribuem com alíquota de 1,45%, destinada
especificamente ao custeio do Medicare - sistema de seguros de saúde
gerido pelo governo dos Estados Unidos da América e destinado às
pessoas de idade igual ou maior que 65 anos ou que verifiquem certos
critérios de baixo rendimento.
O quadro ilustrativo abaixo sintetiza o sistema de taxação
incidente sobre a relação de emprego para fins de custeio da seguridade

22 Lei da Previdência Social de 1935. Disponível em: https://www.ssa.gov/history/35act.


html#PREAMBLE
23 Índice global de sistemas previdenciários revela forte correlação entre dívida
familiar e ativos previdenciários; out/2019. Disponível em: https://www.mercer.com.
br/newsroom/mmgpi-2019.html

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 35


V IA DOS DIREITOS
social, cujos principais benefícios consistem, além da aposentadoria e
do Medicare, em benefícios familiares, benefícios decorrentes de
invalidez e pensões.

3.1. Principais benefícios sociais previstos pela Social


Security Act que se correlacionam diretamente com o vínculo
de emprego

3.1.1. Aposentadoria

As regras de aposentadoria nos EUA, à semelhança do que


ocorre no Brasil, exigem tempo de contribuição e idade mínima para
que o trabalhador possa receber o benefício, havendo, contudo, em se
tratando de aposentadoria por invalidez, a dispensa destes requisitos.
A aposentadoria por idade exige, via de regra, a idade mínima
de 67 anos, tanto para homens quanto para mulheres, podendo ser
antecipada para os 62 anos mediante um desconto proporcional no
valor do benefício. Para ter direito a se aposentar é necessário, ainda,
ter contribuído para o sistema de seguridade social federal por, no
mínimo, 10 anos.24
O valor máximo do benefício de aposentadoria depende da
idade em que o trabalhador faz o requerimento de aposentadoria. Em

24 Lei da Previdência Social de 1935. Disponível em: https://www.ssa.gov/history/35act.


html#PREAMBLE

36 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
2020, os valores máximos mensais correspondem a25:

• 3.790,00 dólares, se o trabalhador se aposentar com


70 anos
• 3.011,00 dólares, se o trabalhador se aposentar com
67 anos
• 2.265,00 dólares se o trabalhador se aposentar com
62 anos

Interessante ressaltar que o sistema de seguridade social norte-


americano não permite ao trabalhador estrangeiro contribuir sem, de
fato, trabalhar legalmente no país – o que é possível no Brasil, por
meio da categoria do “contribuinte facultativo”. Assim, o trabalhador
estrangeiro que desejar contribuir para a seguridade social precisará,
como pressuposto básico, ser portador de um social security number
(SSN), documento obrigatório para se ter um vínculo de trabalho,
participar de programas sociais e, posteriormente, usufruir do
benefício da aposentadoria.
Destaca-se, por fim, que paralelo ao sistema instituído pela
Social Security Act, há a Lei de Segurança da Renda de Aposentadoria
do Empregado (Employee Retirement Income Security Act - ERISA),
de 1974, que se aplica a empregadores privados que oferecem
cobertura de seguro de saúde patrocinada pelo empregador e outros
planos de benefícios extralegais aos seus empregados. Importante
deixar claro que a ERISA não exige que os empregadores ofereçam
seguros de saúde ou planos de aposentadoria complementar aos seus
empregados, limitando-se apenas a estabelecer padrões mínimos para
certos tipos de benefícios que um empregador, deliberadamente, opta
por oferecer aos seus funcionários.

3.1.2. Seguro-desemprego

O benefício do seguro-desemprego encontra-se previsto


e regulamentado pela Social Security Act, de 1935, bem como pela
legislação estadual californiana denominada de Unemployment
25 Entenda como funciona a aposentadoria de brasileiros nos EUA. Disponível em:
https://www.jornalcontabil.com.br/aposentadoria-de-brasileiros-que-moram-nos-
eua/

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 37


V IA DOS DIREITOS
Insurance Code (UIC).
Conforme as disposições legais, o seguro-desemprego pode ser
pago por até 26 semanas – período superior ao que vigora no Brasil
–, sendo possível o pagamento de semanas adicionais de subsídio em
épocas de taxas de desemprego elevadas.
No atual contexto de pandemia da COVID-19, foi sancionada
pelo então Presidente Donald Trump, o Cares Act, de 27 de março de
2020, que instituiu, dentre outras garantias, as seguintes medidas
de melhoramento do seguro-desemprego, durante o contexto de
emergência pandêmica:

• Fornecimento de um adicional de US$ 600/semana


para aqueles que recebem auxílio-desemprego
• Disponibilização dos benefícios de desemprego
estarão disponíveis para qualquer pessoa que
esteja em quarentena, cuidando de um familiar
diagnosticado com COVID-19, ou desempregado
por razões relacionadas ao surto.
• Possibilidade de extensão do benefício por 13
semanas adicionais.

No âmbito do Cares Act (2020), destaca-se, ainda, a criação do


“Auxílio Desemprego Pandêmico”, que tornou elegíveis para receber o
benefício os trabalhadores autônomos e contratados independentes.
Os benefícios de seguro-desemprego da Califórnia, conforme
informações fornecidas pela Federação do Trabalho da Califórnia,
variam de US $ 40 a US $ 450 por semana, sendo o cômputo do valor do
benefício de cada trabalhador baseado em seus ganhos anteriores. A
título de exemplo, um trabalhador californiano que ganha $ 1000 por
semana, provavelmente, coletaria $ 450 em benefícios semanais de
seguro desemprego, o que implica em uma taxa de reposição salarial
de 45% para esse indivíduo.26
Notícia recentemente veiculada pela CNBC mostrou que vários

26 Seguro-desemprego: subfinanciado e subvalorizado. Disponível em: https://cala-


borfed.org/californias_unemployment_insurance_system_underfunded_and_under-
valued/#:~:text=California’s%20current%20benefits%20range%20from,receiving%20
state%20or%20federal%20benefits.

38 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
motoristas e outros “gig workers” na Califórnia, ao se candidatarem
ao seguro-desemprego, receberam declarações dizendo que tinham
direito a $0 em benefícios. Em muitos destes casos, explicou o
Employement Development Department (EDD) que a negativa indevida
decorreu do fato de o trabalhador ter sido erroneamente classificado
pelo seu empregador como um “contratante independente” em vez de
um empregado, nos termos então previstos pela AB-5.27

4. Considerações finais

Conforme visto no decorrer deste estudo, a Assembly Bill 5


(2019) estendeu a condição de empregado a uma considerável gama
de trabalhadores antes classificados como autônomos, garantindo-
lhes o acesso a direitos trabalhistas e sociais previstos pelo complexo
legislativo federal e estadual vigentes.
Discorrendo sobre os principais direitos trabalhistas previstos
pela AB-5, buscou-se demonstrar que, ao contrário do que é difundido
pela mídia brasileira dominante, pautada no senso comum, o direito
trabalhista norte-americano positivado não só existe como institui,
por meio de legislações extensas e detalhadas, um sistema protetivo
amplo e incisivo à classe trabalhadora que abarca desde direitos
básicos como o salário mínimo até a regulamentação do reembolso de
despesas decorrentes do trabalho.
Do mesmo modo, demonstrou-se, ainda, que o sistema de
seguridade social norte-americano, ocupando a 17ª posição no
ranking mundial dos 30 melhores sistemas previdenciários do
mundo, garante aos trabalhadores enquadrados como empregados
pela AB-5 benefícios de aposentadoria e de seguro-desemprego, que
se encontram regulamentados, a nível federal, pela Social Security Act,
de 1935, e, a nível estadual, pelo Unemployment Insurance Code (UIC).
Nesse sentido, a partir de todas as informações expostas e
ponderações traçadas, considera-se que a promulgação da AB- 5
representou, sem dúvida, um marco histórico, a nível mundial, na
luta por direitos trabalhistas. Em um momento no qual a tendência
27 Some gig workers are getting $0 in unemployment benefits. Abr/2020. Disponível
em: https://www.cnbc.com/2020/04/24/some-gig-workers-are-getting-0-in-unemploy-
ment-benefits.html

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 39


V IA DOS DIREITOS
de flexibilização impera, com fundamento, sobretudo, no discurso
neoliberal de que direitos trabalhistas atravancam o desenvolvimento
econômico, a aprovação de uma legislação protetiva na Califórnia,
que se encontra dentre as maiores economias do mundo, aponta em
sentido totalmente contrário, servindo como importante alerta para
governos que insistem em desmantelar o arcabouço de proteção social
arduamente conquistado pela classe trabalhadora.

5. Referências

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Material traduzido pela Profa. Dra. Adriana Goulart de Sena Orsini
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- Temas de Direito do Trabalho Comparado - 1º sem/2020 - “Assembly
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T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 41


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42 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Exceções de enquadramento de trabalhadores na Assembly
Bill nº 5

Dorinethe dos Santos Bentes28


Thiago Fernandes Morais29
Igo Zany Nunes Correa 30

1. Introdução

Para analisar o contexto da elaboração da Lei Assembly Bill


n.5 do estado da Califórnia, veremos dados de um dos estados mais
populosos dos Estados Unidos da América. De acordo com o último
censo, publicado em 2010 pelo Departamento de censo dos Estados
Unidos, a população da Califórnia era de 37.253.956 habitantes. O
censo de 2020 ainda não foi publicado, mas a estimativa é de que a
população poderá chegar aos 40 milhões em 2020, considerando que
em 2019 já era de 39.512.223 habitantes31.
O censo nos Estados Unidos, assim como no Brasil, é feito a
cada 10 anos, e busca conhecer de forma mais detalhada a população,
as atividades econômicas, dados de habitação, e outros temas, de
acordo com as informações do Census Bureau de 2013-2017. Um dos
objetivos do censo é produzir informações confiáveis em questões
econômicas e sociais para que as empresas, a sociedade, e o Estado
tracem caminhos adequados para ampliar a produção econômica
e melhorar as condições de vida da população, uma vez que essas
informações apresentam uma verdadeira radiografia dos problemas

28 Doutoranda em Direito e Justiça pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.


Mestra em História pela UFAM. Professora da Faculdade de Direito-UFAM. E-mail:
dorinethebentes@gmail.com.
29 Mestrando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Minas Gerais, na linha Direito Internacional, Direito Comparado, Estudos Culturais
e Jusfilosóficos.
30 Mestrando em Constitucionalismo e Direitos na Amazônia pelo Programa de Pós-
graduação em Direito da UFAM. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do
Trabalho. Juiz do Trabalho do TRT da 11ª Região AM/RR. Professor Universitário da
Faculdade Estácio do Amazonas. zanyigo@gmail.com.
31 U.S. UNITED. ESTATES CENSUS BUREAU, 2019. Disponível em https://www.census.
gov/quickfacts/fact/table/US/PST045219. Acesso em 20/09/2020.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 43


V IA DOS DIREITOS
por ela enfrentados32.
A Califórnia se tornou um dos estados mais ricos dos Estados
Unidos, e se ela fosse um estado independente seria a 5ª economia
do mundo, tendo o Estados Unidos da América em primeiro, seguido
de China, Japão, Alemanha e Califórnia. Entretanto, a crise de 2008
a levou para 11ª posição, mas a economia vem se recuperando, e em
2020 já está novamente na 5ª posição, a mesma posição que ocupava
entre os anos de 2002-200833.
Para o diretor do Centro para Estudo Continuado da Economia
da Califórnia, o grande motivo do sucesso da economia californiana,
que fez com que ela voltasse rapidamente ao patamar que estava antes
da crise imobiliária de 2008, é sua pluralidade de atuação nos campos
da economia. É uma economia tão diversificada, que todos seus ramos
têm apresentado bons resultados, seja o comércio, a hotelaria, o setor
imobiliário, a indústria de entretenimento, e de tecnologia. A única
exceção é o agronegócio34
O economista Lee E. Ohanian35 afirma que outro fato que deve
ser levado em consideração é a alta produção de seus trabalhadores.
Essa afirmação parece ser bastante contraditória, pois, considerando
a alta concentração de renda na Califórnia, aparentemente a alta
produção dos trabalhadores não tem trazido os retornos esperados
para esses trabalhadores.
De acordo com as informações do censo de 2019, a maioria dos
moradores da Califórnia tem problema de acesso a moradias dignas,
e um a cada cinco californianos vive na pobreza quase absoluta, sem

32 U.S. Census Bureau. Strategic Plan FY 2013 – 2017. Disponível em: https://
www.census.gov/content/dam/Census/about/about-thebureau/PlansAndBudget/
strategicplan.pdf. Acesso em: 20/09/2020.
33 BBC LONDRES. Como a Califórnia foi da beira da falência a 5ª economia do mundo.
Disponível em Como a Califórnia foi da beira da falência a 5ª economia do mundo, 03
de junho. Disponível em: de 2018. Acesso em 06/10/2020.
34 BBC NEWS. Mundo em Los Angeles. Como a Califórnia foi da beira da falência
a 5ª economia do mundo. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/
bbc/2018/06/03/como-a-california-foi-da-beira-da-falencia-a-5-economia-do-mundo.
htm. Acesso em 20/09/2020
35 Lee E. Ohanian. Bad Investments and Missed Opportunities? Postwar Capital Flows
to Asia and Latin America. UCLA, NBER, and Hoover Institution, Stanford University
Paulina Restrepo-Echavarria Federal Reserve Bank of St. Louis Mark L. J. Wright
Federal Reserve Bank of Minneapolis and NBER Staff Report 563. May 2018.

44 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
moradia, sem acesso a saúde, educação, o que ficou mais evidente
na pandemia. Isso significa que 20,4% dos californianos vivem na
miséria, um índice muito alto para a média nacional americana, que
é de 14,7%36.
A crise imobiliária de 2008 fez com que muitas pessoas
perdessem suas casas por não conseguir pagar as hipotecas e os
aluguéis, o que gerou para a Califórnia mais de 140 mil sem tetos. É
neste contexto de pungência econômica e crise social que surge a
Lei Assembly Bill n.5, buscando dar uma resposta para a grave crise
social gerada pela alta concentração de renda, que gera desigualdade
e segregação37.
O texto foi estruturado em duas seções, a primeira versa sobre
análise específica da Lei Assembly Bill n. 5 e debate as exceções de
enquadramento dos trabalhadores. A segunda apresenta o embate no
judiciário californiano sobre a aplicação da Lei Assembly Bill n. 5.

2. Análise específica da lei Assembly Bill n. 5 e debate das


exceções de enquadramento dos trabalhadores

Essa seção examinará especificamente as exceções de


enquadramento dos trabalhadores na AB-5. Veremos as categorias
para as quais a legislação determinou não poder aplicar o texto AB-5,
e àquelas que terão uma aplicação posterior.
De acordo com a Lei Assembly Bill n. 5 toda pessoa que
forneça trabalho ou serviços mediante remuneração será considerada
empregado, e não contratado independente, a menos que a entidade
contratante demonstre que todas as condições exigidas pela Lei foram
preenchidas, e ele realmente não se enquadra como empregado. Essas
ponderações iniciais da lei são importantes, pois indicam a sua lógica
protetiva, presumindo de antemão que todos são empregados.
Com vigência a partir de 1 de janeiro de 2020, a California
Assembly Bill 5 (AB 5) expandiu os efeitos do precedente paradigmático
criado pela Suprema Corte Californiana Dynamex Operations West
36 U.S. UNITED. ESTATES CENSUS BUREAU, 2019. Disponível em https://www.census.
gov/quickfacts/fact/table/US/PST045219. Acesso em 20/09/2020
37 BBC BRASIL. Como a Califórnia foi da beira da falência a 5ª economia do mundo.
Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-44293330. 06/10/2020

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 45


V IA DOS DIREITOS
vs. Superior Court and Charles Lee, no qual um grupo de motoristas
categorizados como trabalhadores independentes levantam
questões jurídicas acerca do enquadramento jurídico de autônomos
denominados de contratados independentes (independent contractors),
criando presunção, naquele Estado, de vínculo empregatício e proteção
trabalhista, com base no teste ABC, estabelecido para diferenciação
com base em silogismo conjuntivo de atuação empresarial e inserção
do trabalhador nos fins empresariais38.
O caso se baseou justamente na criação de proteção a
trabalhadores, reconhecendo-os como empregados, inclusive aqueles
que nominalmente recebam o título de independentes, havendo a
necessidade de demonstração pela empresa que se utiliza dos serviços
que o obreiro está livre do controle, direção e ordens intrínsecas ao
negócio principal, com o desiderato de garantir que a autonomia
de fato existe, e não está sendo utilizada para mascarar ou fraudar
relações protegidas por normas trabalhistas, que garantem salários e
benefícios como seguro-desemprego e afins39.
Ao contrário da interpretação dos requisitos previstos na CLT,
que trazem a conjunção de requisitos (arts. 2º e 3º, CLT) nos quais a
ausência de um deles afasta a configuração do contrato empregatício,
o teste ABC positivado pela AB-5 acaba por enrijecer as bases de
reconhecimento da proteção trabalhista, até então regidas pelo Teste
Borello40, que tinha como base a análise preponderante de critérios de
“direito de controle” do prestador de serviço sobre a forma e os meios
de execução do resultado.

38 USA. Case Dynamex Operations West vs. Superior Court, Inc and Charles
Lee. Supreme Court of California, Los Angeles: Los Angeles County. Petitioner,
S222732 v. Ct. App. 2/7 B249546. 30 de abril de 2018. Disponível em: https://scocal.
stanford.edu/opinion/dynamex-operations-west-inc-v-superior-court-34584. Acesso
em: 22 out. 2020.
39 USA. California Assembly Bill 5. An act to amend Section 3351 of, and to add Section
2750.3 to, the Labor Code, and to amend Sections 606.5 and 621 of the Unemployment
Insurance Code, relating to employment, and making an appropriation therefor;
18 de setembro de 2019. Disponível em: https://leginfo.legislature.ca.gov/faces/
billTextClient.xhtml?bill_id=201920200AB5 . Acesso em: 22 out. 2020.
40 USA. Case S. G. Borello & Sons, Inc. v. Department of Industrial Relations. Supreme
Court of California, Los Angeles: Los Angeles County. (1989  48 Cal.3d 341). 23 de
março de 1989. Disponível em: < https://scocal.stanford.edu/opinion/s-g-borello-sons-
inc-v-department-industrial-relations-30880>. Acesso em: 14 out. 2020.

46 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
No teste trazido pelo Dynamex Case o enquadramento não
necessitava de uma soma de fatores, mas se colocava como presuntivo
o vínculo de emprego, somente rebatido quando o trabalhador
independente preenchia conjuntamente os requisitos: a) pessoa
livre de controle e de direção da entidade contratante em relação
à execução da obra; b) ausência de inserção nas atividades fins
empresariais e c) envolvimento habitual no comércio, ocupação ou
negócio independente estabelecido no mesmo negócio firmado com
o trabalho executado41.
A legislação que causou impactos na desigualdade entre
trabalhadores, sobretudo nas atividades de transporte de passageiros
por meio da plataforma de mobilidade urbana Uber, acabou por
gerar diversos debates sobre sua constitucionalidade. Ocasionou
também o envio de e-mail a mais de 150 mil motoristas sobre a
implementação de novas medidas na execução dos serviços, com fito
de demonstrar a liberdade de controle dos motoristas, que poderiam
aceitar previamente os valores de viagens, bem como rejeitá-las, sem
aplicação de penalidades42.
Todavia, em 5 de maio de 2020, o Estado da California ajuizou
ação contra a Uber e a Lift, ambas plataformas de transporte de
passageiros, com base na aplicação da AB-5, que era contestada
expressamente por elas quanto à sua constitucionalidade. Segundo o
Estado, as empresas estariam descumprindo a legislação, mantendo
trabalhadores como independentes quando fariam jus a proteção das
normas trabalhistas e de seguro-desemprego, contra a precarização e
a desigualdade de renda, que é a atual realidade californiana.43
A norma de enquadramento de trabalhadores autônomos não
se confunde com o caso Dynamex, que limitou a aplicação do teste ABC
a reivindicações salariais, pois adentrou na análise de aplicação dos
41 USA, 2020, op. cit.
42 WIN, Suzin, “The Bill That Disrupted the Gig Economy: AB-5 and Uber’s
Troubling Response” (2020). GGU Law Review Blog . 71. Disponível em:
https://digitalcommons.law.ggu.edu/ggu_law_review_blog/71 Acesso em: 25 out. 2020.
43 MIN, Chang Wook. Rising Income Inequality and the Future of Work in Digital
Platforms: Uber and California Assembly Bill 5. Berkeley Public Policy Journal.
Goldman School of Public Policy (UR Berkeley). July 2, 2020. Disponível em: < https://
bppj.berkeley.edu/2020/07/02/rising-income-inequality-and-the-future-of-work-in-
digital-platforms-uber-and-california-assembly-bill-5>. Acesso em: 26 out. 2020.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 47


V IA DOS DIREITOS
testes jurisprudenciais a casos de rescisão indevida e reembolso de
despesas.
Ademais, para além do Caso Dynamex, a AB-5 estabelece
diversas ocupações que são excluídas de aplicação normativa, não
desmerecendo ou desprestigiando os trabalhadores com vínculos não
presumíveis, mas sim privilegiando e reconhecendo profissionais que
são comumente liberais ou autônomos pela natureza da prestação de
serviço ou obra, como médicos, cirurgiões, advogados, arquitetos,
engenheiros, investigadores particulares, contadores, corretores
de valores mobiliários, consultores de investimentos e pescadores
comerciais44.
Conforme outrora mencionado, as alegações de
inconstitucionalidades manejadas pela Uber estão justamente ligadas
ao princípio da igualdade, que ao mesmo tempo em que inclui
categorias como motoristas e entregadores presumidamente como
empregados, cria isenções de aplicação da lei para trabalhadores
em situações substancialmente idênticas ao negócio de economia
colaborativa45
Dispõe a AB-5 na Seção 246:

(b)  Subdivision (a) and the holding in Dynamex


Operations West, Inc. v. Superior Court of Los
Angeles (2018) 4 Cal.5th 903 (Dynamex), do not
apply to the following occupations as defined in the
paragraphs below, and instead, the determination
44 KUN, Michael S.; SULLIVAN, Kevin. AB 5, Dynamex and Borello: What Standard
Governs Independent Contractor Status In California?. Wage and Hour Defense Blog:
Insight and Commentary on Wage and Hour Law Developments Affecting Employers.
30 de março de 2020. Disponível em: https://www.wagehourblog.com/2020/03/
articles/california-wage-hour-law/ab-5-dynamex-and-borello-what-standard-governs-
independent-contractor-status-in-california/ . Acesso em: 23 out. 2020.
45 Uber y Postmates afirman que el proyecto de ley AB-5 es inconstitucional en
una nueva demanda. 31 diciembre, 2019. Heaven 32. Disponível em: < https://www.
heaven32.com/tecnologia/uber-y-postmates-afirman-que-el-proyecto-de-ley-ab-5-es-
inconstitucional-en-una-nueva-demanda/>. Acesso em 27 out. 2020.
46 USA. California Assembly Bill 5. An act to amend Section 3351 of, and to add Section
2750.3 to, the Labor Code, and to amend Sections 606.5 and 621 of the Unemployment
Insurance Code, relating to employment, and making an appropriation therefor;
18 de setembro de 2019. Disponível em: https://leginfo.legislature.ca.gov/faces/
billTextClient.xhtml?bill_id=201920200AB5 . Acesso em: 22 out. 2020.

48 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
of employee or independent contractor status for
individuals in those occupations shall be governed
by Borello.
(1)  A person or organization who is licensed by
the Department of Insurance pursuant to Chapter
5 (commencing with Section 1621), Chapter 6
(commencing with Section 1760), or Chapter
8 (commencing with Section 1831) of Part 2 of
Division 1 of the Insurance Code.
(2)  A physician and surgeon, dentist, podiatrist,
psychologist, or veterinarian licensed by the State
of California pursuant to Division 2 (commencing
with Section 500) of the Business and Professions
Code, performing professional or medical services
provided to or by a health care entity, including
an entity organized as a sole proprietorship,
partnership, or professional corporation as defined
in Section 13401 of the Corporations Code. Nothing
in this subdivision shall apply to the employment
settings currently or potentially governed by
collective bargaining agreements for the licensees
identified in this paragraph.
(3) An individual who holds an active license from
the State of California and is practicing one of the
following recognized professions: lawyer, architect,
engineer, private investigator, or accountant.
(4)  A securities broker-dealer or investment
adviser or their agents and representatives that
are registered with the Securities and Exchange
Commission or the Financial Industry Regulatory
Authority or licensed by the State of California
under Chapter 2 (commencing with Section 25210)
or Chapter 3 (commencing with Section 25230) of
Division 1 of Part 3 of Title 4 of the Corporations
Code.
(5) A direct sales salesperson as described in Section

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 49


V IA DOS DIREITOS
650 of the Unemployment Insurance Code, so long
as the conditions for exclusion from employment
under that section are met.
(6)  A commercial fisherman working on an
American vessel as defined in subparagraph (A)
below.47

Importante registrar que, para tais casos, a legislação americana


manteve a possibilidade de configuração do vínculo de emprego
através do uso do teste Borello, ou seja, balizando a subordinação
jurídica como critério de resistência para manutenção da qualidade de
autônomo, o que, para a doutrina de Vólia Bonfim Cassar, tem como
principal diferenciador dos empregados a realização do serviço por
conta e riscos próprios, dirigindo a atividade, conforme conveniência

47 Tradução livre: Tradução livre (b) Subdivisão (a) e a participação na Dynamex


Operations West, Inc. v. Tribunal Superior de Los Angeles (2018) 4 Cal.5th 903
(Dynamex), não se aplica às seguintes ocupações, conforme definido nos parágrafos
abaixo, e em vez disso, a determinação do status de funcionário ou contratado
independente para indivíduos nessas ocupações será regida por Borello.
(1) Uma pessoa ou organização licenciada pelo Departamento de Seguros de acordo
com o Capítulo 5 (começando com a Seção 1621), Capítulo 6 (começando com a Seção
1760) ou Capítulo 8 (começando com a Seção 1831) da Parte 2 da Divisão 1 do Código
de Seguros.
(2) Um médico e cirurgião, dentista, podólogo, psicólogo ou veterinário licenciado
pelo Estado da Califórnia de acordo com a Divisão 2 (começando com a Seção 500)
do Código de Negócios e Profissões, realizando serviços profissionais ou médicos
prestados a ou por um médico entidade de assistência, incluindo uma entidade
organizada como uma sociedade unipessoal, parceria ou corporação profissional,
conforme definido na Seção 13401 do Código das Sociedades. Nada nesta subdivisão se
aplica aos ambientes de trabalho atualmente ou potencialmente regidos por acordos
de negociação coletiva para os licenciados identificados em este parágrafo.
(3) Um indivíduo que possui uma licença ativa do Estado da Califórnia e está praticando
uma das seguintes profissões reconhecidas: advogado, arquiteto, engenheiro,
investigador particular ou contador.
(4) Um corretor de valores mobiliários ou consultor de investimento ou seus agentes
e representantes registrados na Securities and Exchange Commission ou na Financial
Industry Regulatory Authority ou licenciados pelo Estado da Califórnia nos termos
do Capítulo 2 (começando com a Seção 25210) ou Capítulo 3 (começando com a Seção
25230) da Divisão 1 da Parte 3 do Título 4 do Código das Sociedades.
(5) Um vendedor de vendas direto, conforme descrito na Seção 650 do Código de
Seguro Desemprego, desde que as condições para exclusão do emprego de acordo
com essa seção sejam atendidas.
(6) Um pescador comercial trabalhando em um navio americano conforme definido
no subparágrafo (A) abaixo.

50 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
pessoal.48
Todavia, critica-se a continuidade da aplicação do precedente
Borello (1989), uma vez que a ideia de controle é reducionista quanto
ao termo subordinação, contestado na doutrina por se contrapor ao
progressivo e histórico efeito expansionista do direito do trabalho, que
passou a não só tutelar aquele que está no ambiente fabril, mas abarcou
diversas ocupações distantes da figura física do empregador, como
irradiador de ordens e outros elementos de hierarquia, fiscalização,
direção, disciplina como: teletrabalho, trabalhadores intelectuais,
altos empregados49.
Para tanto, o silogismo de requisitos como teste merece dar
lugar ao fortalecimento de constelações de indícios que atraem
conjuntamente contextos de dependência econômica, a potencialidade
do poder empregatício, e a assunção dos riscos do empreendimento,
que dão destaque à vinculação indireta que derruba a cultura de
liberalidade e de profissionais plenamente autônomos.
Nesse sentido, não se pode desconsiderar a importância
do tertium genus da parassubordinação, que vingou no direito do
trabalho europeu50, através da qual a dependência econômica, ou
mesmo tecnológica oriunda dos tempos de modernidade, ainda que
indiretamente, assume contornos de relevância quando analisadas no
contexto de assimetria social, a exemplo de profissionais de construção
civil em geral (pedreiros, serventes, ajudantes, etc) e donos de obra,
estruturalmente marcados por questões de pobreza, miserabilidade,
baixos níveis de instrução.
Noutro sentido, contribui para a crítica científica à exclusão, o
conceito de subordinação estrutural cunhado por Maurício Godinho
Delgado, que a define como a possibilidade de realização de atividade-
meio ou fim do tomador de serviços, sendo subordinado pela inserção

48 CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho: de acordo com a reforma trabalhista. –


16 ed. Rev. E Atual. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2018, p. 285.
49 MERÇON, Paulo Gustavo de Amarante. Relação de emprego: o mesmo e novo
conceito. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 78, n. 2, p. 182-208,
abr./jun. 2012. Disponível em: < https://hdl.handle.net/20.500.12178/31417>. Acesso
em 25 out. 2020.
50 SILVA, O. P. e. O trabalho parassubordinado. Revista da Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, [S. l.], v. 97, p. 195-203, 2002. Disponível em: http://www.
revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67540. Acesso em: 28 out. 2020.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 51


V IA DOS DIREITOS
estrutural no sistema organizacional e operativo da entidade tomadora
de serviço, absorvendo a cultura, os procedimentos, a lógica do
empreendimento empresarial, estando aí a juridicidade que vincula
o emprego51.
Portanto, advoga-se pela contribuição da AB-5 e a inclusão do
teste ABC como fator de grande impacto para revisitação de contratos
supostamente independentes, mas que se aproveitavam da liturgia
dos moldes anteriores, que davam vazão à admissão do “direito do
controle” por sistemas rígidos de averiguação, e que se afastavam do
contexto estrutural capitalista que estabelece formas disruptivas que se
contrapõem a concepções clássicas de relação de emprego conhecidas
pelo ordenamento jurídico, a exemplo do contexto californiano.
Nessa esteira, Trindade defende que a decisão legislativa
californiana aponta para um caminho de atualização de conceitos,
reconhecendo novas roupagens à subordinação e aproximando-
se da subordinação estrutural ou reticular que eclodiu na doutrina
brasileira, em que a dinâmica empresarial e as diretrizes operacionais
são levadas em consideração. Não há, para o autor, ordens diretas,
mas obrigações de códigos de conduta, manuais e métodos, indicando,
assim, a dependência característica da relação empregatícia52.
Na mesma linha, Carelli e Casagrande defendem que a
subordinação estrutural alarga o campo de proteção do Direito do
Trabalho, instrumentalizando a justiça social e dando respostas
eficazes às transformações dos modelos de apropriação da força de
trabalho, a exemplo do fenômeno da “uberização”, pouco importando
exteriorização de comandos diretos quando presente a inserção
objetiva no núcleo central da atividade empresarial53
A crítica tecida às exclusões trazidas pela AB-5 para
51 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. – 16 ed. Rev. E Ampl.
– São Paulo: LTr, 2017, p. 329.
52 TRINDADE, Rodrigo. Lei Californiana reconhece motoristas de aplicativos
como empregado. Portal Revista Trabalhista. 2 jun. 2019. Disponível em: http://
revisaotrabalhista.net.br/2019/06/02/lei-da-california-reconhece-motoristas-de-
aplicativos-como-empregados/. Acesso em: 24 out. 2020.
53 OITAVEN, Juliana Carreiro Corbal; CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CASAGRANDE,
Cássio Luís. Empresas de transporte, plataformas digitais e a relação de emprego:
um estudo do trabalho subordinado sob aplicativos. Brasília: Ministério Público do
Trabalho, 2018. Disponível em: < https://csb.org.br/wp-content/uploads/2019/01/
CONAFRET_WEB-compressed.pdf>. Acesso em 24 out. 2020.

52 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
determinadas ocupações, que ordinariamente são autônomas ou
liberais, é acadêmica no sentido de discutir que o teste Borello não
está preparado para novas formas de apresentação da subordinação,
tanto na concepção da parassubordinação como zona grise que
merece melhor atenção e regulamentação legal, bem como da própria
subordinação estrutural, que avalia outros fatores de dependência
que vão para além de ordens diretas e indiretas e criam cadeia
macroscópica de ligações, que são essenciais aos fins empresariais.
Nessa senda, a Suprema Corte California já vinha decidindo em
casos anteriores ao Dynamex que quanto ao teste Borello (Maria Ayala
et el v. Antelope Valley NewsPaper, Inc), não se pode considerar somente
o efetivo controle ou mesmo a emanação de ordens diretas como
aspectos de subordinação e dependência próprios de empregado,
mas sim o quanto o contratante retém de controle para si do modo de
trabalho e da intrusão da atividade contratada na essencialidade do
empreendimento. Ressaltou também o Tribunal que o teste Borello não
deve ser encarado como decisivo, ou seja, requisitos objetivos como
habilidade e técnica podem ser substituídos por indícios secundários
relevantes.54
Com isso, percebe-se que ao contrário do que positivou a Lei
Californiana, a prospecção que vem fazendo a linha de precedentes
da Suprema Corte local é a de considerar elementos dissonantes da
autonomia e aspectos estruturais da subordinação para além de
ocupações e habilidades que, tradicionalmente, são independentes de
controle, manifestando-se sobre aspectos sociais e contextualizados à
realidade de desigualdade de renda apresentada no Estado Americano.

3. Aplicação da lei no judiciário da Califórnia

Conforme já exposto, a aprovação da Assembly Bill nº 05,


pelo legislativo da California, é resultado direto de um julgamento
emblemático no Estado norte-americano: o caso “Dynamex Operations
West, Inc. v. Superior Court of Los Angeles”, de 2018.
54 USA. Case Maria Ayala et el v. Antelope Valley NewsPaper, Inc. Supreme Court
of California, Los Angeles: Los Angeles County. June 30, 2014. Disponível em: < ht-
tps://scholar.google.com/scholar_case?case=5988430300764602016&q=Ayala+bo-
rello&hl=en&as_sdt=4,5#p533>. Acesso em 25 out. 2020.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 53


V IA DOS DIREITOS
Na sentença proferida pela Suprema Corte da Califórnia,
quanto ao caso Dynamex, foi decidido que os trabalhadores são
presumidamente empregados, e apenas após aplicação de uma série de
testes, atingindo resultados específicos, poderiam ser caracterizados
com autônomos ou independent contractors.
Posteriormente, o legislativo estadual incorporou as
considerações da Corte na legislação californiana, o que resultou na
Assembly Bill nº 05.
Recentemente, passados cerca de 2 anos da decisão da Suprema
Corte da Califórnia, e quase um ano da aprovação legislativa, houve
uma decisão da Corte Superior de São Francisco, na ação “California
v. Uber Technologies Inc. and Lyft Inc.”, ajuizada pelo Estado, que
deu 10 dias para as companhias de transporte de passageiros por
aplicativos se adaptem à AB-05, conferindo os direitos trabalhistas a
seus empregados.55
As empresas de transporte de passageiros por aplicativos
ameaçaram suspender suas as operações na Califórnia, pois
“demandaria muito tempo para adaptar toda sua estrutura para estar
de acordo com a AB-05”.56
Foi com base nesses argumentos que pleitearam a dilação do
prazo junto à Corte Superior de São Francisco, que foi negada pois o
juiz entendeu que as empresas poderiam estar se adaptando à nova
disposição há quase dois anos, desde o caso Dynamex, ou quase um
ano, desde a sanção da lei.
Entretanto, conseguiram uma decisão favorável da Corte de
Apelação, que permitiu que as empresas mantenham o tratamento de
independent contractors aos seus motoristas, por 60 dias.
Neste mês a Corte de Apelação julgou procedente a ação,
confirmando a decisão da Corte Superior de São Francisco, e
ordenando que os motoristas das empresas de mobilidade urbana por
55 ROTH Claire; CHAPMAN, Lizette; EIDELSON, Josh. California Wins Preliminary
Injunction Against Uber, Lyft. Bloomberg. Disponível em https://www.bloomberg.
com/news/articles/2020-08-10/california-wins-preliminary-injunction-against-uber-
lyft. Acesso em 26 out. 2020.
56 FARIVAR, Cyrus. Uber would likely shut down in California for over a year if new
ruling not overturned. NBC News. Disponível em https://www.nbcnews.com/tech/
tech-news/uber-ceo-we-will-shut-down-months-california-if-new-n1236506. Acesso
em 26 out. 2020.

54 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
aplicativo sejam reclassificados como empregados.57
Contudo essa decisão pode não vigorar por muito tempo, pois
as companhias de transporte de passageiros e entrega por aplicativo
estão financiando a companha favorável à Proposta 22, um plebiscito
na Califórnia, que ocorrerá junto com as eleições norte-americanas
em novembro.58
A Proposta 22 é uma iniciativa das grandes corporações
de mobilidade e entrega por aplicativo que buscam, por meio do
plebiscito, se desincumbir de cumprir as determinações trabalhistas
da Assembly Bill n. 05 no Estado da Califórnia e confirmadas pelo
judiciário estadual. Já foram arrecadados quase 200 milhões de dólares
pela Uber, Lift, DashDoors, entre outras grandes empresas do setor. 59
Caso seja aprovada, os motoristas de aplicativo e entregadores
não terão direitos trabalhistas de empregado. Por isso nos resta
aguardar o resultado da votação, na próxima semana, para saber o
futuro dos motoristas e entregadores no Estado mais rico dos Estados
Unidos.

4. Considerações finais

Por meio deste trabalho, podem-se estruturar os benefícios


trazidos ao Estado da Califórnia pela ampliação dos efeitos do Caso
Dynamex, como legislação de combate às fraudes, e a utilização
indevida da categoria de trabalhadores independentes para reduzir
custos e mascarar trabalhadores que atuam direta, ou indiretamente,
na finalidade da atividade econômica principal.
A adoção da AB-5 possui um contexto histórico-social muito
57 KINGSTON, John. Uber, Lyft ordered to classify drivers as employees, but Election
Day in California could be more important. Freight Waves. Disponível em https://
www.freightwaves.com/news/uber-lyft-ordered-to-classify-drivers-as-employees-but-
election-day-in-california-could-be-more-important. Acesso em 26 out. 2020.
58 REUTERS. Uber ameaça para na Califórnia mas recua após decisão favorável. UOL.
Disponível em https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/08/20/uber-ameaca-
parar-na-california-mas-recua-depois-de-decisao-favoravel.htm. Acesso em 26 out.
2020.
59 California Proposition 22, App-Based Drivers as Contractors and Labor Policies
Initiative (2020). BallotPedia. Disponível em https://ballotpedia.org/California_
Proposition_22,_App-Based_Drivers_as_Contractors_and_Labor_Policies_Initiative_
(2020). Acesso em 26 out. 2020.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 55


V IA DOS DIREITOS
particular na Califórnia pela busca estatal por melhores condições
de trabalho e de renda, outorgando proteção jurídica a empregados,
possibilitando reivindicações salariais e seguro-desemprego, sendo
este último o que mostrou sua fase mais discutida nos momentos
de pandemia, no qual profissionais de algumas classes se viram
desprovidos de benefícios e garantias empregatícias pela inexistência
do vínculo por suposta independência60.
Por fim, teceu-se crítica à exclusão legal a certas categorias de
prestadores de serviço e trabalhadores, que ordinariamente seriam
independentes, pela demonstração de que o Teste ABC se mostra mais
adequado aos novos conceitos de parassubordinação ou subordinação
estrutural, no qual a liberdade técnica ou o trabalho intelectual
próprio de profissionais liberais, não possuem o condão de retirar a
inserção no arquétipo do empreendimento ou mesmo nas estruturas
sociais não vistas quando analisados contratos individuais.
Nesse sentido, como exemplo de avanço precedencial, trouxe-
se como amostra o direcionamento da Suprema Corte Californiana
que vem abrandando em outros casos o uso do Teste Borello, a
considerar como empregados os contratantes que outrora seriam
objetivamente fora de controle do negócio principal, mas que por
indícios do exercício da direção indireta ou estrutural acabam por
construir retenção de poder sobre o trabalho alheio que não é próprio
da autonomia que se espera como antecedente à prestação de serviços
ou entrega de resultado.
De certo, a alegação de inconstitucionalidade feita pela empresa
Uber quanto ao tratamento desigual feito a ela e aos trabalhadores
“parceiros” da economia de compartilhamento pela existência de
diversas isenções legais na AB-5, pode se voltar contra a requerente,
já que se retiradas as exclusões e consideração gradual do teste ABC
para todas as categorias e ocupações, estaria dentro da finalidade da
jurisprudência que vem se construindo na Califórnia.
A paradigmática legislação californiana serve de exemplo para
desmistificação ao mundo acerca do caráter liberal que se atribui

60 EASTER, Makeda. AB 5 forced arts groups to evolve. For some, COVID-19 made the
change “catastrophic”. 20 de abril de 2020. Los Angeles Times. Disponível em: https://
www.latimes.com/entertainment-arts/story/2020-04-20/ab5-coronavirus-arts-theater-
opera. Acesso em: 27 out. 2020.

56 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
aos Estados Unidos da América, ou mesmo a falsa imputação de
inexistência de proteção trabalhista e garantia de direitos mínimos.
Pelo contrário, a AB-5 serve de espelho a outros estados americanos
e países, contribuindo para discussão da utilização fraudulenta,
simulada e deturpada de trabalhadores autônomos para redução de
custos e aumento de lucratividade, sem preocupação com o direito
social ao trabalho decente e a finalidade de melhora de condições de
vida própria dos efeitos da renda obtida pelo trabalho.

5. Referências

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beira da falência a 5ª economia do mundo. Disponível em: https://
economia.uol.com.br/noticias/bbc/2018/06/03/como-a-california-
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T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 59


V IA DOS DIREITOS
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60 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Assembly bill nº 5 e classificação dos empregados na
Califórnia: um caminho para a proteção social trabalhista

Bianca Caroline Bento Menezes61


Breno Lucas de Carvalho Ribeiro62
Bruna Salles Carneiro63

1. Introdução

A indústria 4.0 possibilita ao mundo do trabalho,


especialmente, o trabalho protegido à ampliação do trabalho morto,
tendo o maquinário digital, a inteligência artificial, como dominante
e condutor do processo produtivo, “com a consequente redução do
trabalho vivo, viabilizada pela substituição de atividades tradicionais
e mais manuais por ferramentas automatizadas e robotizadas, sob
o comando informacional-digital” (ANTUNES, 2020, p. 14). A nova
empresa flexível, liofilizada e digital sob o comando do “processo
tecnológico-organizacional-informacional eliminará uma quantidade
incalculável da força de trabalho” (ANTUNES, 2020, p. 14).
Um estudo da Intuit projetou que, até 2020, 40% do emprego nos
Estados Unidos da América será informal. As empresas argumentam
que o trabalho informal lhes proporciona uma economia de 20%
a 30% –uma economia que podem repassar ao consumidor (MELO,
2019). A marca da sujeição hierárquica do trabalhador foi atenuada
ou disseminada pelas dinâmicas de gestão do trabalho que se dão

61 Mestranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG na Linha


História, Poder e Liberdade. Pesquisadora do Grupo Trabalho e Resistências, vinculado
à Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito do Trabalho e da Seguridade Social
- RENAPEDTS. Endereço eletrônico: biancacaroline.menezes@gmail.com
62 Mestrando em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG na Linha
de História, Poder e Liberdade. Pós Graduando em Direito Constitucional pela
Universidade Cândido Mendes (UCAM). Pesquisador no DIVERSO (UFMG) e do Grupo
Trabalho e Resistências, vinculado à Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito
do Trabalho e da Seguridade Social - RENAPEDTS. E-mail: brenoribeiroadv@gmail.
com
63 Mestranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG na Linha
História, Poder e Liberdade. Pesquisadora do Grupo Trabalho e Resistências, vinculado
à Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito do Trabalho e da Seguridade Social
- RENAPEDTS. E-mail: brunasallescarneiro@gmail.com

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 61


V IA DOS DIREITOS
de modo mais flexíveis, dificultando a percepção de um trabalhador
assalariado, por força das suas novas reformulações promovidas pelo
neoliberalismo.
É nesse cenário que, objetiva-se, especificamente, compreender,
em primeiro plano, os processos da revolução algorítmica e de que
modo afetam os trabalhadores de aplicativos; estudar a legislação
da AB-5 e como o teste da ABC permite reconhecer um trabalhador
como proteções da lei trabalhista estadual; averiguar de que
modo a articulação da decisão da Dynamexe da AB-5 possibilitam o
reconhecimento de direitos trabalhistas. Por fim, estudar como a
subordinação jurídica permite compreender a diferença a entre o
autônomo e o empregado no que se refere à realização da atividade
econômica.
Justifica-se a necessidade de estudo do referido artigo, posto
que não há um estudo aprofundado sobre o conceito, especificamente,
de empregado da legislação da Assembly Bill n°5. Para isso, como
metodologia do presente estudo será realizada uma análise qualitativa
a partir da revisão bibliográfica, da análise do texto legal e das decisões
da Suprema Corte da Califórnia. Para isso, busca-se analisar o conceito
oriundo da referida lei para fins de abarcamento do conceito de
emprego.

2. Panorama geral: gig economy e estrutura do legislativo EUA

Com a globalização econômica e as inovações tecnológicas,


ocorridas ao final do século XX, a economia de plataforma surge e
intensifica as relações sociais, principalmente, as trabalhistas. Neste
sentido, a revolução algorítmica possibilitou um mercado de trabalho
ciber-coordenado, dando ao empregador ferramentas para intensificar
e expandir o mercado de trabalho contratado. Em segundo lugar, “a
disseminação da tecnologia dos smartphones tornou essas plataformas
de trabalho possíveis, especialmente plataformas sob demanda”
(COLLIER; DUBAL; CARTER, 2017, p. 03, tradução nossa).
No século XXI, especialmente, a economia de plataforma
experimentou um crescimento vertiginoso. Embora esse crescimento
possa ser medido em termos de capitalização das empresas de

62 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
plataforma ou de sua receita bruta, uma métrica particularmente
relevante é a taxa de participação de quem ganha dinheiro na
plataforma. Estima-se que a participação mensal “cresceu 10 vezes
de outubro de 2012 a setembro de 2015. Embora essa participação
constitua apenas 1 por cento dos adultos nos Estados Unidos, a taxa de
participação cumulativa atingiu 4,2 por cento no final desse período”
(COLLIER; DUBAL; CARTER, 2017, p. 03).
A partir disso, percebe-se que a “evolução das tecnologias de
informação e comunicação tornou possível uma maior migração dos
postos de trabalho para as plataformas digitais”. No mundo cibernético,
por exemplo, as empresas tecnológicas se valem de mecanismos
sofisticados para organizar e disciplinar o trabalho. O emprego formal
foi bastante afetado, sendo o trabalhador “sobreposto pelo padrão de
controle por programação em que o homem é programável por meio
da cibernética e da revolução indústria” (ARAÚJO, 2019, p. 90).
Sob a égide no modelo cibernético, os algoritmos de software
“assumem um papel proeminente, pois passam a incorporar
responsabilidade gerencial sobre aspectos variados da prestação de
serviços no âmbito das plataformas virtuais” (ARAÚJO, 2019, p. 91).
Esses processos de controle se dão a partir de instruções a
serem cumpridas pelos trabalhadores, sendo “inscritas sob a forma de
algoritmos, que estabelecem a série de atos esperados pela empresa,
sem demandar qualquer contato humano entre empresa e prestador,
no momento em que a execução da atividade é pré-ordenada e
supervisionada” (ARAÚJO, 2019, p. 94).
Verifica-se, especialmente, que, no âmbito da plataforma Uber
Technologies não há possibilidade de o motorista selecionar o destino ou
a tarifa das corridas que pretende realizar, visto que essas informações
somente serão apresentadas no momento em que o motorista iniciar
a corrida e o passageiro já tiver embarcado no veículo, ocasião em
que não é mais possível cancelar a corrida, sem sofrer penalidades
(ARAÚJO, 2019, p. 97).
Dentro desse contexto, muitos trabalhadores estão sem
proteção social, não sendo considerados empregados, portanto,
inelegíveis para salvaguardas básicas como salário mínimo, horas
extras, seguro-desemprego. Embora se tenha debatido acerca das

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 63


V IA DOS DIREITOS
inseguranças e ausência de direitos mínimos, poucas legislações têm
sido aprovadas neste sentido (DUBAL, 2017, p. 742).
Na tentativa de minimizar essa situação, a legislação da
Assembly Bill n° 5, conforme se verá a seguir, aprovada 2019, cria uma
“presunção de condição de empregado e apresenta um teste tripartite
rígido e articulado que as empresas devem cumprir para tratar seus
trabalhadores como trabalhadores autônomos, escavados fora das leis
trabalhistas estaduais” (DUBAL, 2020, p. 373).
Dessa maneira, realizada essa análise inicial, é necessária a
compreensão das especificidades do processo legislativo dos Estados
Unidos e o processo de aprovação da referida legislação.

2.1. Processo Legislativo dos EUA e Processo de aprovação da


AB5

O estado da Califórnia é considerado o “berço do Vale do Silício”


e, também, das inovações tecnológicas. É o estado mais populoso, com
o maior Produto Interno Bruto dos EUA e apresenta as duas maiores
empresas de transportes por aplicativos do mundo: Uber e Lyft.
É, neste sentido, que, no estado da Califórnia, foi editada
uma lei64- conhecida como Assembly Bill Nº 5 (AB-5), tendo sido
aprovada em suas duas casas legislativas e sancionada, em 2019, pelo
Governador do estado. É a primeira lei estadual, no país, a tratar da
regulação laboral de trabalhadores de plataformas, redefinindo o teste
legal para as proteções da lei trabalhista estadual.
A partir dela, possibilita-se a “presunção da condição de
empregado sob a lei estadual e apresentando um teste rígido e
articulado que as entidades contratantes devem cumprir se desejarem
contratar trabalhadores como não empregados”. (DUBAL, 2020, p. 375)
A lei codifica a decisão de 2018 da suprema corte da Califórnia
sobre o caso contra a empresa Dynamex Operations West Inc., que definiu
um novo padrão para determinar se trabalhadores são propriamente
classificados como autônomos. Devido ao nome da empresa envolvida,

64 O projeto de lei AB5, foi encabeçado pela congressista da Califórnia Lorena


Gonzales e apoiado pelo governador do estado, passou no senado estadual com 29
votos a favor e 11 votos contrários.

64 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
o caso ficou conhecido como “Dynamex” e a decisão proferida65 fez uso
de um teste de três fatores que acabou ficando conhecido como “ABC
Test”, cuja aplicação é capaz de definir se determinado trabalhador
pode ser enquadrado como autônomo (independent contractor) ou se
deve necessariamente ser enquadrado como empregado (employee)
para os fins de aplicação do direito estadual. O Poder Legislativo da
Califórnia decidiu positivar o ABC test por meio de um ato normativo
escrito.
Esclareça-se que, diferentemente do Brasil, em que a União
possui competência exclusiva para legislar sobre as temáticas que
envolvam o Direito do Trabalho, Direito Processual Civil e do Trabalho,
conforme preconiza o artigo 22, I66, da Constituição da República
brasileira, nos EUA os estados da federação possuem competência
legislativa residual ampla, conforme expressa a Décima Emenda.
Isso obriga apenas a observância de que o teor de suas leis não
pode confrontar dispositivos constitucionais ou leis federais editadas
dentro da competência legislativa atribuída ao Congresso Nacional pela
Constituição, conforme expõe o art. I, Seção 8 (preemption doctrine).
Ressalta-se que, desde que observadas as referidas restrições, os
estados membros possuem competência para edição de leis trabalhista
assim como autonomia para criar agências administrativas destinadas
a dar execução a essas leis (FERNANDES, 2019).
A Califórnia, especificamente, pode definir o conceito de
“empregado” para a finalidade de recebimento de “salário-mínimo-
hora, jornadas máximas de trabalho, adicional de horas extras e seguro-
desemprego estabelecidos pela legislação estadual”. Por outro lado,
num sistema jurídico-trabalhista de cunho contratualista e que protege
por lei federal, a AB-5 da Califórnia não tem o condão de estender a
esses empregados as proteções tradicionais à sindicalização previstas
no texto do NLRA67, uma vez que “este último constitui ato normativo
65 De forma unânime pelos 7 Juízes da mais alta Corte do estado.
66 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial,
penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
67 Lei estadual não pode disciplinar direitos tradicionais de sindicalização, negociação
coletiva e proteção contra condutas antissindicais a trabalhadores do setor privado,
já que a matéria encontra-se disciplinada por lei federal (NLRA) editada no âmbito
da competência legislativa atribuída ao Congresso Nacional – art. I, Seção 8, da
Constituição e NLRB v. Jones & Laughlin Steel Corp., 301 U.S. 1 (1937)

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 65


V IA DOS DIREITOS
editado no âmbito de competência legislativa do Congresso Nacional e
cujo texto contém seu próprio conceito de “empregado” (Seção 2, item
3), com a previsão de excludentes específicas” (FERNANDES, 2019).
A decisão do caso Dynamex e a aprovação da AB-5, contudo,
têm o efeito de estender aos motoristas de aplicativos na Califórnia
(reconhecidos como “empregados”) múltiplos direitos trabalhistas
assegurados pelas leis do estado, dentre os quais destacamos
exemplificativamente os seguintes (FERNANDES, 2019).
Para determinar a condição de empregado nos EUA, o teste da
Borello foi fundamentado em uma análise de controle multifatorial:
“quanto controle a entidade contratante exercia sobre os meios
e a forma de desempenho da atividade pelo trabalhador. Quanto
mais controle a entidade contratante tinha, mais provável era que o
trabalhador fosse considerado um empregado” (DUBAL, 2020, p. 379).
Dessa maneira, a decisão e a legislação possibilitam, juntas,
uma maior segurança no que concerne ao enquadramento do que é
um trabalho e seus respectivos direitos sociais. Dito isto, é irrefutável
compreender a classificação, especificamente, do caso Dynamex.

3. Da classificação incorreta ao caso Dynamex

Sobre a gig economy e seus impactos no mundo de trabalho, a


grande questão que tem sido debatida desde o seu surgimento é: como
regulamentá-la? (DUBAL, 2017, p. 740). O contexto dessa discussão é
caracterizado pelas marcas das mudanças provocadas pelo modelo nas
formas de contratação, gestão e execução do trabalho, principalmente
quanto ao aumento da gestão automática e intensificação da
precarização (CHERRY, 2016, p. 2). Com o distanciamento da gestão
pessoal do trabalho e sob o fundamento da economia compartilhada,
as empresas da gig defendem que seus serviços são de tecnologia e
classificam seus trabalhadores como contratados independentes68.
A atribuição do status jurídico de autônomo acarreta para o
trabalhador a ausência de proteção laboral, já que, nos Estados Unidos,
68 A expressão ”autônomo” é utilizada no Brasil para nomear o trabalhador gestor do
próprio empreendimento, que presta seus serviços sem o elemento da subordinação.
Nos Estados Unidos a expressão utilizada é “contratado independente”. Ambas serão
utilizadas no texto como sinônimos, em razão da similaridade das figuras.

66 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
os direitos como salário mínimo, férias remuneradas e períodos de
descanso são garantidos apenas para a categoria de funcionários
(CHERRY, 2017, p. 2). A retirada de proteção social em virtude do
status de trabalhador independente é barganhada pela dita vantagem
da maior independência e flexibilidade da relação que as empresas da
gig oferecem (SECUNDA, 2018, p. 435).
Como destaca Veena Dubal (2017, p.741), a contratação dos
trabalhadores como contratados independentes permitiu, e ainda
permite, que muito dinheiro entre nessas empresas, enquanto para
os trabalhadores e a sociedade, o efeito é a degradação das condições
sociais. Sobre as vantagens de maior liberdade e flexibilidade, Valerio
De Stefano (2016, p. 5) salienta que são benefícios superestimados,
pois, dado o cenário em se apresentam, o que realmente ocorre é uma
acentuada competição entre os trabalhadores e execução de longas
jornadas para auferir o valor de uma remuneração correspondente
aos custos de vida e com o trabalho.
Diante da ambivalência entre a flexibilidade e necessidade
de proteção social, qual seria o status jurídico dos trabalhadores da
gig? Alguns estudiosos irão defender a figura de trabalhadores de
uma “terceira categoria”, contudo, conforme apontado por Veena
Dubal (2020, p. 375), há um consenso entre pesquisadores dos Estados
Unidos sobre a existência do controle algorítmico que essas empresas
exercem sobre os trabalhadores, levando à conclusão que a atribuição
de contratados independentes a esses trabalhadores caracteriza uma
classificação incorreta do status jurídico.
A classificação incorreta se baseia no erro que ocorre ao se
fazer a distinção entre as figuras de empregado e autônomo pelos
parâmetros da lei trabalhista. Em outras palavras, significa classificar
um trabalhador como independente, quando na verdade ele reúne as
características legais para ser classificado como empregado. Essa é
uma distinção básica, porém decisiva, pois diz respeito à atribuição de
responsabilidades e acesso aos direitos sociais mediados pelo trabalho
(WEIL, 2017).
Os impactos negativos da classificação incorreta atingem
não somente os trabalhadores inseridos nos arranjos retratados,
mas alcançam também a sociedade como um todo. A classificação

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 67


V IA DOS DIREITOS
incorreta, além de retirar proteções laborais individuais, compromete
o orçamento público, inclusive quanto a verbas destinadas a outras
finalidades. Um exemplo no caso dos Estados Unidos, é que o
trabalhador classificado como contratado independente não contribui
para o unemployment insurance (seguro desemprego), corroendo
o financiamento do seguro social. Além disso, impostos federais
e estaduais que incidem sob a folha de pagamento deixam de ser
recolhidos, o que impacta o orçamento das agências governamentais
(WEIL, 2017).
Diante do impasse e das evidências dos danos causados pela
classificação incorreta dos trabalhadores da gig, os esforços foram
direcionados para trazer, pela via judicial, esses trabalhadores para
debaixo do guarda-chuvas da relação de emprego (DUBAL, 2017, p.
743). Muitos são os litígios desde então que trazem por objeto principal
a questão doutrinária sobre a classificação dos trabalhadores como
contratados independentes ou empregados.
Mirian Cherry (2016), ao tratar do tema da classificação
incorreta, analisa algumas das primeiras principais demandas sobre
o assunto. Uma delas, que pode aqui ser utilizada como exemplo, foi a
ação proposta por motoristas da Uber no Distrito Norte da Califórnia,
que pleiteavam o pagamento de salário mínimo e horas extras de acordo
com a Fair Labor Standarts Act (FLSA). Para que fossem contemplados
pelos direitos laborais da referida lei, os trabalhadores ou a categoria
precisava ser enquadrada no que a lei delineia como empregado
(Título 29, § 203, g). Conforme explica autora (CHERRY, 2016, p. 5), nos
Estados Unidos, essa classificação é realizada pela aplicação de testes
multifatoriais para avaliar a relação de trabalho. Alguns elementos
que podem ser destacados desses testes são autonomia na condução
do trabalho, fornecimento de equipamentos e formas de pagamento.
Como fonte alternativa, os tribunais também costumavam avaliar se
havia dependência econômica entre os trabalhadores e a empresa.
Como sintetiza Veena Dubal (2020, p. 377), diversos foram
os protestos e queixas individuais e coletivas dos trabalhadores,
mas os reguladores não conseguiram aplicar as leis trabalhistas do
país norte americano às empresas de plataforma de trabalho. Os
testes de classificação de status até então utilizados não eram muito

68 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
objetivos, dificultado a aplicação. Também havia o problema da falta
de precedentes e hostilidade dos tribunais em alguns casos como no
Rojas Lazano versus Google (CHERRY, 2016, p.14), além dos acordos
judicialmente pactuados que dificultavam qualquer avanço na solução
do problema da classificação incorreta (DUBAL, 2017, p. 750).
Os conflitos sobre a classificação dos trabalhadores da gig
economy foram se intensificando e, ao mesmo tempo, avançando
pouco em relação ao impedimento do aumento da precarização, até
que em 2018, a Suprema Corte da Califórnia decidiu o caso Dinamex,
que culminou na alteração da lei californiana e mudou o rumo da
discussão (DUBAL, 2020, p. 378). A Dynamex é uma empresa de porte
relativamente pequeno do ramo de entregas de encomendas que
seguia o mesmo modelo de contratação que a Uber, os motoristas se
cadastravam no aplicativo e eram chamados para executar entregas
em troca de comissões. Assim como os motoristas da Uber, os
entregadores tinham que seguir o conjunto de normas estabelecidas
pela empresa (CASAGRANDE, 2019).
A Corte resolveu o caso utilizando um teste novo mais objetivo
para verificar se o trabalhador é ou não autônomo. Assim, decidiu que
todos os trabalhadores da Califórnia são, juridicamente, considerados
empregados por conta alheia, devendo a entidade contratante provar,
quando for o caso, que seus contratados são autônomos a partir da
aplicação do teste tripartite que ficou conhecido como Teste ABC
(DUBAL, 2020, p. 379). Os três requisitos cumulativos que compõe o
teste serão apresentados no tópico seguinte.

4. Assembly bill N. 5 e o conceito de empregado

Além da referência à decisão unânime da Suprema Corte da


Califórnia e dos danos sofridos pelos trabalhadores, a AB 5 registra
em seu texto, na Seção 1, a sua preocupação em restaurar os direitos
básicos violados dos trabalhadores que foram classificados de forma
incorreta como autônomos, como salário mínimo, seguro desemprego,
licença médica e familiar. Declara ainda que tal classificação “tem
sido um fator significativo na erosão da classe média e no aumento da
desigualdade de renda” e a sua intenção de diminuir a flexibilidade do

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 69


V IA DOS DIREITOS
trabalho, tanto em tempos parciais, como para vários empregadores
simultaneamente (CALIFÓRNIA, 2019, p. 6).
Ao codificar a decisão da Suprema Corte da Califórnia no caso
Dynamex Operations West Inc. contra o Tribunal Superior de Los Angeles
e estender seu precedente legal para todas as leis da california (DUBAL,
2020, p. 380), a Assembly Bill n. 5 alterou os conceitos de empregados
previstos no Código do Trabalho e no Código de Seguro Desemprego
da Califórnia, dispondo sobre a presunção da classificação como
empregado àquela “pessoa que forneça trabalho ou serviços mediante
remuneração” e sobre a aplicação de um novo teste de classificação:
o teste ABC.
Até então, no estado da Califórnia, vigorava apenas o teste
Borello, formulado no caso S.G. Borello& Sons, Inc. v. Departmentof
Industrial Relations (1989) que concluiu pela classificação incorreta de
colhedores de pepino como contratantes independentes, cometida por
uma fazenda, visto que os trabalhadores estavam sujeitos ao controle de
desempenho e do trabalho pelo fazendeiro. Como solução, a Suprema
Corte da Califórnia condicionou o reconhecimento como empregado
ao preenchimento de doze requisitos, especialmente orientados à
direção e controle da prestação do serviço pelo contratante, como a
habilidade exigida na ocupação, o fornecimento dos instrumentos,
ferramentas e do local de trabalho, o período de tempo de execução
do trabalho; método de pagamento; o grau de permanência da relação
de trabalho e a inserção do serviço prestado nos negócios do suposto
empregador. Sobre isto, Veena Dubal afirma que “o teste da Borello
foi fundamentado em uma análise de controle multifatorial: quanto
controle a entidade contratante exercia sobre os meios e a forma de
desempenho da atividade pelo trabalhador” (2020, p. 379). Apesar de
considerado benéfico aos trabalhadores, o teste acabou condicionado
às analises subjetivas dos juízes que divergiam em casos semelhantes
(DUBAL, 2020, p. 378).
Por sua vez, o teste ABC, concebido na decisão do caso Dynamex,
é previsto na Seção 2 da Assembly Bill n. 5 que adiciona a Seção 2750.3
ao Código do Trabalho da Califórnia, classificando os trabalhadores
como empregados, exceto se:

70 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
“(A) A pessoa está livre do controle e da direção da
entidade contratante em conexão com a execução
da obra, tanto no contrato quanto para a execução
da obra e de fato.
(B) A pessoa realiza um trabalho fora do curso
normal dos negócios da entidade contratante.
(C) A pessoa está habitualmente envolvida em um
comércio, ocupação ou negócio estabelecido de
forma independente, da mesma natureza que a
envolvida no trabalho realizado.” (CALIFÓRNIA,
2019, p. 8)

Como se vê, o primeiro critério diz respeito a não existência de


quaisquer formas de subordinação ou controle por parte do contratante
dos serviços. Isto é, para além dos parâmetros normalmente utilizados
para aferição da inexistência de vigilância e controle sobre o trabalho,
como a liberdade para escolher os horários da jornada, os modos de
desenvolver o trabalho, há a novidade ao incluir no próprio texto legal
a noção da “execução da obra e de fato”. Nesse sentido, Adrián Signes
(2020, p. 8) afirma que “a normativa exige que dita independência
jurídica e funcional se dê tanto a nível contratual como a nível material”
(tradução nossa). De forma comparativa, é inevitável não mencionar
o princípio da primazia da realidade sobre a forma ou princípio do
contrato realidade, vigente no ordenamento brasileiro. Este abarca a
noção de que “o conteúdo do contrato não se circunscreve ao transposto
no correspondente instrumento escrito, incorporando amplamente
todos os matizes lançados pelo cotidiano da prestação de serviços”
(DELGADO, 2019, p. 244) e, portanto, autoriza a descaracterização
de uma suposta relação civil de prestação de serviços, desde que
todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego estejam
presentes, quais sejam: trabalho por pessoa física, com pessoalidade,
não eventualidade, onerosidade e subordinação – esta será abordada
especificamente no próximo item.
O segundo requisito previsto na letra “b” se refere à natureza
dos serviços prestados pelo trabalhador, que não deve coincidir com
a atividade do contratante. Para aferir essa natureza do trabalho, há

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 71


V IA DOS DIREITOS
duas noções orientadoras: objetiva, que diz respeito à correspondência
do trabalho realizado entre a empresa contratante e o trabalhador
individual; e a subjetiva, relativa à aparência externa aos clientes e
terceiros (SIGNES, 2020, p. 9). Ou seja, além de averiguar se o trabalhador
exerce as atividades regulares da empresa contratante, também
será considerado se os clientes que recebem a prestação de serviço
percebem o prestador como trabalhador individual, desvincilhado
da empresa contratante (SIGNES, 2020, p. 10). Isso significa que
o trabalhador, para não ser considerado empregado, deveria ser
reconhecido em sua individualidade, com sua própria marca, e não
inserido na marca de uma empresa, submetido as suas instruções e
vontades, sob o risco de ser expulso (SIGNES, 2020, p. 11). No caso da
Uber, Lyft e outras plataformas de serviços de transportes e entregas,
fica evidente que tal correspondência com a marca da empresa é
inevitável, confirmando, assim, a ausência de independência ou
autonomia dos trabalhadores em plataformas digitais.
Já o terceiro critério presente na letra “c” prevê que os
trabalhadores devem possuir um negócio efetivamente estabelecido
independente que se relacione com o tomador, que não sejam
autônomos ou microempreendores (FERNANDES, 2019). Assim, há
o requisito para a pessoa não ser considerada empregada: existir
uma estrutura empresarial anterior à prestação de serviço junto à
empresa tomadora. Sobre esse critério, Signes (2020, p. 12) afirma
que o trabalhador não poderia estar desempregado e criar alguma
estrutura empresarial especificamente para ativar a relação comercial
contratual com aquele cliente, já que, desse modo, o trabalhador
continuaria dependente economicamente de determinado cliente.
Como há a presunção da classificação como empregado prevista
no texto legal, cabe à empresa comprovar a existência da autonomia do
trabalhador, preenchendo os três requisitos, o que resulta na inversão
do ônus da prova. O teste é “voltado para a aplicação da lei”(DUBAL,
2020, p. 380) e não abre margem para discussões divergentes, tanto
dos magistrados nas suas decisões nos casos concretos, como das
empresas que usam o modelo das plataformas digitais para contratar
trabalhadores, como a Uber. Os juízes deverão limitar a sua análise
ao teste, sem valorar outros elementos, como a eventualidade ou

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V I A D O S DI REI TOS
excepcionalidade da prestação de serviços, já que esses requisitos,
comumente referenciados nas decisões, não estão presentes, ao menos
diretamente, na AB5 (SIGNES, 2020, p. 8). Por isso, há um consenso
de que os trabalhadores de plataformas digitais na Califórnia devem
ser considerados empregados nos termos da nova lei (DUBAL, 2020,
p. 380), uma vez que preenchem todos os três requisitos. Aliás, não
apenas os trabalhadores de plataformas, como salienta Adrián Signes
(2020), mas uma grande parcela de pessoas consideradas autônomas
também poderia ser abrangida pela lei, incluindo setores tradicionais
como jornalismo e transportes.
Assim, a nova lei californiana acrescenta tais critérios ao
rol que define “empregado” tanto do Código do Trabalho, como do
Código de Seguro Desemprego. Interessante apontar que a legislação
californiana possui dois conceitos diferentes para cada um dos códigos.
No primeiro, além de tal acréscimo, empregado é definido como “toda
pessoa a serviço de um empregador, sob qualquer compromisso ou
contrato de contratação ou aprendizagem, expresso ou implícito, oral
ou por escrito, seja empregado legal ou ilegalmente” que abrange
a) estrangeiros e menores; b) funcionários públicos pagos eleitos e
nomeados; c) executivos e membros de conselhos de administração de
empresas quase públicas ou privadas; d) “qualquer pessoa empregada
pelo proprietário ou ocupante de uma habitação residencial cujos
deveres sejam incidentais à propriedade, manutenção ou uso da
habitação”; e) “pessoas encarceradas em uma instituição penal ou
correcional do Estado, enquanto envolvidas em trabalho ou emprego
designado”; f) membros ativos de uma sociedade ou sociedade de
responsabilidade limitada que recebem salários; g) “pessoa que detém
o poder de revogar uma relação de confiança, com relação às ações
de uma corporação privada mantida em confiança ou parceria geral
ou interesses de sociedade de responsabilidade limitada mantidos em
confiança”; h) “pessoa comprometida com uma instalação de hospital
estadual sob o Departamento Estadual de Hospitais Estaduais”
(CALIFÓRNIA, 2019, p. 30-32).
Já no Código do Seguro Desemprego, além da inclusão do teste
ABC, são consideradas empregadas aquelas pessoas que são oficiais
de uma corporação, ou que prestam “serviços mediante remuneração

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 73


V IA DOS DIREITOS
para qualquer unidade empregadora, se o contrato de serviço
considerar que substancialmente todos esses serviços devem ser
realizados pessoalmente por esse indivíduo”, como motorista-agente
ou motorista de comissão envolvido na distribuição de produtos;
vendedor de viagem ou cidade envolvido em período integral com
pedidos de atacadistas, varejistas, contratados ou operadores de hotéis,
restaurantes ou outros estabelecimentos; e trabalhador doméstico
(CALIFÓRNIA, 2019, p. 35-36).
Ainda, vale registrar que o teste Borello continua sendo
aplicado para uma lista específica de profissões e em ocasiões muito
detalhados pela AB 5. A título ilustrativo, citam-se algumas dessas
restrições ao teste ABC: pessoas que prestam serviços de marketing,
administradores de recursos humanos; “uma pessoa ou organização
licenciada pelo Departamento de Seguros”; “serviços prestados por
um fotógrafo ou fotojornalista que não licencie envios de conteúdo ao
suposto empregador mais de 35 vezes por ano”; “serviços prestados por
um escritor freelancer, editor ou cartunista de jornal que não fornece
envios de conteúdo ao suposto empregador mais de 35 vezes por ano”;
agente de viagens; escritores; manicures; esteticistas (CALIFÓRNIA,
2019).
Como a garantia dos direitos trabalhistas é condicionada ao
reconhecimento da classificação enquanto empregado, uma vez assim
reconhecido, a pessoa tem direito ao salário mínimo de 12 dólares/
hora para empregadores que tenham a partir de 26 empregados
e de 11 dólares/hora para empregadores com até 25 empregados;
pagamento com adicional de 50% das horas trabalhadas além da 8ª
diária ou da 40ª semanal e pagamento em dobro das horas trabalhadas
além da 12ª diária; pagamento de até 2 horas diárias, em caso de não
concessão dos intervalos para descanso e alimentação; direito a não
discriminação no acesso e manutenção do emprego, inclusive por
motivos de orientação sexual, identidade ou expressão de gênero;
dentre outros (FERNANDES, 2019).
Assim, o Estado da Califórnia não se eximiu da responsabilidade
em mediar a relação entre capital e trabalho, reconhecendo que as
empresas se apropriam das tecnologias para benefício próprio, e em
adaptar a lei às novas formas de organização do trabalho, notadamente

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V I A D O S DI REI TOS
as plataformas digitais, garantindo o acesso aos direitos sociais e
trabalhistas básicos aos trabalhadores.
Apesar da decisão do caso Dynamex e do posicionamento
jurisprudencial protetivo por si só representarem um precedente
fundamental, tendo em vista que o sistema jurídico californiano
é estruturado no Commom Law, a incorporação do teste ABC ao
marco legislativo do Estado carrega não só uma importância política
e simbólica que reverbera para todo o mundo, mas também traz
segurança jurídica ao próprio sistema (SIGNES, 2020). Aliás, sobre a
repercussão mundial, vale citar que a International Transport Workers
Federation(ITF), federação sindical global de 665 sindicatos de
trabalhadores em transporte que representa mais de 18 milhões de
trabalhadores em 147 países, declarou, em seu site oficial (2019), que
a AB5 deve ser uma inspiração para as demais normas regulatórias
sobre o trabalho em plataformas e que leis semelhantes a ela
“iriam revolucionar a vida profissional de milhões de trabalhadores
do transporte, desafiando o modelo de negócios que depende da
exploração e de condições de trabalho terríveis” (INTERNATIONAL
TRANSPORT WORKERS FEDERATION, 2019) (tradução nossa).

5. Considerações sobre análises conceituais e classificação


correta

O conceito de empregado estabelecido pela AB5, modifica


substancialmente as questões que envolvem a classificação correta
de trabalhadores na Califórnia. Destarte, essa parte do texto busca
relacionar de forma reflexiva os problemas da classificação incorreta
e os conceitos de empegado e subordinação na gig economy, com o
intuito de expandir as contribuições da experiência californiana.
Apesar da AB5 estar em vigor, empresas como Uber e Lyft não
realizaram a reclassificação automática de seus motoristas. A Uber
segue sustentando o argumento de que seus motoristas são contratados
independentes e, por isso, a nova lei californiana não lhes é aplicável.
Tony West, diretor jurídico da Uber, em pronunciamento em 2019,
afirmou que continuarão defendendo a condição de independente dos
motoristas e seguindo a vontade deles próprios, que é de flexibilidade

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V IA DOS DIREITOS
no trabalho. Já o CEO da empresa, Dara Khosrowshahi, apontou que
uma reclassificação alteraria completamente o modelo de negócios e
acarretaria efeitos adversos na condição financeira e nas negociações
(O’BRIEN, 2019).
Com uma baixa no valor de negociação das ações, a Uber
reagiu à notícia da aprovação da AB5 em 2019 com um expressivo
corte no quadro de funcionários dos setores de produto e engenharia
da empresa. Em conjunto com a Lyft e DoorDash, prometeram investir
90 milhões de dólares para apoiar a iniciativa de uma votação que
os isentaria da aplicação da nova lei. Os esforços também têm sido
direcionados para as campanhas eleitorais e outros projetos de lei que
criam uma categoria alternativa de trabalho (CONGER; SCHEIBER,
2019).
Em relação aos argumentos sustentados pelas empresas da
gig para manter a classificação dos trabalhadores como contratados
independentes, Rodrigo Carelli afirma que esses são mitos ou estão
afastados da realidade. Segundo o autor, além da desconexão dos
argumentos com a realidade, eles não guardam correspondência
com os conceitos das categorias jurídicas legalmente estabelecidas
(CARELLI, 2020, p. 66).
O tribunal do trabalho britânico, no julgamento do caso
Aslam, Ferrar e outros versus Uber BV e outros, concluiu, após
minuciosa análise do modelo de negócio da Uber, que os termos
do contrato escrito da empresa, os quais afirmam expressamente o
status de contratados independentes dos motoristas, não condizem
com a realidade da relação. Embora a empresa alegue que seus
trabalhadores possuem autonomia, o tribunal identificou na prática
da prestação do serviço evidências de controle da plataforma sob os
motoristas, o que os classifica como trabalhadores dependentes de
acordo com a legislação local. O magistrado ainda afirmou chegar a
ser ridícula a ideia de que os 30.000 motoristas de Londres pudessem
ser considerados pequenos empreendedores, quando na realidade o
“empreendimento” seria um homem com um carro, tentando ganhar
a vida dirigindo (REINO UNIDO, 2020).
Tais apontamentos chamam a atenção para a necessidade
de uma análise conceitual das categorias empregado e autônomo.

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V I A D O S DI REI TOS
Rodrigo Carelli (2020, p. 75) indica que existem duas dimensões
centrais que caracterizam o trabalhador autônomo. A primeira delas
é que o autônomo é quem gerencia e organiza seu negócio. Isto é, ele
faz escolhas sobre o direcionamento do empreendimento de acordo
com sua vontade, assim, decide o produto, os preços, formas de
recebimento, para quem irá prestar o serviço e possui sua própria
cartela de clientes. A segunda dimensão diz respeito à organização do
seu trabalho dentro do negócio por ele já organizado. Quer dizer que,
o autônomo escolhe qual será o ritmo e a distribuição do trabalho,
novamente de acordo com sua vontade.
Dessa forma, é possível perceber que existe uma diferença
básica entre o autônomo e o empregado ao que se refere à realização
da atividade econômica, o autônomo se insere na atividade econômica
por ele mesmo estruturada, enquanto o empregado insere-se na
atividade econômica conduzida e estruturada por outros (CARELLI,
2020, p. 74). Ademais, cabe destacar que os erros de classificação
ocorrem muitas vezes por se desconsiderar uma das duas dimensões
características do trabalho autônomo, ou independente, como é
chamado no exterior (CARELLI, 2020, p. 75).
A partir dessas colocações, denota-se que a subordinação é a
característica central de distinção entre as figuras dos trabalhadores
independentes e empregados. Segundo Maurício Godinho Delgado
(2019, p. 397), a subordinação é o polo contrário da autonomia, de
modo que o trabalhador autônomo é caracterizado pela ausência
de subordinação em relação ao tomador do serviço, enquanto o
empregado acolhe a direção do dono do negócio.
Ao analisar a subordinação, Delgado expõe suas três dimensões
(2019, p. 352). A primeira, subordinação clássica, corresponde à
submissão do trabalhador ao poder de direção empresarial no tocante
ao modo de realização de sua prestação laborativa, manifestando-se
pela intensidade de ordens do tomador de serviços sobre o respectivo
trabalhador. A segunda, objetiva, que ocorre pela harmonização
entre a atividade do trabalhador e os fins do empreendimento a que
se vincula. Já a terceira, estrutural, desponta da inserção do obreiro
na organização e no modos operandi de seu tomador de serviços,
incorporando sua cultura e diretrizes, independentemente das

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 77


V IA DOS DIREITOS
funções específicas que exerça (DELGADO, 2019, p. 353). Isto é, a
direção do trabalho pode se manifestar de diversas formas, desde a
emanação de ordens diretas e pessoais até a expedição de diretrizes
ou de regras gerais, através de regulamentos escritos, circulares,
ordens de serviço, ou pode ainda ser uma consequência da própria
organização da empresa, em que o trabalhador é integrado à atividade
empresarial, tendo, por via reflexa, sua subordinação.
Assim, a subordinação configura-se na situação fático-jurídica
na qual o trabalhador se compromete a seguir as ordens de quem o
contratou ao que se refere à condução da prestação do serviço. Nesse
caso, a autonomia da vontade do trabalhador é reduzida em detrimento
do poder diretivo de quem contrata, com fins de viabilizar a gestão
do trabalho e do negócio. O trabalhador subordinado, de tal modo,
obedece à hierarquia de posições e valores instituída pelo contratante
(DELGADO, 2019, p. 349).
Os argumentos das empresas da gig economy para classificar
seus trabalhadores como autônomos, ou contratados independentes,
se baseiam na alegação de que são meras plataformas de intermédio
entre quem procura e quem oferta um serviço e que os trabalhadores
possuem ampla liberdade de escolha quanto ao horário de trabalho
e podem recusar ofertas (CARELLI, 2020, p. 66). Tais argumentos
mostram-se inadequados com o que acontece na prática e com os
próprios conceitos de autônomo, empregado e subordinação.
Primeiramente, empresas como Uber, Lyft e outras que
possuem a mesma estrutura não podem ser consideradas como
market place (CARELLI, 2020) ou como sharing economy sob o conceito
de peer-to-peer (FUNG SO; et al., 2019). Seus modelos de negócio não
são de livre transação entre pessoas, mas passam pelo intermédio e
regulação das plataformas, que definem padrão de qualidade, formas
de execução de serviço, preços e ainda instituem mecanismos de
incentivos e punições.
Já o segundo argumento, que diz sobre a autonomia em virtude
da escolha da quantidade de horas e do período de trabalho, mostra-
se inadequada ao conceito de subordinação. A subordinação refere-
se à inserção do trabalhador a uma dinâmica de obediência a regras
estipuladas pelo tomador sobre a forma de execução do serviço. Em

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V I A D O S DI REI TOS
nada diz respeito a quantidade de horas trabalhadas ou controle de
jornada, tanto é que existem no ordenamento jurídico, no Brasil e
no de outros países, figuras legalmente descritas como empregados,
mas que possuem jornadas reduzidas com remuneração/hora e não
passam por controle de jornada.
Já está pacificado pela doutrina laboral e reconhecido por
diversas normas jurídicas que a subordinação não pode mais ser lida
apenas pela sua concepção clássica69, ligada a figura da pessoa do
empregador que exerce o controle técnico e organizacional sobre o
trabalho dos empregados de forma direta e intensa. Com os avanços
da tecnologia e especialização das tarefas, a subordinação toma
contornos mais flexíveis, traduzindo-se, em síntese, na “integração
do trabalhador nos fins e objetivos do empreendimento do tomado de
serviços” (DELGADO, 2019, p. 352).
Quanto à estrutura tecnológica de organização da gig economy,
Mirian Cherry (2016, p. 6) salienta que os trabalhadores da gig estão
submetidos a uma subordinação automatizada por algoritmos,
que permite o gerenciamento automático do trabalho. De acordo
com a autora, os códigos informatizados assumem a realização de
diversas tarefas de gerenciamento e supervisão do trabalho que vão
das mais simples as mais complexas, como distribuição de tarefas,
monitoramento dos horários de não trabalho, intensificação do ritmo
e classificação dos empregados.
O controle do trabalho pelos meios tecnológicos é plenamente
compatível com o conceito já firmado de subordinação, pois a
substituição do exercício do controle humano pelo automatizado
não modifica a lógica de submissão do trabalhador ao poder diretivo
do contratante. A legislação brasileira no parágrafo único, artigo
6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inclusive equipara
69 Sobre as transformações das relações de trabalho em razão da tecnologia e o
conceito de subordinação, ver mais em: MENDES, Marcus Menezes Barberino;
CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende. Subordinação estrutural-reticular: uma
perspectiva sobre segurança jurídica. Revista do Tribunal Regional do Trabalho 3ª
Região, Belo Horizonte, v. 46, n. 76, p. 197-218, out. 2008. REIS, Daniela Muradas;
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V IA DOS DIREITOS
expressamente os meios informáticos e telemáticos de comando,
controle e supervisão do trabalho aos pessoais e diretos, quanto à
configuração da subordinação jurídica.
Encerra-se esse tópico ressaltando a contribuição fornecida
pela análise conceitual das categorias laborais para a compreensão
e resolução das questões trazidas pelo modelo de trabalho por
plataforma. Nesse sentido, o conceito de empregado construído pela
AB5 mostra-se em consonância com a lógica e categorias estabilizadas
do direito do trabalho, comuns em vários países.

6. Considerações finais

Este trabalho teve por objetivo principal apresentar de forma


crítica o conceito de empregado trazido pela lei californiana AB
5, relacionando-o com os problemas da falta de proteção social e
classificação incorreta dos trabalhadores da indústria 4.0. Ao longo
do texto buscou-se remontar alguns aspectos do contexto do trabalho
na gig economy, que levaram a discussão judicial do caso Dynamex, e
conceituar elementos importantes que compõe a figura do empregado,
tal qual a subordinação.
Dos resultados encontrados, aponta-se a relação do conceito
de empregado com teste tripartite denominado ABC. A utilização do
novo teste traz mais objetividade para o processo de classificação dos
empregados, o que garantiria mais eficácia na aplicação do conceito.
Ainda, a ampliação do conceito para o status de regra geral, pretende
resolver os problemas da precarização do trabalho e da condição
social, apontados pela própria lei.
Contudo, apesar da AB5 estar em vigência, o comportamento
das empresas da gig economy continua a ser o de negar o vínculo da
relação com seus trabalhadores. Insistem no argumento de que seus
contratados são autônomos, não devendo, portanto, classifica-los
como empregados. Acrescentam que classificar os trabalhadores como
empregados comprometeria a viabilidade dos negócios e retiraria
a flexibilidade da prestação do serviço, sendo esse último um valor
indispensável para os próprios trabalhadores.
Nesse contexto, o artigo apontou estudos e casos que

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V I A D O S DI REI TOS
demonstram a inadequação dos argumentos com as práticas reais
da prestação do serviço. Para tal análise, utilizou-se da exposição
conceitual das categorias laborais em evidência como as de empregado,
autônomo e subordinação. Nessa parte do estudo foi possível fazer uma
aproximação do objeto de pesquisa - conceito de empregado – com
uma perspectiva mais abrangente do significado, tendo em vista que
os impasses quanto ao status jurídico dos trabalhadores de plataforma
são enfrentados por vários países e casos como o californiano podem
servir de estandartes para outras localidades.
Compreendidos esses aspectos, deve-se aqui ressaltar a
utilidade da constante retomada dos conceitos estruturais do direito
laboral, tais como empregado, autônomo e subordinação, para afastar
proposições em desalinho com as normas já assentadas. A utilização
de argumentos e instrumentos formais que não condizem com as
práticas reais deve ser refutada, sob pena de se incorrer na transgressão
negativa de normas jurídicas de proteção social já fixadas. Observar
corretamente os conceitos das categorias laborais e aplica-los, torna-
se um exercício necessário para a preservação dos interesses coletivos
e individuais de pacificação social pelo acesso ao trabalho.

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V IA DOS DIREITOS
O subcontract na Assembly Bill No. 5

Daniel de Faria Galvão70


Eugenio Delmaestro Corassa71
Victor Sousa Barros Marcial e Fraga72

1. Introdução

O fenômeno da precarização e do contrato de trabalhadores


pelas vias informais não é de forma alguma novo, porém a
nova realidade é a mediação desses contratos por instrumentos
tecnológicos. Empresas como Uber e Lyft, as mais poderosas no ramo
nos Estados Unidos da América (EUA), criaram um novo paradigma de
intermediação do trabalho por aplicativos.
Como nunca antes na história, consumidores conseguem
acessar um bem ou serviço por um simples clique em seus smartphones,
sendo que toda a operação é estruturada na plataforma online, sendo
apenas o serviço em si realizado fisicamente.
Dessa maneira, grandes contingentes de trabalhadores são
absorvidos por essas plataformas e passam a laborar por meio delas,
sem que haja qualquer contraprestação dessas empresas no sentido
de reconhecer a existência do vínculo ou fornecer direitos básicos
garantidos pelas mais diversas legislações trabalhistas ao redor do
mundo.
A situação não era diferente na Califórnia, berço das empresas
de tecnologia nos Estados Unidos, onde o debate sobre a condição
desses trabalhadores perdurou por anos.

70 Professor de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. Doutorando


e Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais - UFMG.
71 Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do
Grupo de Pesquisa Trabalho e Resistências. Advogado.
72 Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais (PPGD-UFMG). Artigo apresentado como requisito parcial
para aprovação na disciplina “Assembly Bill nº 5 da Califórnia e seus impactos no
direito e no processo do trabalho tendo em vista o acesso à justiça pela via dos direitos
laborais”, ministrada pela Prof. Dra. Adriana Goulart de Sena Orsini e pelo Prof. Dr.
José Eduardo de Resende Chaves Júnior.

84 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Fruto desse embate, surge a legislação californiana que regula
a matéria, a AB5, consolidando o precedente obtido no caso Dynamex,
em que uma empresa de same-day delivery, as entregas express,
classificou de forma errônea seus funcionários como contratantes
independentes e os privou de proteções conferidas aos trabalhadores
de acordo com as leis trabalhistas californianas.73
O objetivo deste trabalho, portanto, é analisar uma das categorias
trazidas na Assembly Bill No. 5 (AB5), qual seja a subcontratação, de
forma a entender as hipóteses de aplicação ou exceção perante a lei
californiana. Para tal, buscaremos demonstrar as particularidades da
aplicação da lei aos subcontratos, demonstrando a inovação obtida
quanto ao reconhecimento do vínculo de emprego.
Depois, apontaremos alguns efeitos práticos da lei no tocante
aos seus impactos em mercados consolidados e que não se confundem
com aqueles novos mercados vinculados aos aplicativos de plataforma
de trabalho, sejam eles para transporte, entrega de mercadorias ou
qualquer outra finalidade.
Finalmente, abordaremos a discussão acerca do contrato de
empreitada no Brasil e seus paralelos com a situação norte-americana
de acordo com a AB5, no tocante às relações entre empreiteiros e
contratados, bem como a respeito da figura do Operador Logístico
(OL) nos trabalhos por plataforma.
Nosso propósito é empreender uma pesquisa preliminar acerca
do tema, trazendo o debate sobre a legislação californiana para o
contexto nacional, haja vista a existência de uma série de projetos de lei
e discussões infindáveis sobre o tema. Assim, o exemplo californiano,
berço do Vale do Silício e local de fundação dessas empresas, pode nos
ajudar a entender o cenário brasileiro.

2. Testes Borello e ABC na Assembly Bill No. 5

A Assembly Bill No. 5, de 2019, foi projeto de lei patrocinado pela


deputada californiana Lorena Gonzalez e apoiado pelo governador
da Califórnia, Gavin Newsom (PAUL, 2019). Na primeira seção da

73 O caso citado é: Dynamex Operations W. v. Superior Court and Charles Lee, Real
Party in Interest, 4 Cal.5th 903 (Cal. 2018)

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 85


V IA DOS DIREITOS
Lei, declara o Conselho Legislativo que a pretensão do projeto foi
de esclarecer a aplicação da decisão realizada no emblemático caso
Dynamex, em que a Suprema Corte da Califórnia teria citado “os danos
a trabalhadores mal classificados que perdem proteções significativas
no local de trabalho”, além de competição desleal entre empresas e
evasão de obrigações trabalhistas e fiscais (CALIFORNIA, 2020).
Apontou o órgão, ainda, que “[a] classificação incorreta dos
trabalhadores como contratados independentes tem sido um fator
significativo na erosão da classe média e no aumento da desigualdade
de renda”, visando o Conselho codificar o entendimento unânime
da Corte californiana (CALIFORNIA, 2020). Em 29 de maio de 2019,
a Assembleia do Estado da Califórnia aprovou o projeto de Lorena
Gonzalez com 55 votos favoráveis e 11 votos contrários e, em 18 de
setembro de 2019, o governador assinou o projeto, transformando-o
em lei (A80, 2019a, 2019b).
A mais notável alteração legislativa realizada pela AB5 é a
criação da Seção 2750.3 no Labor Code californiano. Esta nova Seção,
em sua subdivisão (a), parágrafo (1), instituiu o teste ABC como regra
geral para a identificação do vínculo empregatício a partir de 1º de
janeiro de 2020. O texto legal indica a posição de empregado (employee)
enquanto regra e a de contratado independente (independent contractor)
enquanto exceção a ser comprovada pela entidade contratante.
O teste Borello, obtido do julgamento do processo S.G. Borello
& Sons, Inc v. Department of Industrial Relations pela Suprema Corte da
Califórnia em 1989, foi utilizado por três décadas para determinar, na
maioria dos casos previstos na lei californiana, a existência ou não do
vínculo empregatício (DUBAL, 2020, p. 379).
Ainda que exista controvérsia quanto ao número de fatores
que compõem o teste, são indicados ao menos nove na decisão,
sendo desnecessário que o trabalhador preencha todos para que seja
reconhecido enquanto contratado independente (CALIFORNIA, 1989).
Na AB5, o teste Borello continua sendo aplicado de forma
subsidiária, sendo expressamente indicado enquanto alternativa
vigente caso algum tribunal declare inadequada a aplicação do teste
ABC em contexto específico (Seção 2750.3, subdivisão (a), parágrafo
(3)), bem como para diversas profissões indicadas na subdivisão (b).

86 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Restam afastadas, ainda, as profissões indicadas na subdivisão (d), por
estarem sujeitas ao Código de Negócios e Profissões, com aplicação
residual do Borello na hipótese de seu parágrafo (1).
Quanto às profissões elencadas na subdivisão (c) e às situações
excepcionais das subdivisões (e) e (g), a determinação do status do
trabalhador também será apontada pelo teste caso cumpridos critérios
específicos apontados em cada subdivisão. Na exceção da subdivisão
(f), por fim, devem ser observadas as determinações do Borello e da
Seção 2750.5 caso os critérios específicos indicados sejam atendidos.
O teste ABC, adotado enquanto forma principal de verificação
de vínculo no projeto de lei, conta com apenas três fatores. Ainda
assim, o teste foi considerado mais rigoroso com os empregadores ao
determinar o vínculo empregatício enquanto pressuposto que só pode
ser afastado caso as três condicionais sejam positivas (LIQUID, 2019).
Tanya Goldman e David Weil (2020) indicam que o teste ABC oferece
mais previsibilidade aos trabalhadores e juízes e melhor avaliação de
riscos e custos aos empregadores. Seus fatores são:

(A) a pessoa está livre do controle e da direção da


entidade contratante em conexão com a exceção da
obra, tanto no contrato quanto para a execução da
obra e de fato.
(B) a pessoa realiza um trabalho fora do curso
normal dos negócios da entidade contratante.
(C) a pessoa está habitualmente envolvida em um
comércio, ocupação ou negócio estabelecido de
forma independente, da mesma natureza que a
envolvida no trabalho realizado. (CALIFORNIA,
2020)

Conforme salienta Rodrigo de Lacerda Carelli (2019), a


inclusão do teste no Código de Trabalho californiano representa,
tal qual no caso Borello, processo de codificação de decisão judicial
relevante. Indica o autor, ainda, que a norma exige a demonstração de
existência cumulativa de requisitos para negar a existência da relação
empregatícia, distanciando-se da regulação anterior e da legislação

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 87


V IA DOS DIREITOS
brasileira.
Com a expectativa de atingir 10% da força de trabalho do
estado, a AB5 foi definida enquanto a lei trabalhista mais impactante
dos Estados Unidos no momento, principalmente pelo impacto que a
Califórnia, que seria a quinta maior economia do mundo caso fosse
um país, tem no comportamento dos demais estados dos EUA e das
nações estrangeiras (STARNER, 2019).

3. Subdivisão (F) e subcontrato na indústria da construção

Conforme apontado, a situação prevista na subdivisão (f) da


Seção 2750.3 comporta exceção da regra geral do teste ABC em caso
de relação entre o contractor (contratante ou, mais especificamente,
empreiteiro) e o indivíduo que realiza trabalho nos termos de um
subcontrato na indústria da construção (CALIFORNIA, 2020).
A relação entre o contractor e o subcontractor se assemelha à
do empreiteiro com o subempreiteiro, na experiência brasileira,
em um contrato de empreitada. Significa, portanto, o vínculo entre
o indivíduo contratado por empresa ou pessoa responsável por uma
obra para realizá-la e a pessoa contratada, por aquela, para executar
o serviço. Não há relação direta, portanto, entre o subempreiteiro e a
empresa ou pessoa dona da obra (eSUB, 2020).
A fim de ser regida a relação de trabalho pela Seção 2750.5 do
Labor Code da Califórnia e pelo teste Borello, o vínculo deve atender
aos critérios específicos contidos na indicada subdivisão (f).
O primeiro requisito indicado é a realização do subcontrato
por escrito, formalidade compreendida pela lei enquanto mínima.
Há critério, em sequência, que determina o necessário licenciamento
do subempreiteiro pelo Conselho de Licenciamento Estadual do
Empreiteiro e a realização de trabalho dentro do escopo da licença
obtida. O terceiro tópico indica que o subcontratado deve, ainda,
possuir licença comercial ou registro fiscal comercial caso esteja
domiciliado em jurisdição que os exija.
Deve-se comprovar, em sequência, que o subcontractor mantém
local comercial separado do empreiteiro, primeira exigência atrelada
ao reconhecimento de independência do trabalhador quanto ao

88 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
exercício de seu ofício. O quinto requisito é de que o subempreiteiro
tenha autoridade para contratar e demitir outras pessoas para prestar
ou auxiliar na prestação dos serviços, ou seja, que não esteja obrigado
a prestar, pessoalmente, o trabalho para o qual foi contratado.
O sexto critério indicado na subdivisão (f) é de que o
subcontratado assume responsabilidade financeira por erros ou
omissões na realização de seus serviços conforme comprovado por
seguro, obrigações de indenização legalmente autorizadas, garantias
de desempenho ou garantias relacionadas à mão de obra ou serviços
fornecidos. Aprofunda-se o panorama, portanto, de que o trabalhador
em condição de subempreiteiro tem efetiva independência em relação
ao empreiteiro quanto à prestação de seus serviços.
O sétimo e último requisito indica que o subempreiteiro
deve estar costumeiramente envolvido em negócio estabelecido de
forma independente e da mesma natureza do trabalho performado
no subcontrato. Em outras palavras, exige-se que a prestação dos
serviços específicos realizados na subempreitada seja habitual para o
trabalhador.
No parágrafo (8), subparágrafo (A), da indicada subdivisão
(f) da Seção 2750.3, a legislação californiana aduz que o parágrafo
(2) da mesma subdivisão, ou seja, o requisito de licenciamento
do subempreiteiro pelo Conselho de Licenciamento Estadual do
Empreiteiro, não se aplica ao subempreiteiro que forneça serviços de
transporte por caminhão para a realização de serviços de empreitada. A
justificativa, exposta no mesmo subparágrafo, é a legislação específica
do Código de Negócios e Profissões que não exige licenciamento para
o serviço.
A lei, contudo, condiciona tal desnecessidade ao cumprimento
de quatro cláusulas:

(i) O subcontratado é uma entidade comercial


formada como uma sociedade unipessoal, parceria,
sociedade de responsabilidade limitada, parceria
de responsabilidade limitada ou corporação.
(ii) Para trabalhos realizados após 1o de janeiro de
2020, o subcontratado é registrado no Departamento

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 89


V IA DOS DIREITOS
de Relações Industriais como empreiteiro de
obras públicas, de acordo com a Seção 1725.5,
independentemente de o subcontrato envolver
trabalho público.
(iii) O subempreiteiro utiliza seus próprios
funcionários para executar os serviços de
transporte rodoviário de construção, a menos
que o subempreiteiro seja o único proprietário
que opera seu próprio caminhão para executar
todo o subcontrato e possua uma licença válida de
transportadora a motor emitida pelo Departamento
de Veículos a Motor.
(iv) O subcontratado negocia e contrata com,
e é compensado diretamente pelo contratado
licenciado. (CALIFORNIA, 2020)

O subparágrafo (B) do parágrafo (8), contudo, indica que o


trabalho realizado após 1º de janeiro de 2020 por entidade comercial,
em condição de subempreiteira, com mais de um caminhão a fará ser
considerada empregadora de todos os motoristas desses caminhões.
O subparágrafo (C), por sua vez, define “serviços de transporte por
caminhão de construção” e o subparágrafo (D) limita a aplicação do
parágrafo (8) ao trabalho prestado antes de 1º de janeiro de 2022.
O subparágrafo (E), por fim, indica que o empregado de empresa
de caminhões que tenha caminhão próprio e o disponibilize para o
empregador deve ser reembolsado pelas despesas incorridas de seu
uso.
A empresa Contractor Hub (2019), especializada em conectar
empreiteiros e agências, disponibilizando diretório de empreiteiros
em seu site, afirmou que o setor de construções não deve sofrer
impacto direto da legislação californiana, indicando a contratação
de subempreiteiros para tarefas específicas, e não para aumentar
genericamente a força de trabalho, e o necessário afastamento da micro
gerência, oferecendo independência na execução do subcontrato.
Em análise prefacial da norma, portanto, resta clara a intenção
legislativa de afastar a utilização fraudulenta do subcontrato. Os

90 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
critérios expostos visam inibir a utilização da forma de contratação
para a execução de atividades regulares em obras por trabalhadores
em contratos precários, autônomos para fins de direitos trabalhistas e
subordinados para fins práticos.
Caso seja positiva a resposta aos critérios estabelecidos, ou
seja, caso demonstrada a existência de indicadores de independência
do trabalhador, o contrato será regido pelo teste Borello e pela Seção
2750.5 do Labor Code californiano. A seção indicada prevê refutável a
presunção de status de empregado para trabalhadores licenciados nos
termos do Capítulo 9 da Divisão 3 do Código de Negócios e Profissões
caso o indivíduo controle a forma de execução do contrato de serviços,
esteja envolvido em negócio estabelecido de forma independente e
esteja de boa-fé (CALIFORNIA, 1979).
O conceito de boa-fé, por sua vez, é aferido por indicadores
como negociação por projetos ao invés de tempo, controle sobre
tempo e local de realização do trabalho, fornecimento de ferramentas,
contratação de funcionários, investimento no negócio para além de
serviços pessoais, realização de trabalho específico e outros indicadores
previstos na subdivisão (c) em rol não taxativo (CALIFORNIA, 1979).
Em 2016, Sara Hinkley, Annette Bernhardt e Sarah Thomason
indicaram o impacto de vínculos precários na realidade do estado,
com a subcontratação de zeladores e seguranças em cifras de 38% e
70%, respectivamente, com a ausência de pagamento de horas extras,
maior exposição a riscos no local de trabalho, cerca de metade dos
rendimentos de profissionais contratados enquanto empregados e
gastos estatais com assistência de membros de mais de metade das
famílias destes trabalhadores a fim de suprir as lacunas ocasionadas
pelo vínculo incerto.
A empresa Uber, por sua vez, alega ter 200.000 motoristas
na Califórnia, dos quais apenas 2% trabalharia mais de quarenta
horas semanais, e a Lyft indica ter 300.000 motoristas, dos quais 86%
trabalharia menos de vinte horas por semana (RANA, 2020). Somando
os trabalhadores afetados pela lei, a expectativa, conforme indicado,
seria de que cerca de um milhão e novecentos mil dos vinte milhões
de trabalhadores californianos sejam afetados pela regra (STARNER,
2019).

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 91


V IA DOS DIREITOS
4. Efeitos práticos da Assembly Bill No.5 e as categorias
excepcionais

Apesar do foco da lei californiana ser regular as relações


do trabalho realizado sob demanda na forma da gig-economy, suas
normas afetam um número maior de trabalhadores alheios ao
trabalho em plataformas que laboravam sob a alcunha de autônomos
ou independentes. Nesse sentido, apesar das exceções apresentadas
no tópico anterior, muitas empresas e negócios californianos são
afetados pelas disposições da lei.
Assim, empresas cujos trabalhadores eram historicamente
classificados como contratantes independentes e que não estão
presentes nas situações excepcionais da legislação californiana,
terão de adaptar seus negócios e reclassificar seus funcionários como
empregados. Conforme alertam especialistas, enquanto a norma
não for adotada pelos demais estados dos EUA, a diferença quanto à
aplicação do teste representa um ponto essencial para o funcionamento
de negócios na Califórnia, com possibilidade aumentada de litigância
e aumento dos custos empresariais (STARNER, 2019)
Dessa forma, alguns trabalhadores que estão inseridos em
regime de freelancer, como é o caso de muitos jornalistas e conteudistas
de blogs e jornais californianos, assim como artistas liberais, devem ser
promovidos ao regime full-time quando preenchidas as características
do teste ABC. O que ocorre, no entanto, é que diversas companhias
têm preferido cortar seus postos de trabalho em detrimento de manter
seus funcionários (AKTHAR, 2019).
Esse fenômeno levou algumas categorias profissionais a
propor ações de forma a serem excluídas da categoria de empregador,
afastando o escopo da aplicação da legislação. Dessas categorias
podemos destacar a dos jornalistas freelancers (BRASLOW, 2019) e a dos
motoristas de caminhões autônomos, que se assemelham em alguns
graus aos motoristas agregados (TAC) no Brasil, regrados pela Lei nº
11.442/200774.
74 A Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007, versa sobre o transporte rodoviário de cargas
por terceiros no Brasil, definindo a figura do Transportador Autônomo de Cargas (TAC)
e indicando os requisitos necessários do TAC e das empresas de transporte rodoviário
de cargas para a validade da contratação. Prevê, também, a figura do subcontrato, com
responsabilidade do transportador por ações ou omissões de empregados, terceiros
contratados e subcontratados, com direito de regresso. (BRASIL, 2007)

92 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Especificamente no caso dos caminhoneiros, a impossibilidade
de aplicação se daria em razão da matéria de sua classificação
jurídica ser de ordem federal, existindo uma legislação federal norte-
americana de 1994 - a Federal Aviation Administration Authorization Act
(“FAAAA”) - que regula as relações em todos os 50 estados dos EUA.
Essa legislação federal impediria, assim, que estados
legislassem sobre matérias que afetem de qualquer maneira as rotas,
serviços e preços efetuados pelos transportadores autônomos. Tal
tese foi apresentada em ação movida pela Western States Trucking
Association, tendo sido reconhecida pelo juiz Roger Benitez, que lhe
concedeu uma ordem de restrição evitando a aplicação da AB5 a
essas relações, mantendo o status de contratantes independentes dos
motoristas (MCCLAIN, 2020).
Outro juiz teve um entendimento semelhante a esse, o juiz
William Highberger, da Corte Superior de Los Angeles, que também
reconheceu a aplicação de legislação federal ao caso, obstando a
aplicação da AB5 novamente.
Por outro lado, o sindicato nacional norte-americano dos
caminhoneiros - os Teamsters - pelos seus advogados, vem sustentando
a tese de que mesmo que a AB5 não seja aplicável às relações existentes
entre os caminhoneiros e as empresas, os motoristas ainda podem ser
tratados como empregados a partir do teste Borello (PELTZ, 2020).
A discussão ainda não está pacificada, embora à primeira vista
não exista óbice à caracterização desses motoristas como empregados,
seja pelo teste Borello ou pela aplicação da AB5 californiana.
A fim de clarear o tema, o Departamento do Trabalho propôs
clarear o papel do operador proprietário na lei californiana, propondo
regra que valorize a realidade econômica do trabalhador para definir
seu status legal, o controle do trabalhador sobre seu próprio trabalho,
a viabilidade de que ele arque com lucros ou prejuízos e outros fatores,
salientando que a realidade do contrato de trabalho, como na realidade
brasileira, conta mais do que a previsão contratual (SCHULZ, 2020).
A própria Uber, juntamente com as empresas da gig-economy,
também tem tentado fugir da aplicação da lei, bem como tem capitaneado
campanhas publicitárias agressivas contra a regulamentação de
suas atividades. Em uma decisão judicial mais recente, o estado da

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 93


V IA DOS DIREITOS
Califórnia conseguiu obrigar a Uber e seus semelhantes a caracterizar
como empregados os motoristas vinculados (PAUL, 2020).
Por outro lado, outra prática adotada pelas empresas tem
sido o outsourcing. Em termos gerais é comumente traduzido para o
português como terceirização e tem sido uma opção buscada pelas
empresas para fugir da AB5 e da necessidade de considerar os seus
profissionais outrora autônomos como empregados.
Nesse caso, tendo em vista a redução de custos algumas
empresas têm terceirizado parte de seus serviços para outros estados
norte-americanos ou para outros países. Nesse caso, a terceirização
ocorre da forma como se conhece no Brasil, pela contratação de uma
terceira parte, uma empresa que realiza os serviços de terceirização.
Assim, tais empresas conseguiriam passar no teste ABC, pois
ausente o requisito da direção e do controle do trabalho pela entidade
contratante, na medida em que é outra empresa que possui o poder de
direção.

5. O contrato de empreitada no Brasil e sua relação com a


situação Californiana

Finalmente, para entendermos a disposição da legislação


norte-americana, é necessário compreender como se dá o contrato de
empreitada no país e como a legislação e a jurisprudência lidam com a
matéria. No caso da legislação brasileira, a relação é regida pelo artigo
n. 455 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):

Art. 455 - Nos contratos de subempreitada


responderá o subempreiteiro pelas obrigações
derivadas do contrato de trabalho que celebrar,
cabendo, todavia, aos empregados, o direito de
reclamação contra o empreiteiro principal pelo
inadimplemento daquelas obrigações por parte do
primeiro.
Parágrafo único - Ao empreiteiro principal
fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação
regressiva contra o subempreiteiro e a retenção

94 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
de importâncias a este devidas, para a garantia das
obrigações previstas neste artigo. (BRASIL, 1943,
Grifos nossos)

Como regra geral, de acordo com a previsão do artigo 455 da


CLT, caberá ao empregado do subempreiteiro o direito de reclamação
contra o empreiteiro principal, cabendo ainda o direito de ação
regressiva pelo empreiteiro principal em face do subempreiteiro, no
caso de haver condenação. Nesse caso, o adimplemento dos créditos
trabalhistas do empregado é colocado em primeiro plano, desatrelado
das questões sobre quem detém (ou não) o poder de controle.
Por sua vez, devemos destacar a relação entre o dono da obra e
os empregados do empreiteiro conforme a jurisprudência dominante
no TST. Veja-se a Orientação Jurisprudencial nº 191 da SbDI-1 do TST:

191. CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DA OBRA


DE CONSTRUÇÃO CIVIL. RESPONSABILIDADE.
(nova redação) - Res. 175/2011, DEJT divulgado em
27, 30 e 31.05.2011
Diante da inexistência de previsão legal específica,
o contrato de empreitada de construção civil
entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja
responsabilidade solidária ou subsidiária
nas obrigações trabalhistas contraídas pelo
empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma
empresa construtora ou incorporadora. (BRASIL,
2011, grifos nossos)
Segundo a previsão da OJ 191 da SDI-1, do TST, em se
tratando de contrato de empreitada de construção
civil, não haveria qualquer responsabilidade
do dono da obra pelos créditos trabalhistas dos
empregados do empreiteiro (salvo sendo o dono da
obra uma empresa construtora ou incorporadora).
Trata-se de previsão bastante conservadora que vai
na contramão do princípio da proteção, mostrando
uma preferência pela defesa do patrimônio

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 95


V IA DOS DIREITOS
do dono da obra (e não da parte juridicamente
hipossuficiente).

Para além disso, a partir do Recurso de Revista Repetitivo nº


190-53.2015.5.03.0090, a relação especificada na OJ n. 191 passou a
prever que a exclusão de responsabilidade solidária ou subsidiária por
obrigação trabalhista, a que se refere a OJ indicada, não se restringe à
pessoa física ou micro e pequenas empresas. Compreende igualmente,
também, empresas de médio e grande porte e entes públicos.
Ainda, a excepcional responsabilidade por obrigações
trabalhistas, prevista na parte final da Orientação Jurisprudencial
nº 191 da SbDI-1 do TST, por aplicação analógica do artigo 455 da
CLT, alcança os casos em que o dono da obra de construção civil é
construtor ou incorporador e, portanto, desenvolve a mesma atividade
econômica do empreiteiro.
Não só isso, não é compatível com a diretriz sufragada na
Orientação Jurisprudencial nº 191 da SbDI-1 do TST jurisprudência
de Tribunal Regional do Trabalho que amplia a responsabilidade
trabalhista do dono da obra, excepcionando apenas “a pessoa física
ou micro e pequenas empresas, na forma da lei, que não exerçam
atividade econômica vinculada ao objeto contratado” (MINAS GERAIS,
2015).
Por fim, exceto se ente público da Administração direta e
indireta, se houver inadimplemento das obrigações trabalhistas
contraídas por empreiteiro que contratar, sem idoneidade econômico
financeira, o dono da obra responderá subsidiariamente por tais
obrigações, em face de aplicação analógica do art. 455 da CLT e de
culpa in eligendo, bem como pelo entendimento contido na Tese
Jurídica nº 4 (aplicável exclusivamente aos contratos de empreitada
celebrados após 11 de maio de 2017, data do respectivo julgamento)
(BRASIL, 2017).
Dessa forma, firmou-se o entendimento de que o dono da
obra é subsidiariamente responsável por obrigações trabalhistas não
adimplidas do empreiteiro que contratar sem idoneidade econômico-
financeira, por aplicação analógica do artigo 455 da CLT e com
fundamento em culpa in eligendo. A exceção fica por conta dos casos

96 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
em que o dono da obra for ente integrante da Administração Pública.
Posteriormente, os efeitos da decisão foram modulados para atingirem
apenas os contratos celebrados após o referente julgamento, tendo em
vista o grande impacto financeiro acarretado pela decisão.
No tocante à interação entre a nossa jurisprudência e a nova lei
californiana, devemos destacar a figura do Operador Logístico (OL’s)
no trabalho por plataforma no Brasil, que:

É uma espécie de empreiteiro terceirizado pelo


iFood que subcontrata motoboys para fazer as
corridas. Ao contrário do sistema conhecido por
“nuvem”, em que os entregadores se cadastram no
aplicativo e aceitam ou não as corridas que aparecem
na tela do celular, os motofretistas no regime OL
têm horários a cumprir e ficam subordinados a um
administrador responsável pelo atendimento de
uma área restrita (SAKAMOTO, 2020)

De acordo com o professor Rodrigo Carelli, em entrevista à


Leonardo Sakamoto sobre os OL’S:

Os Operadores Logísticos são uma espécie de


“gato” - uma figura que nós encontramos muito
nos casos de trabalho escravo, urbano ou rural.
É um intermediário que faz a ponte entre os
trabalhadores e a plataforma. Nada mais é do
que um capataz da empresa que organiza os
trabalhadores e pode até fazer o papel de ameaçá-
los. Essa é uma artimanha utilizada há séculos:
fazer uma interposição entre os trabalhadores e
quem toma a mão de obra. Porém, neste momento
em que está permitida a terceirização inclusive
da atividade-fim, isso pode representar mais um
empecilho para os trabalhadores conseguirem
seus direitos. Há juízes que podem acreditar que
se trata de uma terceirização, mas essa não é a

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 97


V IA DOS DIREITOS
melhor interpretação porque a lei não permite
a mera figura de intermediação de mão de obra
(SAKAMOTO, 2020)

Caminha de forma nebulosa no Brasil, contudo, a conquista


do reconhecimento do vínculo empregatício aos trabalhadores
explorados pertencentes às classes indicadas, com incertos projetos de
lei sobre o tema e ausência de reconhecimento pelo Poder Judiciário
da relação de emprego, ao contrário da atual situação californiana.

6. Conclusão

Conforme restou demonstrado, a California Assembly Bill No. 5


surgiu enquanto proposta de codificação da decisão proferida no caso
Dynamex, instituindo Teste ABC, mais sucinto que o anteriormente
aplicado, Borello, e mais rigoroso para as empresas. Além do menor
número de requisitos, o teste é inovador para o estado por inverter
a lógica do ônus probatório, adotando o vínculo empregatício
enquanto pressuposto que só pode ser afastado caso seus três fatores
de independência no trabalho sejam considerados presentes pela
aferição judicial.
O tema central do artigo é exceção para a aplicação da
regra geral do teste ABC que envolve o subcontrato na indústria da
construção. O afastamento da norma, contudo, não é automático,
devendo a relação de trabalho atender aos critérios da subdivisão (f)
da Seção 2750.3 do Labor Code californiano. Os sete requisitos versam
sobre a independência do trabalhador e exigências técnicas para a
validade do contrato e da prestação do serviço.
A isenção da aplicação do teste ABC, contudo, não significa o
reconhecimento do trabalho independente, mas a aplicação da Seção
2750.5 do Código e de outros critérios, dentre os quais a boa-fé das
partes.
A recente legislação tem sido objeto de amplos debates pelas
categorias profissionais nela indicadas, com participação direta
da sociedade civil, ampliado o impacto de suas determinações pela
posição privilegiada da Califórnia dentre os estados dos EUA. Enquanto

98 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
diversas empresas cortam postos de trabalho ou realizam outsourcing
para outros estados ou países, empresas de atuação restrita ao estado
buscam entendimentos jurisprudenciais para afirmar a validade de
seu modelo de negócio, com resultados variados.
O impacto da legislação californiana, inspiradora de normas
legais e decisões judiciais ao redor do globo, não atingiu, ou ao
menos ainda não, a realidade brasileira, em que o entendimento
legal e jurisprudencial mais próximo quanto às empreitadas aponta
a responsabilidade subsidiária do dono da obra pelas obrigações
trabalhistas contraídas pelo empreiteiro.
Em sentido semelhante, quanto às formas fraudulentas de
terceirização, ressalta-se a prática do operador logístico no trabalho
por plataforma no país, com a subordinação dos trabalhadores
precarizados a administrador que regula seu horário de trabalho e o
desenvolvimento do serviço.
Tem-se, ante todo o exposto, que a lei Assembly Bill No.
5 apresenta importante avanço na proteção de trabalhadores,
reconhecendo a viabilidade de exercício de trabalho independente,
mas veementemente rejeitando a utilização dos formatos de trabalho
autônomo para mascarar relação de emprego, fraude que lesa
trabalhadores e o Estado. A compreensão jurisprudencial inovadora
quanto aos requisitos para reconhecimento do vínculo ainda não
ressoou na prática brasileira, ditada por proteção do empresário em
descompasso com os próprios princípios do ordenamento jurídico
pátrio.
7. Referências

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OBRA. PESSOA FÍSICA OU MICRO E PEQUENAS EMPRESAS. RESPON-

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 101


V IA DOS DIREITOS
SABILIDADE SOLIDÁRIA OU SUBSIDIÁRIA. O conceito de “dono da
obra”, previsto na OJ n. 191 da SBDI-I/TST, para efeitos de exclusão
de responsabilidade solidária ou subsidiária trabalhista, restringe-se a
pessoa física ou micro e pequenas empresas, na forma da lei, que não
exerçam atividade econômica vinculada ao objeto contratado. Data de
Publicação: 2015-08-26. Disponível em: http://as1.trt3.jus.br/bd-trt3/
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102 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


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tractor Hub. Atlanta, 22 out. 2019. Disponível em: https://contractor-
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quid. Los Angeles, 5 dez. 2019. Disponível em: https://www.powered-
byliquid.com/blog/borello-test-independent-contractors-freelancers/.
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T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 103


V IA DOS DIREITOS
A Assembly Bill Nº 5 da Califórnia e o tratamento penal
da contratação fraudulenta: Uma tradição do Common
Law norte-americano e breves considerações de Direito
Comparado em relação ao ordenamento brasileiro

Ana Carolina Paes Leme 75


Anna Jéssica Araújo Costa 76
Nancy Vidal Meneghini 77

1. Introdução

A Assembly Bill nº 5 ou AB5 é uma lei estadual da Califórnia,


editada em 2019, que surgiu a partir de um caso julgado pela Suprema
Corte da Califórnia, Dynamex Operations West Inc. v. Tribunal
Superior, no ano de 2018.
No caso concreto que serviu como precedente para a AB5, o
Tribunal considerou que os trabalhadores “mal classificados” como
contratantes independentes e não como empregados perdem direitos
e proteções significativos, como salário mínimo, indenização por
acidente de trabalho, seguro-desemprego e licenças médica e familiar
pagas, sendo um fator significativo, inclusive, na erosão da classe
média e no aumento da desigualdade de renda.
Além de conferir menos privilégios aos trabalhadores, essa
situação provoca, ainda, um desequilíbrio entre as grandes empresas
que os classificam incorretamente e os demais empregadores, visto
que as primeiras, ao utilizarem denominações que “mascaram” o
contrato de trabalho, afastam a incidência da proteção do sistema
trabalhista e impedem, assim, o cumprimento de obrigações legais,

75 Mestre e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da


Universidade Federal de Minas Gerais. Analista judiciário do TRT/MG.
76 Bacharel em Direito pela Faculdade Milton Campos. Pós-graduada em Direito
Público pelo IEC-PUC Minas e em Direito do Trabalho pela Universidade Cândido
Mendes. Advogada.
77 Bacharel em Direito e mestranda pela UFMG. Linha de pesquisa Acesso à Justiça e
Direitos Humanos. Monitora do Programa RECAJ-UFMG: Ensino, Pesquisa E Extensão
em Acesso à Justiça e Solução de Conflitos. Voluntária no Programa Pílulas Jurídicas
do RECAJ – UFMG. Assistente do Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais.

104 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
tais como pagamento de impostos sobre os salários, prêmios por
remuneração dos trabalhadores, seguro social, seguro-desemprego e
seguro de invalidez, para fins de obtenção de vantagens no mercado.
Essa prática, denominada dumping social e adotada
frequentemente pelas empresas da gig economy, comporta ser
fiscalizada e criticada por órgãos judiciais e administrativos em todo
o mundo, pois promove a precarização das relações de trabalho, a
concorrência desleal e a concentração de mercado.
Nesse contexto, a AB5, com fundamento no “caso Dynamex”,
ampliou as hipóteses de reconhecimento dos trabalhadores como
empregados até então previstas no Código do Trabalho Californiano
(Labour Code – LAB) e transferiu o ônus da classificação dos indivíduos
como contratantes independentes à entidade contratante, tratando-
se de importante evolução na proteção dos direitos trabalhistas no
âmbito da “economia de bicos”, como será visto adiante.

2. O tratamento penal às violações nos EUA

Antes de abordar o tratamento penal às contratações


fraudulentas, que é o tema propriamente dito do presente artigo, é
preciso observar que os Estados Unidos e os países de tradição do
Common Law, de modo geral, possuem algumas peculiaridades em
relação ao tratamento geral de violações. Nesse sentido, nos Estados
Unidos, é comum a punição penal quando da violação do direito, não
apenas do direito penal.
Há no direito norte-americano, portanto, o “Contempt Power
Law”. Traduzido literalmente, o “Poder de Desacato” diz respeito ao
poder de instituições públicas, como o Congresso ou um tribunal,
de punir as pessoas que mostram desprezo pelo processo, ordens ou
procedimentos dessa instituição.
O instituto visa fornecer um meio para um juiz defender a
dignidade do processo judicial e das leis. Essa dignidade, por sua vez,
é mantida de duas maneiras relacionadas, mas distintas:

a) ao impor uma punição, um juiz declara que o que


foi feito foi impróprio e desencoraja outros a se

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 105


V IA DOS DIREITOS
envolverem em atos semelhantes; e
b) o ato de punir serve ao propósito de manter o
controle do processo na pessoa do juiz. [Johnson v.
State, 100 Md. App. 553, 642 A.2d 259 (1994)].
De acordo com o art. 18 do USCS (Court Rules Set),
§ 401:
um tribunal dos Estados Unidos terá o poder de
punir com multa ou prisão, ou ambos, a seu critério,
o desacato à autoridade, como:
(1) Mau comportamento de qualquer pessoa em sua
presença ou perto dela que obstrua a administração
da justiça;
(2) Mau comportamento de qualquer um de seus
diretores em suas transações oficiais;
(3) Desobediência ou resistência ao seu mandado,
processo, ordem, regra, decreto ou comando legal78
(Tradução nossa)

Destaca-se que o desacato aos comandos legais, aos códigos e


leis possuem a denominação específica de “Contempt of Legislature”.
Considerado, portanto, que esse tipo de tratamento penal às violações
do código é típico do common law, passa-se a observar que, mesmo
antes da AB5, no âmbito do direito norte-americano já havia o
tratamento penal para casos de violações legais.
O Código do Trabalho Californiano (Labour Code - LAB), por
sua vez, seguindo essa tradição do Common Law, já tipificava como
crime violações legais ao código. As “Provisões Gerais” (General
Provisions) do instrumento normativo já determinavam o tratamento
penal geral para os crimes de desrespeito ao código:

(4) 23. Exceto nos casos em que uma punição diferente

78 a United States court will have the power to punish with a fine or imprisonment, or
both, at its discretion, for contempt of authority, such as:
(1) Bad behavior by any person in or near his presence that obstructs the administration
of justice;
(2) Misbehavior of any of its officers in their official transactions;
(3) Disobedience or resistance to your warrant, process, order, rule, decree or legal
command

106 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
é prescrita, cada crime declarado por este código
como contravenção é punível em uma prisão
municipal, não superior a seis meses, ou com
uma multa não superior a mil dólares ($ 1.000), ou
ambos.79 (Tradução nossa)

Além disso, o Código de Seguro Desemprego Californiano


também já tornava crime a violação de disposições legais específicas
em relação a benefícios e pagamentos:

(5) 2.117.5. Qualquer pessoa que, dentro do tempo


exigido por este código, voluntariamente deixar
de apresentar qualquer declaração ou fornecer
qualquer informação com a intenção de sonegar
qualquer imposto cobrado por este código, ou que,
intencionalmente e com a mesma intenção, faça,
processe, assina ou verifica qualquer retorno,
relatório ou declaração falsa ou fraudulenta, ou
fornece qualquer informação falsa ou fraudulenta,
é punível com prisão na cadeia do condado não
superior a um ano, ou na prisão estadual, ou com
multa não superior a vinte mil dólares ($ 20.000),
ou tanto pela multa quanto pela prisão, a critério
do tribunal. (Alterado por Stats. 1994, Ch. 1049, Sec.
21. Em vigor em 1 de janeiro de 1995.)80 (Tradução
nossa)

79 (4) “23. Except where a different punishment is prescribed, each crime declared
by this code as a misdemeanor is punishable in a municipal prison, not exceeding six
months, or with a fine not exceeding one thousand dollars ($ 1,000 ), or both.”
80 (5) 2,117.5. Anyone who, within the time required by this code, voluntarily fails to
submit any declaration or provide any information with the intention of evading any
tax charged by this code, or who, intentionally and with the same intention, makes,
processes, signs or verifies any false or fraudulent return, report or statement, or
provides any false or fraudulent information, is punishable by imprisonment in the
county jail for not more than one year, or in state prison, or with a fine of not more
than twenty thousand dollars ($ 20,000 ), either for a fine or for imprisonment, at the
discretion of the court. (Amended by Stats. 1994, Ch. 1049, Sec. 21. Effective January
1, 1995.)

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 107


V IA DOS DIREITOS
É importante ressaltar, que além do tratamento penal, o Código
do Trabalho Californiano ainda prevê hipóteses de penalidades civis,
por exemplo:

ARTICLE 1. General Occupations [200 - 244] ( Article


1 enacted by Stats. 1937, Ch.
90. )
226.8. (a) É ilegal para qualquer pessoa ou
empregador se envolver em qualquer uma das
seguintes atividades:
(1) Classificação incorreta intencional de um
indivíduo como um contratante independente.
(2) Cobrar uma taxa de um indivíduo que foi
intencionalmente mal classificado como um
contratante independente, ou fazer quaisquer
deduções da compensação, para qualquer
finalidade, incluindo bens, materiais, aluguel
de espaço, serviços, licenças governamentais,
reparos, manutenção de equipamentos ou multas
decorrentes do emprego do indivíduo em que
qualquer dos atos descritos neste parágrafo
teria violado a lei se o indivíduo não tivesse sido
classificado incorretamente.
(b) Se a Agência de Desenvolvimento do Trabalho e
da Força de Trabalho ou um tribunal emitir uma
determinação de que uma pessoa ou empregador
se envolveu em qualquer uma das violações
enumeradas de subdivisão (a), a pessoa ou
empregador estará sujeito a uma pena civil não
inferior a cinco mil dólares ($ 5.000) e não mais de
quinze mil dólares ($ 15.000) para cada violação,
além de quaisquer outras penalidades ou multas
permitidas por lei.
(c) Se a Agência de Desenvolvimento do Trabalho e
da Força de Trabalho ou um tribunal emitir uma
determinação de que uma pessoa ou empregador

108 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
se envolveu em qualquer uma das violações
enumeradas de subdivisão (a) e a pessoa ou
empregador se envolveu ou está se envolvendo em
um padrão ou prática dessas violações, a pessoa ou
empregador estará sujeito a uma multa civil não
inferior a dez mil dólares ($ 10.000) e não superior
a vinte e cinco mil dólares ($ 25.000) para cada
violação, além de quaisquer outras penalidades ou
multas permitidas por lei.
(d) (1) Se a Agência de Desenvolvimento de Mão
de Obra e Trabalho ou um tribunal emitir uma
determinação de que uma pessoa ou empregador
que é um contratante licenciado de acordo com a
Lei de Licença Estadual de Empreiteiros violou a
subdivisão (a), a agência, além de qualquer outro
recurso solicitado deverá transmitir uma cópia
autenticada do pedido ao Conselho Estadual de
Licenças de Empreiteiros.
(2) O registrador do Conselho Estadual de Licenças
de Empreiteiros deve iniciar uma ação disciplinar
contra um licenciado no prazo de 30 dias após o
recebimento de uma cópia autenticada de uma
agência ou ordem judicial que resultou na exclusão
de acordo com o parágrafo (1).
(e) Se a Agência de Desenvolvimento do Trabalho e
da Força de Trabalho ou um tribunal emitir uma
determinação de que uma pessoa ou empregador
violou a subdivisão (a), a agência ou tribunal,
além de qualquer outro remédio que tenha sido
ordenado, deverá ordenar a pessoa ou empregador
para exibir em destaque em seu site da Internet, em
uma área que seja acessível a todos os funcionários e
ao público em geral, ou, se a pessoa ou empregador
não tiver um site da Internet, para exibir com
destaque em uma área que seja acessível a todos
os funcionários e o público em geral em cada local

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 109


V IA DOS DIREITOS
onde ocorreu uma violação da subdivisão (a), um
aviso que estabelece todos os seguintes:
(1) Que a Agência de Desenvolvimento do Trabalho
e da Força de Trabalho ou um tribunal, conforme
o caso, concluiu que a pessoa ou o empregador
cometeu uma violação grave da lei ao se envolver na
classificação incorreta intencional de funcionários.
(2) Que a pessoa ou empregador mudou suas práticas
de negócios a fim de evitar cometer mais violações
desta seção.
(3) Que qualquer funcionário que acredite estar sendo
classificado incorretamente como um contratado
independente pode entrar em contato com a
Agência de Desenvolvimento de Mão de Obra e
Trabalho. A notificação deve incluir o endereço para
correspondência, endereço de e-mail e número de
telefone da agência.
(...)
(...)
(i) Para os fins desta seção, as seguintes definições se
aplicam:
(1) “Determinação” significa uma ordem, decisão,
sentença ou citação emitida por uma agência ou
tribunal de jurisdição competente para o qual o
tempo de apelação expirou e para o qual nenhum
recurso está pendente.
(2) “Agência de Desenvolvimento de Mão de Obra e
Trabalho” significa a Agência de Desenvolvimento
de Mão de Obra e Mão de Obra ou qualquer de seus
departamentos, divisões, comissões, conselhos ou
agências.
(3) “Diretor” significa o diretor executivo, presidente,
qualquer vice-presidente encarregado de uma
unidade de negócios, divisão ou função principal,
ou qualquer outro diretor da corporação que
desempenhe uma função de formulação de

110 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
políticas. Se o empregador for um parceiro, “oficial”
significa um parceiro. Se o empregador for o único
proprietário, “oficial” significa o proprietário.
(4) “Classificação incorreta intencional” significa
evitar o status de funcionário para um indivíduo,
voluntária e conscientemente classificando
erroneamente esse indivíduo como um contratado
independente.
( j) Nada nesta seção tem a intenção de limitar quaisquer
direitos ou recursos de outra forma disponíveis na
lei.
(Alterado por Stats. 2012, Ch. 162, Sec. 116. (SB
1171) Em vigor em 1º de janeiro de 2013.) (Tradução
nossa)

Nos Estados Unidos, de modo geral, classificar incorretamente


os trabalhadores como contratados independentes em vez de
empregados pode ter consequências adversas para os empregadores,
como será visto no próximo tópico.

3. Tratamento penal à classificação incorreta como


empregado e a AB5

Além da responsabilidade por impostos sobre os salários e


benefícios aos empregados, nos Estados Unidos, os empregadores
podem ser multados, processados e até criminalizados pela
classificação incorreta.
Desde 2009, já existiam alguns estados que utilizavam
penalidades criminais para punir erros de classificações dos
trabalhadores, como a Pensilvânia (que, por ser um caso interessante,
será mais detalhado à frente), Nova York, Nebraska, Connecticut,
Illinois, Massachusetts e Nova Jersey. Em meados de 2018 e 2019,
os democratas na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos
reiniciaram o movimento para pressionar a penalização das empresas
que compensam seus trabalhadores como contratantes independentes
quando, por lei, eles deveriam ser classificados como empregados e

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 111


V IA DOS DIREITOS
remunerados como tal. A Califórnia encontra-se à frente das pressões
nesse sentido com as grandes reformas da AB5.
No ano de 2018, a Suprema Corte da Califórnia emitiu uma
decisão que esclareceu como os trabalhadores são classificados como
empregados ou contratados independentes. No caso de Dynamex
Operations West, Inc. v. Tribunal Superior, o tribunal considerou
que, aplicando o denominado teste ABC, um trabalhador pode
ser classificado como um contratante independente apenas se o
trabalhador: está livre do controle e direção da empresa na execução
da obra, tanto no âmbito do contrato para a execução da obra como de
fato; executa trabalho que está fora do curso normal dos negócios da
empresa; e está envolvido, de forma independente, em um comércio,
ocupação ou negócio fazendo o mesmo trabalho para o qual o
trabalhador foi contratado (por exemplo, um encanador contratado
para instalar banheiros para uma empresa de software).
A AB5 modificou o Código do Trabalho da Califórnia, nesse
sentido, para codificar o teste ABC do caso Dynamex. De acordo com a
nova lei, para a maioria das empresas, o teste ABC será aplicado a seus
funcionários para quase todos os fins.
Importante salientar que a AB5 prevê certas exceções ao teste
ABC. Excluídos do teste ABC são os corretores de seguros, advogados,
médicos, corretores imobiliários, cabeleireiros, barbeiros e outros
que passam por testes anteriores como contratados independentes.
No entanto, isso não significa que os trabalhadores nessas ocupações
sejam sempre contratados independentes.
Acerca das penalidades criminais, o direito californiano já
previa que uma empresa e seus proprietários podem ser criminalmente
responsabilizados de acordo com os estatutos relacionados à
classificação de trabalhadores. Por exemplo, de acordo com o
Código de Seguro Desemprego, uma empresa e seus proprietários
ou funcionários responsáveis cometem crimes quando deixam de
apresentar uma declaração, deixam de prestar contas e pagar impostos
ou deixam de reter e pagar deduções por invalidez. Ademais, de acordo
com a Seção 11760 (a) do Código de Seguros, existem penalidades
criminais para a classificação incorreta dos trabalhadores, a fim de
reduzir o número de funcionários relatados na compra do seguro de

112 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
compensação do trabalhador.
É importante observar, portanto, que, ao expandir a definição
de empregado, com a aplicação do teste ABC ou teste Borello, a AB5
ampliou sobremaneira a definição de crime, visto que aumentou
também o número de casos de classificação equivocada.
Ressalte-se que, além do tempo potencial de prisão, as
penalidades criminais incluem multas substanciais. Essas multas se
somam aos impostos atrasados, multas e juros que também pagam em
processos cíveis.

4. O relatório da força tarefa do governo da nova Jersey na


classificação equivocada de empregado

Seguindo o movimento de intensificação da penalização pela


classificação equivocada dos trabalhadores, o governo do estado de
Nova Jersey de Murphy’s emitiu a Ordem Executiva nº 25 em 3 de
maio de 2018, estabelecendo uma Força-Tarefa de “Má classificação”
para “promover a justiça, lutar contra a discriminação e trabalhar para
acabar com as práticas trabalhistas injustas ... que criam uma vantagem
injusta sobre as empresas que seguem as regras e prejudicar as famílias
trabalhadoras” 81(Tradução nossa).
A Força-tarefa de Nova Jersey é composta por: Três
representantes do Departamento de Trabalho e Desenvolvimento
da Força de Trabalho (“DOL”); Três representantes do Ministério
da Fazenda; e um representante de cada um do Departamento de
Direito e Segurança Pública, do Departamento da Agricultura, do
Departamento de Bancos e Seguros, do Departamento de Recursos
Humanos Serviços, do Departamento de Transporte e a Autoridade de
Desenvolvimento Econômico.
A Força-Tarefa é responsável por fornecer conselhos e
recomendações sobre estratégias para combater a classificação
incorreta; desenvolver melhores práticas para aumentar a coordenação
de informações e fiscalização eficiente; elaborar recomendações para
promover o cumprimento da lei e realizar uma revisão da legislação
81 “promote fairness, fight against discrimination, and work to end unfair labor
practices… that create an unfair advantage over companies that play by the rules and
hurt our working families.”

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 113


V IA DOS DIREITOS
existente e dos procedimentos aplicáveis relacionados à classificação
incorreta.
Em julho de 2019, essa Força Tarefa emitiu um Relatório com
o resultado dos estudos, definindo a má classificação como “uma
prática de ilegalmente e impropriamente classificar trabalhadores como
contratantes independentes ao invés de empregados” 82(Tradução
nossa). Argumenta que a prática aumentou aproximadamente 40%
nos últimos 10 anos e é um problema crescente em Nova Jersey (e
outros estados).
No bojo do relatório, as recomendações da Força-tarefa para
combater a “má classificação” no Estado de Nova Jersey foram:

4.1. Educação direcionada e divulgação pública:

Criar uma linha direta, página da Web e endereço de e-mail para


relatar erros de classificação; exigir dos empregadores a publicação de
avisos alertando os trabalhadores sobre o problema e conscientizar o
público por meio da estratégia de imprensa.

4.2. Fortalecimento da Contratação Estadual:

Exigir que entidades que firmam contratos com o estado ou


recebam financiamento do estado confirmem que eles estão cientes
da norma legal para classificação adequada de trabalhadores, com
base no teste ABC, com potencial perda de financiamento ou rescisão
do contrato se uma classificação incorreta for encontrada.

4.3. Execução Coordenada Interagências:

Conduzir investigações in loco e varreduras de aplicação


conjunta com várias entidades, trabalhando juntas para elucidar
fatos e obter informações usando o conhecimento jurisdicional e a
experiência.

82 Misclassification is the practice of illegally and improperly classifying workers as


independente contractors, rather than employees.

114 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
4.4. Compartilhamento de dados:

Compartilhamento de informações entre entidades sujeitas a


quaisquer requisitos de confidencialidade aplicáveis.

4.5. Cooperação com Estados Vizinhos:

Trabalhar com estados vizinhos para compartilhar informações


para auxiliar nas investigações.

4.6. Treinamento cruzado:

Fornecer treinamento cruzado para pesquisadores de campo


de várias entidades estaduais e locais.
4.7. Denúncias criminais:

A maioria das violações trabalhistas é conduzida em um


processo administrativo civil. Quando as violações aumentam para
um certo nível (onde a conduta dos malfeitores parece ser flagrante),
é importante denunciar estes casos para a abertura de processos
criminais.
De acordo com o grupo de trabalho, nada envia uma mensagem
mais poderosa para os empregadores que infringem a lei do que a
possibilidade de prisão por desrespeitar os direitos dos trabalhadores.
Assim, quando apropriado, as denúncias devem ser feitas para
a Divisão de Justiça Criminal do Departamento de Direito e Segurança
Pública.

4.8. Utilizar Leis de Compensação de Trabalhadores:

Usar as leis de compensação de trabalhadores existentes para


reforçar a aplicação de classificação incorreta.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 115


V IA DOS DIREITOS
4.9. Usar o poder do “Comissário do Trabalho” para revogar e
suspender licenças:

O Comissário do Trabalho (equivalente ao nosso auditor fiscal


do trabalho) deve usar seu poder para revogar ou suspender licenças
para dissuadir os empregadores de não cumprir as leis trabalhistas.

4.10. Recomendações legislativas:

No sentido de fazer uma legislação que: (1) requer a


publicação pública de avisos sobre classificação incorreta; (2) dá
ao DOL (Comissário do Trabalho) a capacidade de emitir ordens de
interrupção do trabalho; (3) concede ao DOL o mesmo acesso às
informações fiscais que outras entidades do Gabinete; (4) impõe
responsabilidade aos empregadores que contam com empresas
que classificam incorretamente seus empregados; (5) exige que as
empresas encontradas com erros de classificação financiem os custos
de investigação e quaisquer honorários advocatícios incorridos; e (6)
aumenta multas e penalidades.

5. O caso da Pensilvânia

Diferente da situação do Supremo Tribunal Federal Brasileiro,


a Suprema Corte do Estado da Pensilvânia decidiu que os motoristas do
aplicativo são elegíveis para o percebimento do seguro-desemprego,
equiparando-os, para esse fim, aos demais empregados que trabalham
de forma subordinada.
O caso concreto é do motorista David Lowman que, depois de
ser desligado da UBER, requereu o benefício do seguro-desemprego à
agência estadual, que lhe negou o pedido ao fundamento de que seria
um trabalhador autônomo “autoempregado”.
Insatisfeito com a decisão administrativa, Lowman recorreu
ao judiciário estadual, tendo o seu processo chegado até a Suprema
Corte estadual. Em maioria de cinco votos contra dois, os juízes da
mais alta corte pennsylvaniana entenderam que “no mundo virtual no
qual a UBER opera, ela monitora e supervisiona a prestação dos serviços dos

116 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
motoristas”.
A decisão não declarou a existência de relação de emprego
entre as partes porque esse não era o objeto da demanda, restrito a
determinar se o motorista uberizado poderia requerer e obter seguro-
desemprego. Contudo, a tese de que o reclamante era um verdadeiro
empregado foi explicitada na fundamentação e, mais importante, a
decisão rejeitou expressamente a teoria defendida pela UBER de que o
requerente era um self-employed worker.83
A fundamentação do acórdão rejeitou, expressamente, três
argumentos jurídicos que a UBER sustenta em todo o mundo (inclusive
no Brasil):

c) embora os motoristas possam recusar corridas, a


empresa pode dispensá-los de seu quadro se eles
recusam um número muito grande de corridas;
d) a “liberdade” de trabalho dos motoristas não inclui
o direito fundamental de prestadores autônomos
em fixar o valor do seu serviço e estabelecer a sua
própria clientela e
e) o fato de que os motoristas estabeleçam a sua
própria escala de trabalho não lhes confere, por si
só, o caráter autônomo de sua atividade.
A título de curiosidade, informa-se que a Uber
recebeu uma multa de 649 milhões de dólares no
Estado de Nova Jersey por se recusar a enquadrar
seus motoristas como empregados.84
Com relação ao tratamento penal no Estado da
Pensilvânia, importante destacar que o Governador
Edward G. Rendell (R) assinou a lei House Bill (HB
400), em 2009, para tornar criminoso o empreiteiro
83 CASAGRANDE, Cassio. Pennsylvania: uberizados não são autônomos Suprema
Corte do Estado decide que motoristas de aplicativo têm direito a seguro-desemprego
– artigo. 3 ago. 2020. Disponível em https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//
www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/pennsylvania-
uberizados-nao-sao-autonomos-03082020. Acesso em: 13 set. 2020.
84 Disponível em https://olhardigital.com.br/noticia/uber-e-condenado-a-pagar-mul-
ta-de-us-650-milhoes-nos-eua/93044. Acesso em 13 set. 2020.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 117


V IA DOS DIREITOS
que conscientemente classificar erroneamente um
empregado como um contratante independente. E,
quanto mais vezes o violar, pior será a punição. 85
Essa lei da Pensilvânia também estende a
responsabilidade criminal a qualquer pessoa
que contrate o empreiteiro e saiba que o
empreiteiro está classificando incorretamente os
trabalhadores. Essa pessoa pode se livrar desta
última responsabilidade mostrando que, de boa
fé, pensou que os trabalhadores eram realmente
contratados independentes.
O que se tem positivado na legislação do Estado
da Pensilvânia é a responsabilidade criminal do
tomador final da cadeira produtiva, sendo que,
no Brasil, há apenas construção doutrinária e
jurisprudencial para tentar responsabilizar esse
tomador final pelos créditos trabalhistas dos
empregados do empreiteiro com fundamento na
teoria da cegueira deliberada.
Nesse sentido, o que se verifica é que nos Estados
Unidos a fraude aos direitos trabalhistas é combatida
severa e firmemente, com consequências graves na
seara penal daquele que classifica erroneamente
um empregado e daquele que contrata empreiteiro
sem fazer a devida gestão da sua cadeia produtiva,
modelo legislativo esse que deveria inspirar o
Brasil a melhor combater as constantes fraudes à
legislação trabalhista brasileira.

85 Disponível em https://openstates.org/pa/bills/2009-2010/HB400/. Acesso em 13 set.


2020.

118 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
6. Direito comparado: breve panorama sobre a fraude de
contratação no Brasil

6.1. A fraude de contratação na CLT

A respeito das contratações de trabalho fraudulentas no Brasil,


a CLT dispõe, em seu art. 9º, que “serão nulos de pleno direito os atos
praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos
preceitos contidos na presente Consolidação”.
Assim, se acaso presentes os requisitos previstos nos artigos
2º e 3º da CLT (trabalho exercido por pessoa física, com pessoalidade,
onerosidade, subordinação e não eventualidade), em atenção ao
princípio da primazia da realidade, poderá ser reconhecido o vínculo
de emprego com o trabalhador autônomo.

6.2. Tratamento penal da fraude de contratação

Há um capítulo específico no Código Penal brasileiro dedicado


aos crimes contra a organização do trabalho (artigos 197 a 207).
É da Justiça Federal a competência para processar e julgar os
crimes que ofendam o sistema de órgãos e instituições que preservam,
coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores e, da Justiça
Estadual, a competência para apreciar os crimes que atinjam apenas
determinado empregado ou grupo de empregados86.
Na hipótese de contratação fraudulenta do trabalhador
autônomo, o art. 203 do Código Penal prevê a ocorrência do crime de
“frustração de direito assegurado por lei trabalhista”:

Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência,


direito assegurado pela legislação do trabalho:
Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa,
além da pena correspondente à violência. (Redação
dada pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)

86 Existe a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 327/09, que transfere para a


Justiça do Trabalho o processamento e julgamento de causas penais decorrentes das
relações de trabalho, ainda sob análise do Congresso Nacional.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 119


V IA DOS DIREITOS
(...)
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se
a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante,
indígena ou portadora de deficiência física ou
mental. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)

Trata-se de crime doloso, que se consuma com a efetiva


frustração do direito assegurado pela legislação do trabalho por meio
de fraude. É uma norma penal em branco, pois os direitos assegurados
estão previstos na CLT, legislação complementar e na própria CR/88. A
ação penal é pública incondicionada.
Aplicam-se os institutos da composição civil dos danos, da
transação (desde que favoráveis as condições previstas nos §§ 2º e 3º
do art. 76 da Lei nº 9.099/95) e da suspensão condicional do processo
(caso presentes, da mesma forma, os demais requisitos legais) ao
crime tipificado no art. 203 do CP.
Vale ressaltar que a ausência de assinatura de CTPS do
empregado ou o mero inadimplemento de uma obrigação trabalhista
por parte do empregador, por exemplo, não constituem crime. A
responsabilidade, nesse caso, é meramente trabalhista. O que a lei
pune é a comprovada fraude a direito trabalhista (o que, muitas vezes,
é de difícil comprovação e impede a condenação criminal).
Especificamente quanto à omissão do empregador em proceder
ao registro do vínculo de emprego na CTPS, a jurisprudência dos
Tribunais Regionais Federais posiciona-se no sentido de que a conduta
configura mera falta administrativa, quando não ficar demonstrado o
propósito específico de fraudar a Previdência Social, tal como previsto
no art. 297, §4º do Código Penal:

Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento


público, ou alterar documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa. (...)
§ 3º Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz
inserir: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
– na folha de pagamento ou em documento de
informações que seja destinado a fazer prova

120 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
perante a previdência social, pessoa que não possua
a qualidade de segurado obrigatório;(Incluído pela
Lei nº 9.983, de 2000)
– na Carteira de Trabalho e Previdência Social do
empregado ou em documento que deva produzir
efeito perante a previdência social, declaração falsa
ou diversa da que deveria ter sido escrita; (Incluído
pela Lei nº 9.983, de 2000)
– em documento contábil ou em qualquer outro
documento relacionado com as obrigações da
empresa perante a previdência social, declaração
falsa ou diversa da que deveria ter constado.
(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 4º Nas mesmas penas incorre quem omite,
nos documentos mencionados no § 3º, nome do
segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a
vigência do contrato de trabalho ou de prestação de
serviços.(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

De outro lado, há também julgados dos Tribunais Federais,


mais antigos, que entendem que o crime previsto no art. 297, §4º do
CP seria absorvido pelo crime disposto no art. 203 do CP.
Se o Juiz do Trabalho, no âmbito de uma reclamação trabalhista,
identificar a ocorrência, em tese, dos crimes previstos nos artigos 203
e 297, §4º do Código Penal, deverá determinar a expedição de ofício ao
Ministério Público Federal ou Estadual – analisando corretamente a
competência para tanto – para que o apure e, se for o caso, proponha
a ação penal contra o empregador.

6.3. A pejotização como objeto de fraude trabalhista no Brasil

A pejotização, como uma das formas de fraude de contratação


de trabalhador autônomo, ocorre quando uma pessoa física, por
meio da constituição de uma pessoa jurídica em seu nome, executa
trabalho com características típicas de uma relação de emprego, a fim
de fraudar a legislação trabalhista, fiscal e previdenciária.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 121


V IA DOS DIREITOS
A doutrina é uníssona em apontar que, a partir do advento
da Lei nº 11.196/2005, o fenômeno da pejotização, de uma forma
geral, passou a ser incrementado. Com efeito, no artigo 129 da lei, foi
instituída mais uma espécie de flexibilização da relação de emprego:

Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a


prestação de serviços intelectuais, inclusive os de
natureza científica, artística ou cultural, em caráter
personalíssimo ou não, com ou sem a designação
de quaisquer obrigações a sócios ou empregados
da sociedade prestadora de serviços, quando por
esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação
aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da
observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406,
de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.

Já em 2017, com a Lei nº 13.467/2017, foi introduzido na


CLT o art. 442-B, que trata a respeito da contratação do trabalhador
autônomo:

Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas


por este todas as formalidades legais, com ou sem
exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a
qualidade de empregado prevista no art. 3o desta
Consolidação.

No mesmo ano, foi também editada a MP nº 808, que pretendia


incluir parágrafos no art. 442-B da CLT que versavam sobre o contrato
do trabalhador autônomo, tais como: (1) vedação à cláusula de
exclusividade e possibilidade de o autônomo prestar serviços a apenas
um tomador; (2) exclusão das categorias profissionais reguladas por
leis específicas da qualidade de empregado, desde que cumpridos os
requisitos da contratação autônoma; (3) reconhecimento de vínculo
de emprego em caso de presença de subordinação; e (4) validade
do contrato, ainda que o autônomo exerça atividade relacionada ao
negócio da empresa contratante.

122 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Contudo, a MP nº 808/2017 não foi convertida em lei e perdeu
eficácia em 23/04/2018. Em razão disso, o extinto Ministério do
Trabalho editou a Portaria nº 349/2018, restabelecendo as regras
específicas previstas na referida MP quanto ao contrato de trabalho
do autônomo.
Existem, hoje, diversos estudos no sentido de que, após a
Reforma Trabalhista, houve um aumento no número de registro
de microempreendedores individuais no país e na utilização da
pejotização como forma de redução de encargos sociais e trabalhistas,
tendo, como inevitável consequência, a precarização das relações de
trabalho.

6.4. Inferências sobre o tratamento penal da contratação


fraudulenta no Brasil

Na prática, observa-se que, apesar de o Judiciário Trabalhista


detectar frequentemente a ocorrência de crimes que frustram direitos
trabalhistas, como a falta de registro da CTPS nos casos de fraude
na contratação (trabalhador autônomo ou pejotização), dispositivos
como o art. 203 do CP são pouco utilizados por parte dos magistrados
trabalhistas.
Na verdade, são raros os casos em que a Justiça do Trabalho
tem movimentado a Justiça Criminal Comum, órgão competente
para conhecer e julgar tais feitos. E, nas situações em que esta é
movimentada, dificilmente ocorre a condenação penal, seja pela
ocorrência de prescrição, utilização dos institutos despenalizadores
da Lei dos Juizados Especiais Criminais, ausência de prova de dolo ou
fraude etc.
De forma geral, nota-se que o Ministério Público do Trabalho
tem resolvido os problemas de fraude e irregularidades de contratação
mediante a assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou
da propositura de Ação Civil Pública, com imposição de multa em caso
de descumprimento ou condenação em danos morais coletivos.
Não obstante, o Ministério Público do Trabalho poderá receber
notícias de fato, instaurar inquéritos civis e outros procedimentos
administrativos, a fim de investigar a existência de lesão aos direitos

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 123


V IA DOS DIREITOS
sociais e metaindividuais da coletividade lesada.
Nesse contexto, vale esclarecer ainda que a atuação do
Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público Federal/
Estadual é independente e os trâmites das investigações por eles
conduzidas não são simultâneos.

7. Conclusão

A Assembly Bill nº 5 da Califórnia ampliou consideravelmente


as hipóteses de reconhecimento de trabalhadores como empregados,
representando, assim, um importante passo para a proteção de
direitos no âmbito do trabalho em plataformas digitais, objeto de
grande discussão atualmente no mundo jurídico.
Não obstante, como visto, mesmo antes da edição da AB5, a
legislação norte-americana já continha vários dispositivos no sentido
de punir aqueles que adotassem, eventualmente, uma classificação
incorreta de seus trabalhadores.
Assim, o presente artigo buscou demonstrar que, ao contrário
do que é difundido no Brasil, a lei americana é bastante severa com
aqueles que deixam de atribuir a formal condição de empregado
aos seus trabalhadores, principalmente com a intenção de afastar a
incidência do arcabouço legislativo trabalhista e de proteção social,
atribuindo, eis que adequado, penalidade criminal ao empregador
direto e ao tomador dos serviços.
Os Estados Unidos, portanto, levam a sério os direitos
trabalhistas, apenando severamente os seus infratores. Em alguns
estados americanos, inclusive, têm sido realizados estudos no
sentido de identificar estratégias para melhor combater a prática de
classificação incorreta de trabalhadores e evitar a fraude à legislação
trabalhista e previdenciária que, além de causar prejuízo aos cofres
públicos, precariza as relações de trabalho e aumenta as desigualdades
sociais.
No caso do Brasil, o tratamento penal quanto à fraude de
contratação trabalhista possui previsão específica no Código Penal.
Contudo, como a Justiça do Trabalho não possui competência para
processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho, precisa

124 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
notificar a Justiça Criminal Comum quando identifica a ocorrência de
algum tipo penal para que a conduta ilícita seja apurada.
Na realidade, o que se observa é que esse procedimento é
pouco utilizado ou não é eficaz e, em razão disso, passa-se a impressão
de que a fraude de contratação é uma conduta razoavelmente tolerada
no âmbito da justiça brasileira, ficando sem a devida punição.
Deste modo, verifica-se que o tratamento norte-americano à
fraude de contratação trabalhista, face à sua severidade e efetividade,
deveria ser um modelo jurídico seguido pelo Brasil, considerando
a gravidade dos reflexos decorrentes da violação à legislação,
especialmente para os trabalhadores, impedidos de usufruírem
direitos fundamentais básicos.

8. Referências

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be a crime!. Clearsky: 2019. Disponível em: <https://clearskylaw.
com/2019/07/31/misclassifying-workers-update-it-can-be-a-crime/>
Acesso em: 22/10/2020
U.S. DEPARMENT OF LABOR. Labor contractor held in
contempt of court for failing to cooperate with investigators. Boston,
2017. Disponível em : <https://www.dol.gov/newsroom/releases/whd/
whd20110307> Acesso em: 22/10/2020
US LEGAL. Contempt Power Law and Legal Definition. USLegal,
2019. Disponível em: <https://definitions.uslegal.com/c/contempt-
power/> Acesso em 22/10/2020.

126 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
ECONOMIA DE PLATAFORMS, PLATAFORMAS E O DIREITO
COMPARADO

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 127


V IA DOS DIREITOS
Apontamentos sobre a regulação e a judicialização da
atividade empresarial de transporte de passageiros e
relações de trabalho por aplicativos de mobilidade urbana na
Argentina

Adriana Goulart Sena Orsini87


Igo Zany Nunes Corrêa88
José Eduardo de Resende Chaves Junior89

1. Introdução

Este trabalho objetiva trazer apontamentos acerca do perfil


legislativo e jurídico da Argentina no que diz respeito às relações
estabelecidas entre as empresas de aplicativos de mobilidade urbana
e o enquadramento dos supostos parceiros motoristas e entregadores,
a fim de demonstrar que o referido país representa resistência no
ordenamento jurídico em considerar tais aplicativos como empresas
de tecnologia e os respectivos motoristas e entregadores como
prestadores de serviço autônomos.
No primeiro momento do artigo, abordar-se-ão os aspectos de
implantação do sistema de compartilhamento no país e as primeiras
decisões judiciais que enfrentaram a temática no intuito de traçar o
panorama geral no país, bem como as contra-respostas populares e
emanadas pelos demais Poderes do Estado.
Em seguida, proceder-se-á a análise da regulamentação
87 Pós-doutora em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas - UDF. Doutora e Mestra
em Direito pela UFMG, Professora e membro do corpo permanente do Programa de
Pós-graduação da FDUFMG. Desembargadora do TRT da 3ª Região. E-mail: adrisena@
ufmg.br.
88 Mestrando em Constitucionalismo e Direitos na Amazônia pelo Programa de Pos-
Graduaçao em Direito da Universidade Federal do Amazonas. Especialista em Direito
do Trabalho e Processo do Trabalho. Juiz do Trabalho do TRT da 11ª Região AM/RR.
Professor Universitário da Faculdade Estácio do Amazonas. zanyigo@gmail.com.
89 Doutorado em Direitos Fundamentais - Universidad Carlos III de Madrid (2006),
reconhecido pela UFMG (2014). Professor convidado no programa de pós-graduação
(mestrado e doutorado) da Faculdade de Direito da UFMG. Professor Adjunto I de
Direito e Processo do Trabalho e Processo Eletrônico do IEC da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais – PUCMINAS. Desembargador Desembargador Federal do
Trabalho aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.

128 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
argentina sobre a matéria, subsidiando o estudo acerca dos parâmetros
utilizados, sobretudo, por se tratar de país latino-americano com raízes
históricas, econômicas e sociais da comunidade aqui estabelecida.
Por meio de pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico e
pelo método hipotético dedutivo, este artigo visa confirmar as bases
rígidas de regulação do Estado Argentino quanto à prestação de
serviços por meio das plataformas de mobilidade urbana, retendo ao
final as principais características do país na compreensão jurídica do
fenômeno da economia de compartilhamento, fornecendo subsídios
para a, ainda em desenvolvimento, regulação brasileira nos aspectos
que se tangenciam na realidade latino-americana.

2. Globalização e relações de trabalho

Inúmeras dificuldades nas relações de trabalho estão se


apresentado como efeito expansionista da globalização, dos avanços
tecnológicos e da velocidade de informação e de comunicação como:
automatização, flexibilização de normas trabalhistas, subemprego,
precarização das relações de trabalho etc.
Entretanto, integrando-se à multiculturalidade e à história
nacional, não se pode olvidar que os países da América Latina já
possuem problemas estruturais nas relações de trabalho próprias
com herança permanecida pelo colonialismo e as suas consequências
sobre a estratificação de vidas, dominação de conhecimentos e do
próprio controle do poder.
Nesse sentido, Aníbal Quijano defende que um dos efeitos da
colonização do poder se dá sobre a estrutura do trabalho que trouxe a
Europa com a imposição do capitalismo e suas formas de exploração
sobre todo mundo. Tal fato, nas acepções do autor, sobreleva-se
quando se está diante da globalização como projeto de homogeneidade
da população mundial sobre aspectos de mercado com a utilização da
crescente velocidade de informação e de comunicação que é produzida
pelos meios tecnológicos90.
Nas lições do mesmo autor, o mundo globalizado parecer ter
diminuído e se aproximado, a ponto de ter uma única economia,

90 QUIJANO, Aníbal. El trabajo. Argumentos. 146. Año 26. Núm. 72. mayo-agosto 2013.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 129


V IA DOS DIREITOS
única sociedade e única cultura e que se amalgama a cada dia de
forma inevitável, irremediável e natural, assemelhando-se e atraindo
o eurocentrismo com suas características de dominação de mercado e
das subjetividades, além das políticas liberais e pensamento racional.
Nesse sentido, a expansão das tecnologias disruptivas e a
colonização das empresas de oferta de serviços por aplicativo se
expandiram por todo o mundo, trazendo ao direito do trabalho
latino-americano novas realidades a serem estudadas, considerando,
sobretudo, as particularidades locais e o momento histórico estatal
que traçam o perfil de cada país para significação dos fenômenos
trazidos pelo capitalismo.
Dentro da análise da regulação do Direito do Trabalho, vem
se percebendo alterações nas relações de trabalho que não mais
respondem aos comandos rígidos anteriormente analisados quanto
à subordinação jurídica, implicando diretamente no distanciamento
da própria esfera de garantias e direitos mínimos outrora
objetivados historicamente para dar lugar a novos modelos atípicos
desregulamentado.
Na doutrina de Goldin, o Direito do Trabalho deve preparar-
se para essas manifestações de atipicidade contratual das relações de
trabalho, sobretudo para cuidar de casos tendam a mascarar, ocultar
e borrar a visão dos sujeitos envolvidos como se coloca a realidade da
economia colaborativa91
Para fins de conceituação, adota-se no presente trabalho
o conceito de economia de plataforma, tem-se o englobamento
de grandes variedades de atividades econômicas e sociais que são
facilitadas por plataformas digitais que intermedeiam agentes nas
duas pontas dos serviços, ofertando comodidades e redução de custos
de coordenação e transação.
O uso das ferramentas acaba por facilitar mudanças
organizacionais nas cadeias empresariais, inclusive nos modelos de
gestão e consequente alteração nas estruturas laborais, culminando
91 GOLDIN, Adrian. Aventuras y desventuras del trabajo humano em los tiempos que
corren y em los que estan por venir. Associación Argentina del Derecho del Trabajo
y de La Seguridad Social. Disponível em:https://www.aadtyss.org.ar/old/index.
php/jurisprudencia/editorial/anteriores/132-aventuras-y-desventuras-del-trabajo-
humano-en-los-tiempos-que-corren-y-en-los-que-estan-por-venir . Acesso em: 20 out.
2020.

130 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
na plataformização do trabalho.
Com essas premissas estabelecidas, inicia-se à análise da
cronologia de implantação da Uber na Argentina.

3. Uber na Argentina

Em 23 de abril de 2016, com a chegada do Uber a Bueno


Aires no dia 12 mesmo mês, houve decisão judicial com bloqueio
preventivo do aplicativo na Cidade Autônoma de Buenos Aires com
vistas à adequação às leis locais, sob a justificativa de que o transporte
não supervisionado representava alto risco à segurança pública por
utilizar-se de condutor não profissional e sem seguro de acordo com
a atividade92.
Na decisão, a Juíza Claudia Alvaro fundamentou que a empresa
deixa usuários desprotegidos, por meio da contratação de transporte
não autorizado, sem que haja qualquer responsabilidade por danos
diretos, nem derivados da atividade lucrativa. A medida restritiva
considerou a atividade como contravenção penal, incorrendo no art.
8593 do Código de Contravenção da Cidade Autônoma de Buenos Aires
(Lei Nº. 1.472/2004) que diz respeito ao exercício de atividade lucrativa
não autorizado em espaço público.
Em 5 de maio de 2016, a Câmara de Recursos Criminais,
Condutas e Contravenções da Cidade de Buenos Aires confirmou

92 Eles ordenam o fechamento preventivo do site da UBER e das inscrições na Argen-


tina. IJudicial. Poder judicial de La Ciudad de Buenos Aires. Consejo de La Magistratu-
ra. Disponível em: https://ijudicial.gob.ar/2016/ordenan-la-clausura-preventiva-de-la-
-web-y-aplicaciones-de-uber-en-argentina/. Acesso em: 14 out. 2020.
93 “Art. 83 - Usar indebidamente el espacio público. Quien realiza actividades
lucrativas no autorizadas en el espacio público, es sancionado/a con multa de
doscientos ($ 200) a seiscientos ($ 600) pesos. Quien organiza actividades lucrativas
no autorizadas en el espacio público, en volúmenes y modalidades similares a
las del comercio establecido, es sancionado/a con multa de 5.000 a 30.000 pesos.
No constituye contravención la venta ambulatoria en la vía pública o en transportes
públicos de baratijas o artículos similares, artesanías y, en general, la venta de
mera subsistencia que no impliquen una competencia desleal efectiva para con el
comercio establecido, ni la actividad de los artistas callejeros en la medida que no
exijan contraprestación pecuniaria.”. ARGENTINA. Código Contravencional de la
Ciudad Autónoma de Buenos Aires. Ley N° 1.472/2004. Disponível em: https://www.
buenosaires.gob.ar/areas/seguridad_justicia/justicia_trabajo/contravencional/
completo.php. Acesso em: 14 out. 2020.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 131


V IA DOS DIREITOS
a ordem de bloqueio, assinalando que a Uber deve cumprir os
regramentos constitucional, legal e municipal relativos à atividade
comercial exercida, sem prejuízo ao cumprimento de normas que
respondam ao poder de polícia que é exercido para segurança dos
cidadãos do território94.
Nota-se que as impressões iniciais da atividade realizada
pela plataforma que trouxe de forma pioneira a atividade para o solo
argentino trataram o transporte como infração criminal, sobretudo,
analisando a relação formada entre a empresa, os motoristas e os
destinatários dos serviços: o cliente.
A ponderação judicial se dava sobremaneira sobre facilitação
que se dava ao acesso dos motoristas à atividade lucrativa de transporte,
sem qualquer cuidado com a segurança que se estava colocando em
risco por meio da utilização de terceiros em comparação à regulação
feita aos taxistas portenhos.
A atividade do Poder Judiciário local chegou a condenar
Mariano Otero, diretor-presidente da Uber Argentina pelo exercício
de atividade ilegal e uso indevido de espaço público, não podendo o
referido diretor exercer transporte de passageiros pelo período de
dois anos95.
Nesse sentido, Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH) por meio da Relatoria Especial para Liberdade de Expressão
manifestou preocupação com a situação argentina no Informe Anual,
narrando o fato que o Poder Judiciário Portenho no ano de 2017 decidiu
bloquear acessos a plataformas digitais de transporte por meio de
censura na rede mundial de computadores, o que se estendeu também
ao bloqueio de uso de cartões de créditos nacionais nas plataformas
de aplicativo.
Na conclusão do informe, a CIDH ressaltou que é dever dos
Estados Americanos a garantia que o tratamento dos dados e o tráfico
de internet não seja objeto de nenhum tipo de discriminação em
94 Eles confirmam o bloqueio preventivo do UBER. . IJudicial. Poder judicial de La
Ciudad de Buenos Aires. Consejo de La Magistratura. Disponível em: https://ijudicial.
gob.ar/2016/confirman-el-bloqueo-preventivo-de-uber/. Acesso em 14 out. 2020.
95 La Justicia condena a UBER Argentina e inhabilita a su CEO por 2 años. 22 de
septiembre de 2018. Portal Mundo Empresarial. La voz de las pymes. Disponível em:
https://mundoempresarial.com.ar/contenido/1466/ilegal-condenan-a-uber-argentina-
e-inhabilitan-a-su-ceo-por-2-anos. Acesso em: 14 out. 2020.

132 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
função de dispositivos, conteúdo, autor, origem ou destino do material,
serviço ou aplicação, de acordo com o princípio da neutralidade da
rede96.
Percebe-se com isso que as medidas adotadas pelo
Poder Judiciário de Buenos Aires acabaram por vulnerabilizar
desproporcionalmente o direito à liberdade de expressão, no viés
de recebimento e acesso a informações por meio da internet, no
desiderato de impedir a estabilização da plataforma Uber como
recurso ao transporte de terceiros.
A questão não se resolveu nos anos posteriores, já que a Uber
defende que a atividade por ela exercida opera como facilitadora
de transporte em consonância com o art. 1.280 do Código Civil e
Comercial97 no que tange à contratação de transporte com empresas
privadas (a exemplo dos serviços de frete e locação), o que afastaria a
característica de serviço de transporte público ofertado.
Com o advento da Lei 6.043, sancionada em 8 de novembro
de 2018, modificou-se o Código de Trânsito e Transporte da Cidade de
Buenos Aires, no intuito de incluir a sanção de retenção preventiva
de motoristas, veículos e licenças para dirigir daqueles que prestem
serviços de transporte de passageiros sem permissão, autorização,
concessão, habilitação ou inscrição na normativa aplicável, inclusive
com aplicação de multa ao motorista por transporte para qual não tem
habilitação específica.98
96 CIDH. Informe Anual de La Comissión Interamericana de Derechos Humanos
2017. Relatoria Especial para La Libertad de Expresión. Volume II. OEA/Ser.L/V/II.
Doc. 210/17 31 de diciembre de 2017 Original: Español. Edison Lanza, Relator Especial
para la Libertad de Expresión. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/docs/
anual/2017/docs/anexorele.pdf. Acesso em: 14 out. 2020.
97 Art. 1280.Transporte - Definición. Hay contrato de transporte cuando una parte
llamada transportista o porteador se obliga a trasladar personas o cosas de un lugar
a otro, y la otra, llamada pasajero o cargador, se obliga a pagar un precio o flete.
ARGENTINA. Código Civil y Comercial de La Nacion. Ley 26.994/2014. Disponível em:
http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/235000-239999/235975/norma.
htm#22. Acesso em 14 out. 2020.
98 Capítulo. 5.6. b “[...] 15. Cuando preste un servicio de transporte de pasajeros sin
el permiso, autorización, concesión, habilitación, o inscripción que la normativa
aplicable requiera, sin perjuicio de la sanción pertinente.(Incorporado por Art. 3º
de la Ley Nº 6.043, BOCBA Nº 5513 del 06/12/2018); 16. Cuando el conductor de un
servicio de transporte de pasajeros preste un servicio para el cual no está habilitado
o en infracción al mismo.(Incorporado por Art. 3º de la Ley Nº 6.043, BOCBA Nº 5513
del 06/12/2018)

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 133


V IA DOS DIREITOS
Todavia, naquele mesmo ano de 2018, na cidade de Buenos
Aires existiam 38 mil de táxis que se rivalizam com mais de 35 mil
motoristas de aplicativos com 2.5 milhões de usuários da plataforma,
os quais não podem ter alternativos senão a utilização clandestina do
transporte por app por meio de pagamentos direitos em espécie ou
mesmo o uso de cartões internacionais.
No mesmo sentido das decisões judiciais de viés restritivo, em 2
de agosto de 2019, a Justiça Portenha proibiu a circulação de motoristas
de entregados aplicativos Glovo, Rappi e PedidosYa acolhendo petição
da Associação Sindical de Motociclistas Mensageiros e Serviços
(ASIMM), tendo como justificativa as condições precárias de execução
dos serviços como transporte de produtos em bolsas e não próprias
para tanto, ausência de jalecos com luzes de segurança, capacetes e
outras medidas que garantam a proteção dos trabalhadores.99
Na decisão da Primeira Instância do Contencioso Administra-
tivo e Tributário n.º 2 da Cidade Autônoma de Buenos Aires, o Juiz Ro-
berto Andrés Gallardo também ordenou que as empresas de cartão de
crédito Visa Argentina S.A., Mastercard Cono Sur S.R.L., Tarjeta Na-
ranja S.A. e American Express Agentina bloqueassem e suspendessem
pagamentos às plataformas de entrega100.
Na fundamentação, a autoridade judiciária apontou a causa
de acidentes de entregadores pela desídia estatal na fiscalização das
atividades das plataformas de entrega, culminando na precariedade
absoluta na prestação de serviços. Quanto à dependência que gera o
vínculo de emprego respectivo, o Juiz Gallardo assinalou que a Câmara
de Apelações local firmou por meio de resolução que o art. 13.3.2 do
Código de Trânsito e Transporte estabelecendo direcionamentos para
tentativas de rupturas com proteções conquistadas pela legislação

99 El juez Gallardo, firme contra Pedidos Ya, Rappi y Glovo: «Tienen que adecuarse
a la ley o volvemos al siglo 18». Gestión Sindical. 6 de agosto de 2019. Disponível em:
https://gestionsindical.com/el-juez-gallardo-firme-contra-pedidos-ya-rappi-y-glovo-
tienen-que-adecuarse-a-la-ley-o-volvemos-al-siglo-18/. Acesso em 24 out. 2020.
100 ARGENTINA. Envios Ya AS y otros contra GCBA y otros sobre amparo. Número
EXP 36976/2018-0, CUIJ: Exp J-01-00060959-1/2018-0. Actuación Nro: 13348393/2019.
Juez Ricardo Andres Gallardo, 2 de agosto de 2019. Disponível em: https://www.scribd.
com/document/420595864/Suspenden-actividad-de-Rappi-Glovo-y-Pedidos-Ya-en-
CABA#from_embed. Acesso em 24 out. 2020.

134 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
laboral.101
Na decisão final, o Juiz reiterou as medidas cautelares adotadas,
assinalando que a contratação de entregadores pelas citadas empresas
representava fraudes trabalhistas estando presentes elementos de
pessoalidade do contrato, além da subordinação por seus vieses
técnico, econômico e jurídico com desvios de caminho que desvirtuam
o propósito legal de proteção a empregados.
Transcreve-se tradução livre de trecho do julgado:

O Tribunal de Recursos da jurisdição foi extrema-


mente claro na definição da fraude trabalhista e
destacando suas consequências terríveis: “‘a esco-
lha engenhosa de caminhos desviados para garan-
tir que a violação das regras obrigatórias está a sal-
vo de qualquer sanção (responsabilidade), porque
outras regras escolhidas de forma inteligente, eles
parecem consentir com isso ‘(Fernandez Madrid,
Juan Carlos, Tratado Prático de Direito do Trabalho
”, LL, p. 141 e segs.). Além disso, “os outorgantes do
ato fraudulento se escondem atrás de uma norma
legal, utilizando um procedimento de negociação
que serve de hedge e que tem idoneidade suficiente
para chegar a determinado resultado (que é o efeti-
vamente desejado por eles). Mas sob este aparente
andaime legal, está subjacente o verdadeiro propó-
sito dos envolvidos no ato, que consiste em contor-
nar outra norma jurídica que os impeça de alcan-
çar aquele resultado prático que alcançaram. (...)
porque o empregador cometeu fraude trabalhista
expressa ou descumpriu por negligência as nor-
mas constitucionais sobre a matéria - não é cabível
culpar a vítima (empregado) pelas consequências
negativas de tais circunstâncias, sendo a perda da
fonte o trabalho é o exemplo máximo das consequ-
ências desfavoráveis que​​ o Judiciário - na qualidade

101 ARGENTINA, 2019, idem ibidem.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 135


V IA DOS DIREITOS
de avalista da Constituição - está obrigado a evitar
em situações particulares como as que se manifes-
tam no presente caso. É assim, especialmente se le-
varmos em consideração que o contexto cultural, O
sistema econômico e social em que se desenvolve
todo sistema jurídico-político de proteção dos direi-
tos fundamentais é imprescindível para a resolução
de litígios judiciais, desde que se pretenda proferir
sentenças eficazes e eficientes.  As resoluções ju-
diciais que não levem em conta as circunstâncias
vigentes em determinados momentos históricos
constituirão peças jurídicas desprovidas de utili-
dade efetiva. Nesse quadro, é possível argumentar
que o Judiciário deve ajustar suas decisões aos prin-
cípios e valores constitucionais. Por isso, ignorar as
circunstâncias de crise económica e social prevale-
centes, em particular, a que ocorre no domínio do
desemprego, importaria a ditado de uma decisão
não oficial102

No julgado, exprimiu-se a necessidade de contextualização das


formas de trabalho mascaradas por falsas impressões de autonomia
com base nos fatores sociais e históricos vivenciados, com precarização
da exploração de mão de obra com chancelas legais que dissonantes
dos valores constitucionais.
Por outro lado em 2020, reconhecendo a licitude da atividade
de entrega por aplicativos, fora aprovada pelo Legislativo de Buenos
Aires, a Lei que regulamenta a relação a atividade de entregadores,
mensageiros e trabalhadores em plataformas de entrega, estabelecendo
parâmetros mínimos como seguro trabalhista e proibindo o sistema
de incentivos e punições comuns aos prestadores de serviço nesses
102 ARGENTINA. Envios Ya AS y otros contra GCBA y otros sobre amparo. Número
EXP 36976/2018-0, CUIJ: Exp J-01-00060959-1/2018-0. Actuación Nro: 13348393/2019.
Juez Ricardo Andres Gallardo, 2 de agosto de 201. Versão Traduzida por Erreius, Dispo-
nível em: < https://www.erreius.com/Jurisprudencia/documento/20190806124753718/
accion-de-amparo-ley-de-aplicable-delivery-via-app-reparto-de-mercaderias-suspen-
sion-de-actividad-de-reparto-codigo-de-transito-y-transporte-registracion-laboral-
-primacia-de-la-realidad-relacion-de-dependencia#q24>. Acesso em 25 out. 2020.

136 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
aplicativos.
No projeto aprovado, os operadores da plataforma,
entregadores e mensageiros devem requerer o cadastro em registro
único de transporte de mensagens e/ou entrega no domicílio de
substâncias alimentares no prazo de 180 dias a contar da vigência da
norma com prazo de validade de um ano103.
Ainda, dispõe sobre a obrigação de fornecimento de
equipamentos de proteção para entregadores, estabelecendo que
cabe às empresas intermediadoras o custeio de seguro de vida,
responsabilidade civil e acidentária para casos pessoais, além de
entrega de capacete, colete, álcool gel, máscara, caixa ou bag para
entrega.
Del Bono traz a realidade local de que os entregadores de todo
modo estão submetidos a condições inseguras e precárias de trabalho,
reiteradamente reconhecidas como na cidade de La Plata, na qual
se denunciaram constantes assaltos, roubos de moto, violência e
episódios de trabalhadores que foram alvejados por tiros por tais
situações e a única medida tomada foi entre os referidos que criaram
grupos de whatsapp para alertas.104
Registra ainda a autora que a experiência das cidades europeias
e agora na América Latina demonstra que o ingresso de entregadores
por app trazem retornos muito baixos em termos de renda, sem
qualquer condição digna de contraprestação. Nas cidades argentinas,
as plataformas pagam somente por entregas efetivamente realizadas
não compensando qualquer tempo à disposição e sem qualquer
possibilidade de conhecimento e estipulação prévia de valores, o que
resulta em jornadas extenuantes com mais de oitos diárias, feriados e
fins de semana a serviço105.
Citando Mohmanny e Zalmanson a marca registrada das

103 Ciudad. Los repartidores de apps de delivery deberán estar inscriptos y habilitados
para trabajar. La Nacion. 16 de julho de 2020. Disponível em: <https://www.lanacion.
com.ar/economia/ciudad-los-repartidores-apps-delivery-deberan-inscribirse-
nid2398772>. Acesso em: 15 out. 2020.
104 DEL BONO, A. Trabajadores de plataformas digitales: Condiciones laborales en
plataformas de reparto a domicilio en Argentina. Cuestiones de sociología, n. 21, p.
e083, 19 dez. 2019. Disponível em: < https://www.cuestionessociologia.fahce.unlp.
edu.ar/article/view/CSe083>. Acesso em 24 out. 2020.
105 DEL BONO, 2019, idem ibidem.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 137


V IA DOS DIREITOS
plataformas é o gerenciamento algorítmico acaba por superar
qualquer elemento comum de subordinação já conhecido pelo
direito do trabalho, apresentando cinco características marcantes:
monitoramento contínuo do comportamento do trabalhador; avaliação
constante de desempenho pelo app, avaliação de clientes e sua aceitação
ou rejeição ao trabalho executado; implementação automática de
decisões sem consciência humana e interação de trabalhadores
apenas com sistemas sem feedback e baixa transparência106
Com isso, nada menos esperado que a primeira entidade de
classe sindical de trabalhadores em aplicativo do continente surgisse
na Argentina107, Associação de Pessoal de Plataforma (APP) contestou
a aprovação da lei dos entregadores e mensageiros, denominando-a
de anti-operária e acabou por reconhecer facilidades às empresas
de plataforma, acabou por isentá-las do cumprimento de obrigações
trabalhistas e fiscais.

4. Uber em Mendoza e demais territórios

Para além de Buenos Aires, em Mendoza, a realidade das


plataformas de transporte é diametralmente diferente, a Lei 6.082/2018
modificou a Lei de Transporte na Província, a incluir como projeto de
desenvolvimento da mobilidade urbana, o transporte via aplicativos
com concessão de registro aos motoristas, prestando serviços
mediante demanda.
Na legislação de Mendoza108, as empresas devem operar com
106 Möhlmann, Mareike; Zalmanson, Lior.. Hands on the Wheel: Navigating
Algorithmic Management and UberDrivers’ Autonomy. Thirty Eighth International
Conference on Information Systems, 1-17. Disponível em: < https://www.
researchgate.net/profile/Mareike_Moehlmann2/publication/319965259_Hands_on_
the_wheel_Navigating_algorithmic_management_and_Uber_drivers’_autonomy/
links/59c3eaf845851590b13c8ec2/Hands-on-the-wheel-Navigating-algorithmic-
management-and-Uber-drivers-autonomy.pdf> . Acesso em 28 out. 2020.
107 Nace APP: un sindicato para los trabajadores de plataformas. La Izquierda Diario.
Tybor, Julián. 10 de octubre de 2018. Disponível em: http://www.laizquierdadiario.
com/Nace-APP-un-sindicato-para-los-trabajadores-de-plataformas. Acesso em: 15
out. 2020.
108 ARGENTINA. Nueva Ley de Mobilidad. El proyecto busca actualizar y completar
el Marco Regulatorio de Transporte en Mendoza, clasificando y calificando los
servicios, contemplando encuestas de opinión al usuario, incorporando las
plataformas electrónicas, y la regularización de los poderes ya otorgados. Además, se

138 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
motoristas com análise de antecedentes criminais, verificação do
veículo com idade não superior a cinco anos, além de seguro especial.
Ainda, a referida lei, estabelece descanso entre jornadas de prestação
de serviços de no mínimo 12 horas
Acrescentou a lei a cobrança de taxa especial a esses motoristas
para fins de manutenção da estrutura viária com projetos semelhantes
nas províncias de Buenos Aires, Rosário e Posadas.109
É inegável que a Argentina por sua peculiaridade de autonomia
por províncias acaba por possuir diversos cenários de receptividade
das plataformas de economia de compartilhamento, importante
inferir através da pesquisa elaborada que a Cidade Autônoma de
Buenos Aires apresenta maior resistência à regulamentação da
atividade, tangenciando questões laborativas quando esbarram no
próprio objeto ilícito que se busca regulamentar.
É inegável que o fato social e a intrusão no território dos
aplicativos é realidade que precisa ser reconhecida pelo direito como
efeito expansionista da globalização que tem se disseminado por todo
o mundo, todavia, não se pode desprestigiar a realidade de cada país e
os estágios de proteção na seara trabalhista.
E assim, é na globalização que comparativamente se podem
afirmar diferenças de tratamentos de trabalhadores, já que as escolhas
dos locais, nas quais as empresas multinacionais se estabelecem,
representam momentos históricos e sociais das relações de trabalho
com proteção estatal e com direitos trabalhistas que consolidaram
com luta de classes e por progressividade.
A estratégia que abarca a alocação de mão de obra nos locais
incipientes em matéria de direitos trabalhistas integra ao mesmo
pensamento que se dá na colonialidade do ser em que o conceito
de países em desenvolvimento foi estabelecido para desqualificar
os cidadãos que coincidentemente habitavam os países ditos em
periferia e subdesenvolvidos e que historicamente foram submetidos

institucionaliza Mendotran como marca para el transporte en el área metropolitana.


Disponível em: https://www.mendoza.gov.ar/prensa/nueva-ley-de-movilidad/. Acesso
em 15 out. 2020.
109 BASCH, Marcela. ¿Cuál es la situación de Uber en la Argentina?.Chequeado. 24
de octubre de 2018. Disponível em: https://chequeado.com/el-explicador/cual-es-la-
situacion-de-uber-en-la-argentina/. Acesso em: 15 out. 2020.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 139


V IA DOS DIREITOS
a explorações como a escravidão, a servidão pessoal e a troca110.
O mainstream do saber globalizado não é de todo errado, não se
está discutindo possível não importância de pronta resposta do direito
do trabalho às vicissitudes da globalização imposta, todavia, carece-
se de um filtro heterogêneo na perspectiva mundial quando somadas
às situações já existentes no país e que devem receber tratamento
igualitário na preocupação estatal e social, considerando critérios
de economias em desenvolvimento e reparos históricos por anos de
subjugação colonialista e que agora novamente se manifesta pela
globalização.
É importante perceber, como mesmo trouxe Quijano que
o capitalismo estruturou a exploração do trabalho nas Américas de
forma deliberada, não como mesmos ditames históricos da época
pré-capitalista, mas como forma de abastecimento da estrutura do
capitalismo mundial.
Portanto, não há uma classe operária homogênea em todo o
mundo, mas sim uma pluralidade de identidades de trabalhadores
com interesses diversos e concretos, embora o antagonista permaneça
sendo a exploração capitalista.
Os aplicativos de mobilidade urbana representam a
modernidade na prestação de serviços a clientes, tornando acessível
o transporte por meio deles de pessoas, objetos e alimentos que
antigamente dependiam de questões estranhas a ele, todavia, não
se pode descuidar a proteção trabalhista que vem se consolidando
internamente em cada país, a exemplo da Argentina, a qual nitidamente
vive atritos na receptividade dos modelos economia de plataforma,
inclusive com ativismo direto do Poder Judiciário, o qual demonstra o
perfil rígido do país com a proteção trabalhista já construída.

5. Considerações finais

Neste trabalho, podem-se analisar apontamentos acerca da


implantação das plataformas de mobilidade urbana por aplicativo
implantadas na Argentina, avaliando as circunstâncias locais que
vão desde a ilegalidade do transporte privado de passageiros com

110 QUIJANO, 2013, op. cit.

140 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
intermediação por apps, bem como as alterações legislativas recentes
em Buenos Aires que autorizaram a entrega de alimentos e mensagens.
Nesse sentido, a recepção das novas ferramentas pelo Poder
Judiciário de Buenos Aires se deu de forma restritiva, correspondendo
à proteção e ao poder de polícia local à segurança de passageiros, bem
como resguardando direitos mínimos que não pode ser represado
pelas empresas.
Buenos Aires demonstra em si, ao contrário de províncias como
Mendoza, a tendência protecionista que abarca a realidade portenha
que busca entender o fenômeno disruptivo como prejudicial aos
trabalhadores e na proteção já adquirida pela legislação trabalhista,
recepcionando a importação das tecnologias como a cautela que
permeia a análise histórica e social dos fatos.
No que tange ao Poder Legislativo local, verifica-se que a divisão
de competências do Estado Argentino acaba por criar dois cenários
de consolidação dos aplicativos, sendo um em Buenos Aires que
apresenta perfil conservador, enquanto outras províncias, a exemplo
de Mendoza trataram de regulamentar o transporte de passageiro
por aplicativos, criando uma rede de regularidade que garantem não
só a recepção das novas tecnologias, mas incorporando aspectos de
contribuição à mobilidade urbana.
Quanto às relações de trabalho, a Argentina trouxe a
contribuição da primeira entidade de classe continental de pessoal
de aplicativos, bem como demonstrou perfil protecionista, ao revés
daquele liberal presente em vários países que receberam essas
empresas, estabelecendo obrigações e direitos mínimos que criam
uma linha tênue entre a dependência jurídica própria do vínculo de
emprego e a parceria autônoma apregoada pelas empresas como
contributo ao empreendedorismo e à flexibilização de busca por
renda.
Com isso, espera-se ao fim deste trabalho fornecer elementos
suficientes para cartografia normativa e social de regulamentação e
aceitabilidade da economia do compartilhamento dentro da América
Latina, a fim de que se construa um ius comunne com base nas
realidades vivenciadas e similares por contextos locais.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 141


V IA DOS DIREITOS
6. Referências

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ARGENTINA. Nueva Ley de Mobilidad. El proyecto busca ac-
tualizar y completar el Marco Regulatorio de Transporte en Mendoza,
clasificando y calificando los servicios, contemplando encuestas de
opinión al usuario, incorporando las plataformas electrónicas, y la re-
gularización de los poderes ya otorgados. Además, se institucionaliza
Mendotran como marca para el transporte en el área metropolitana.
Disponível em: https://www.mendoza.gov.ar/prensa/nueva-ley-de-mo-
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inscrições na Argentina. IJudicial. Poder judicial de La Ciudad de

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 143


V IA DOS DIREITOS
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La Izquierda Diario. Tybor, Julián. 10 de octubre de 2018. Disponível
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QUIJANO, Aníbal. El trabajo. Argumentos. 146. Año 26. Núm.
72. mayo-agosto 2013.

144 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
O trabalho em plataformas digitais na Itália

Adriana Goulart Sena Orsini111


Dorinethe dos Santos Bentes112

1. Introdução

Trabalho, tecnologia e direitos sociais dos trabalhadores,


são os temas que movimentam novas pesquisas nos centros de
investigações cientificas do mundo. No Brasil isso não é diferente.
São as inquietações do mundo do trabalho que nos fazem buscar
compreender, não só internamente mas também, em outros países a
complexidade das relações do mundo do trabalho no novo contexto
das plataformas digitais, por isso, neste texto busca-se compreender
o processo de chegada e os impactos provocados nas cidades italianas
pela atividade do Grupo Uber, que se estende para além do transporte
de pessoas, alimentos ou produtos, tratando-se de uma nova realidade
do capitalismo digital.
Esse novo modelo de exploração da mão de obra dos
trabalhadores, por meio de aplicativas das plataformas digitais, traz em
sim narrativas objetivando capturar a subjetividade dos trabalhadores,
transformando-os em parceiros, colaboradores, empreendedores
dentre outros. Esse novo modelo de obtenção de mão de obra é tão
sedutor que os próprios trabalhadores não se identificam como
trabalhadores portadores de direitos trabalhista.
Os trabalhadores e muitas vezes o próprio judiciário preso a
conceitos fechados, mesmo que a própria legislação não o seja, não
estão conseguindo ter clareza de que os algoritmos das plataformas
digitais conseguem realizar rigoroso controle da prestação dos
serviços, dirigindo e controlando efetivamente, as horas trabalhadas,

111 Pós-doutora em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas - UDF. Doutora e Mestra
em Direito pela UFMG, Professora e membro do corpo permanente do Programa de
Pós-graduação da FDUFMG. Desembargadora do TRT da 3ª Região. E-mail: adrisena@
ufmg.br.
112 Doutoranda em Direito e Justiça pela Universidade Federal de Minas Gerais -
UFMG. Mestra em História pela UFAM. Professora da Faculdade de Direito-UFAM.
E-mail: dorinethebentes@gmail.com.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 145


V IA DOS DIREITOS
e todo o processo da prestação dos serviços realizados por meio dos
aplicativos. Esses mecanismos extrapolam a mera coordenação,
praticando desregulamentação e precarização das relações de trabalho
(VASCONCELOS, 2019).
O presente texto foi estruturado em duas seções, a primeira
analisa os realinhamentos ao capitalismo digital e os movimentos
dos trabalhadores na luta contra a super exploração do trabalho pelas
plataformas digitais nas ruas e no sistema judiciário italiano e; A
segunda, as ações sobre as relações de trabalho por meio de aplicativos
de plataformas digitais no judiciário italiano e as idas e vindas das
decisões judiciais.

2. Realinhamento ao capitalismo digital e os movimentos dos


trabalhadores

Na avaliação feita pelos sindicalistas italianos e brasileiros no


evento realizado no Brasil em 2019, organizado pela CUT-SP (Central
Única dos Trabalhadores de São Paulo) e GCIL- Confederação Geral
Italiana do Trabalho (Lombardia e Milão), o sistema capitalista,
por meio da política neoliberal, tem intensificado a exploração dos
trabalhadores, precarizando as relações de trabalho no mundo e
fragilizando a atuação dos sindicatos (CUT-2019).
Os representantes sindicais fazem uma autocritica da atuação
dos sindicatos e destacam que atualmente está mais difícil trazer os
trabalhadores para a luta sindical, levando em conta o enfraquecimento
das organizações sindicais no mundo (CUT-2019). Destacam que os
sindicatos precisam realinhar suas estratégias de luta ao novo contexto
do capitalismo de vigilância digital (ZUBOFF, 2015)
Os realinhamentos do sistema capitalista, trazem novos
desafios que precisam ser enfrentados pelo movimento sindical. Os
representantes do movimento sindical italiano, indicam que é preciso
construir um projeto coletivo ajustado ao novo contexto do mercado
de trabalho, que precariza e desregula o sistema de proteção das
relações de trabalho. Os trabalhadores que estão entrando no mercado
de trabalho chegam de maneira informal e encontram-se sozinhos
sem a proteção sindical ou jurídica. Esse é o caso dos trabalhadores

146 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
de plataformas digitais, que estão seguindo seus caminhos e tanto
no Brasil como na Itália, precisam construir uma alternativa para
sair da informalidade exigindo seus direitos de forma coletiva e não
individualizada, necessitando redefinir os caminhos do sindicalismo
nesses dois países.
Outro elemento a ser analisado para o distanciamento
dos trabalhadores dos órgãos de classe é a chamada captura da
subjetividade dos trabalhadores por meio das narrativas do capital
que, os transformou em parceiros, colaboradores, trabalhadores
autônomos, empreendedores, dentre outros. Essas narrativas fazem
com que os trabalhadores não se reconheçam como trabalhadores,
dificultando significativamente a participação nas lutas sindicais, é o
que Nancy Fraser chama de meta da injustiça, na medida em que são
os próprios trabalhadores que não se vem como trabalhadores, logo,
não se sentem portadores desses direitos (Nancy Fraser).

2.1. O realimento das legislações trabalhistas aos interesses


do novo modelo do capital de plataformas digitais

As reformas das legislações trabalhistas estão acontecendo no


mundo todo, evidenciaremos os casos das mudanças legislativa na
Itália e no Brasil
No caso do Brasil, a lei 13.467/2017, traça o caminho do
retrocesso social, um retrocesso que coloca a legislação brasileira
no final do século XIX e início do XX, período no qual o direito era
instrumento de segregação e sedimentação das desigualdades sociais.
Muito diferente do que preconiza a Constituição de 1988, a lei traz
múltiplos mecanismos que desvirtua a lógica da legislação trabalhista
brasileira consolidada para a proteção aos trabalhadores (DELGADO,
MAURICIO e GABRIELA DELGADO, 2017)
É nesse sentido que examinar-se-á os artigos 611-A e 611-B da
CLT, esses artigos estabelecem a supremacia das convenções e acordos
coletivos sobre a própria Lei, isso seria muito interessante para a
classe trabalhadora, se o Brasil tivesse uma estrutura de sindicatos
fortes e engajados na luta pelos interesses dos trabalhadores, mas,
infelizmente essa não é a realidade.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 147


V IA DOS DIREITOS
Esses dois artigos instigam o sindicalismo brasileiro a se
tornar adversário dos trabalhadores, com poderes de suprimir ou
atenuar direitos, por meio da negociação coletiva, com uma narrativa
que afirma estar fortalecendo o sindicalismo, quando na verdade
está fragilizando-o ainda mais. (DELGADO, MAURICIO e GABRIELA
DELGADO, 2017).
Além disso, na disputa de narrativas a legislação brasileira cria
mais empecilhos para a integração dos trabalhadores aos seis órgãos
de representação classista, criando segregação entre eles por meio de
sua mais nova invenção: a categorias de trabalhadores hipossuficientes
e hiperssuficientes, uns que teriam a proteção da legislação outros que
poderiam negociar diretamente com o empregador em condições de
igualdade, como se fosse possível a igualde entre quem detém os meios
de produção e quem fornece a força de trabalho. A Lei 13.467/2017,
fragilizou ainda mais a estrutura sindical brasileira quando dividiu os
trabalhadores em segmentos diferentes.
A inclusão do parágrafo único no artigo 444 da CLT, tem apenas
duas exigências para que o trabalhar seja considerado hipersuficiente
e possa realizar negociações diretamente com o empregador, inclusive,
questões que possam reduzir direitos estipulados na Lei, a exigência
é que o empregado seja portador de diploma de nível superior e que
perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo
dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social.
Essas são algumas das alterações trazidas pela Lei 13.467/2017,
destacamos apenas as voltadas para um olhar nas questões da proteção
dos direitos coletivos por meio da atuação dos sindicatos.
As mudanças na legislação trabalhista italiana de acordo com
Bellomo Stefano (2018), intensificaram-se com as Lei nº. 92 de 28 de
junho de 2012, à Lei n. 183 de 10 de dezembro de 2014 e aos numerosos
decretos legislativos de regulamentação, essas mudanças seguiram
as orientações da Comissão Europeia de flexibilização, do início do
século XXI.
Essas mudanças abriram caminho para o que ficou conhecido
como Jobs Act, a mais significativa alteração na legislação italiana
trabalhista, o eixo central das alterações concentrou-se na regulação
do contrato de trabalho a tempo pleno e indeterminado, criando

148 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
novas formas de contrato a tempo determinado como o autônomo
coordenado, também chamado de parassubordinado (BELLOMO,
2018).
Os Jobs Act foram fundamentais para redefinir as dispensas ou a
extinção de um contrato de trabalho, mesmo que não tenha modificado
a tipologia de dispensas permitidas e vetadas. Mas, modificou o regime
de punição para as infrações dos casos de despedidas ilegítimas,
reduzindo à possiblidade de reintegração ao trabalho, possibilitando
apenas o pagamento pelo tempo de serviço efetivo (MEZZACAPO,
2018)
O argumento do legislador italiano para praticar essas mudanças
foi a “excessiva” proteção que os trabalhadores tinham no que se
refere às dispensas ilegítimas, que tornavam extremamente difícil a
cessação do contrato de trabalho e, para o capitalismo neoliberal esse
tipo de proteção estaria dificultando o desenvolvimento econômico do
país.
As narrativas para desregulamentar ou flexibilizar as legislações
trabalhistas no mundo, tem enfrentado resistência das organizações
sindicais e da sociedade civil, nos países onde a organização sindical
e sociedade civil, são mais forte, esses movimentos forçam o
legislativo a fazer reformas mais brandas, mas, nos países onde esses
movimentos são fracos, as reformas são mais extensas e prejudiciais
aos trabalhadores.

3. As relações de trabalho por meio de aplicativos de


plataformas digitais no judicario Italino.

Para analisar o Grupo Uber na Itália, utilizar-se-ão os exemplos


de três cidades, que pelo site oficial da Uber são as cidades italianas
atendidas por seus serviços: Milão Roma e Turim (UBER, 2020)
A Uber começou a funcionar na Itália em fevereiro de 2013,
UberPop se popularizou rapidamente em 2014 já impactava de
maneira significativa o trabalho dos taxistas, isso foi possível graças
aos preços atraentes, bem menores do que os praticados pelos taxistas
convencionais.
Os protestos e greves se espalharam pela Europa Londres,

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 149


V IA DOS DIREITOS
Roma, Milião, Paris, contra o aplicativo Uber, no dia 11 de junho de
2014, os motoristas de taxis fizeram uma greve geral exigindo que o
aplicativo cumpra as regras e as legislações locais sobre o transporte
de passageiro (ANSABRASIL, 2014).
Os protestos continuaram na Itália contra o uber e
contrarreformas econômicas e sociais do governo italiano, milhares
de pessoas nas cidades de Milão, Turin e Roma foram às ruas. A greve
foi convocada peal CGIL, principal confederação sindical italiana, e
pela UIL, a terceira maior do país e pela UGL. A greve parou o país
voos foram cancelados, o transporte público não funcionou, indústrias
e comercio pararam. O principal alvo da paralização era os Jobs Act,
implementados pelo Primeiro Ministro italiano, referente à reforma
na legislação trabalhista, as organizações sindicais exigiram participar
do processo de elaboração das leis (G1 – GLOBO, 2014).
Os primeiros trabalhares de plataformas digitais a fazerem
greve na Itália foram os entregadores da empresa Foodora, eles
reivindicavam o fim das punições de exclusão da plataforma por
motivo não justificado, e exigiam o não rebaixamento do valor das
entregas (PASSAPALAVRAS, 2016). O interessante desse movimento
foi que ele se utilizou das plataformas digitais para chamar a atenção
para seus pleitos e agregar os trabalhadores, dessas categorias que
ainda não tinham sindicato, agregando-os aos interesses coletivos
da categoria. Esse tipo de utilização da tecnologia em prol dos mais
vulneráveis socialmente, Caio Lara (2019) defini como o uso contra-
hegemônico do big data e dos algoritmos.
Em 23 de março de 2017, foi feita novamente uma paralização
dos taxistas contra a atuação do uber, nas cidades de Turim, Milão,
Roma, Nápoles e cidades menores, a greve foi contra o que estava
sendo chamado de “anistia da uber” (ANSABRASIL, 2017)
Os protestos se intensificaram, o caso chegou ao judiciário
Italiano. Como indicado na seção anterior, a chegada dessa nova
forma de exploração da mão de obra dos trabalhadores, gerou muitos
debates e muitos conflitos, evidencia-se que nos países nos quais
a organização sindical é mais forte o combate à precarização das
relações de trabalho é mais intenso e mais eficaz.
Os primeiros impactos foram sentidos pelos motoristas de

150 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
taxis, por isso, foram eles que iniciaram os protestos e movimentos
contra essa atividade em várias cidades italiana, de acordo com AN-
SABRASIL (2015), os protestos se intensificaram ao longo 2014 a 2020.
Ainda em 2015, o Tribunal de Milão, na seção de empresa, promulgou
uma Portaria, em 2 de julho de 2015, como medida cautelar no proces-
so NRG 35445/2015 + 36491/2015.
A ação foi movida pela Uber International Holding Bv Uber Itá-
lia Srl; Uber BV e Uber Internationalale Bv Rasier Operations BV con-
tra diversas organizações sindicais SC - Taxiblu Consorzio Radiotaxi
Satellitare Soc. Coop. Associação Protecção Jurídica; Federação Nacio-
nal de Taxi Ugl Taxi Tam Taxisters Artesanos Coop Milanese Radiotaxi
Genova; Soc. Coop. Taxi Scarl Pronta a União da Província de Milão;
Ass. União Comercial Impostos De Artesanato Satam / Cna De Milão
e Província; Ass. Rádio Único Milão E Lombardy Coop Rádio Taxi Tu-
rim; Italtaxi Service Srl. (TRIBUNALE DI MILANO, 2015)
O tribunal de Milão fez uma classificação especifica para deno-
minar os reclamantes e as reclamadas, para facilitar o entendimento
do desenrolar do processo.

Em despacho do dia 25 de maio de 2015, o juiz


Claudio Marangoni aceitou parcialmente as
petições cautelares formuladas, com recurso nos
termos do art. 700 cpc arquivados em 20 de março de
2015 pelas empresas de administração de serviços
de rádio-táxi em Milão, Turim e Gênova (TAXIBLU
- Taxiblu Consortium Radiotaxi Satellitare soc.
coop., EMPRESA COOPERATIVA PRONTA TAXI
sc a rl, COOPERATIVA RADIO TAXI TORINO sc,
COOPERATIVA RADIOTAXI GENOVA sc, ITALTAXI
SERVICE srl), juntamente com alguns operadores
de serviços de táxi nas mesmas cidades (Emilio
Luigi BOCCALINI, Claudio SEVERGNINI, Adriano
BIGLIO, Alberto AIMONE CAT, Davide AVANZI, Valter
CENTANARO) e algumas organizações sindicais
e associações comerciais no setor de táxi a nível
local (SATM / CNA TRADE UNION ASSOCIATION -

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 151


V IA DOS DIREITOS
União Artesanal de Motoristas de Táxi de Milão e
sua província, ASSOCIAÇÃO ÚNICA DE MILÃO E
LOMBARDIA, TAM - Motoristas de Táxi Artesãos de
Milão, UNIÃO DE ARTESANATOS DA PROVÍNCIA
DE MILÃO, FEDERAÇÃO NACIONAL DE UGL TAXI,
ASSOCIAÇÃO LEGAL DE PROTEÇÃO TÁXI). Os
recorrentes passaram a ser denominados “grupo de
táxi” solicitaram, como medida cautelar, o Tribunal
de Justiça para inibir a UBER INTERNATIONAL BV,
a UBER INTERNATIONAL HOLDING BV, a UBER
BV, a RASIER OPERATIONS BV, a UBER ITALY srl,
apartir da quei denominada “Group) Uber “ou”
Uber-Rasier “ e para a pessoa física YX o uso do
serviço UBER POP [...] (TRIBUNALE DI MILANO,
2015)

A análise dessa Ação é fundamental para compreender o


contexto social, político, econômico e cultural da Itália no período de
implantação da chamada “economia compartilhada”, viabilizada por
meio de plataformas digitais. Nessa ação é possível ver a atuação das
organizações sindicais, dos trabalhadores de forma individuais e o
capital representado pelo Grupo Uber e as associações que defendem
o mercado neoliberal, de forma muito clara é o que vamos verificar no
decorre da análise.
Iniciamos pelos argumentos do Grupo Uber: O Uber Pop
é um serviço diferente daquele realizado por táxis, constituindo
uma plataforma tecnológica, projetado para incentivar formas de
transporte compartilhado e espontâneo. O Uber seria um serviço de
correspondência (um mercado) relacionado ao compartilhamento de
meios de transporte privados, dentro de uma comunidade privada de
usuários, não intervindo na alocação de opções nem na determinação
de volumes e preços das trocas. A atividade não seria comparável à
de um rádio-táxi, porque o Uber não empregaria recursos humanos
na realização da transação, nem meios materiais para realizá-la
(TRIBUNALE DI MILANO, 2015).
As organizações sindicais argumentaram que o Grupo Uber

152 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
tem um sistema equivalente ao rádio-táxi, que funciona por meio
de plataforma digital recrutando os motoristas e, controla o serviço
realizado de taxis de forma abusiva, violando as regras dos operadores
de transporte público. Por isso, o aplicativo UBER POP, não cumpri
os princípios da organização profissional, praticando concorrência
desleal de acordo com o art. 2598 nº. 03 do Código Civil italiano
(TRIBUNALE DI MILANO, 2015)
Os argumentos dos terceiros interveniente na ação: A
associação ALTROCONSUMO, atuou no processo apoiando as razões do
grupo Uber, argumentando que a implementação de novos modelos de
negócios pode oferecer mais vantagens e novas oportunidades para os
consumidores e solicitou ainda a regulação desse modelo de negócio
para resolver os problemas nas ambiguidades da legislação vigente
arguindo que o Grupo Uber não está praticando concorrência desleal
no mercado de negócios italiano (TRIBUNALE DI MILANO, 2015).
Outra intervenção em apoio ao Grupo Uber, foi feita pelas
Associações Nacionais de Consumidores, Casa do Consumidor, ONLUS
CODES - Centro de Direitos do Cidadão, ASSOUTENTI - Associação
Nacional de Usuários de Serviços Públicos, essas associações
arguiram que estão atuando nessa ação de acordo com art. 105 do
Código de Processo Civil em 1º de julho de 2015. Essas associações se
unificaram por meio da criação de uma nova organização nacional
de consumidores italianos chamada de “Rede de Consumidores
Itália” - “RCT” e a partir desse momento todas essas associações serão
representadas pela sigla RCT.
Os argumentos apresentados ao Tribunal pela RCT para atuar
na ação foram aceitos pelo Tribunal e poderão arguir em favor do
Grupo Uber. O principal argumento foi que todas as regras sobre
concorrência desleal deveriam ser interpretadas à luz do interesse dos
consumidores, e, que os interesses coorporativos de determinados
seguimento não podem comprometer o bom andamento das atividades
econômicas nacionais e internacionais. Argumentaram ainda que
além dos interesses dos consumidores havia o interesse dos que foram
incluídos nestes novos modelos de negócios os chamados “prosumers”,
que são os motoristas que trabalham utilizando a plataforma digital do
Grupo Uber (TRIBUNALE DI MILANO, 2015)

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 153


V IA DOS DIREITOS
Nessa ação o Conselho da Seção Especializada “A” do Tribunal
de Milão, decidiu rejeitar a reclamação proposta pelas empresas
UBER INTERNATIONAL BV, UBER INTERNATIONAL HOLDING BV,
UBER BV, RASIER OPERATIONS BV, UBER ITALY srl, contra TAXIBLU
CONSORZIO RADIOTAXI SATELLITARE SOC. COOP. E Taxiblu
Consorzio Radiotaxi Satellitare e outros; prevê que a publicação da
medida da primeira instância já encomendada com a ordem aqui
reivindicada seja complementada com a notícia de que a ordem de
liminar também foi estendida aos motorista (ALTALEX,2015).
O exame de decisão do Tribunal de Milão deixa muito claro
a disputas de narrativas desse novo modelo de negócios introduzido
no mercado pelo Grupo Uber captando para o seu lado órgãos que
aparentemente estão defendo o interesse público dos consumidores e
até dos trabalhadores, mas, na realidade estão defendendo um modelo
de negócio econômico que pode inicialmente trazer benefícios para
os usuários do serviço de transporte particular individual, mas, que
gera uma enorme precarização nas relações de trabalho, forçando
os trabalhadores à longas jornadas de trabalho para conseguirem o
mínimo para sua sobrevivência e de sua família (ALTALEX,2015).
Essa foi apenas uma das ações que chegaram ao judiciário
italiano nos últimos anos contra o modelo de negócio da Uber.

3.1. As reviravoltas no judiciário Italiano nas disputas da


Uber para continuar atuando na Itália

Os meios de comunicação da Itália informaram que o Tribunal


de Roma ordenou o bloqueio dos serviços do Grupo Uber na Itália por
concorrência desleal. O grupo Uber, já sofreu várias derrotas judiciais
na Itália em Milão e em Turim, em 2015, foi proibido o uso do UberPop.
Em 2017, foi a vez de Roma suspender os serviços prestados pelo
Grupo Uber Black; Uber-Lux; Uber-SUV; Uber-X; Uber-XL; UberSelect
e UberVan (RADIO ITALIA, 2017) em 2020 a Uber Eats está sob
intervenção judicial por explorar o trabalho de vulneráveis, pagando
tão pouco que se assemelha ao trabalho escravo (ANSABRASIL, Online,
2020).
O Tribunal de Roma em 2017, além de condenar o Grupo

154 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Uber suspendendo seus serviços por Concorrência desleal, impôs
o pagamento de 10 mil Euros, por cada infração cometida contra o
ordenamento jurídico italiano (ANSABRASIL, 2017).
O Grupo Uber recorreu da decisão e em poucos dias o Tribunal de
Roma suspendeu a decisão de 1ª instância que proibia o uso do serviço
de transporte urbano por aplicativo do Grupo Uber na tália. A decisão
de primeira instancia seguiu a tese das associações de motoristas de
taxis que sustentam que o Grupo Uber pratica concorrência desleal
com os motoristas de taxis convencionais da Itália (JORNAL O GLOBO,
2017 e ITALIA REUTERS, 2017)
A luta dos trabalhadores continua e as judicializações também,
o Tribunal de Milão põe uma das empresas do Grupo Uber em
administração judicial temporária em 2020. A Uber Eats que trabalha
fornecendo serviço de entrega de alimentos, explorando a mão de
obra dos entregadores que pode ser de motocicleta e bicicleta ou outro
meio de transporte BOL.UOL, 2020).
A empresa foi acusada pelo Ministério Público num inquérito
conduzido pela Polícia Econômica e Financeira (Guardia di Finanza) da
Itália, de explorar a mão de obras de refugiados por meio de empresas
terceirizadas. A hipótese levantada pelo Ministério Público está
prevista no artigo 603 e seguintes, do Código Penal italiano, que tipifica
a intermediação ilícita e exploração de mão de obra (ANSABRASIL,
online, 2020).
De acordo com o Inquérito a Uber Eats usava intermediários
para explorar a mão de obra de pessoas em contexto de vulnerabilidade,
como é o caso dos refugiados e moradores de abrigos sociais, com
pagamentos extremamente baixos, como se pode depreender do
testemunho de um dos trabalhadores “Meu pagamento era sempre
de três euros por entrega, independentemente do dia e da hora”
(COMUNITÀITALINA, online, 2020).
A sentença proferida pelo Tribunal de Milão, aceitou os
argumentos levantados pelos procurados e solicitou a investigação.
Além da Uber Eats também as empresas terceirizadas que operavam
a seu serviço. A Decisão do Tribunal de Milão alerta para várias
situações pelas quais esses trabalhadores estão submetidos à
redução, cada vez maior, do pagamento pelo serviço de entrega, a

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 155


V IA DOS DIREITOS
violência e o assédio que esses trabalhadores vêm sofrendo pelos
recrutadores e pela própria plataforma digital. A violência pode ser
física, psicológica, ou de segregação como as praticadas pela empresa
por meio dos algoritmos que puni o trabalhador suspendendo-o das
atividades por horas, dias, ou semanas, e destaca ainda a subtração
“legalizada” de gorjetas e “punições econômicas para os entregadores”
(COMUNITÀITALINA, online, 2020).
A decisão do Tribunal de Milão determina que a empesa Uber
Eats do Grupo Uber ficará sob controle de um administrador judicial
pelo período de 12 meses, para o exame de aproximadamente mil
contratos e a documentação da empresa nos últimos anos, referente
aos entregadores que prestavam e prestam serviços para ela, além
das empresas terceirizadas envolvidas na atividade, para averiguar os
fatos que foram denunciados pelos procuradores (DMTEMDEBATE,
online, 2020).
A Uber se defende das acusações, por meio de nota no seu site
oficial, afirmando que já disponibilizou a documentação referente a
sua atuação na Itália nos últimos 4 anos, e que, segue as legislações
italianas vigentes, no que ser refere à exploração de mão de obra,
ainda vamos ver muitos capítulos desse embate, considerando que o
processo ainda está em curso. (COMUNITÀITALINA, online, 2020).

4. Considerações finais

Diante da pesquisa realizada constatou-se que a organização


dos trabalhadores em sindicatos ou não, tem um potencial importante
no processo de construção das legislações mesmo em momentos
críticos como o que a sociedade mundial está vivendo.
No caso especifico da Itália, os movimentos dos trabalhadores
deram visibilidade aos problemas que estavam nas sombras do atual
modelo de negócio orientado pelo que está sendo denominado de
uberização das relações de trabalho, sociais, culturais e econômicas,
ou seja, a uberização da vida cotidiana das pessoas.
Esse novo modelo de capitalismo de plataformas digitais que
se apresenta por meio da uberização da vida, não tem mais vínculo
com a sociedade. É como se esse modelo fosse autossuficiente.

156 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Ledo engano, a fragilização e precarização das relações de trabalho
geram consumidores sem potencial de compra e de atuação no
mercado consumidor, esse modelo vai corroendo o sistema por suas
entranhas. O sistema capitalista precisa de consumidores vorazes e
com capacidade de compra em dinheiro e com lastro de credito para
compras futuras, para que eles fiquem endividados o tempo todo, mas,
continuem comprando.
O modelo de uberização de exploração da mão de obra atual
não permite, sequer, que os trabalhadores comprem o básico para a
sustentação da vida, tampouco para sua reprodução. A possibilidade
do trabalhador uberizado atuar no mercado consumidor, está cada
vez mais frágil. Isso ficou muito evidente nos exemplos apresentados
no texto, nos quais os trabalhadores italianos estão submetidos a
trabalhos tão precários que se assemelham à exploração do trabalho
escravo.
Isso infelizmente os trabalhadores de plataformas digitais não
tem e não põem comprovar uma renda mínima que os possibilite por
exemplo comprar um carro para o seu trabalho, ficando obrigado a
pagar altos aluguéis para continua trabalhando.
Mas, a pesquisa também indica que nem tudo está
perdido, os trabalhadores organizados em sindicatos ou não, estão
utilizando de forma estratégica as plataformas digitais de maneira
contra hegemônica, apropriando-se dessa tecnologia para unir os
trabalhadores contra a super exploração do trabalho realizado pelas
empresas de plataformas digitais.
O grande inimigo dos trabalhadores não são as novas
tecnologias, com seus sistemas operacionais, aplicativos, algoritmos,
mas, sim a nova-velha exploração da mais valia do trabalho humano,
praticado por outro humano, que utiliza a tecnologia como subterfúgio,
como se fosse algo que estivesse fora do controle humano, na verdade
o que os algoritmos fazem é apenas expressar o que um determinado
grupo de humanos deseja, e é isso que precisamos debater e modificar.
A tecnologia não é a vilã do jogo, os vilões são aqueles que determinam
como os algoritmos devem atuar na vida dos trabalhadores.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 157


V IA DOS DIREITOS
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160 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
A situação jurídica dos motoristas plataformizados na China:
um estudo a partir da plataforma chinesa DiDi Chuxing

Ailana Ribeiro113

1. Introdução: uma breve visão da proteção jurídico-


trabalhista na China

O arcabouço normativo chinês de proteção à classe trabalhadora


deriva, essencialmente, de dois acontecimentos históricos importantes
para a formação da China: a Revolução Comunista de 1949, que
estabeleceu a política comunista na China, e a Revolução Cultural de
1960, que objetivou conceder uma maior participação popular para as
decisões políticas chinesas.114
Na década de 1970, uma série de mudanças ocorreu no
Estado chinês, marcando o início da sua participação mais ativa e
frequente no cenário político internacional, bem como a sua abertura
econômica, capitaneada pelo reformista Deng Xiaoping, que permitiu
que empresas estrangeiras passassem a terceirizar a produção em
território chinês, usufruindo de mão-de-obra a baixo custo.115
Importante registrar que, apesar dos baixos salários a que os
trabalhadores chineses, de fato, estão sujeitos, a proteção legislativa
trabalhista na China existe e, ao contrário do que possa sugerir a
realidade dominante, não é negligente com a classe trabalhadora,
conforme se verá adiante. Isso significa que, em semelhança ao que
acontece no Brasil, a verdadeira causa da precarização das relações
trabalhistas não é de cunho legislativo, mas sim, de cunho político,
dada a insuficiência e/ou ineficácia da fiscalização das relações de
trabalho pelos órgãos governamentais competentes.
A Constituição da República Popular da China foi promulgada

113 Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de


Minas Gerais. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros
(UNIMONTES)
114 Principais direitos trabalhistas na China. Disponível em: https://direitosbrasil.
com/direitos-trabalhistas-na-china
115 Principais direitos trabalhistas na China. Disponível em: https://direitosbrasil.
com/direitos-trabalhistas-na-china/

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 161


V IA DOS DIREITOS
pelo 5º Congresso Nacional do Povo, sob a liderança de Deng Xiaoping,
em 4 de dezembro de 1982, contando, inicialmente, com apenas quatro
capítulos. Interesse notar que, apesar das controvérsias e paradoxos
acerca da atual configuração político-econômica da China, em sede
de preâmbulo, cujo trecho inicial segue abaixo transcrito, o Estado
chinês afirma expressamente o seu propósito de construção gradual
de uma “sociedade socialista próspera e feliz”:

Como resultado de mais de um século de luta


heróica, o povo chinês — sob a direção do Partido
Comunista da China — alcançou finalmente, em
1949, uma grande vitória na revolução popular
contra o imperialismo, o feudalismo e o capital
burocrático; liquidou, assim um longo período de
opressão e escravidão, e criou a República Popular
da China, ditadura democrática do povo. O regime
de democracia-popular na República Popular da
China — isto é: o regime da nova democracia —
assegura a nosso país a possibilidade de liquidar
por via pacífica a exploração e a miséria, e de
construir uma sociedade socialista, próspera e feliz.
O período que vai da criação da República Popular
da China até à construção da sociedade socialista
é um período de transição. Constituem tarefas
fundamentais do Estado no período de transição
a realização gradual da industrialização socialista
do país e a execução gradual das transformações
socialistas na agricultura, na indústria artesanal
e na indústria e comércio capitalistas. Durante
os últimos anos o povo de nosso país travou com
êxito uma luta de grandiosas proporções visando
à transformação do sistema agrário, à resistência
à agressão norte-americana, à ajuda ao povo
coreano, ao esmagamento dos elementos contra-
revolucionários e à restauração da economia
nacional. Assim foram preparadas as condições

162 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
necessárias para o desenvolvimento econômico
planificado e para a passagem gradual à sociedade
socialista. [...]116

Buscando reafirmar este propósito, a ser alcançado por meio


da participação política ativa da classe trabalhadora – ao menos em
plano teórico –, o artigo 1º dispõe que “a República Popular da China é
um Estado de democracia-popular, dirigido pela classe operária e
baseado na aliança entre os operários e os camponeses”. 117
Nos artigos 91, 92 e 93 da Constituição chinesa, inseridos no
Capítulo III, que trata dos “Direitos e Deveres Fundamentais dos
Cidadãos”, os direitos dos trabalhadores são diretamente abordados
por meio de disposições que garantem o direito ao trabalho e ao
pleno emprego, a melhoria das condições de trabalho, o direito ao
repouso e à jornada de trabalho limitada, o direito às férias e o direito
à assistência material na velhice, bem como em caso de moléstia ou de
perda da capacidade laborativa. Veja-se:

Art. 91 — Os cidadãos da República Popular da China


gozam do direito ao trabalho. O Estado garante esse
direito aos cidadãos por meio do desenvolvimento
planificado da economia nacional, da extensão
gradual do pleno emprego, da melhoria das
condições de trabalho, e do aumento do salário-
real.
Art. 92 — Os trabalhadores da República Popular
da China gozam do direito ao repouso. O Estado
garante esse direito aos trabalhadores por meio
da fixação de horário de trabalho e do sistema de
férias para operários e empregados; por meio da
melhoria progressiva das condições materiais para

116 ARAÚJO, Ferando A. S. . Constituição da República Popular da China, de 1954.


Ago/2011. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/63/
constitu.htm
117 ARAÚJO, Ferando A. S. . Constituição da República Popular da China, de 1954.
Ago/2011. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/63/
constitu.htm

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 163


V IA DOS DIREITOS
o descanso, e por meio do revigoramento da saúde
dos trabalhadores.
Art. 93 — Os trabalhadores da República Popular
da China têm o direito à assistência material na
velhice, bem como no caso de moléstia ou de
perda da capacidade de trabalho. Para garantir
esse direito dos trabalhadores o Estado estabelece
o seguro social, o serviço de assistência social,
e os serviços de saúde pública, assegurando sua
progressiva ampliação.118

Em 1995 foi editada uma lei trabalhista na China, que


regulamentou a proteção à jornada de trabalho, atualmente limitada a
8 horas diárias e 40 horas semanais. Além da jornada, também foram
regulamentados, no decorrer dos treze capítulos da legislação, os
seguintes direitos e garantias trabalhistas: 119

• previsão de descansos remunerados, de feriados e


de férias anuais;
• remuneração das horas extraordinárias com adi-
cional de 150% para os dias na semana, adicional
de 200% em dias de descanso e adicional de 300%
em feriados trabalhados;
• proteção à saúde e à segurança do trabalhador;
• proteção ao trabalho da mulher e do menor;
• Licença-Maternidade de, no mínimo, 90 dias após o
parto, com remuneração garantida;
• Direito a participação em sindicatos.

Ressalta-se que, após editada a legislação de 1995, outras leis


trabalhistas com propósitos reguladores específicos também vieram

118 ARAÚJO, Ferando A. S. . Constituição da República Popular da China, de 1954.


Ago/2011. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/63/
constitu.htm
119 CORDEIRO, Luis Fernando. China cria normas trabalhistas rígidas. Disponível
em: https://www.conjur.com.br/2009-fev-24/china-ignora-flexibilizacao-cria-normas-
trabalhistas-rigidas

164 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
à tona: Lei de Prevenção a Doenças Ocupacionais (2001); Lei de
Sindicatos Trabalhistas (2001); Regulamento dos Contratos Coletivos
(2004); Normas Administrativas sobre Salário Mínimo (2004); Regras
Administrativas Provisórias sobre Inscrição no Seguro Social (1999);
Regulamento Provisório sobre Cobrança e Pagamento do Seguro
Social (1999); Regulamento sobre Trabalho e Supervisão de Seguro
Social (2004); Lei sobre Mediação e Arbitragem sobre Disputas
Trabalhistas (2007), Lei da Promoção do Trabalho (2007) e Legislação
sobre Contratos de Trabalho (2007).120
Foi, contudo, em 2008 que a República Popular da China, em
resposta ao processo de modernização econômica pelo qual vinha
– e continua – passando, promulgou o “Novo Código de Trabalho”
chinês, que, apesar de ter introduzido a possibilidade de flexibilização
dos direitos trabalhistas por negociação coletiva, ampliou direitos
já previstos e introduziu algumas inovações mais benéficas para
os trabalhadores, dentre as quais destacam-se: a obrigatoriedade
da formalização de um contrato de trabalho escrito, por tempo
determinado; a possibilidade de ajuizamento de uma ação judicial
pelo próprio trabalhador, além do sindicato; a garantia de não ser
dispensado antes do termo final do contrato, salvo em casos de justa
causa; a indeterminação do tempo do vínculo contratual e consequente
estabilidade do trabalhador, caso a empresa renove por mais de uma
vez o contrato de trabalho; a previsão de que cada trabalhador apenas
pode ser submetido a período de estágio probatório por uma única
vez, sendo-lhe garantido, neste período, salário não inferior a 80% do
padrão salarial; a submissão prévia das reclamações trabalhistas ao
“Labour Dispute Arbitration Commite” (LDAC), para apenas depois
serem direcionadas à Corte Distrital. 121
Ocorre que, conforme pontuado inicialmente, apesar do rígido
120 NETO, Antonio Carvalho; PORTO, Roberta Guasti ; SANT’ANNA, Anderson de
Souza; OLIVEIRA, Fátima Bayma; LOPES, Humberto Elias Garcia; ALEMIDA, Tatiana
Souza . Relações de Trabalho na China: reflexões sobre um mundo que nos é ainda
desconhecido. XXXVI Encontro da ANPAD. Rio de janeiro, set/2012. Disponível em:
http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2012_GPR310%20TC.pdf
121 NETO, Antonio Carvalho; PORTO, Roberta Guasti ; SANT’ANNA, Anderson de
Souza; OLIVEIRA, Fátima Bayma; LOPES, Humberto Elias Garcia; ALEMIDA, Tatiana
Souza . Relações de Trabalho na China: reflexões sobre um mundo que nos é ainda
desconhecido. XXXVI Encontro da ANPAD. Rio de janeiro, set/2012. Disponível em:
http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2012_GPR310%20TC.pdf

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 165


V IA DOS DIREITOS
e protetivo arcabouço legislativo vigente, a precarização das condições
de trabalho é realidade incontestável na China, cuja mão-de-obra,
ofertada em larga escala, encontra-se altamente vulnerável aos
intentos exploratórios do capital internacional e do próprio mercado
chinês, altamente competitivo.
Além disso, a filosofia do “homem produtivo”, que pactua com
a ideologia capitalista neoconservadora do esforço, é propagada com
veemência pela classe empresarial e pelo próprio Governo chinês,
que, ao incutir nos trabalhadores chineses a ideia de que é preciso
trabalhar muito, contribui para a perpetuação de uma cultura que
coloca o trabalho e a produtividade no topo das prioridades humanas.
Em abril de 2019, foi veiculada pelo “El país” notícia que
divulgava prática comum na China, sobretudo em meio aos
trabalhadores de plataformas tecnológicas, conhecida como “9.9-6”:
trabalhar de 09:00 às 21:00 horas, por 6 dias na semana. No decorrer
do texto, foi transcrita fala de Jack Ma, cofundador do Grupo Alibaba,
e dono do famoso Aliexpress, um dos homens mais ricos da China,
dizendo que foi o regime “9.9-6” que permitiu que a sua empresa
decolasse. Nas palavras do empresário: “Se você entra no Alibaba, tem
de estar disposto a trabalhar 12 horas por dia. Se não, para que vem?
Não precisamos de quem trabalha oito horas confortavelmente”.122
Com efeito, conforme será analisado adiante, esta imposição
e naturalização das jornadas de trabalho extensas é, hoje, altamente
estimulada pela sistemática de atuação das plataformas tecnológicas
de transporte de passageiros, que ao vincular o ganho do motorista
à quantidade de corridas realizadas, estabelecendo porcentagens de
ganho bastante reduzidas, induzem o trabalhador a realizar jornadas
extenuantes.
Nesse sentido, considerando o atual cenário de expansão
das plataformas tecnológicas no mercado internacional, incluindo
o chinês, passa-se a abordar os mecanismos de atuação da Didi
Chuxing, plataforma tecnológica que domina o mercado de transporte
privado da China, a fim de tentar compreender os aspectos jurídico-
trabalhistas da relação travada entre motoristas e plataforma.

122 LYI, Macarena Vidal. Na China, a ‘rebelião’ contra os “9.9-6”: trabalho das 9h
às 21h, seis dias por semana. Abr/2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/
brasil/2019/04/19/internacional/1555672848_021656.html

166 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
2. A ascensão da plataforma tecnológica de transportes
Chinesa Didi Chuxing

Fundada em junho de 2012 por Chéng Wei e portando o nome


inicial “Didi Dache”, a DiDi Chuxing, popularmente conhecida como
DiDi, é um startup chinesa que atua no mercado de transporte privado
de passageiros, operando por meio de aplicativo móvel.
Um ano após a sua fundação, a DiDi fundiu-se com a concorrente
chinesa Kuaidi Dache, tornando-se, a partir de então, a maior empresa
de transporte privado por plataforma tecnológica do mundo, com
um valor de mercado equivalente a $6 bilhões. 123 Conforme dados
divulgados em 2018124, a DiDi é considerada a maior plataforma de
transporte privado não só da China, mas do mundo, contando com
mais de 25 milhões de corridas e 21 milhões de motoristas.
Paralelamente à atuação da DiDi, a conhecida startup
Uber também atuava no mercado de transportes privado chinês,
representando a principal rival da startup chinesa. Em 2016, contudo,
após uma operação societária realizada entre Uber e DiDi, a Uber
China fundiu-se à Didi, por meio de um acordo que garantiu à Uber
a participação de 20% na nova sociedade constituída. Interessante
registar que o anúncio público desta operação aconteceu três
dias depois de o governo da China anunciar novas regulações que
legalizaram as atividades de Uber, Didi Chuxing e outras plataformas
de transporte em território chinês. 125
Curiosamente, em 2018, a DiDi adquiriu também o controle
da 99 Táxi, startup brasileira que consiste na principal concorrente da
Uber em território brasileiro. Atualmente, em âmbito internacional,
a Didi também se encontra presente na Austrália, Chile, Colômbia,
Japão e México, além do Brasil e China. 126
A DiDi, assim como as demais startups qua atuam no setor

123 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Didi_Chuxing; Acesso em ago/2020


124 Disponível em: https://99app.com/newsroom/didi-chuxing-maior-plataforma-de-
transporte-por-aplicativo-do-mundo-adquire-99-startup-brasileira-de-mobilidade/
Acesso em ago/2020
125 Uber vai se fundir com principal rival na China. Ago/2016. Disponível em: https://
exame.com/negocios/uber-vai-se-fundir-com-principal-rival-na-china
126 Disponível em: https://www.didiglobal.com/ Acesso em ago/2020

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 167


V IA DOS DIREITOS
de transporte privado por meio de aplicativos móveis, se reconhece
como uma plataforma de tecnologia, que disponibiliza os recursos
tecnológicos de big data para otimizar o deslocamento por meio do
que denomina de “transporte compartilhado”. Abaixo está transcrito
texto de apresentação da startup, disponível em seu website:

DiDi Taxi é um novo serviço iniciado em setembro


de 2012. Baseado no conceito de “internet +
transporte”, ele aproveita as tecnologias de big data
para atender às necessidades de deslocamento
das pessoas, revolucionando o tradicional trânsito
de táxis e tornando o transporte urbano mais
conveniente e eficiente e aumentando a renda
dos motoristas. Apoiado por nossa tecnologia
e plataforma, DiDi está ativamente engajado
na transformação e atualização da indústria
tradicional de táxis, trabalhando para a rápida
integração dessa indústria no negócio de transporte
compartilhado.127

Contudo, conforme seguirá pormenorizado, a sistemática de


atuação da DiDi Chuxing, assim como das principais outras plataformas
tecnológicas de transporte atuantes no mercado internacional,
coloca em dúvida o seu enquadramento como mera “plataforma de
tecnologia”, cujos recursos oferecidos voltam-se apenas estabelecer
uma ligação entre motoristas e passageiros.

3. Uma análise dos elementos presentes na relação entre a


Didi e os motoristas vinculados

Inicialmente, esclarece-se que, apesar desta pesquisa abordar


apenas o serviço de transporte de passageiros, a DiDi Chuxing oferece
uma gama de outros serviços, que vão desde o “DiDi Designated
Driving”, que consiste na disponibilização de condutores a proprietários
de automóveis, até o serviço de “robotaxi”, que, inaugurado em 27 de

127 Disponível em: https://www.didiglobal.com/ Acesso em ago/2020

168 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
junho de 2020, em Xangai, permite ao passageiro realizar corridas
com veículos autônomos, que dispensam condutores.
Esclarece-se, ainda, que o presente estudo optou por utilizar o
termo “motorista vinculado” em lugar de “motorista parceiro” – modo
como as próprias plataformas referem-se aos seus motoristas –, haja
vista ser esta última uma terminologia difundida intencionalmente pelo
discurso empresarial dominante, com o intuito de reforçar o (pseudo)
caráter “independente” da prestação de serviços pelos motoristas e
afastar uma possível configuração de vínculo empregatício.
No que se refere às condições necessárias para se tornar um
motorista vinculado à plataforma, a DiDi estabelece como requisitos,
além da habilitação para dirigir e do veículo, a comprovação, pelo
motorista, de inexistência de antecedentes criminais, o não uso de
drogas ilícitas e a condição de não ser portador de doenças mentais
graves. 128
Uma vez que estabelecido o vínculo contratual, o motorista
passa a usufruir, dentre outras, das seguintes garantias contratuais
estabelecidas em seu benefício: 129

• para motoristas e motociclistas feridos, as contas


médicas são pagas antecipadamente pela DiDi após
o acidente;
• são garantidas visitas regulares ao hospital aos
feridos e a assistência a qualquer momento;
• é oferecida assistência a familiares de motoristas
que sofrem morte súbita durante o serviço.
• motoristas e motociclistas recebem ajuda material
adicional por perdas decorrentes de assalto;

Quanto ao conjunto de deveres contratualmente imposto, cabe


registar que, ao se vincular à plataforma, o motorista precisa participar
dos programas online de educação e segurança oferecidos pela DiDi,
atingindo, ao final, desempenho apto a garantir a sua aprovação. Estes
programas, disponibilizados em plataforma de e-learning, objetivam

128 Disponível em: : https://www.didiglobal.com/ Acesso em ago/2020


129 Disponível em: : https://www.didiglobal.com/ Acesso em ago/2020

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 169


V IA DOS DIREITOS
educar os motoristas sobre como receber solicitações de viagens,
políticas punitivas, padrões de serviços, diretrizes de segurança.130
No início do desempenho das atividades diárias, os motoristas
devem se submeter ao sistema de reconhecimento facial e à
autenticação biométrica, ficando, em caso contrário, impedidos de
aceitar corridas.
Importante realçar que, no atual contexto de pandemia,
a fiscalização e controle pela plataforma sobre o modus operandi da
prestação de serviço tornou-se ainda mais incisiva por meio do
conjunto de medidas protetivas denominado de “programa Health-
Guard”, implementado pela primeira vez na China em janeiro de 2020,
voltado a verificar se os motoristas estão usando máscaras – A DiDi,
desde maio de 2020, utiliza a sua própria tecnologia de Inteligência
Artificial para constatar o uso de máscaras, pedindo aos motoristas
que tirem uma selfie –, a aferir a sua temperatura corporal e a conferir
as rotinas diárias de desinfecção e limpeza dos veículos. Destaca-
se, ainda, que após implementadas na China, estas medidas foram
também adotadas pela 99 Taxi e pelo Uber no Brasil. 131
Reforça-se que o descumprimento de qualquer das obrigações
acima descritas acarreta a penalização do motorista, que fica impedido
de realizar corridas até que a situação seja regularizada.
Além disso, assim como ocorre nas relações travadas com as
plataformas atuantes no Brasil, a DiDi também penaliza os motoristas
que habitualmente recusam corridas.
Perceba-se, portanto, que esse conjunto de deveres
contratualmente estabelecido em face dos motoristas – que inclui
desde a realização de cursos obrigatórios de capacitação até a
fiscalização diária da limpeza do veículo – contribui para a percepção
de que, apesar do aparente distanciamento entre plataforma
tecnológica e motorista – considerados pelas correntes dominantes
meros “contratantes independentes” ou mesmo “clientes”, que apenas
usufruem dos serviços tecnológicos disponibilizados pela startup –,
estamos diante de uma relação jurídica estreita e “íntima”, que muito

130 Disponível em: : https://www.didiglobal.com/ Acesso em ago/2020


131 Disponível em: https://olhardigital.com.br/coronavirus/noticia/99-vai-verificar-
-pelo-app-se-motorista-esta-usando-mascara/101066; Mai/2020. Acesso em ago/2020

170 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
se aproxima de uma típica relação de trabalho, dada a ingerência
incisiva da plataforma sobre o modo como o serviço é prestado.
Quanto ao sistema de pagamento aos motoristas, à semelhança
do que é praticado pela Uber e startups afins no Brasil, a DiDi retém
uma significativa porcentagem do valor das corridas, que é fixado
pela plataforma. Isso quer dizer que quem estabelece o preço do
serviço a ser pago pelo passageiro é a plataforma e não o motorista
maliciosamente denominado de “parceiro”. Isso quer dizer, também,
que, como o motorista não possui acesso ao valor integral do serviço
por ele prestado, o valor parcial que lhe é repassado muito se aproxima
de uma remuneração, já que o que o motorista está recebendo, de fato,
não é o preço do serviço ofertado ao cliente e sim, uma contraprestação
pelo serviço que foi prestado em favor da plataforma.
Estes fatores viabilizam a percepção de que quem mantém
relação com o cliente e com o mercado de um modo geral é a plataforma;
o motorista, por sua vez, encontra-se totalmente alheio ao mercado.
A presença deste elemento, denominado pela doutrina espanhola de
“ajenidad em el mercado” é outro forte indício de que não estamos
diante de “contratantes independentes” ou prestadores de serviço
autônomos, mas sim, de uma relação de trabalho subordinada – ou
relação de emprego, para o Direito do Trabalho brasileiro.
Conforme ensina Martins (2020), a polêmica acerca do
enquadramento jurídico dos trabalhadores de plataformas digitais
também atinge a República Popular da China que, ao contrário do que
ocorre nos sistemas jurídicos do Brasil e outros países, não contempla
nenhuma definição precisa de contrato de trabalho. 132
Nesse sentido, assim como no Brasil, também impera no
cenário jurídico chinês acirrada discussão quanto ao enquadramento
dos motoristas plataformizados nas categorias de “subordinado”,
“independente” ou “híbrido”, uma espécie de parassubordinado que
não teria os mesmos direitos assegurados aos subordinados, mas
que faria jus a uma gama mínima de direitos específicos legalmente

132 MARTINS, Telma Reis.In: A Problemática dos Trabalhadores das Plataformas


Digitais: Trabalhadores Dependentes, Prestadores de Serviços ou Figura Híbrida?
O Exemplo Chinês. In: Análise crítica do direito público ibero-americano. Porto,
Portugal, 2020, p.498

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 171


V IA DOS DIREITOS
estabelecidos. 133
Martins pondera, contudo, que, diante das recomendações
emitidas pelo governo chinês no sentido de estimular as plataformas
a oferecer benefícios sociais e conceder direitos específicos aos seus
“colaboradores”, como seguros de saúde e de transporte, a tendência
da jurisprudência chinesa – ao contrário do que aqui é defendido –
é de reconhecer os motoristas “colaboradores” como trabalhadores
híbridos. 134

4. Considerações finais

Ao longo deste estudo, buscou-se demonstrar, preliminarmente,


que, a despeito da notória flexibilização e precarização das relações de
trabalho chinesas, caracterizadas, via de regra, pelos baixos salários
e jornadas extenuantes, a República Popular da China conta com
legislações trabalhistas que estabelecem um sistema protetivo incisivo
em prol da classe trabalhadora. Contudo, a ineficiente fiscalização
pelos órgãos governamentais somada ao espírito altamente
competitivo do mercado chinês viabilizam, na prática, o reiterado
descumprimento das leis trabalhistas, sobretudo no que se refere à
extensão indiscriminada das jornadas de trabalho.
Demonstrou-se, ainda, que o mercado de trabalho chinês
acompanha a tendência mundial de flexibilização trabalhista, que
vem sendo efetivada, com excelência, pelas plataformas tecnológicas
de transporte de privado. Isso porque, apesar dos elementos práticos e
até mesmo contratuais convergirem para configuração de uma relação
de trabalho subordinada, as plataformas consideram que os seus
motoristas, ditos “colaboradores”, são contratantes independentes,
que não fazem jus, portanto, aos direitos trabalhistas legalmente
previstos.
133 MARTINS, Telma Reis.In: A Problemática dos Trabalhadores das Plataformas
Digitais: Trabalhadores Dependentes, Prestadores de Serviços ou Figura Híbrida?
O Exemplo Chinês. In: Análise crítica do direito público ibero-americano. Porto,
Portugal, 2020, p.499
134 MARTINS, Telma Reis.In: A Problemática dos Trabalhadores das Plataformas
Digitais: Trabalhadores Dependentes, Prestadores de Serviços ou Figura Híbrida?
O Exemplo Chinês. In: Análise crítica do direito público ibero-americano. Porto,
Portugal, 2020, p.499

172 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Considera-se, contudo, que a atual tendência do governo
chinês em estimular as plataformas a concederem direitos e benefícios
aos seus motoristas, aproximando-os da categoria de trabalhadores
híbridos, pode se tornar um importante aliado na luta contra o discurso
empresarial dominante que reconhece os pseudo “colaboradores”
como meros contratantes independentes, situando-os em uma zona
de extrema precariedade e desamparo jurídico.

5. Referências

AMARANTE, Cristiano Couto. Qualidade de vida de trabalha-


dores industriais: um estudo comparativo entre Brasil e China. Pon-
ta Grossa, 2020. Disponível em: https://repositorio.utfpr.edu.br/jspui/
bitstream/1/4754/1/qualidadevidatrabalhadoresindustriaisbrasilchi-
na.pdf
ARAÚJO, Fernando A. S. . Constituição da República Popular
da China, de 1954. Ago/2011. Disponível em: https://www.marxists.
org/portugues/tematica/rev_prob/63/constitu.htm
CORDEIRO, Luis Fernando. China cria normas trabalhistas rí-
gidas. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2009-fev-24/china-
-ignora-flexibilizacao-cria-normas-trabalhistas-rigidas
FRACARI, Lincoln. CLT na China? Tem carteira assinada na
China? Limite de horas semanais dos chineses. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=Gzr0kO6hkcA
LYI, Macarena Vidal. Na China, a ‘rebelião’ contra os “9.9-
6”: trabalho das 9h às 21h, seis dias por semana. Abr/2019. Dispo-
nível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/19/internacio-
nal/1555672848_021656.html
MARTINS, Telma Reis. A Problemática dos Trabalhadores das
Plataformas Digitais: Trabalhadores Dependentes, Prestadores de Ser-
viços ou Figura Híbrida? O Exemplo Chinês. In: Análise crítica do di-
reito público ibero-americano. Porto, Portugal, 2020.
NETO, Antonio Carvalho; PORTO, Roberta Guasti ; SANT’AN-
NA, Anderson de Souza; OLIVEIRA, Fátima Bayma; LOPES, Humberto
Elias Garcia; ALEMIDA, Tatiana Souza . Relações de Trabalho na Chi-
na: reflexões sobre um mundo que nos é ainda desconhecido. XXXVI

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 173


V IA DOS DIREITOS
Encontro da ANPAD. Rio de janeiro, set/2012. Disponível em: http://
www.anpad.org.br/admin/pdf/2012_GPR310%20TC.pdf

174 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Breves ponderações sobre o transporte de passageiros por
aplicativo na Alemanha

Thiago Fernandes Morais135

1. Introdução

O primeiro grande passo na indústria dos transportes de


passageiros por aplicativos foi dado pela Uber, empresa californiana
criada em 2009, que, inicialmente, fornecia transporte de passageiros
em veículos de luxo, o que mais tarde se transformaria em Uber
Black, e tinha como objetivo a prestação de um serviço melhor e mais
eficiente que o dos taxis.
Até então o serviço de taxi tinha exclusividade no transporte
individual de passageiros em grande parte do mundo, e, por ser um
monopólio, por vezes prestava um serviço insatisfatório. Eram comuns
problemas como a demora excessiva em horários de maior demanda,
ou até mesmo não haver veículos disponíveis; a recusa de corridas
que não fossem de interesse do motorista, deixando o passageiro
desamparado; a má conservação do veículo, eventualmente com
cheiro forte de cigarro; ou mesmo um tratamento desrespeitoso e
ríspido com o passageiro.
De modo a facilitar a prestação de serviços, a Uber desenvolveu,
em 2010, um aplicativo que permite ao passageiro chamar o veículo a
serviço da companhia sem a necessidade de ligar para uma central ou
procurar um ponto de taxi, o que agilizou e aumentou a segurança do
processo.
Como pioneira no setor, a Uber estava em posição privilegiada
para captar milhões de dólares em investimentos e expandir sua
atuação. Primeiro levou seu serviço para outras cidades e regiões
nos Estados Unidos, e, posteriormente, para outros países. Também
ampliou seu espectro de atuação, de transporte executivo para uma
gama opções, mais econômicas, ecológicas ou luxuosas.

135 Mestrando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de


Minas Gerais, na linha Direito Internacional, Direito Comparado, Estudos Culturais
e Jusfilosóficos.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 175


V IA DOS DIREITOS
A partir de 2011 surgiram concorrentes em escala global, como
a espanhola Cabify, que possui grande atuação na América Latina, e a
Didi Chuxing, empresa chinesa com participação em outros mercados,
e que atua no Brasil através da 99, que possui parcela significativa do
mercado nacional.
Devido à expansão do serviço de transporte de passageiros por
aplicativo a nível global, cresceram os atritos com os taxistas, seus
principais concorrentes. Episódios de vandalismo contra os carros
conduzidos por motoristas de aplicativos, ameaças de morte e outras
situações graves ocorreram em vários países.
A despeito da tentativa de intimidação, o crescimento dos
aplicativos de transporte de passageiros prosseguiu, tanto em relação
ao número de motoristas quanto a quantidade de usuários e corridas.
Atualmente, em grande parte das grandes cidades do mundo, há mais
motoristas de aplicativo do que taxistas, inclusive em Belo Horizonte136.
Isso se dá devido à maior heterogeneidade dos passageiros
que utilizam estes aplicativos, que integram as mais variadas classes
sociais e têm as mais diversas origens. Até mesmo o público que
raramente utilizava o serviço de taxi se tornou adepto aos aplicativos
de transporte, como os moradores das periferias dos grandes centros
urbanos137.
Como forma de tentar barrar esse crescimento, e perder parte
de sua base de clientes, os taxistas aumentaram a pressão sobre os
legisladores e utilizaram de mecanismos legais, de forma a limitar ou
até mesmo tornar inviável a operação de transporte de passageiros
por aplicativos.
Alguns países apresentaram nova regulamentação, seja a
nível nacional ou local, autorizando a prestação do serviço. Outros
o proibiram expressamente, ou impuseram restrições tão rigorosas

136 LÉOCADIO, Thaís. Belo Horizonte tem pelo menos três vezes mais motoristas
de aplicativo do que taxistas. G1. Publicado em 06 nov. 2019. Disponível em https://
g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/11/06/belo-horizonte-tem-pelo-menos-
tres-vezes-mais-motoristas-de-aplicativo-do-que-taxistas.ghtml. Acesso em 23 out.
2020.
137 SACHETO, Cesar. Demanda de carro por app cresce 54% nas periferias, diz
pesquisa. R7. Publicado em 23 ago. 2020. Disponível em https://noticias.r7.com/
cidades/demanda-por-carro-de-app-cresce-54-nas-periferias-diz-pesquisa-23082020.
Acesso em 24 out. 2020.

176 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
que tornaram impraticável sua operação, ou ainda interpretaram
a legislação em vigor de modo a considerar ilegal a atuação dos
aplicativos de transporte de passageiros.
Essas restrições podem variar de exigências mais simples,
como verificação de antecedentes criminais ou requisito de idade
máxima para o veículo operar, até a necessidade de que os motoristas
de transporte de passageiros por aplicativo sejam profissionais, e
possuam uma habilitação que assim os identifique, ou que sejam
considerados empregados.
O presente trabalho busca analisar a legislação alemã sobre
o transporte particular de passageiros, conhecida como PBefG, a
proposta de alteração legislativa que está em andamento, alvo de
críticas tanto dos motoristas de aplicativo quanto dos taxistas, e a
atuação das empresas de transporte de passageiros por aplicativo,
com enfoque especial na atuação da Uber.

2. Transporte de passageiros por aplicativo na Alemanha

Atualmente as empresas de transporte de passageiros por


aplicativo operam na Alemanha de forma precária, sendo alvo de ações
judiciais impetradas por taxistas ou entidades que os representam,
frequentemente sofrendo importantes derrotas.
Entre as companhias que funcionam no mercado alemão se
destacam principalmente a FreeNow e a Uber.

2.1. FreeNow

A FreeNow é uma grande operadora do transporte de


passageiros por aplicativo na Europa e atua, com participação
expressiva, no mercado de conectividade para taxi. O novo nome,
FreeNow, substitui marcas individuais que estavam sob controle da
mesma holding, incluindo a mytaxi, Kapten e Beat.
Assim, a FreeNow passou a ofertar um serviço com maior
padronização e, através de outras companhias sob o mesmo
controlador, iniciou a oferta de uma maior gama de serviços, como
car sharing, estações de recarga para veículos elétricos, aluguel de

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 177


V IA DOS DIREITOS
scooters elétricas e oferta de estacionamento.
Após ser adquirida por dois gigantes alemães, BMW e Daimler138,
a companhia, que já era importante no segmento, se tornou uma das
maiores do setor, principalmente nos grandes centros europeus,
passando a possuir maior participação em alguns mercados do que a
Uber, tanto no serviço de taxi quanto no transporte de passageiros por
aplicativo.
O serviço concorrente direto à Uber, prestado pela FreeNow
na Alemanha, é novo e se chama Ride139. Seus serviços são ofertados
nas cidades de Berlim, Munique, Hamburgo, Frankfurt, Düsseldorf e
Colônia.
Entretanto, após grande expansão em 2019, devido à pandemia
da Covid19 que atingiu o mundo em 2020, os planos de ampliação da
companhia foram postos em risco. Por ter maior facilidade em operar
na Europa, inclusive na Alemanha, a FreeNow teria atraído interesse
da Uber.
Considerando, ainda, os frequentes prejuízos das empresas do
ramo, especula-se que as controladoras Daimler e BMW, que também
foram fortemente impactadas pela pandemia, poderiam vender sua
participação para a rival norte-americana140.

2.2. Uber na Alemanha

A Uber começou suas operações na Alemanha em 2013, em


Berlim. Sua primeira expansão, em 2014, levou a oferta de três serviços
distintos: UberBlack, UberTaxi e UberPop.
Desde então, a empresa foi alvo de diversas ações judiciais

138 DILLET, Romain. Daimler and BMW invest $1.1 billion in urban mobility
services. Tech Crunch. Publicado em 22 fev. 2019. Disponível em https://techcrunch.
com/2019/02/22/daimler-and-bmw-invest-1-1-billion-in-urban-mobility-services/.
Acesso em 23 out. 2020.
139 MOISICH, Jana. Medium. Publicado em 30 jan. 2019. Disponível em https://
medium.com/inside-freenow/what-happened-in-free-now-in-2019-year-in-ride-
94c5697b7f7e. Acesso em 23 out. 2020.
140 WEBB, Alex. Uber Would Be a Lifeline for Virus-Hit Daimler and BMW.
Bloomberg. Publicado em 29 set. 2020. Disponível em https://www.bloomberg.com/
opinion/articles/2020-09-29/uber-interest-in-free-now-would-be-a-lifeline-for-virus-
hit-daimler-and-bmw. Acesso em 23 out.2020.

178 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
tentando limitar ou proibir seu funcionamento. Acabou sofrendo
diversos revezes, que exigiram mudanças em sua forma de atuação
para poder permanecer funcionando no país.
Logo no início de suas atividades, ainda em 2014, a Uber foi
alvo de uma injunção, por parte dos taxistas, que alegavam competição
desleal por parte da empresa norte-americana.
Uma corte alemã acatou o pedido e proibiu o funcionamento
em todo território nacional. Pouco tempo depois essa decisão foi
suspensa, o que permitiu à Uber operar normalmente até março
de 2015, quando outra decisão judicial proibiu o funcionamento do
serviço UberPop.141
A UberPop funcionava na Alemanha de forma similar à que a
UberX opera hoje no Brasil. É um serviço que permite pessoas normais,
sem habilitação profissional, transportar passageiros, mediante
remuneração, utilizando seus próprios veículos, com intermediação
feita pelo aplicativo da empresa Uber, que cobra um percentual do
valor final da corrida.
O julgado da Corte Regional de Frankfurt, de março de 2015,
decidiu que a operação da UberPop é ilegal por infringir a Lei de
Transporte de Passageiros, especialmente quanto a necessidade de
o motorista ter habilitação profissional. De acordo com a empresa,
a UberTaxi e a UberBlack poderiam permanecer em funcionamento
pois seus motoristas satisfaziam esse requisito legal.
Em substituição à UberPop, foi lançada a UberX, que contava
com motoristas com habilitação profissional142, contratados por meio
de firmas licenciadas para transporte privado de passageiros.
Entretanto outras ações judiciais permaneciam em tramitação
no judiciário alemão. Em 2018 uma delas foi analisada pelo Tribunal
de Justiça Federal da Alemanha, a mais alta corte da jurisdição
ordinária no país, que determinou que com base no parágrafo 49 da

141 EDDY, Melissa. An Uber Service Is Banned in Germany Again. The New York Times.
Publicado em 18 mar. 2015. Disponível em https://www.nytimes.com/2015/03/19/
technology/germany-frankfurt-uber-ruling-taxi.html. Acesso em 23 out. 2020.
142 GEIGER, Friedrich. Uber Lauches Licensed Driver Service in Germany. The Wall
Street Journal. Publicado em 19 mai. 2015. Disponível em https://www.wsj.com/
articles/BL-DGB-41845. Acesso em 23 out. 2020.

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V IA DOS DIREITOS
Lei de Transporte de Passageiros da Alemanha, a UberBlack é ilegal143.
O principal argumento é que o referido artigo exige que os serviços
privados de transporte de passageiros retornem para a base ou sede da
empresa antes de atender o próximo chamado, algo que não ocorreria
com o serviço prestado pela Uber.
Por fim, em 2019, o Tribunal Regional de Frankfurt decidiu que
o modelo de atuação da Uber é irregular. A Corte entendeu que a Uber
deveria possuir a licença exigida pela Lei de Transporte de Passageiros,
e que não poderia apenas utilizar de motoristas licenciados, nos moldes
atuais, pois, do ponto de vista do passageiro, a Uber é a prestadora de
serviços144.
Além disso, a empresa estaria descumprindo o disposto no
parágrafo 49 da Lei de Transporte de Passageiros, de modo similar à
decisão proferida no ano anterior pelo Tribunal de Justiça Federal. Foi
considerado que a Uber não fez o suficiente para garantir que seus
motoristas retornassem a base ou sede da empresa, de modo que a
chamada satisfaça o formato previsto na legislação. Ademais, a lei
transporte de passageiros exige que a corrida seja aceita pela empresa
e, de forma manual, seja redirecionada para os motoristas, algo que
não estaria sempre sendo cumprido145.
Atualmente a Uber tenta se adequar, de modo que possa
permanecer funcionando em território alemão, uma vez que a
manutenção de suas atividades na maior economia da Europa é
fundamental para sua operação europeia.
Por fim, frisa-se que a UberEats não atua na Alemanha,
portanto as questões pertinentes aos aplicativos de entrega de comida
não lhes dizem respeito.

143 KNAPP, Ursula. Top German court rules Uber limousine service illegal. Reuters.
Publicado em 13 dez. 2018. Disponível em https://www.reuters.com/article/us-uber-
germany-idUSKBN1OC198. Acesso em 23 out. 2020.
144 GERMANO, Sara. Uber Hit with Fresh German Ban. The Wall Street Journal.
Publicado em 19 dez. 2019. Disponível em https://www.wsj.com/articles/uber-hit-with-
fresh-german-ban-11576782166. Acesso em 23 out. 2020.
145 FOX, Chris. Uber promisses changes to avoid Germany ban. BBC. Publicado em
20 dec. 2019. Disponível em https://www.bbc.com/news/technology-50865154. Acesso
em 24 out. 2020.

180 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
3. Lei de transporte de passageiros da Alemanha

A Lei de Transporte de Passageiros da Alemanha,


Personenbeförderungsgesetz, também conhecida como PBefG, entrou
em vigor em 1990, ou seja, bem antes criação dos smartphones e da
popularização da internet.
De modo a evitar que o transporte particular de passageiros se
tornasse uma espécie de serviço de taxi clandestino, foram impostas
regulamentações ao seu funcionamento, que se aplicam atualmente
ao transporte de passageiros por aplicativo. Dentre os dispositivos da
PBefG que mais afetam a atividade da Uber está o §49, que dispõe sobre
o transporte de pessoas em carros de aluguel, conforme a seguinte
tradução do alemão:

§49 Transporte por ônibus ou carros de aluguel


(...)
(4) O transporte em carros de aluguel é o transporte
de pessoas em carros de passeio, que são
contratados apenas para o transporte, e pelos quais
o operador faz viagens cujo objetivo, destino e
meio de transporte são determinados e que não são
confundem com táxis, na forma do §47. Para carros
de aluguel, as ordens de transporte somente
poderão ser recebidas do lugar de negócios ou
da casa do empreendedor. Após a execução da
ordem de transporte, o carro de aluguel deverá
retornar imediatamente à sede da companhia,
a menos que tenha recebido uma nova corrida,
por ligação telefônica de seu local de trabalho
ou de sua residência, antes ou durante a corrida.
O recebimento do pedido de transporte deve ser
registrado nos livros e mantido, no escritório
registrado ou residência, por um ano. A aceitação,
mediação e execução de ordens de transporte, o
veículo de aluguel, bem como a publicidade para o
serviço de carros de aluguel não podem ser usados,

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V IA DOS DIREITOS
sozinhos ou em combinação, de modo que possam
levar a confusão com o serviço de táxi. Os sinais e
características reservados aos táxis não podem ser
utilizados para carros de aluguel. As seções 21 e 22
não se aplicam. (Tradução livre e g.n)146

A necessidade de retorno do veículo à sede da empresa, antes


da aceitação da próxima corrida, é um dos maiores empecilhos
ao funcionamento do transporte de passageiros por aplicativo
na Alemanha, pois implica em grande perda de tempo e gasto de
combustível não remunerados pelas corridas.
Além disso, caso a sede da companhia seja afastada dos locais
de maior movimentação, o que geralmente é o caso, tal dispositivo
implica em maior demora para o atendimento das chamadas, uma vez
que o veículo teria que realizar um percurso maior antes de chegar à
localização dos passageiros.

3.1. Projeto de alteração da Lei de Transporte de Passageiros

A legislação alemã que versa sobre o transporte de passageiros


já não condiz mais com a evolução tecnológica e as necessidades
contemporâneas. Há projetos em andamento buscando conciliar as
demandas dos taxistas, motoristas de aplicativo e passageiros.
Os taxistas nunca se adaptaram as novas tecnologias, por isso
tentam barrar as alterações, que certamente lhes seriam desfavoráveis.
O monopólio no transporte individual de passageiros, que dura
décadas, seria quebrado. Portanto são contrários a qualquer alteração
legislativa.
Por outro lado, os motoristas de aplicativos esperam ganhar
mais direitos, e as empresas, dentre elas a Uber e a FreeNow, buscam
regularizar definitivamente sua atuação e romper com mecanismos
que atrapalham ou impedem sua operação.
Resta aos parlamentares, que criaram uma comissão legislativa
para analisar o tema, tentar chegar a um consenso que permita um

146 Personenbeförderungsgesetz (PBefG). Publicado em 08 ago. 1990. Disponível em


http://www.gesetze-im-internet.de/pbefg/PBefG.pdf. Acesso em 24 de out. 2020.

182 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
convívio harmônico entre os motoristas de aplicativo e os taxistas.
Um dos pontos centrais analisados pelos parlamentares é
a alteração do §49 da Lei de Transporte de Passageiros, que prevê a
necessidade de os motoristas de aplicativo retornarem à base após
cada corrida. O Ministro dos Transportes iria abolir essa regra, mas a
comissão legislativa entendeu melhor mantê-la e criar mais pontos de
retorno nas grandes cidades. Ambos os lados, taxistas e transporte por
aplicativo, rejeitaram a proposta. A Uber se opôs a ideia e os taxistas
ameaçaram protestos de resistência.147
A alteração legal foi uma das promessas da coalizão de governo,
formada pelos partidos governistas e liderada pela Chanceler Angela
Merkel. A criação de uma base legal para a operação de serviços de
transporte com intermediação digital está incluída nesse projeto.
Por conseguinte, o Ministério dos Transportes tenta garantir um
equilíbrio entre as diferentes formas de transporte, e que os serviços
de taxi e transporte de passageiros por aplicativo se beneficiem do
alívio na regulação, enquanto assegura que os municípios mantêm o
direito de escolher as mudanças que serão aplicáveis em seu território.
Ainda que as mudanças propostas não tenham cumprido
totalmente o papel a que se propunham, de desregulamentar e
facilitar as atividades do setor, é esperado que em pouco tempo sejam
submetidas à apreciação do Bundestag, o parlamento alemão.

4. As decisões judiciais e as alterações nos serviços da Uber

A primeira decisão judicial que impactou o funcionamento


do Uber na Alemanha foi proferida em 2014, e proibiu liminarmente
o funcionamento da modalidade UberPop. Em pouco tempo foi
derrubada, mas no ano seguinte outra decisão confirmou a proibição
do serviço, o que ocasionou a primeira grande alteração no formato de
atuação da empresa em território alemão.
A UberPop era o principal serviço ofertado pela Uber na
Alemanha, e seus motoristas eram pessoas comuns que trabalhavam
147 MARCUS, Imanuel. Germany: Taxi Federation and Uber Unhappy with New Trans-
portation Rules. The Berlin Spectator. Publicado em 24 de jun. 2020. Disponível em
https://berlinspectator.com/2020/06/23/germany-taxi-federation-and-uber-unhappy-
-with-new-transportation-rules/. Acesso em 24 out. 2020.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 183


V IA DOS DIREITOS
com seus veículos particulares. O Tribunal Regional de Frankfurt
reconheceu que, de acordo com a legislação federal, é necessário
que os motoristas que ofereçam serviço de transporte de passageiros
possuam licença especial de motorista profissional.
Para suprir o vácuo deixado pela UberPop foi lançada a UberX,
que conta, na Alemanha, com motoristas com habilitação profissional,
satisfazendo a exigência do Tribunal. Os motoristas passaram a ser
contratados por meio de firmas licenciadas para transporte privado
de passageiros.
Em 2018, o Tribunal de Justiça Federal Alemão, a maior Corte
não constitucional alemã, proferiu decisão declarando a ilegalidade
do serviço UberBlack. A fundamentação se baseia principalmente no
desrespeito no item (4) do §49 da Lei de Transporte de Passageiros,
que prevê a necessidade de o motorista retornar a base ou sede da
empresa antes de atender a próxima chamada.148
Houve demora na decisão pois a Corte alemã levou a questão
ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Entretanto, retirou a questão
pois uma decisão relativa a um caso similar da Espanha, em que a
Corte Europeia decidiu que os países membros poderiam decidir a
regulamentação quanto aos serviços prestados pela Uber, resolveu a
pendência e permitiu ao Tribunal alemão sentenciar o caso.149
Por fim, a mais recente, e talvez mais desfavorável decisão
judicial contra a Uber na Alemanha, proibiu, no fim de 2019, a
atuação da empresa em território alemão. Além dos pontos já
abordados nas decisões anteriores, especialmente no que diz respeito
ao descumprimento do §49 da Lei de Transporte de Passageiros,
foi declarado que a Uber necessitaria de uma licença de transporte
de passageiros por ser mais do que apenas uma intermediadora.
De acordo com o Tribunal, não basta que as empresas contratadas
pela Uber tenham a licença para oferecer o serviço de transporte
148 GESLEY, Jenny. Germany: Federal Court of Justice Prohibits Uber Black App.
Library of Congress. Publicado em 11 fev. 2019. Disponível em https://www.loc.gov/
law/foreign-news/article/germany-federal-court-of-justice-prohibits-uber-black-app/.
Acesso em 24 out. 2020.
149 GESLEY, Jenny. Uber at the ECJ – The Legal Saga in Europe Continues.
Library of Congress. Publicado em 18 mar. 2018. Disponível em https://blogs.
loc.gov/law/2018/03/uber-at-the-ecj-the-legal-saga-in-europe-continues/.
Acesso em 24 out. 2020.

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V I A D O S DI REI TOS
de passageiros, pois do ponto de vista do passageiro a Uber seria a
empresa que estaria prestando o serviço.
Outro ponto da sentença diz respeito a concorrência desleal,
pois a empresa estaria designando motoristas específicos para os
passageiros e decidindo a tarifa da corrida.150
Atualmente a Uber recorre da decisão e busca,
concomitantemente, aprovar a reforma da Lei de Transporte de
Passageiros da Alemanha.

5. Questões trabalhistas na Alemanha quanto aos serviços


prestados por intermédio de aplicativos

Como já abordado, o funcionamento dos aplicativos de


transporte de passageiros na Alemanha sofre com a legislação atual e as
decisões proferidas pelos tribunais do país. Entretanto, diferentemente
de outras partes do mundo, onde há discussão sobre a natureza do
vínculo dos motoristas com as plataformas intermediadoras, esse
problema não é tão relevante para os motoristas de aplicativo.
Isso ocorre, pois, os motoristas possuem vínculo empregatício
com as empresas licenciadas para transporte de passageiros que
prestam serviço à Uber. Portanto, os motoristas já possuem os
benefícios e garantias trabalhistas, e é desnecessário aprofundar
a discussão quanto ao vínculo empregatício com as plataformas
intermediadoras.
Se por um lado esse tema tão em voga no direito do trabalho
brasileiro, e em outras partes do mundo, não é tão relevante em
relação aos motoristas de aplicativo alemães, por outro lado ele é
importante quanto aos profissionais que prestam serviços de entrega
na Alemanha.
Ainda que os aplicativos de entrega, especialmente de delivery
de comida, não sejam tão populares na Alemanha quanto em outros
países, como Brasil e Estados Unidos, eles estão presentes no país e
empregam milhares de alemães. De forma muito similar à que ocorre
150 Hong Kong Research Office – Legislative Council Secretariat. Regulation of ride-
hailing apps in selected places. Publicado em 27 mar. 2020. Disponível em https://
www.legco.gov.hk/research-publications/english/1920rt08-regulation-of-ride-hailing-
apps-in-selected-places-20200327-e.pdf. Acesso em 24 out. 2020.

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V IA DOS DIREITOS
no Brasil, lá os entregadores são tratados pelas companhias como
autônomos, já que as plataformas alegam apenas fazer a mediação do
serviço.
Um estudo do parlamento alemão concluiu que a legislação
social, na qual se inclui o direito do trabalho, não abarca a situação
desses entregadores. A Heimarbeitsgesetz, parte da legislação
trabalhista, é desatualizada e o texto legal necessita de reformas.151
Contudo, esse é um tópico que foge ao presente trabalho e, por isso,
não será adentrado com maior profundidade.

6. Conclusão

Desde que começou a operar na Alemanha, em 2013, a Uber


sofreu diversos revezes devido a uma legislação cheia de peculiaridades
que fundamentaram sentenças judiciais proibindo atuação de alguns
de seus serviços.
Forçada a se adaptar, a Uber permanece em operação, mas uma
situação incerta, especialmente após a decisão proferida no final de
2019, que põe em risco toda a operação da empresa norte-americana
em terras germânicas.
Porém o que é um risco tremendo para suas atividades no país
mais rico da Europa, também pode se converter em seu benefício, uma
vez que há maior pressão sobre os legisladores alemães, para reformar
a defasada Lei de Transporte de Passageiros, de modo que permita a
operação regular dos aplicativos de transporte de passageiros.
Por fim, é interessante notar que, diferente de muitos países
onde há discussão acerca da possibilidade de reconhecer vínculo
trabalhista entre os aplicativos e seus motoristas, como Brasil e
Estados Unidos, a legislação alemã resolveu a questão ao exigir que os
motoristas sejam vinculados a uma empresa habilitada ao transporte
de passageiros, salvaguardando os direitos trabalhistas desses
trabalhadores.

151 SCHAEFER, Mathias; SCHWARZKOPF, Natascha. Gig Economy: Opportunity or


Risk for the Labour Market? Konrad Adenauer Stiftung. Publicado em abr. 2019. Dispo-
nível em https://www.kas.de/documents/252038/4521287/AA349+Gig+Economy+EN-
GL.pdf/07894e08-2770-c349-ac20-da77d6e886b8?version=1.0&t=1556607568526. Aces-
so em 24 out. 2020.

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7. Referências

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V I A D O S DI REI TOS
A luta contra a Uber na Índia: entre a resistência feminista, a
exploração laboral e os movimentos grevistas

Daniel de Faria Galvão152


1. Introdução

O presente artigo foi elaborado como trabalho final da


disciplina “Assembly Bill nº 5 da Califórnia e seus impactos no Direito
e no Processo do Trabalho tendo em vista o acesso à justiça pela via dos
Direitos Laborais”, lecionada no âmbito do programa de pós-graduação
em Direito da UFMG, no 1º semestre de 2020, pela Profa. Dra. Adriana
Sena e pelo Prof. Dr. José Eduardo Chaves (Pepe). Considerando que
a disciplina se inseria no campo do Direito do Trabalho Comparado,
foi proposto aos discentes que realizassem pesquisas sobre a situação
jurídico-laboral da UBER e de seus trabalhadores em diversos países,
dentre eles a Índia, objeto desse artigo. Especificamente sobre a UBER
na Índia, o que se verá é que, de um lado, a situação da empresa
no país guarda particularidades, evidenciadas pelo banimento de
suas atividades na cidade de Nova Délhi, no ano de 2014. Um ato de
violência sexual, praticado por um motorista do aplicativo contra uma
passageira, foi o estopim para que diversas manifestações de mulheres
contrárias à empresa ocorressem, influenciando diretamente na
decisão judicial que determinou a suspensão temporária de suas
atividades na capital do país. No entanto, as especificidades relatadas
anteriormente não foram capazes de afastar a ocorrência de uma série
de similaridades no presente caso, especialmente no que se refere à
exploração laboral. A liberação das atividades da empresa na Índia,
nos últimos anos, tem trazido uma intensa exploração do trabalho
para a dianteira, repetindo padrões estabelecidos ao longo de todo o
mundo, mas que se fortalecem ainda mais em um país da periferia
global.
Levando em conta todas essas questões, em um primeiro
momento, o artigo irá realizar apontamentos sobre a consolidação da

152 Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre e doutorando em


Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Integrante dos grupos de
pesquisa Trabalho e Resistências (UFMG) e Trabalho e Capital (GPTC – USP).

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V IA DOS DIREITOS
uberização em uma conjuntura de apagamento da identidade coletiva.
Em um segundo momento, o foco estará na análise da atuação da
UBER na Índia, com destaque para a limitação imposta pelo levante
feminista, na cidade de Nova Délhi. Na etapa posterior, analisaremos
o crescimento da empresa no território indiano, resultando em uma
profunda exploração laboral e no surgimento de inúmeros movimentos
grevistas.

2. A uberização como reflexo da crise: o apagamento da


identidade coletiva da desconcentração produtiva até a
cooptação da luta feminista

De início, pensamos ser importante conferir à uberização um


tratamento não hermético. Apesar de suas inegáveis especificidades,
esse é um fenômeno que não pode ser analisado isoladamente
aos acontecimentos históricos e sociais das últimas décadas e,
principalmente, do processo de crise civilizatória153, em curso desde
a década de 1970. Como se verá a seguir, as respostas do modo de
produção capitalista ao seu próprio desgaste foram múltiplas, indo
da desconcentração produtiva (com a implantação de um capitalismo
em rede e, posteriormente, da própria uberização) até a cooptação das
lutas feministas. Esses processos, aparentemente desconexos, tem
como ponto em comum um apagamento da identidade coletiva da
classe trabalhadora, minorando a sua capacidade de resistência. É o
que veremos a seguir.
Sobre a desconcentração produtiva e a sua instituição de um
capitalismo em rede, relatam as sociólogas Annie Thébaud-Mony e
Graça Druck154 que esses processos não são novos. Mesmo em períodos
anteriores ao estabelecimento da sociedade moderna, os artesãos
urbanos já se valiam desses mecanismos para transferir trabalho
e custos de produção para os artesãos rurais, precarizando as suas

153 LÖWY, Michael. Crise ecológica, crise capitalista, crise de civilização: A alternativa
ecossocialista, pp. 79-86, Caderno CRH, Salvador, v. 26, 67, Jan./Abr. 2013.
154 THÉBAUD-MONY, Annie; DRUCK, Graça. Terceirização: a erosão dos direitos dos
trabalhadores na França e no Brasil. In: DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia (orgs.). A
perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo,
2016.

190 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


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condições laborais. É nesse sentido que apontam as autoras que:

As vantagens destacadas à época não são muito


diferentes daquelas na atualidade: salários mais
baixos do que o dos artesão urbanos e uma
flexibilidade produtiva com menor investimento
em capital fixo, já que o trabalho era realizado
nos domicílios dos artesãos rurais. Além disso, o
artesanato rural mantinha o homem no campo,
restringindo o êxodo e preservando a tutela dos
mercadores urbanos155.

Mas, a existência desse liame com o passado não permite


relegar a exploração em rede a um longínquo lugar na história. Foram
períodos mais recentes, ocorridos a partir da crise do Estado Social
nos países do capitalismo central, que transformaram profundamente
esse instrumento, tirando-o de uma posição acessória para ocupar a
centralidade da estrutura produtiva156. O modelo taylorista/fordista
de produção, sustentáculo do estado de bem-estar social, tinha como
principais características uma forte rigidez que se espraiava não só
pelo modo de produzir, mas também pelo modo de viver. Uma fábrica
concentrada, fundada na produção em massa e em linhas de montagem,
se refletia também em uma forma de vida marcada por existências pré-
determinadas, posições sociais estanques e consumo desenfreado. E o
esgotamento desse modelo, principalmente a partir da década de 1970,
pode ser fundamentado por uma série de ocorrências, a começar pelo
levante de sujeitos como mulheres, negros e LGBT’s que, mesmo diante
do Estado Social, continuaram a ser invisibilizados157. Movimentos
como o feminista, negro e queer começaram a surgir, implodindo um
estado em que o bem-estar era restrito a poucos. Ao mesmo tempo, o
cenário econômico internacional também atuou na derrubada de um

155 THÉBAUD-MONY, Annie; DRUCK, Graça. Op. Cit. p. 23-24.


156 DRUCK, Graça. FRANCO, Tânia. Terceirização e precarização: o binômio
antissocial em indústrias. In: DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia (orgs.). A perda da razão
social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, 2016.
157 FRASER, Nancy. O feminismo, o capitalismo e a astúcia da história. Mediações,
Londrina, v. 14, n.2, p. 11-33, Jul/Dez. 2009.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 191


V IA DOS DIREITOS
modelo produtivo em frangalhos. A supremacia global da economia
norte-americana, sustentáculo desse “American Way Of Life”, foi,
progressivamente, minada pela expansão do fordismo para os países
da Ásia (aumentando a competitividade) e pela crise do petróleo,
de 1973158. Restava demonstrada a eterna insuficiência do modo
de produção capitalista que, mesmo sob as vestes do Estado Social,
jamais deixou de se pautar por sua lógica excludente. E é como forma
de retomar a dominação social e os níveis de lucratividade anteriores
que o capital tentará, mais uma vez, se vestir sob uma nova roupagem.
Sobre as lutas feministas, o que irá se presenciar é uma
tentativa de cooptação desses movimentos pelas forças do capital. O
neoliberalismo tentará vender a ideia de uma possível separação entre
as pautas de reconhecimento e redistribuição, enfraquecendo o forte
caráter anti-sistêmico presente nessas lutas desde as suas origens.
Como explica Nancy Fraser:

o feminismo surgiu como parte de um projeto


emancipatório mais amplo, no qual as lutas contra
injustiças de gênero estavam necessariamente
ligadas a lutas contra o racismo, o imperialismo,
a homofobia e a dominação de classes, todas as
quais exigiam uma transformação das estruturas
profundas da sociedade capitalista.159

No entanto, com o avanço do neoliberalismo o que acabou por


se presenciar foi que:

Em um bom exemplo da perspicácia da história,


desejos utópicos acharam uma segunda vida
como correntes de sentimento que legitimaram
a transição para uma nova forma de capitalismo:
pós-fordista, transnacional, neoliberal.160

158 HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 13 ed. São Paulo: Edições Loyola.
159 FRASER, Nancy.Op. Cit. p. 22.
160 FRASER, Nancy. Op. Cit. p. 14.

192 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Especificamente quanto ao aspecto da produção, a moldagem
desses novos anseios sociais em prol de uma maior exploração/
produtividade se deu pela seguinte lógica:

Os capitalistas compreenderam que, em vez de se


limitar a explorar a força de trabalho muscular
dos trabalhadores, privando-os de qualquer
iniciativa e mantendo-os enclausurados nas
compartimentações estritas do taylorismo e do
fordismo, podiam multiplicar seu lucro explorando-
lhes a imaginação, os dotes organizativos, a
capacidade de cooperação, todas as virtualidades da
inteligência. Foi com esse fim que desenvolveram
a tecnologia eletrônica e os computadores e que
remodelaram os sistemas de administração de
empresa, implantando o toyotismo, a qualidade
total e outras técnicas de gestão161

Segundo Antunes, em “O privilégio da servidão”162, são


exemplos dessa “nova forma de gestão”, também chamada por autores
como Harvey de “acumulação flexível”163: uma produção sob demanda,
trabalho em equipe (com multivariedade de funções), produção no
menor tempo possível (“just-in-time”) e o sistema de kanban (com
senhas de comando para reposição de estoques, sendo estes os menores
possíveis). Há ainda um elemento fundamental da estrutura produtiva
japonesa que foi espalhado pelo resto do mundo: a formação, pelas
grandes empresas, de redes de subcontratação. Em que pese o discurso
da desconcentração baseada na necessidade de especialização, Graça
Druck164 afirma que esse é apenas um dos lados da moeda. A real
intenção do amplo emprego de redes de subcontratação é jogar todo o

161 ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação


do trabalho. São Paulo, Boitempo / Coleção Mundo do Trabalho, 3ª ed, 1999. p. 45.
162 ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na
era digital. São Paulo: Boitempo, 2018. p. 155.
163 HARVEY, David. Op. Cit.
164 DRUCK, Graça. Terceirização: (des)fordizando a fábrica – um estudo do complexo
petroquímico da Bahia. São Paulo: Boitempo, 2015.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 193


V IA DOS DIREITOS
“trabalho sujo” para empresas pequenas e médias, livrando as grandes
empresas da responsabilidade por garantir direitos sociais. Sobre as
empresas integrantes das redes, aponta Druck que são:

Marcadas, em geral, por uma instabilidade muito


grande. Nestas empresas não existe emprego
vitalício; há menor qualificação da mão-de-obra,
condições precárias de trabalho assim como
contratos irregulares e de trabalho ocasional ou
parcial – em geral realizado pelas mulheres, com
padrões salariais muito mais baixos que os vigentes
nas grandes corporações165.

Ainda completa Druck que “A subcontratação aparece não só


no plano econômico como forma de redução de custos, mas também
como estratégia política, à medida que institui um amplo segmento
de trabalhadores de “segunda categoria”, que se distanciam dos de
“primeira categoria”166:

Desta forma, contribui, decisivamente, para


dissolver qualquer identidade de classe, identidade
esta, diga-se de passagem, muito fraca na sociedade
japonesa, marcada por uma identidade muito
mais corporativa dos trabalhadores, integrados às
grandes empresas e que correspondem a 30% da
força de trabalho no Japão167.

Mas aliado às redes de subcontratação de terceirizados,


uma outra forma de precarização do trabalho, também sob a forma
de rede, começou a tomar forma nos últimos anos, agora aliada às
novas tecnologias e ao surgimento da denominada Economia de
Compartilhamento (ou “Gig Economy”). Sobre essas formas avançadas
de precarização em rede é possível dizer que:

165 DRUCK, Graça. Op. Cit. p. 93.


166 DRUCK, Graça. Op. Cit. p. 93/94.
167 DRUCK, Graça. Op. Cit. p. 94.

194 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
(...) a tecnologia permite ao empresário o acesso
a uma enorme rede de trabalhadores, o que
resulta em um nível inimaginável de flexibilidade
de jornada, de salário, de contratação. Sem que
ao menos precise se explicar, pode contratar e
distratar sem esforço ou justificativa, bastando
checar os feedbacks instantâneos e o desempenho
dos trabalhadores, que agregam a responsabilidade
pela qualidade do instrumento de trabalho,
agilidade e satisfação ao cliente.168

Como parte deste cenário, apontam Pepe Chaves, Marcus


Barberino e Murilo Sampaio Oliveira a existência de uma
“intermediação eletrônica do trabalho” composta pela: (...) progressiva
substituição das empresas de intermediação de mão de obra por
plataformas virtuais, que conectam diretamente o tomador final com
o prestador pessoal do serviço”.169 De modo geral, o que podemos
afirmar é que a entrada em cena dessas novas tecnologias serviu,
principalmente, para individualizar, ainda mais, esses trabalhadores,
intensificando o regime de acumulação flexível. Mas é importante
estar atento aos movimentos de resistência que, mesmo em tempos
de profunda exploração, como os atuais, começam a ganhar corpo. E é
sobre essa complexa batalha entre transformação e exploração social
que trataremos a seguir, ao analisar o caso da UBER na Índia.

3. Os primeiros anos da uber na Índia: a resistência feminista

Pode se dizer que os anos iniciais de atuação da UBER na Índia


foram bastante conturbados. Os relatos apontam para uma forte

168 MURADAS, Daniela; DELMAESTRO, Eugênio. Aplicativos de transporte e


Plataforma de Controle. In: Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho
humano. LEME, Ana Carolina Reis Paes, RODRIGUES, Bruno Alves; JUNIOR, José
Eduardo de Resende Chaves (coord.). São Paulo: LTr, 2017. p. 164
169 JUNIOR, José Eduardo de Resende Chaves; MENDES, Marcus Menezes Barberino;
OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. Subordinação, Dependência e Alienidade no
Trânsito para o Capitalismo Tecnológico. In: Tecnologias disruptivas e a exploração do
trabalho humano. LEME, Ana Carolina Reis Paes, RODRIGUES, Bruno Alves; JUNIOR,
José Eduardo de Resende Chaves (coord.). São Paulo: LTr, 2017.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 195


V IA DOS DIREITOS
insegurança das mulheres indianas quanto ao uso do aplicativo que
se intensificaram após um motorista da companhia, conhecido por
Shiv Kumar Yadav, ter abusado sexualmente de uma passageira170.
De forma mais detalhada, uma reportagem do jornal The New York
Times, publicada à época, descreve que:

A mulher, na faixa dos 30 anos de idade, funcionária


de uma empresa financeira, estava voltando de Nova
Délhi para a sua casa, nas proximidades de Gurgaon,
na sexta à noite. Ela disse que acordou depois que o
Sr. Yadav mudou sua rota, levando-a para uma área
isolada, não muito longe de um depósito de lixo.
Ele então estacionou e a estuprou171.

Foi assim que, diante desse ato monstruoso, uma enorme


indignação, da sociedade indiana e do movimento feminista local,
começou a tomar forma. E o resultado dessa revolta foi a suspensão
das atividades da UBER, na cidade de Nova Délhi, em dezembro de
2014, data em que a empresa acabava de completar o primeiro ano
de atuação em solo indiano172. A decisão do departamento de trânsito
da cidade de Nova Délhi foi embasada pela violação, pela UBER, de
uma série de normas legais e de segurança (exigidas dos motoristas
locais)173 e, como pena por seu descumprimento, previa a aplicação
de multa ou, até mesmo, a apreensão dos veículos174. É importante
ressaltar que, naquela época, outra ocorrência de violência de gênero
em um meio de transporte já havia abalado à sociedade indiana. Dois
170 BARRY, Ellen; RAJ, Suhasini. The New York Times. Uber Banned in Indiaʼs Capital
After Rape Accusation. Disponível em: https://www.nytimes.com/2014/12/09/world/
asia/new-delhi-bans-uber-after-driver-is-accused-of-rape.html. Acesso em: 26 de
outubro de 2020.
171 BARRY, Ellen; RAJ, Suhasini. Op. Cit. No original: The woman, who is in her late
20s and works at a finance company, was returning from New Delhi to her home in
nearby Gurgaon on Friday night. She said she awoke after Mr. Yadav had changed his
route, taking her to a secluded area not far from a garbage dump. He then parked and
raped her. Tradução do autor.
172 BARRY, Ellen; RAJ, Suhasini. Op. Cit.
173 BARRY, Ellen; RAJ, Suhasini. Op. Cit.
174 BBC (1). Uber banned in Delhi over taxi driver ‘rape. Disponível em: https://www.
bbc.com/news/world-asia-india-30374070 Acesso em: 26 de outubro de 2020.

196 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
anos antes, na mesma Nova Délhi, uma mulher, de 23 anos, que voltava
para casa depois de assistir a um filme, embarcou em um ônibus
particular com um companheiro e foi estuprada por uma gangue de
forma tão brutal que, em consequência de seus ferimentos, acabou
por falecer175. Uma onda de manifestações de rua seguiu àquele crime,
exigindo maior proteção das mulheres na sociedade, inclusive no que
se refere ao uso de transportes públicos e privados176. Assim é que a
suspensão das atividades da UBER, tomada pelos órgãos municipais,
em 2014, deve ser entendida como a resultante da soma dessas revoltas.
Mas, infelizmente, essa vitória teve breve sobrevida. Em julho de 2015,
o Supremo Tribunal de Délhi decidiu que o governo do estado não
pode determinar uma proibição completa das atividades da UBER177.
Ele apenas pode impor condições estritas para a regulamentação de
empresas de transporte por aplicativos, como a exigência de que os
motoristas sejam donos de seus próprios veículos, facilitando a sua
fiscalização178.
As razões por detrás do insucesso desses movimentos são
complexas, mas são melhor explicadas quando se leva em conta
que o inimigo a ser enfrentado aqui não é apenas a UBER. Trata-
se de uma batalha contra uma violência de gênero que tem sido
marca da sociedade indiana e que ganha ainda mais força através da
implantação de políticas neoliberais, a partir da década de 1990179.
Sobre os aspectos culturais, Jagmati Sangwan, ex-jogadora da seleção
de vôlei e ativista das questões de gênero na Índia, fala da ocorrência
dos chamados “crimes de honra”, cometidos contra mulheres que
decidem se casar com homens de castas diferentes180. “Eles isolam o
175 BBC (2). O estupro coletivo que chocou a Índia e mudou a lei. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-36400156 Acesso em: 26 de outubro
de 2020.
176 BBC (2). Op. Cit.
177 THE GLOBAL LEGAL POST. Delhi High Court revokes Uber ban in India’s capital.
https://m.globallegalpost.com/global-view/delhi-high-court-revokes-uber-ban-in-
indias-capital-38882041/ Acesso em: 26 de outubro de 2020.
178 THE GLOBAL LEGAL POST. Op. Cit.
179 KRISHNAN, Kavita. Cultura do estupro e machismo na Índia em globalização. SUR
22 - v.12 n.22 • 263 – 267, 2015.
180 PRAVEEN. S. Brasil de Fato. Classe, casta e gênero: violência contra a mulher não
para de crescer na Índia. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/03/07/
classe-casta-e-genero-violencia-contra-a-mulher-nao-para-de-crescer-na-india

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 197


V IA DOS DIREITOS
casal do vilarejo, pintam o rosto dos dois de preto e os exibem para
a vizinhança, ou cortam o cabelo deles de um jeito específico para
humilhá-los. E, na maioria das vezes, a mulher é executada”181. Outro
exemplo da discriminação de gênero baseada na questão cultural é
que cerca de 7 milhões de fetos do sexo feminino são abortados todos
os anos na Índia, por pais que não se veem em condições de pagar pelo
casamento das filhas ou que preferem um menino para dar sequência
à linhagem da família182.
Sobre a influência neoliberal na prática da violência de gênero,
tomando como exemplo esses mesmos “crimes de honra”, Kavita
Krishnan, irá apontar que:

a “tradição” dos assassinatos punitivos


de casais que escolheram seus cônjuges
autonomamente, na verdade, não é um mero
vestígio de uma tradição antiquada.
Por exemplo, no estado Haryana na Índia,
os denominados “assassinatos de honra”
- ordenados por khaps (clãs de castas
dominantes) - são um fenômeno moderno.
Eles são uma tentativa dos líderes do clã,
que são proprietários de terras, de invocar a
tradição, a fim de manter o controle sobre a
terra, propriedade, assim como da hegemonia
política. Tal controle está sendo colocado
em cheque por questionamentos feitos pelas
castas oprimidas, bem como pelas mulheres
jovens que estão fazendo reivindicações por
terras e propriedades183.

Acesso em: 26 de outubro de 2020.


181 PRAVEEN. S. Op. Cit.
182 PRAVEEN. S. Op. Cit.
183 KRISHNAN, Kavita. Op. Cit..p. 264.

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V I A D O S DI REI TOS
O que Krishnan tenta demonstrar é que “uma cultura misógina
não é estática e imutável”184. Ela é impulsionda por questões bastante
atuais, servindo como “meio de disciplinar o trabalho das mulheres
em uma economia capitalista neoliberal”.185 Assim, pode se concluir
que a violência de gênero na sociedade indiana não tem raiz
exclusivamente cultural ou neoliberal, surgindo pelo entrelaçamento
de dois aspectos distintos, mas que se retroalimentam. E, de modo a
se tornar efetiva, a luta contra a UBER não poderá ser pontual. Ela
deverá, necessariamente, ser uma luta feminista e anti-sistêmica,
objetivando uma transformação profunda da estrutura sócio-política.

4. A Uber na Índia nos tempos atuais: exploração do trabalho


e explosão dos movimentos grevistas

Passado esse período de restrição das atividades, o que se


manifestou foi uma presença massiva da UBER em solo indiano.
Dados atuais apontam que, do total de cerca de 850 milhões de carros
que prestam serviço para a companhia no mundo, 30 milhões estão
na Índia, e que a UBER, junto da indiana OLA, detém cerca de 95%
do mercado de transporte por aplicativo no país.186 Muito dessa alta
procura pelos postos de trabalho na empresa se relaciona com a
ausência de oportunidades em empregos mais qualificados na Índia. As
medidas liberalizantes da economia, implementadas, principalmente,
a partir de 1991, prometiam um crescimento significativo do mercado
de trabalho, amparado pela indústria manufatureira local, que não
aconteceu187. Em entrevista ao portal “IndiaSpend.com”, a economista
Radhicka Kapoor explica que:

184 KRISHNAN, Kavita. Op. Cit.


185 KRISHNAN, Kavita. Op. Cit.
186 SALVE, Prachi; PALIATH, Shreehari. IndiaSpend.com. Overworked and underpaid,
India’s ‘gig workers’ are survivors of a flawed economy. Disponível em: https://scroll.
in/article/926146/overworked-and-underpaid-indias-gig-workers-are-survivors-of-a-
flawed-economy Acesso em: 26 de outubro de 2020.
187 SALVE, Prachi; PALIATH, Shreehari. Op. Cit.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 199


V IA DOS DIREITOS
Os trabalhadores optam por empresas baseadas em
aplicativos às vezes como uma fonte complementar
de renda, mas principalmente porque não
conseguem empregos assalariados regulares.
Em um país com tantos empregos informais,
os empregos [gig] adicionam um novo tipo de
informalidade que torna o desafio existente ainda
mais difícil de resolver.188

E essa realidade se torna ainda mais viva pela análise de


uma série de entrevistas realizadas com uberistas indianos. Elas
demonstram que:

muitos deles eram migrantes para a cidade e


passavam longas horas no trabalho para ganhar
incentivos para poder enviar as economias de volta
para as cidades de origem ou tornar a vida na cidade
adotiva um pouco ais confortável.189.

Especificamente quanto aos direitos trabalhistas, esses


indivíduos tem suas vidas marcadas por parca (ou nenhuma) proteção
social, resultado direto do não reconhecimento do vínculo empregatício
com a UBER pela justiça indiana190. Nesse sentido, o caso de Arif, um
jovem motorista de aplicativo, é bastante emblemático. Recém saído de
uma cirurgia de retirada do apêndice, a sua recuperação tem sido feita
sem qualquer tipo de afastamento do trabalho191. Ele tem continuado a

188 SALVE, Prachi; PALIATH, Shreehari. Op. Cit. No original: Workers opt for app-
based companies sometimes as a supplementary source of income, but mostly because
they cannot get regular salaried jobs. In a country with so many informal jobs, [gig]
jobs add a new kind of informality which makes the existing challenge harder to solve.
p. 8-9. Tradução do autor.
189 SALVE, Prachi; PALIATH, Shreehari. Op. Cit. No original: that many of them were
migrants to the city andspent long hours on the job to earn incentives to be able to send
savings back homeor make their lives in their adoptive city a bit more comfortable.
They had little orno employment benefits such as insurance and complained that
their incomeswere declining. Tradução do autor. p. 5.
190 SALVE, Prachi; PALIATH, Shreehari. Op. Cit.
191 SALVE, Prachi; PALIATH, Shreehari. Op. Cit.

200 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
dirigir pelo incessante trânsito de Nova Délhi, com seus pontos ainda
por cicatrizar192. Os motoristas da UBER são também caracterizados
por uma lógica salarial baseada no incentivo a jornadas extenuantes
que tem cada vez mais se desgastado. Segundo o pesquisador Aditya
Ray, da Open University:

Os motoristas têm se queixado de que há pouco


reflexo das políticas de ‘aumento de tarifas’ em seus
ganhos, que tem se acumulado para as empresas, ao
invés de beneficiá-los. Cumulativamente falando,
há relatos de que os ganhos médios dos motoristas
caíram mais de 50 por cento em relação ao apogeu
de três à quatro anos atrás193.

E, aos poucos, essa série de violações tem engendrado um


forte sentimento de revolta, concretizado nas inúmeras greves de
motoristas da UBER que tem tomado as ruas do país. Mas é preciso
lembrar que nem sempre foi assim.
Durante os primeiros anos de atuação da UBER na Índia, os
movimentos de paralisação das atividades dos motoristas foram
esparsos e, quando houveram, ocorreram de forma bastante
enfraquecida194. De modo geral, havia um sentimento compartilhado
entre os motoristas de que a flexibilização das condições de trabalho
valia a pena, já que as remunerações com as atividades permaneciam
altas195. Mas o rebaixamento dos patamares remuneratórios ao
longo dos anos e o aumento massivo do número de motoristas que
aderiram ao aplicativo tornaram-se um importante combustível para

192 SALVE, Prachi; PALIATH, Shreehari. Op. Cit.


193 RAY, Aditya. Unrest in India’s gig economy: ola-uberdrivers’ strikes and worker
organisation. Disponível em: https://futuresofwork.co.uk/2019/12/09/unrest-in-
indias-gig-economy-ola-uber-drivers-strikes-and-worker-organisation/ Acesso em:
26 de outubro de 2020. No original: Drivers have been complaining that there is also
little reflection of benefits of ‘surge pricing’ on their earnings, and these accrue to
companies rather than benefiting them Cumulatively speaking, there have been
reports that average driver earnings have fallen by over 50 per cent from the heyday
three to four years ago. Tradução do autor.
194 RAY, Aditya. Op. Cit.
195 RAY, Aditya. Op. Cit.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 201


V IA DOS DIREITOS
o fortalecimento das manifestações196. Somente no ano de 2017, na
região de Nova Délhi, ocorreram duas grandes greves de uberistas,
sendo ambas apoiadas pela “Sarvodaya Drivers ’Association of Delhi
(SDAD) - um dos maiores grupos de motoristas da capital, que afirma
contar com o apoio de 150.000 motoristas em Delhi e regiões vizinhas”197
Importante notar que uma dessas manifestações chegou a durar por 13
dias, somente chegando ao fim quando o governo local e os aplicativos
chegaram a um acordo quanto à melhor remuneração das corridas na
região198. Em março de 2018, os conflitos se espalharam, ocorrendo
não só em Nova Délhi, mas também em outras grandes cidades como
Mumbai, Bengaluru e Chennai, envolvendo a participação de cerca de
1 milhão de motoristas199. No caso de Mumbai, é relevante notar que
esses conflitos foram encorpados pela presença de motoristas de táxis
tradicionais conhecidos como Kaleepeeli (preto e amarelo, em alusão
às cores dos carros)200. Esses motoristas se filiaram aos aplicativos
como forma de incrementar as suas receitas e demonstraram grande
disposição para ajudar a organizar os movimentos grevistas201. Outro
exemplo de forte mobilização ocorreu na cidade de Hyderabad,
capital do estado de Telangana, conhecida por ser casa de diversas
multinacionais da área de tecnologia de informação, com funcionários
amplamente dependentes dos transportes por aplicativo202. Os
sindicatos locais estipulam ter o apoio de mais de 50,000 motoristas,
com capacidade de paralisar o mercado de TI no município a qualquer
minuto203.

5. Conclusão

Desde o ano de 2013, com a entrada da UBER na Índia, as


principais resistências à sua atuação foram representadas pelos
196 RAY, Aditya. Op. Cit.
197 RAY, Aditya. Op. Cit.
198 RAY, Aditya. Op. Cit.
199 RAY, Aditya. Op. Cit.
200 RAY, Aditya. Op. Cit.
201 RAY, Aditya. Op. Cit.
202 RAY, Aditya. Op. Cit.
203 RAY, Aditya. Op. Cit.

202 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


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movimentos feministas e grevistas. Tratam-se de forças importantes
no jogo sócio-político e que, ao longo do tempo, obtiveram vitórias
e derrotas. No entanto, acreditamos que, apesar de sua inegável
importância e força, falte a tais movimentos enxergar o verdadeiro
inimigo por detrás da lógica de violência e exploração perpetrada
pela UBER, sendo esse o sistema patriarcal-capitalista e toda a sua
corroída estrutura. Conquistas parciais, como a garantia de maior
segurança para as passageiras mulheres e o reconhecimento da
relação empregatícia dos uberistas, podem e devem ser almejadas.
Mas pensamos que apenas através de uma luta conjunta e que não
renegue as dimensões do seu real desafio será possível a obtenção
de modificações sociais profundas e duradouras seja na Índia ou em
qualquer outro país do capitalismo dependente.

6. Referências

ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre


a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo, Boitempo / Coleção
Mundo do Trabalho, 3ª ed, 1999. p. 45.
ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletaria-
do de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018. p. 155.
BARRY, Ellen; RAJ, Suhasini. The New York Times. Uber Banned
in Indiaʼs Capital After Rape Accusation. Disponível em: https://www.
nytimes.com/2014/12/09/world/asia/new-delhi-bans-uber-after-driver-
-is-accused-of-rape.html. Acesso em: 26 de outubro de 2020.
BBC. Uber banned in Delhi over taxi driver ‘rape. Disponível
em: https://www.bbc.com/news/world-asia-india-30374070 Acesso
em: 26 de outubro de 2020.
BBC. O estupro coletivo que chocou a Índia e mudou a lei. Dis-
ponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-36400156
Acesso em: 26 de outubro de 2020.
DRUCK, Graça. Terceirização: (des)fordizando a fábrica – um
estudo do complexo petroquímico da Bahia. São Paulo: Boitempo,
2015.
DRUCK, Graça. FRANCO, Tânia. Terceirização e precarização:
o binômio antissocial em indústrias. In: DRUCK, Graça; FRANCO, Tâ-

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 203


V IA DOS DIREITOS
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204 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


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T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 205


V IA DOS DIREITOS
Tratamento jurídico aos trabalhadores plataformizados
na Espanha: análise das decisões que reconheceram os
entregadores da plataforma Glovo como empregados

Ana Carolina Reis Paes Leme204*

1. Introdução

O tema do presente artigo é o tratamento jurídico concedido


aos trabalhadores plataformizados na Espanha, com a análise de três
julgados espanhóis, em que foram reconhecidos como empregados os
trabalhadores que laboram como entregadores da plataforma digital
Glovo.
O objetivo é expor os fundamentos fáticos e jurídicos que
levaram os julgadores espanhóis a reconhecer os entregadores como
falsos autônomos.
Tal tema se faz relevante devido ao fato de que, no Brasil, os
entregadores que laboram por plataformas digitais são um número
imenso e se encontrarem em uma espécie de limbo jurídico, no
qual são tratados como microempresários pelas empresas que os
contratam e há controvérsia doutrinária e jurisprudencial a propósito
de seu enquadramento jurídico, apesar de prevalecer no Tribunal
Superior do Trabalho decisão que nega o reconhecimento de direitos
aos motoristas plataformizados.205
Espera-se, com este trabalho, revelar um descompasso que
existe entre o tratamento jurídico dos plataformizados na Espanha
e no Brasil e incentivar a doutrina e jurisprudência brasileira a se
inspirarem nos julgados que aqui se apresenta a fim de verificar, nos
casos judicializados no Brasil, os dados indiciários que vão permitir
qualificar o vínculo contratual como de emprego.
Passa-se, portanto, à análise das sentenças espanholas.

204 * Mestre e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da


Universidade Federal de Minas Gerais. Analista judiciário do TRT/MG.
205 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 8ª Turma. Acórdão no Agravo de
Instrumento em Recurso de Revista nº 11199-47.2017.5.03.0185, Relatora Ministra
Dora Maria da Costa, DEJT 31.01.2019.

206 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
2. Primeira sentença Espanhola que declara a relação de
emprego entre um trabalhador-entregador e a plataforma
digital Glovo

A primeira decisão espanhola que declarou a natureza


empregatícia da contratação de trabalhadores pela plataforma digital
“Glovo” para realizar serviço de entrega foi o “JUZGADO DE LO SOCIAL
N.º 33 DE MADRID” de 11 de fevereiro de 2019206, cujo sumário é o
seguinte:

SUMARIO: Nuevas formas de trabajo asociadas


a las TIC. GLOVOAPP 23, S.L. Existencia de
relación laboral. Cese de trabajador (rider) por
su participación e incitación a la huelga con
insultos y amenazas a otros compañeros. Se dan
en el caso indicios de los que puede inferirse la
existencia de notas que califican el vínculo como
laboral, aunque este nuevo modo de trabajar no
encaje plenamente en el marco normativo que
actualmente proporciona nuestro ordenamiento.
Así, el repartidor no interviene en la conformación
del contenido del contrato, limitándose a asentir
las condiciones impuestas de contrario, quedando
patente, de inicio, la posición de desigualdad entre
las partes. El límite de 40 minutos para realizar
un encargo, la prohibición de uso de distintivos
corporativos propios, el deber de comunicarse con
la empresa por correo electrónico o la existencia
de un total de 13 causas justificadas de resolución
del contrato por parte de la empresa relacionadas
con incumplimientos contractuales del repartidor,
son rasgos demostrativos de sumisión de este a las
instrucciones de la empleadora. La inviabilidad
para el repartidor de que, con sus propios medios

206 ESPANHA. Madrid. Tribunal Social nº 17. Sentencia 53/2019, de 11 de febrero de


2019.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 207


V IA DOS DIREITOS
y desvinculado de la plataforma, pueda llevar a
cabo una actividad económica propia, conecta
con la otra nota que califica como laboral la
relación contractual: la ajeneidad. El trabajo del
repartidor carece de todo sentido si no se integra
en la actividad empresarial de Glovo, integración
que tiene lugar desde el momento en que cada
microtarea se encomienda y acepta. Desde
entonces la compañía la asume como propia y
responde de ella frente a proveedores y clientes.
Además, es Glovo quien factura por su actividad de
transporte de mercancías a proveedores y clientes,
integrando en el coste del servicio el precio que por
la tarea luego abonará al repartidor. La ajenidad en
los frutos es evidente porque la empleadora hace
suyo el resultado de la actividad del repartidor,
desplazándose también a Glovo los riesgos del
trabajo prestado. Y también aparece la ajeneidad
en el mercado, por cuento la empresa demandada
se constituye como intermediario imprescindible
entre la tarea del repartidor y su destinatario final.
Llegados a este punto, el despido del trabajador por
haber colgado un mensaje de voz en una cuenta de
whatsapp en el que reconocía haber participado en
diversos paros debe reputarse nulo, ya que la lectura
de dicho mensaje solo evidencia una opinión
que no puede interpretarse como una medida de
incitación a secundar la huelga ni de coacción a
otros repartidores, entrando sus palabras dentro
del ejercicio de la libertad de expresión. No hay que
olvidar que la mera participación en una huelga,
incluso ilícita, no justifica el despido, por lo que la
reacción empresarial atenta contra el ejercicio de
ese derecho fundamental.207
207 ESPANHA. Madrid. Tribunal Social nº 17. Sentencia 53/2019, de 11 de febrero de 2019.
Tradução livre do resumo “Novas formas de trabalho associadas às TIC. GLOVOAPP
23, S.L. Existência de vínculo empregatício. Cessação do trabalhador (cavaleiro) pela

208 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
A relevância dessa decisão é que, além de reconhecer o vínculo
de emprego, também reconhece a prática de ato antissindical pela Glovo
ao dispensar Don José Aramendi Sánchez por ele ter participado de
paralisações, consideradas pela empresa como “incitações grevistas”208.

sua participação e incitamento à greve com insultos e ameaças a outros colegas. No


caso, há indícios de que se pode inferir a existência de notas que qualificam o vínculo
como trabalhista, embora essa nova forma de trabalhar não se enquadre plenamente
no marco regulatório atualmente proporcionado pelo nosso ordenamento jurídico.
Assim, o concessionário não intervém na conformação do conteúdo do contrato,
limitando-se a concordar com as condições impostas em contrário, deixando clara,
desde o início, a posição de desigualdade entre as partes. O limite de 40 minutos para a
execução de uma encomenda, a proibição da utilização de logótipos próprios, o dever
de comunicar com a empresa por correio eletrónico ou a existência de um total de 13
causas justificadas de resolução do contrato por parte da empresa relacionadas com
As violações contratuais do concessionário, são características demonstrativas da
submissão deste às instruções do empregador. A inviabilidade para o concessionário
que, com meios próprios e desligado da plataforma, pode exercer a sua actividade
económica, relaciona-se com a outra nota que qualifica a relação contratual como
vínculo laboral: velhice. O trabalho do entregador não tem sentido se não estiver
integrado na atividade empresarial da Glovo, integração que se realiza a partir do
momento em que cada micro-tarefa é encomendada e aceite. Desde então a empresa
assume-a como sua e responde por ela aos fornecedores e clientes. Além disso, é
Glovo quem factura aos fornecedores e clientes a sua actividade de transporte de
mercadorias, integrando no custo do serviço o preço que irá pagar ao entregador pela
tarefa. A alienação nas frutas é evidente porque o empregador endossa o resultado
da atividade do negociante, e os riscos do trabalho prestado também são transferidos
para a Glovo. E a velhice também aparece no mercado, pois a empresa demandada se
constitui como intermediária essencial entre a tarefa do entregador e seu destinatário
final. A esta altura, deve ser considerada nula a demissão do trabalhador por postar
mensagem de voz em conta do WhatsApp na qual reconheceu ter participado de
diversas paralisações, pois a leitura da referida mensagem mostra apenas uma opinião
que não pode ser interpretada como uma medida de incitamento a apoiar a greve ou
coação de outras distribuidoras, inserindo suas palavras no exercício da liberdade de
expressão. Não devemos esquecer que a mera participação em greve, ainda que ilegal,
não justifica demissão, de forma que a reação empresarial prejudica o exercício desse
direito fundamental” (tradução livre).
208 Em 20-9-2018, a empresa GLOVO decidiu finalizar unilateralmente o contrato
mediante carta com o seguinte conteúdo: “Por medio de la presente le comunicamos
que, en uso de lo dispuesto en el pacto 8 de nuestro contrato para la “ realización
de actividad profesional como trabajador autónomo económicamente dependiente
(“TRADE”) “ de fecha 27 de septiembre de 2016, hemos tomado la decisión de finalizar
unilateralmente, con efectos de mañana 21 de septiembre de 2018, el contrato que
nos une con Vd. Por haber incumplido sus obligaciones. Todo ello en relación con
lo dispuesto en e el art.15 de la Ley 20/2007, de 11 de julio, del Estatuto del trabajo
autónomo. Los hechos y circunstancias que han motivado esta decisión son los
siguientes. Desde el departamento de operaciones, han recibido reiteradas quejas de
distintos repartidores hacia su persona. Concretamente, se ha constatado que dichos
compartimientos van desde insultos hasta amenazas que comprometen incluso la

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 209


V IA DOS DIREITOS
O Juiz considerou, portanto, a dispensa nula, eis que discriminatória e
condenou a empresa-plataforma à reintegração do trabalhador.
Na sentença, que ora se analisa, o Juiz ressaltou que alienidade
e dependência são conceitos jurídicos próprios do mundo das
ideias e que são os elementos fáticos, ao descrever de como se dá
concretamente a atividade humana, que atuam como dados indiciários
que vão permitir qualificar o vínculo contratual. Destacou, ainda, que
a incidência das novas tecnologias de informação e comunicação é tão
profunda que faz necessário analisar os novos indícios anteriormente
inexistentes e também voltar a valorar o peso dos indícios clássicos:

integridad física de los amenazados. Así Vd ha proferido amenazas a otros repartidores


en relación a sabotear sus propios vehículos y amenazándoles con realizar pedidos
y valorarlos negativamente de manera infundamentada para perjudicarles y por el
simple motivo de no participar en la huelga. Asimismo se ha tenido conocimiento de
que, con su actividad y proveyéndose de tales amenazas y otras formas de chantaje
impropios de los tiempo que vivimos, trata Vd. de incitar a sus colegas a que inicien
una huelga sin que haya existido una previa declaración de la misma y sin ninguna
persona de las que podrían estar legalmente legitimadas hayan abierto ningún tipo de
negociación con la empresa del que pudiera haberse producido un conflicto colectivo
de intereses. Más concretamente, en su voluntad de incitación al seguimiento de
huelga que no podría tildarse más que de ilegal en las actuales condiciones Vd. se
manifiesta respecto de sus compañeros amenzándoles de si “ si no siguen la huelga”,
otros colapsaran los slots” y harán muchos pedidos para desentenderlos y colapsar
el funcionamiento de la aplicación. Esta amenaza, de perpetrarse originaría el caos
en los sistemas informáticos y la imposibilidad material de ofrecer servicios a los
repartidores y consiguiente impacto en los usuarios de la aplicación, causando un
grave perjuicio a la empresa. Se persigue con ello influenciar negativamente en el
sistema de valoración de los repartidores que sigan sus pretensiones huelguistas. Así
nos refieren que Vd. les manifiesta que: Vamos a realizar pedidos nosotros estando
allí y la persona que venga se va a llevar un menos cinco” ; o que, “ más vale hacer
la huelga y perderte dos diamantes que llevarte así de primeras un menos cinco “ o
que, “ el que quiera repartir algo en Bilbao se llevará un menos cinco. No cabe duda
que la incitación a la huelga así como los insultos y amenazas proferidos a otros
profesionales no solo rayan lo injurioso sino que inciden de forma notorialmente
injusta e ilícita en la convivencia a mantener en el ámbito empresarial por quienes
constituyen el elemento humano integrado en él. Los hechos descritos, pues pones de
manifiesto una conducta que va más allá de los derechos colectivos y sindicales que
pudieran corresponder a un trabajador a un trabajador autónomo económicamente
dependiente y, por tanto cono le decíamos en el encabezamiento de este escrito
motivan la resolución del contrato que nos une con VD. con efectos de mañana 21 de
septiembre. Por lo demás aprovechamos la ocasión para recordarle que, una vez sea
devuelto el material abonado por su parte según contrato suscrito, le devolveremos
si procede la fianza depositada por su parte tras la revisión del mismo”. Conteúdo da
mensagem enviada pela empresa Glovo ao trabalhador Don José Aramendo Sánchez,
reclamante. In: ESPANHA. Madrid. Tribunal Social nº 17. Sentencia 53/2019, de 11 de
febrero de 2019.

210 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
La incidencia de las TIC en el trabajo es tan
profunda y relevante que al momento de analizar
si concurren las notas de ajenidad y dependencia
y para lograr una adecuada calificación de la
relación, es preciso analizar los nuevos indicios que
aparecen, antes inexistentes, y volver a valorar el
peso definitorio de los indicios clásicos.209

A sentença considerou que o entregador é livre para decidir


os dias em que trabalha, para decidir o seu horário de trabalho,
períodos de descanso e de férias. Reconheceu que o trabalhado possui
autonomia para decidir o meio de transporte, o trajeto e até mesmo
para cancelar pedidos previamente selecionadas por ele. E também
que não há exclusividade.
Do outro lado da balança, o julgador pontuou que se
encontravam toda uma série de indícios através dos quais se pode
inferir a existência das notas que qualificaram o vínculo como laboral.
Partindo do próprio fato da contratação, os entregadores precisam se
registrar na base de dados da plataforma, disponibilizando os dados
pessoais e assinam um contrato elaborado unilateralmente pela
empresa. Portanto, o concessionário não intervém na conformação
do conteúdo do contrato, limitando-se a concordar com as condições
impostas em contrário, o que evidencia a posição inicial de
desigualdade entre as partes a partir da qual se formou a relação.
Observou-se que, no próprio contrato, a empresa-nuvem210 já introduz
uma série de recursos demonstrando a submissão do concessionário

209 ESPANHA. Madrid. Tribunal Social nº 17. Sentencia 53/2019, de 11 de febrero de


2019. p. 7
210 Sobre o conceito, explica José Eduardo Resende Chaves Júnior que “o Direito do
Trabalho Pós-Material compreende a ideia de que trabalho e conhecimento não são
categorias antagônicas, nem necessariamente diferentes. Estamos em transição,
contudo, para um novo capitalismo, cognitivo e tecnológico, no qual a acumulação é
cada vez mais baseada na captura do produto da cooperação social, como resultado
do incremento da socialização da produção, principalmente pela atividade produzida
por meio das redes sociais (Lucarelli & Fumagalli). Nesse contexto, o capital apropria-
se do “commons”, do conhecimento tácito e codificado da comunidade em rede e
acaba por capturar as energias de emancipação que eclodem desse novo meio de
colaboração produtiva. In: CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende. Desafio do
direito do trabalho é limitar o poder do empregador-nuvem. Conjur, 16 fev. 2017.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 211


V IA DOS DIREITOS
às instruções.
Além disso, considerou como prova do vínculo empregatício
o seguinte: a duração do tempo de direção de 40 horas; critérios a
seguir para comprar os produtos objeto do pedido e para estabelecer
relacionamento com o cliente final; limite de 40 minutos para realização
de um encargo; proibição de uso de uniforme próprio ou logomarca
diferente daquela da Glovo; proibição de uso da imagem corporativa
da Glovo no seu perfil ou redes sociais; restrições de fazer comentários
em rede sociais; só comunicar com a Glovo por correio eletrônico; o
contrato estabelece que as interrupção da prestação de serviço devem
ser justificadas e é preciso fazer um aviso prévio para extinguir o
contrato; a Glovo elenca treze causas justificadoras da resolução do
contrato por sua iniciativa, que envolvem descumprimento contratual
do entregador; há previsão contratual de proibição de revelar
segredos comerciais ou informações confidenciais sob pena de pagar
indenizações por danos civis e, ainda, se o entregador autoriza o
acesso de terceiros a dados pessoais do entregador.
A sentença também pontuou que não ficou comprovado que
o entregador assumiu o risco e os ônus do ressarcimento de danos à
mercadoria transportada, mesmo que isso tenho sido formalmente
acordado no contrato.
Percebe-se, assim, que este julgado deixa claro que esta
forma de trabalhar é diferente da que conhecemos até agora e,
portanto, usando as palavras de Adrian Todoli Signer, “não podemos
ficar com as indicações clássicas de emprego”, é preciso recorrer às
“novas indicações”211. E essas “novas indicações” são exaustivamente
analisadas pela sentença.
Primeiro, a avaliação do trabalho por meios tecnológicos, pois a
sentença indica que a atividade é avaliada pela Glovo através da criação
de perfis que têm efeitos nas atribuições de distribuição futuras, que
é chamada  “reputação online do trabalhador”212 e também através de
uso de mecanismo de geolocalização (“GPS”). A empresa sabe a todo o
momento onde se encontra o trabalhador e os seus prazos de entrega.
211 RODRÍGUEZ, PIÑERO MIGUEL; TODOLÍ SIGNES, ADRIÁN. Trabalho em
plataformas digitais: direito e inovação de mercado. Valência: Aranzadi, 2018.
212 Expressão de Adrian Todoli Signes. In: TODOLÌ SIGNES, Adrián. El trabajo en la
era de la economía colaborativa. Valência: Tirant lo blanch, 2017.

212 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
O entregador precisa da plataforma para funcionar e
desconectado da plataforma digital, não pode continuar a prestar
serviços, ou seja, o telefone celular ligado à Internet e a bicicleta não são
suficientes. É a mesma suposição que a fábrica para um trabalhador,
a qual sem tal meio de produção, o trabalhador não pode prestar seu
serviço, o que leva à conclusão de que desde a era máquina até a era
atual na nuvem, a propriedade dos meios de produção continuam
sendo o que diferencia o patrão do empregado213. Assim, a plataforma
é o meio de produção que deve ser considerado relevante, pois sem
ela o trabalhador - mesmo que tenha outras ferramentas - não pode
fornecer o trabalho.214
A sentença destaca, ainda, que o relacionamento com os
clientes e a publicidade são feitos pela plataforma Glovo, e também
aponta tais fatores diretamente como meio de produção.215
Analisados todos os indícios de laboralidade, a sentença
reconheceu a existência de relação de emprego entre o trabalhador
e a Glovo, mas também declarou a nulidade do despedimento por
violação de direitos fundamentais, especificamente o direito de fazer
greve e de não sobre atos antissindicais216. Portanto, a retaliação por
meio de rescisão de contrato é flagrantemente discriminatória.
Logo em seguida será apresentada a Sentença do Tribunal
213 LEME, Ana Carolina Reis Paes. Da máquina à nuvem: caminhos para o acesso à
justiça pela via de direitos dos motoristas da Uber. São Paulo: LTr, 2019
214 Sobre propriedade dos meios de produção, recomenda-se consultar a dissertação
da pesquisadora Viviane Vidigal. In: VIDIGAL, Viviane. Ilusões da Uberização: um
estudo à luz da experiência de motoristas da Uber.. Universidade Federal de Campinas,
2020.
215 Confira o seguinte trecho da sentença: “el éxito de este tipo de plataformas, se
debe al soporte técnico proporcionado por las TIC que emplean para su desarrollo y a
la explotación de una marca, en este caso G., que se publicita en redes sociales a través
de los buscadores tipo Google, sitio al que acuden los clientes cuando necesitan la
compra y entrega de los productos que la demandada suministra. Y de todo lo dicho se
infiere además el escaso valor que para el desarrollo de la actividad empresarial tienen
los medios materiales que corren a cargo del repartidor, vehículo y móvil, comparados
con el de la aplicación y la marca que son propiedad de G. SL”. In: ESPANHA. Madrid.
Tribunal Social nº 17. Sentencia 53/2019, de 11 de febrero de 2019.
216 De forma semelhante que a plataforma GLOVO, a empresa Uber também pratica
atos antissindicais e, desde o início de suas operações no Brasil, vem praticando
atos antissindicais contra o embrião no movimento sindical, através do bloqueio
de motoristas que fizeram parte de associações ou paralisações. In: LEME. Ato
antissindical

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 213


V IA DOS DIREITOS
Social nº 1 de Gijon, nº 61/2019, que também declarou a contratação de
um entregador de natureza empregatícia e condenou a empresa Glovo
por despedimento sem justa causa.

3. Segunda sentença Espanhola que declara a relação de


emprego entre um trabalhador-entregador e a plataforma
digital Glovo

A segunda sentença espanhola que ora se analisa foi em Gijon,


que um município da província e principado de Astúrias. Com efeito,
a Sentença do Tribunal Social nº 1 de Gijon nº 61/2019 declarou a
contratação de um entregador de natureza empregatícia e condenou
a empresa Glovo por despedimento sem justa causa. Para isso,
analisou cada uma das cinco características do contrato de trabalho
para concluir que todas elas ocorrem no concessionário, a plataforma
Glovo.
Em primeiro lugar, eles entenderam que há alienação porque
mesmo que o motociclista coloque a bicicleta ou motocicleta, a
empresa exige que seja informado qual veículo - matrícula - ele vai
usar e também pede ao motociclista que lhe dê o número da carteira
de habilitação. Somado a isso, o Julgador declara que, em qualquer
caso, o que importa é que a plataforma é a empresa proprietária,
essencial para a execução dos trabalhos. A fundamentação indica
expressamente que a distribuição, a entrega pode até ser feita sem
bicicleta, pois pode ser feita a pé ou de transporte público, mas o
negócio exige que o aplicativo continue funcionando.
A sentença também indica que há alienação nos frutos uma
vez que as notas fiscais são emitidas pela plataforma que só são
“aprovadas” pelo trabalhador. Com efeito, Trabalho, é extremamente
“estranho” que o trabalhador independente não seja quem elabora as
suas próprias faturas, mas sim que o faça de forma homogênea e para
todos os passageiros a própria empresa.
Quanto à subordinação, a fundamentação da sentença indica
que independentemente da existência de uma aparente “liberdade”
de horários, a realidade é que existe subordinação porque os pilotos
estão sujeitos a processos padronizados. Como ressaltou Adrian Todoli

214 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Signes, é muito correta essa observação porque realmente na origem
do Direito do Trabalho está a padronização dos processos:

Antes das fábricas - do direito do trabalho - cada


trabalhador trabalhava no seu ritmo e como queria,
mas precisamente a fábrica exige que todos os
trabalhadores façam o mesmo - ou da mesma forma
- para que funcione. Pois bem, nessas empresas,
como já salientei em posts anteriores, um dos
principais segredos é que todos os trabalhadores,
de uma forma ou de outra, realizem as mesmas
tarefas de forma padronizada.217

Além disso, a sentença enfrenta o argumento da “liberdade de


horários” e estabelece que isso não existe, pois, o cronograma depende
de um sistema de pontuação e a empresa permite que quem tem a
melhor pontuação escolha primeiro um horário, enquanto quem tem a
pior deve escolher entre o que resta, ou não escolher porque não resta
nada a escolher. E quem escolhe o que é valorizado naquele “sistema
de estrelas” - ou a já citada reputação - é a própria empresa. Em suma,
há organização do trabalho por parte da empresa.
A sentença estabelece diretamente que “a suposta flexibilização
do trabalho” é apenas uma forma de fazer os entregadores competirem
para atingir os “melhores” horários, deixando os demais com horários
não mais compatíveis com sua vida pessoal, mas sim aqueles que a
empresa é melhor para você. Além disso, há controle do trabalho por
meio do aplicativo e do GPS.
Um detalhe curioso, além de relevante, é que a Sentença
considera um indício de vínculo empregatício que a própria empresa
denomina os demais entregadores de “companheiros” do entregador
despedido. E digo curioso porque, na verdade, parece um “erro” no
manual da empresa e, ou seja, como indica o Julgamento, se forem
verdadeiramente autônomos, não deveriam ser colegas, mas sim
concorrentes.
217 TODOLÍ SIGNES, ADRIÁN. Disponível em: https://adriantodoli.com/2019/02/25/
tercera-sentencia-en-espana-que-declara-a-un-rider-de-glovo-falso-autonomo/.
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T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 215


V IA DOS DIREITOS
Por fim, a sentença se refere ao fato de o consumidor não ligar
nem contratar os entregadores, mas sim a marca - no caso a Glovo.
Muito intrigante e difícil de acreditar é a efetiva existência deste
“pequeno empresário” que, de fato, realmente só contribui com mão
de obra. Nas palavras de Adrian Todoli Signes: ele é uma pessoa que
vive do trabalho. Nesse sentido, um trabalhador individual que presta
serviços pessoalmente sob a égide de uma marca que lhe é alheia e
seguindo um “manual de instruções” imposto pela empresa principal,
tem sérias perspectivas de se considerar trabalhador do trabalho.
Nesse sentido, ensina Adrian Todoli Signes que as novas
“fórmulas” jurídicas que contratam mão-de-obra pessoal - de marca
comum - na forma de autônomos apenas substituem o trabalhador
tradicional de forma que a consequência mais clara disso será que estes
trabalhadores cumprem escrupulosamente as funções económicas
básicas do trabalhador laboral - dependência e transmissão de
informação a favor da empresa proprietária da marca, facilitando
para a empresa proprietária da marca a expansão de seu mercado,
permitindo ganhos de escala.218
Tais casos de contratação de entregadores como falsos
autônomos pela plataforma Glovo chegou até a Suprema Corte
Espanhola que, acertadamente, reconheceu a condição desses
trabalhadores como empregados.

4. Acórdão da suprema corte Espanhola. Tribunal supremo.


“El pleno de la sala cuarta de lo social”. Sentencia n. 805/2020.

Importantíssima é a decisão da Suprema Corte Espanhola


sobre o caso dos falsos autônomos: os entregadores da Glovo. O
plenário da quarta câmara do Supremo Tribunal Federal considerou a
relação entre o trabalhador- entregador e a empresa Glovo de natureza
empregatícia.
Foi publicado, em 25 de setembro de 2020, na íntegra, o acórdão
que possui 42 laudas219.  Os principais fundamentos da decisão da Corte
218 TODOLÍ SIGNES, ADRIÁN. Nuevos Indícios de Laboralidad. Disponível em:
https://adriantodoli.com/2017/10/26/nuevos-indicios-de-laboralidad-la-ajenidad-en-
la-marca/. Acesso em 25.10.2020.
219 ESPANHA. Tribunal Supremo. Pleno. Sentencia núm. 805/2020. Unificación

216 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
para rejeitar o status de autônomos dos entregadores e reconhecer
a relação de emprego com a plataforma de entregas serão a seguir
analisados.
A Corte ressalta, como premissa, a necessidade de revalorização
dos critérios de dependência-subordinação. Para a Corte, “dependência
não implica em subordinação absoluta, senão a inserção num círculo
governante, organizacional e disciplinar da empresa”.220 Ainda, como
fundamento, argumenta que as inovações tecnológicas e os sistemas
de controle digital obrigam uma adaptação das noções de dependência
e trabalho por conta alheia. Outro elemento argumentativo destacado
na decisão é que os meios de produção essenciais dos entregadores
não são o celular e a motocicleta, mas a plataforma Glovo, sem a qual
não seria possível a prestação de serviços.
Vários dos indícios de relação de emprego são identificados por
meio do sistema de pontuação dos entregadores da Glovo. Constata
a decisão que a  pontuação tem origem na classificação do cliente
final e na realização de trabalho em “horas diamantes”. Nessas, há
penalização de 0,3 pontos cada vez que entregador não se encontra
conectado. Aqueles com melhor pontuação têm preferência nas
corridas.
A plataforma Glovo toma todas as decisões comerciais: preço do
serviço, forma de pagamento, forma de pagamento dos entregadores.
Os entregadores não recebem remuneração dos clientes: o resultado
do trabalho de prestação de serviços é apropriado pela Glovo.
A Corte espanhola realça que o sistema de pontuação
condiciona e limita a liberdade do entregador e, com isso, rechaça
a tese das plataformas de existência de liberdade e autonomia do
entregador. Segundo, conclui que a plataforma Glovo é o meio de
produção, que se apropria dos frutos do trabalho alheio. Esse segundo
argumento tem maior relevância na medida em que, no contexto da
guerra sobre o critério definidor do status contratual nas plataformas,
Doctrina/4746/2019. Data de Julgamento: 23 set. 2020.
220 Destaca-se, pela sua relevância, o seguinte trecho: “Desde la creación del derecho
del trabajo hasta el momento actual hemos asistido a una evolución del requisito de
dependencia-subordinación. La sentencia del TS de 11 de mayo de 1979 ya matizó
dicha exigencia, explicando que «la dependencia no implica una subordinación
absoluta, sino sólo la inserción en el círculo rector, organizativo y disciplinario de la
empresa».

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 217


V IA DOS DIREITOS
a Corte dá prevalência ao critério de “ajenidad” dos frutos do trabalho.
Diferente do Tribunal Superior do Trabalho Brasileiro, pode-
se perceber que o Supremo Tribunal entendeu perfeitamente como as
plataformas funcionam e, embora julgue a plataforma Glovo, faz alusão
ao julgamento da Uber no Tribunal de Justiça da União Europeia.
O Supremo Tribunal Federal para chegar às suas conclusões
baseia-se no fato de que a sentença do TJEU de 20 de dezembro de 2017,
processo C-434/15, Associação Profissional de Táxis Elite, declarou que
o serviço de intermediação da Uber que, em troca de remuneração,
usa um aplicativo de smartphone para conectar motoristas não
profissionais que usam seu próprio veículo com pessoas que desejam
viajar na cidade, deve ser classificado como um serviço de transporte.
O CJEU negou que a empresa Uber exerça uma atividade de
meraintermediação. A referida empresa desenvolve uma atividade de
transporte subjacente, que organiza e dirige em seu próprio benefício.
E nesse sentido o Supremo Tribunal Federal usa essa decisão
para esclarecer que, da mesma forma, a Glovo não é um mero
intermediário, mas uma empresa de entrega. Outros indicadores
de emprego citados no acórdão é que as decisões do negócio eram
tomadas pela empresa-plataforma. O preço dos serviços prestados, a
forma de pagamento e a remuneração aos entregadores são fixados
exclusivamente pela empresa. Os entregadores não recebem os seus
honorários diretamente dos clientes finais da plataforma, mas sim o
preço do serviço é recebido pela Glovo que, posteriormente, paga a
sua remuneração aos dos trabalhadores.
Quanto à alienidade dos frutos do trabalho, o acórdão deixa
explícito que a Glovo se apropria do resultado da prestação de serviços,
revertendo em benefício próprio e direto e também há alienidade
sobre os meios de produção:

3. Sí que existe la ajenidad en los frutos porque


Glovo se apropia de manera directa del resultado
de la prestación de trabajo, el cual redunda en
beneficio de dicha empresa, que hizo suyos los
frutos del mismo. El repartidor no tenía ninguna
intervención en los acuerdos establecidos entre

218 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Glovo y los comercios, ni en la relación entre
Glovo y los clientes a los que servían los pedidos.
No contrató con unos ni con otros, limitándose a
prestar el servicio en las condiciones impuestas por
Glovo. Es la empresa quien acuerda con los distintos
establecimientos los precios que éstos le abonan
y fija unilateralmente las tarifas que el repartidor
percibe por los recados que efectúa, incluidas las
sumas adicionales por kilometraje y tiempo de
espera, en cuyo establecimiento aquél no tiene la
más mínima participación. 4. Había ajenidad en
los medios, evidenciada por la diferencia entre la
importancia económica de la plataforma digital y
los medios materiales del demandante: un teléfono
móvil y una motocicleta. Los medios de producción
esenciales en esta actividad no son el teléfono
móvil y la motocicleta del repartidor sino la
plataforma digital de Glovo, en la que deben darse
da alta restaurantes, consumidores y repartidores,
al margen de la cual no es factible la prestación del
servicio. Y el actor realizaba su actividad bajo una
marca ajena.221

Ademais, a Suprema Corte Espanhola reconheceu que o


entregador não tem qualquer envolvimento nos acordos estabelecidos
entre a Glovo e os comerciantes, nem na relação entre a Glovo e
os clientes a quem as encomendas eram servidas. Não celebrou
contrato com um ou outro, limitando-se a prestar o serviço nas
condições impostas unilateralmente pela Glovo e que, portanto, não
tem verdadeira capacidade de organizar sua prestação de serviços,
carecendo de autonomia para tanto:

El actor no tenía una verdadera capacidad para


organizar su prestación de trabajo, careciendo de

221 ESPANHA. Tribunal Supremo. Pleno. Sentencia núm. 805/2020. Unificación


Doctrina/4746/2019. Data de Julgamento: 23 set. 2020.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 219


V IA DOS DIREITOS
autonomía para ello. Estaba sujeto a las directrices
organizativas fijadas por la empresa. Ello revela
un ejercicio del poder empresarial en relación con
el modo de prestación del servicio y un control
de su ejecución en tiempo real que evidencia la
concurrencia del requisito de dependencia propio
de la relación laboral.
Además Glovo disfruta de un poder para sancionar
a sus repartidores por una pluralidad de conductas
diferentes, que es una manifestación del poder
directivo del empleador. A través de la plataforma
digital, Glovo lleva a cabo un control en tiempo real
de la prestación del servicio, sin que el repartidor
pueda realizar su tarea desvinculado de dicha
plataforma. Debido a ello, el repartidor goza de una
autonomía muy limitada que únicamente alcanza
a cuestiones secundarias: qué medio de transporte
utiliza y qué ruta sigue al realizar el reparto, por lo
que este Tribunal debe concluir que concurren las
notas definitorias del contrato de trabajo entre el
actor y la empresa demandada previstas en el art.
1.1 del ET, estimando el primer motivo del recurso
de casación unificadora.222

O raciocínio da Corte Espanhola não se limita apenas à Glovo,


mas a todas as outras plataformas que têm estes dois elementos como
essenciais para o negócio. Além do mais, cita-se o caso da Uber e o
Julgamento do Tribunal de Justiça da União Européia, em que ficou
pacificado que a Uber é “uma empresa de transporte de passageiros”223.
222 Idem. Página 41-42.
223 Em 20 de dezembro de 2017, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA, no
processo C-434/2015, tendo como parte autora a Associação Profissional de Motoristas
de Táxi de Barcelona e como parte ré a mesma reclamada Uber, determinou-lhe
operar como empresa de transporte, pagando licenças e benefícios trabalhistas aos
seus motoristas para poder atuar no Bloco Europeu: “[...] um serviço de intermediação
como o que está em causa no processo principal [Uber Systems Spain], que tem por
objeto, por meio de uma aplicação para telefones inteligentes, estabelecer a ligação,
mediante remuneração, entre motoristas não profissionais que utilizam o seu
próprio veículo e pessoas que pretendam efetuar uma deslocação urbana, deve ser

220 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
5. Conclusão

No Brasil, diferentemente da Espanha, o problema do acesso


à justiça dos motoristas plataformizados é uma via que continua
incerta e muitas vezes, nebulosa. A despeito de algumas decisões de
instâncias inferiores, o TST vem se posicionando no sentido de acatar a
alegação empresarial da Uber de que os motoristas seriam autônomos,
fundamentalmente por supostamente não ter exigência de horário
e outras metas, como se eles fossem verdadeiros trabalhadores
autônomos, tese que, como visto, é frontalmente rechaçada pela
jurisprudência espanhola.
Na Espanha, como analisado, a situação é inversa. A suposta
“flexibilização do trabalho” foi desvendada como fictícia, pois é
apenas uma forma de fazer os entregadores competirem para atingir
os “melhores” horários, deixando os demais com horários não mais
compatíveis com sua vida pessoal, mas sim aqueles que a empresa
define como “melhor para você”. Além disso, há controle do trabalho
por meio do aplicativo e do GPS.
Apontou-se os vários dos indícios de relação de emprego que
são identificados por meio do sistema de pontuação dos entregadores
da Glovo. Constatou-se que a pontuação tem origem na classificação
do cliente final e na realização de trabalho em “horas diamantes”.
Demonstrou-se, ainda, que a Corte espanhola realça que o
sistema de pontuação condiciona e limita a liberdade do entregador e,
com isso, rechaça a tese das plataformas de existência de liberdade e
autonomia do entregador. Segundo, concluiu que a plataforma Glovo
é o meio de produção, que se apropria dos frutos do trabalho alheio.
Esse segundo argumento tem maior relevância na medida em que, no
contexto da guerra sobre o critério definidor do status contratual nas
plataformas, a Corte dá prevalência ao critério de “ajenidad” dos frutos
do trabalho.
Diferente do Tribunal Superior do Trabalho Brasileiro, pode-
se perceber que o Supremo Tribunal Espanhol conseguiu entender
considerado indissociavelmente ligado a um serviço de transporte e, por conseguinte,
abrangido pela qualificação de “serviço no domínio dos transportes”, na aceção do
art. 58, n. 1, TFUE” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA EUROPEU. Acórdão do Tribunal de Justiça
Europeu no processo C 434/15- ECLI:EU:C:2017:981).

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 221


V IA DOS DIREITOS
perfeitamente como as plataformas digitais funcionam e, embora
julgue a plataforma Glovo, faz alusão ao julgamento do caso Uber,
servindo o presente estudo como incentivo e substrato para que a
doutrina e jurisprudência brasileira se inspirem nos julgados que
aqui se apresenta a fim de verificar, nos casos judicializados no Brasil,
os dados indiciários que vão permitir qualificar o vínculo contratual
como de emprego.

6. Referências

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 8ª Turma. Acórdão


no Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº 11199-
47.2017.5.03.0185, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT
31.01.2019.
CAPPELLETTI, Mauro. Processo, ideologias e sociedade. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2008.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad.
Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende. Desafio do direito
do trabalho é limitar o poder do empregador-nuvem. Conjur, 16 fev.
2017
ESPANHA. Madrid. Tribunal Social nº 17. Sentencia 53/2019, de
11 de febrero de 2019.
ESPANHA. Tribunal Supremo. Pleno. Sentencia núm. 805/2020.
Unificación Doctrina/4746/2019. Data de Julgamento: 23 set. 2020.
LEME, Ana Carolina Reis Paes. Da máquina à nuvem: caminhos
para o acesso à justiça pela via de direitos dos motoristas da Uber.
Dissertação (Mestrado em Direito). Programa de Pós-Graduação em
Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais.2018.
LEME, Ana Carolina Reis Paes. Da máquina à nuvem: caminhos
para o acesso à justiça pela via de direitos dos motoristas da Uber. São
Paulo: LTr, 2019.
RODRÍGUEZ, PIÑERO MIGUEL; TODOLÍ SIGNES, ADRIÁN.
Trabalho em plataformas digitais: direito e inovação de mercado.
Valência: Aranzadi, 2018.

222 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
TODOLÌ SIGNES, Adrián. El trabajo en la era de la economía
colaborativa. Valência: Tirant lo blanch, 2017
TODOLÌ SIGNES, Adrián. Impacto da Economia Uber nas
Relações Laborais: O Efeito das Plataformas Virtuais no Conceito de
Contrato de Trabalho. In: IUSLabor 3/2015.
VIDIGAL, Viviane. Ilusões da Uberização: um estudo à luz da
experiência de motoristas da Uber. Universidade Federal de Campinas,
2020.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 223


V IA DOS DIREITOS
O caso Uber na França: Regulamentação e breves
considerações sobre os impactos da decisão do Tribunal de
Cassação Francês no acesso à justiça dentro do panorama
global

Anna Jéssica Araújo Costa224

1. Introdução

O grande avanço das tecnologias de informação, a partir


do século XXI, tem impulsionado o desenvolvimento de novas e
complexas formas de relação de trabalho, marcadas, notadamente,
pelo caráter de temporariedade e pela mediação da prestação de
serviços por plataformas digitais.
Como consequência desse fenômeno global, o mundo do
trabalho vive uma profunda modificação de paradigmas. Se é certo
que a evolução tecnológica vem proporcionando ao homem inúmeros
benefícios, facilitando e dinamizando o acesso aos bens da vida, por
outro lado, são visíveis, também, seus reflexos negativos, seja nas
relações de trabalho ou no aumento das desigualdades sociais.
Vislumbra-se, então, um relevante problema social e econômico
a ser analisado e enfrentado pela sociedade: a crescente precarização
das relações de trabalho no âmbito das plataformas digitais.
Nesse cenário, têm sido bastante discutidos, em todo o mundo,
a natureza jurídica do vínculo estabelecido entre os trabalhadores e
as plataformas digitais e os instrumentos legais que amparam esse
tipo de relação, como vistas a garantir a proteção dos direitos dos
trabalhadores.
No presente estudo, serão analisados o desenvolvimento e
a regulamentação das atividades da Uber na França, discutindo-
se, especialmente, os termos da decisão proferida pelo Tribunal de
Cassação francês em março de 2020 que reconheceu a existência de
vínculo de emprego entre um motorista e a referida plataforma, bem

224 Bacharel em Direito pela Faculdade Milton Campos. Pós-graduada em Direito


Público pelo IEC-PUC Minas e em Direito do Trabalho pela Universidade Cândido
Mendes. Advogada.

224 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
como os reflexos desse posicionamento no acesso à justiça dentro do
panorama global.

2. O caso Uber na França

2.1. Breve histórico sobre o desenvolvimento e a


regulamentação das atividades da Uber na França

Paris foi a primeira cidade fora dos EUA a receber os serviços da


Uber, no ano de 2012. E não poderia ser diferente: a ideia de fundação
da empresa por Travis Kalanick e Garret Camp teria surgido na capital
francesa, em 2009, enquanto participavam de um evento de tecnologia
e empreendedorismo e não conseguiam encontrar um taxi na cidade,
em uma noite fria e com nevasca, segundo relatam.
Também em 2012, foi criado o UberX (UberPOP), serviço que
permitia que qualquer proprietário de veículo pudesse se vincular
à plataforma de transporte, sem a necessidade de obtenção de
licenciamento como motorista profissional junto ao governo.
A partir de então, houve um exponencial crescimento da
empresa, contudo, paralelamente, começaram as discussões a respeito
da legalidade de suas atividades, sob a alegação de concorrência
desleal e violação de normas mínimas de segurança.
Em 2014, após greves realizadas por taxistas, foi editada a
Lei nº 1104, conhecida como Lei Thévenoud, que estabeleceu que
os serviços de motoristas com veículos particulares – os Veículos de
Turismo com Chover (VTC), tais como o Uber – não poderiam utilizar
sistemas de geolocalização, deixando aberta apenas a possibilidade
de trabalharem a partir de reservas prévias de passageiros. Ainda,
os serviços somente poderiam ser prestados por profissionais com
carteira de habilitação especial, obtida após 250 horas de formação.
Assim, com base na Lei Thévenoud, o Ministério do Interior da
França proibiu o serviço do UberPOP a partir de janeiro de 2015.
Ainda no primeiro semestre de 2015, a Uber passaria por
outro revés na França: além de novos protestos violentos de taxistas,
dois altos executivos – o diretor geral da França, Thibaud Simphal,
e o diretor para a Europa Ocidental, Pierre-Dimitri Gore Coty –

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 225


V IA DOS DIREITOS
foram presos preventivamente, como parte de um procedimento de
investigação criminal instaurado em 2014 sobre o aplicativo UberPOP.
Em razão disso, a Uber suspendeu os serviços do UberPOP na
França, passando a atuar somente por meio de motoristas profissionais
e licenciados.
Já em janeiro de 2016, a Uber foi condenada pelo Tribunal de
Paris a pagar 1,2 milhão de euros à União Nacional dos Táxis (UNT),
por orientar de forma ambígua seus motoristas sobre a possibilidade
de estacionar os carros em via pública para aguardar passageiros sem
reserva, sendo esta prática uma prerrogativa dos táxis, proibida aos
VTC.
Por meio da Lei nº 2016-1088, de 8 de agosto de 2016, o
legislador francês delineou um tipo de responsabilidade social das
plataformas digitais, inserindo os artigos L.7341-1 a L.7342-6 no Código
do Trabalho225, a fim de fornecer garantias mínimas para proteger

225 Artigo L7341-1 (Criação da Lei n° 2016-1088 de 8 de agosto de 2016 - art. 60). O
presente título é aplicável aos trabalhadores independentes que utilizem, para o
exercício da sua atividade profissional, uma ou mais plataformas eletrônicas de
contacto definidas no artigo 242.º bis do Código Geral Tributário.
Artigo L7342-1. Quando a plataforma determina as características do serviço prestado
ou do bem vendido e fixa o seu preço, tem, para com os trabalhadores em causa, uma
responsabilidade social que se exerce nas condições previstas neste capítulo.
Artigo L7342-2. Quando o trabalhador subscreve um seguro de cobertura de riscos de
acidentes de trabalho ou subscreve o seguro voluntário em matéria de acidentes de
trabalho referido no artigo L. 743-1 do Código da Segurança Social, a plataforma cuida
da sua contribuição, dentro do limite de um teto fixado por decreto. Este teto não pode
ser superior à contribuição prevista no mesmo artigo L. 743-1.
O primeiro parágrafo deste artigo não é aplicável quando o trabalhador subscrever um
contrato coletivo celebrado pela plataforma e compreendendo garantias pelo menos
equivalentes ao seguro voluntário em matéria de acidentes de trabalho a que se refere
o primeiro parágrafo, e a contribuição para este contrato é suportada pela plataforma.
Artigo L7342-3 (Modificado pela Lei n° 2019-1428, de 24 de dezembro de 2019 - art.
44) O trabalhador beneficia do direito de acesso à formação profissional contínua
previsto no artigo L. 6312-2. A contribuição para a formação profissional mencionada
no artigo L. 6331-48 é paga pela plataforma.
Beneficiará, a seu pedido, das ações mencionadas no 3° do artigo L. 6313-1. A
plataforma então cuida dos custos de suporte e paga-lhe uma compensação nas
condições definidas por decreto.
A conta de formação pessoal do trabalhador é complementada pela plataforma quando
o volume de negócios que atinge nesta plataforma é superior a um limite determinado
de acordo com o setor de atividade do trabalhador. As condições de contribuição, os
limites e os setores de atividade são especificados por decreto.
Artigo L7342-4 (Modificado pela Lei n° 2019-1428, de 24 de dezembro de 2019 - art. 44)
O artigo L. 7342-2 e os dois primeiros parágrafos do artigo L. 7342-3 não são aplicáveis​​

226 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
essa nova categoria de trabalhadores. No entanto, não se pronunciou
sobre seu status legal e não definiu uma presunção de emprego não
remunerado.
Se antes os protestos eram realizados por taxistas contra a
concorrência da Uber, ocorreu, em dezembro de 2016, a primeira
manifestação de motoristas da própria plataforma, para exigir
condições mínimas sociais e de remuneração, diante de uma decisão
adotada unilateralmente pela empresa no sentido de aumentar
as comissões cobradas por cada viagem (de 20% para 25%). Além
disso, foram feitas reclamações contra atos da Uber de desconectar
motoristas que recusavam corridas ou não fossem considerados aptos.
Muito embora a Uber tenha sempre se declarado oficialmente
como uma empresa de tecnologia que tão somente conectaria usuários
e motoristas, o Tribunal de Justiça da União Europeia, em dezembro de
2017, proferiu decisão reconhecendo que a plataforma é, na verdade,
uma empresa de transporte, como resultado de um processo movido
em 2014 pelo grupo Elite Taxi, de Barcelona, Espanha.
Essa decisão, irrecorrível, refutou a ideia propagada pela Uber
de que forneceria apenas um serviço de intermediação e permitiu,
também, que os Estados-membros da União Europeia proibissem e
punissem o exercício ilegal de atividades de transporte no contexto do
serviço UberPOP, sem a necessidade de notificar a Comissão Europeia
antes da edição de eventual projeto de legislação interna sobre o tema.
Não obstante, a Uber obteve, em fevereiro de 2018, uma
rara vitória junto ao Tribunal Trabalhista de Paris, que rejeitou as
reivindicações de um ex-motorista, Florian Menard, que pleiteava
o reconhecimento do contrato de trabalho e o direito a férias e

quando o volume de negócios realizado na plataforma for inferior a um limite fixado


por decreto. Para o cálculo da contribuição relativa aos acidentes de trabalho e à
contribuição para a formação profissional, apenas é levado em consideração o volume
de negócios realizado pelo trabalhador na plataforma.
Artigo L7342-5. Movimentos de recusa concertada de prestação de seus serviços,
organizados pelos trabalhadores mencionados no artigo L. 7341-1, a fim de
defender suas reivindicações profissionais não podem, exceto abuso, envolver sua
responsabilidade contratual, nem constituir motivo para a rescisão de seu relações
com plataformas, ou justificar medidas que as penalizem no exercício da sua atividade.
Artigo L7342-6. Os trabalhadores mencionados no artigo L. 7341-1 têm o direito de
formar uma organização sindical, de se filiar a ela e de fazer valer seus interesses
coletivos por meio dela. (tradução livre)

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 227


V IA DOS DIREITOS
indenizações pelos dois anos em que trabalhou com a plataforma. Na
ocasião, a Corte entendeu que Menard era um motorista independente
e apenas foi colocado em contato com clientes por meio do aplicativo.
Em dezembro do mesmo ano, a Comissão Nacional Francesa
de Informática e Liberdades (CNIL) impôs 400 mil euros de multa
à Uber, em razão de os dados de 57 milhões de usuários, clientes e
motoristas terem sido hackeados.
Já em janeiro de 2019, o Tribunal de Apelação de Paris
reconheceu, pela primeira vez, direitos trabalhistas a um motorista
da Uber.
Em março de 2020, ocorreu um evento significativo para o
desenvolvimento das atividades da Uber na França: o Tribunal de
Cassação226 decidiu que um ex-motorista da Uber era empregado da
empresa227.
Essa decisão foi considerada extremamente importante para
o debate da matéria, em razão de ter realizado uma análise detida
sobre as características ou circunstâncias que envolvem as formas
de relação de trabalho surgidas no âmbito das plataformas digitais,
servindo, deste modo, como um novo paradigma de forma a inspirar o
posicionamento de outros tribunais pelo mundo, como se verá adiante.

3. O caso concreto analisado pelo Tribunal de Cassação


Francês

O autor da ação apreciada pelo Tribunal de Cassação francês


alegou que, em 12 de outubro de 2016, assinou um formulário de
registro de parceria utilizando a plataforma digital Uber, após ter
226 A Corte de Cassação francesa é uma jurisdição única de nível nacional, situada em
Paris, dividida em 6 Câmaras Cíveis (Chambres Civiles), 1 Câmara Comercial (Chambre
Commerciale) e 1 Câmara Social (Chambre Sociale). Abaixo da Corte de Cassação,
encontram-se 36 Tribunais de Apelação, constituídos por magistrados de carreira. Na
primeira instância, atuam os chamados: (i) Tribunais de Grande Instância (TGI), que
decidem de forma colegiada (3 juízes) e são competentes para as causas superiores
a 10.000 euros e (ii) Tribunais de Instância (TI), competentes as causas inferiores ou
iguais a 10.000 euros. Há, ainda, Tribunais especializados, como os do Comércio, do
Trabalho e de Incapazes. A primeira instância no Tribunal do Trabalho é o Conseils de
Prud’hommes, um órgão independente do Judiciário.
227 Arrêt n° 374 du 4 mars 2020 (19-13.316) - Cour de Cassation - Chambre Sociale -
ECLI:FR:CCAS:2020:SO00374.

228 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
alugado um veículo de um parceiro dessa empresa e ter se registrado
no diretório Sirene como trabalhador autônomo, na atividade de
transporte de passageiros por táxis.
A ação foi movida após o motorista ter sua conta desativada
permanentemente pela Uber, a partir de abril de 2017, em razão
de não ter aceitado corridas pela terceira vez em que foi acionado
pela plataforma. O trabalhador pleiteou, assim, a reclassificação de
sua relação contratual com a Uber como contrato de trabalho e o
pagamento de verbas salariais e indenizações.
A primeira instância francesa – Conseils de Prud’hommes –
havia se negado, inicialmente, a julgar o caso, por entender que não
se tratava de uma relação de trabalho, o que foi reformado em decisão
proferida pelo Tribunal de Apelação de Paris e confirmado pelo
Tribunal de Cassação.
Em sua decisão, o Tribunal de Cassação francês expôs,
primeiramente, cada um dos argumentos suscitados pela Uber em seu
recurso, que são semelhantes aos levantados em litígios travados em
outros países com empresas do mesmo ramo (Deliveroo, Glovo, Take
Eat Easy, Foodora), sendo os seguintes228:

(i) que o contrato firmado entre a Uber e o motorista


não implicaria nenhuma obrigação de este
trabalhar para a plataforma digital ou de estar à sua
disposição e não inclui qualquer compromisso que
possa forçá-lo a usar o aplicativo para realizar sua
atividade;
(ii) que resulta do artigo L. 8221-6229 do Código do

228 Tradução livre.


229 Artigo L8221-6 (Modificado pela Lei n ° 2015-991, de 7 de agosto de 2015 - art. 15)
I.- Presume-se que não estão vinculados ao representado por contrato de trabalho no
exercício da atividade que dá origem à inscrição ou inscrição:
1 ° As pessoas singulares inscritas no registo comercial e empresarial, no registo
comercial, no registo dos agentes comerciais ou nos sindicatos para a recuperação das
contribuições para a segurança social e das prestações familiares para a recuperação
das contribuições para o abono de família;
2 ° Pessoas singulares inscritas no registro das empresas de transporte rodoviário de
passageiros, que exerçam a atividade de transporte escolar prevista no artigo L. 214-18
do Código da Educação ou o transporte a pedido nos termos do artigo 29 da Lei nº 82-
1153, de 30 de dezembro de 1982, sobre orientação para o transporte terrestre;

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 229


V IA DOS DIREITOS
Trabalho francês que a presunção de emprego não
assalariado para a realização de uma atividade
que dê origem ao registro no registro de negócios
é excluída apenas quando fica estabelecido que a
pessoa registrada presta serviços ao principal em
condições que o colocam em um relacionamento
de subordinação legal permanente em relação a
este último;
(iii) que o juiz só pode se pronunciar sobre a existência
ou não de um vínculo de subordinação legal levando
em consideração todos os elementos relativos às
condições de exercício da atividade que lhe são
apresentados pelas partes;
(iv) que a execução de um contrato de parceria
referente ao uso por um motorista particular de um
aplicativo eletrônico para entrar em contato com
os clientes implica a possibilidade de a plataforma
garantir o bom funcionamento do aplicativo e a
conformidade pelo motorista dos regulamentos
aplicáveis, segurança pessoal e qualidade do
serviço de transporte;
(v) que a mera existência de uma possibilidade
estipulada no contrato de a plataforma desativar
ou restringir o acesso ao aplicativo não pode, por
3 ° Os dirigentes das pessoas coletivas inscritas no registro comercial e das sociedades
e respectivos trabalhadores;
II.- A existência de contrato de trabalho pode, contudo, ser verificada quando as
pessoas mencionadas em I prestam diretamente ou por intermédio de serviços a
um comitente em condições que os coloquem em relação de subordinação jurídica
permanente com respeito a ele.
Neste caso, a dissimulação do trabalho assalariado é estabelecida se o representado
tiver intencionalmente evitado por este meio o cumprimento das obrigações que
incumbem ao empregador a que se refere o artigo L. 8221-5.
O principal que tenha sido condenado criminalmente por trabalho oculto em
aplicação deste II é obrigado a pagar contribuições sociais e contribuições devidas
pelos empregadores, calculadas sobre as somas pagas às pessoas mencionadas em I
a título do período para o qual foi estabelecida a ocultação do trabalho assalariado.
Artigo L8221-6-1 (Criação pela Lei n ° 2008-776, de 4 de agosto de 2008 - art. 11) Entende-
se por trabalhador independente a pessoa cujas condições de trabalho são definidas
exclusivamente por ele próprio ou pelo contrato que as define com o seu comitente.
(tradução livre)

230 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
si só, caracterizar um controle da atividade dos
motoristas na ausência de qualquer elemento
suscetível de estabelecer que essa prerrogativa seria
usada para forçar os motoristas a se conectarem e a
aceitar as corridas que lhes são propostas;
(vi) que o artigo 2.4 do contrato de prestação de
serviços estipula que o cliente e seus motoristas
mantêm o direito exclusivo de determinar quando
e por quanto tempo usar, para cada um deles, os
serviços da Uber e que o cliente e seus motoristas
mantêm a possibilidade, através do aplicativo, de
tentar aceitar, recusar ou ignorar uma solicitação
de serviços de transporte via Uber ou de cancelar
uma solicitação de serviços de transporte aceitos
pelo aplicativo, sujeito às políticas de cancelamento
da Uber em vigor;
(vii) que o respeito ao pedido do cliente, aceito
pelo motorista do VTC, não poderia constituir
uma indicação da existência de um vínculo de
subordinação deste último no que diz respeito à
plataforma digital motorista e relacionamento com
o cliente.;
(viii) que resulta da Carta da Comunidade Uber que
atos que ameaçam a segurança de motoristas e
passageiros são proibidos, como entrar em contato
com os passageiros após uma viagem sem o seu
acordo;
(ix) que as disposições do Código do Consumidor
francês proíbem um motorista de VTC de recusar
a completar uma viagem sem motivo legítimo,
de modo que a falta de conhecimento preciso do
destino não põe em causa a independência do
condutor;
(x) que o sistema de geolocalização inerente à operação
de uma plataforma digital para conectar motoristas
VTC a clientes em potencial não caracteriza um elo

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 231


V IA DOS DIREITOS
de subordinação legal dos motoristas em relação à
plataforma, uma vez que esse sistema não se destina
a controlar a atividade dos motoristas, mas apenas
os coloca em contato com o cliente mais próximo,
garante a segurança das pessoas transportadas e
determina o preço do serviço;
(xi) que a determinação, por uma plataforma de ligação
eletrônica, do preço dos serviços prestados por ela
não pode caracterizar uma indicação da existência
de um contrato de trabalho;
(xii) que quaisquer compromissos assumidos por um
motorista independente em relação a terceiros
para exercer sua atividade profissional não podem
constituir evidência de um vínculo de subordinação
legal entre esse motorista e uma plataforma digital.
Em seguida, o Tribunal de Cassação passou a
julgar o caso, deduzindo detalhadamente sua
fundamentação em contraponto às alegações
trazidas pela Uber230:
(i) que, apesar da previsão do artigo L. 8221-6 do
Código do Trabalho francês, a existência de um
contrato de trabalho pode ser estabelecida quando
as pessoas referidas nessa norma prestam serviços
sob condições que as colocam em uma relação
jurídica permanente de subordinação em relação
ao principal;
(ii) que, segundo jurisprudência do Tribunal de
Justiça231, a relação de subordinação é caracterizada
pelo desempenho dos trabalhos sob a autoridade
de um empregador que tem o poder de dar ordens
e diretrizes, controlar sua execução e sancionar as
violações de seu subordinado e o trabalho dentro
de um serviço organizado pode constituir um
indício de subordinação quando o empregador

230 Tradução livre.


231 Soc., 13 nov. 1996, n° 94-13187, Bull. V n° 386, Société Générale.

232 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
determina unilateralmente as condições para o seu
desempenho;
(iii) que o Tribunal de Apelação considerou que o
motorista integrou um serviço de transporte criado
e inteiramente organizado pela Uber, que só existe
graças a essa plataforma, serviço de transportes
através do qual não constitui clientela própria, não
fixa livremente os seus preços nem as condições
de exercício do seu serviço de transporte, que são
inteiramente regidos pela Uber;
(iv) que o Tribunal de Apelação ponderou que o fato
de o motorista poder escolher os dias e as horas
de trabalho não exclui, por si só, uma relação
de trabalho subordinada, pois assim que ele se
conecta à plataforma Uber, ele integra um serviço
organizado pela empresa;
(v) que o Tribunal de Apelação observou que as
tarifas são contratualmente fixadas por meio dos
algoritmos da plataforma Uber por um mecanismo
preditivo, impondo ao motorista uma rota específica
da qual ele não tem livre escolha, uma vez que o
contrato prevê em seu artigo 4.3 a possibilidade
de reajuste da tarifa pela Uber, em especial, se o
motorista tiver escolhido uma “rota ineficiente”,
tendo o autor da ação produzido várias correções
tarifárias que lhe foram aplicadas pela empresa e
que refletem o fato de que ela lhe deu diretrizes e
controlou sua aplicação;
(vi) que o Tribunal de Apelação constatou que a Uber
exerce controle sobre a aceitação das corridas,
estimulando os motoristas a permanecerem sempre
conectados com a esperança de fazerem uma
viagem sem ser por eles escolhida ou conhecida
previamente;
(vii) que o Tribunal de Apelação reconheceu a existência
de um poder de sanção da Uber, por meio das

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 233


V IA DOS DIREITOS
desconexões temporárias após três recusas de
viagens, taxa de cancelamento de pedidos, taxa
variável em caso de escolha de “rota ineficiente”
e perda definitiva de acesso ao aplicativo em caso
de “comportamento problemático” do motorista
relatado por usuários, sem possibilidade de
impugnação ou a sanção ser proporcional à
comissão.

Diante desse contexto, o Tribunal de Cassação entendeu que


estariam presentes todos os elementos próprios do exercício de um
trabalho subordinado, motivo pelo qual rejeitou o recurso da Uber e
determinou o retorno do processo ao Tribunal do Trabalho francês,
para que sejam efetivamente apreciados e julgados os pedidos
realizados pelo motorista na ação proposta.

4. O conceito de subordinação adotado pela decisão Francesa


e os critérios fixados para a caracterização do trabalho
autônomo

Em relação à configuração do trabalho subordinado, o Tribunal


de Cassação não pretendeu inovar ou adotar o critério de dependência
econômica sugerido por parte da doutrina trabalhista.
Seguindo a jurisprudência oriunda da própria Câmara Social, a
Corte adotou o conceito de subordinação estabelecido desde o acórdão
Société Générale de 13 de novembro de 1996 (Soc., 13 de novembro de
1996, recurso n° 94-13.187, Bull. V n° 386), segundo o qual232:

(...) a relação de subordinação é caracterizada


pelo desempenho de trabalho sob a autoridade de
um empregador que tem o poder de dar ordens e
diretrizes, de controlar sua execução e sancionar
as violações de seu subordinado; que o trabalho
em um serviço organizado pode ser indicativo da
relação de subordinação quando o empregador

232 Tradução livre.

234 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
determina unilateralmente as condições de
execução do trabalho.

Logo, a relação de subordinação resta configurada, segundo a


alta Corte francesa, por meio da presença de três elementos essenciais
na relação de trabalho:

(i) o poder de dar instruções;


(ii) o poder de controlar sua execução;
(iii) o poder de sancionar o não cumprimento das
instruções dadas.

Além disso, muito embora o Código de Trabalho francês


estabeleça, em seu artigo L. 8221-6, a presunção de não laboralidade ou
independência em virtude da realização do prévio registro comercial
pelo trabalhador, a decisão proferida pelo Tribunal de Cassação
estabeleceu três critérios imprescindíveis à caracterização definitiva
do trabalho autônomo:

(i) possibilidade de constituição e gerenciamento de


seus próprios clientes;
(ii) liberdade de fixação de preços; e
(iii) liberdade de fixação das condições para a prestação
de seus serviços.

Como o trabalho desenvolvido pelos motoristas junto à


Uber não se enquadrava nesses requisitos mas, de forma contrária,
demonstrava, na realidade, a presença do elemento subordinação
em variados aspectos – em conformidade com o entendimento já
consolidado pela jurisprudência francesa sobre o aludido elemento
– o Tribunal de Cassação classificou a relação entre as partes como
sendo um contrato de trabalho típico, afastando a tese da Uber de que
seria realizaria apenas uma intermediação de serviços entre usuários
e motoristas.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 235


V IA DOS DIREITOS
5. Breves considerações sobre os impactos da decisão
Francesa no acesso à justiça dentro do panorama global

A importância da decisão proferida pelo Tribunal de Cassação


francês é inequívoca, tratando-se do segundo posicionamento da
Câmara Social em relação aos trabalhadores de plataformas digitais,
após o julgamento do caso Take Eat Easy233, uma plataforma de entrega
de alimentos por motoristas também contratados como autônomos.
De fato, atualmente, a relação travada entre motoristas e
plataformas digitais envolve um grave problema social e econômico
a ser enfrentado em todo o mundo, em razão de provocar visível e
intensa precarização do trabalho.
O grande avanço das tecnologias de informação tem
impulsionado o surgimento de novas formas de trabalho, submetendo
os trabalhadores à ausência de qualquer proteção social e a um intenso
processo de individualização e fragmentação da identidade coletiva.
Nesse panorama, ficam cada vez mais difíceis a resistência e
a luta obreiras e há um evidente aumento das desigualdades sociais
e concentração de poder e riquezas em favor de conglomerados
multinacionais.
Assim, não se pode deixar de ponderar sobre os impactos desse
posicionamento judicial francês ao acesso à justiça no âmbito global,
especialmente diante do fato de que a Uber atua em várias cidades
no mundo, nas quais o desenvolvimento de suas atividades tem sido
constantemente questionado pela sociedade.
A concepção de acesso à justiça sofreu grandes transformações
ao longo dos séculos, segundo a obra clássica de Mauro Cappelletti e
Bryan Garth (1988) de mesmo nome. Antes, considerado como mero
acesso à jurisdição ou aos órgãos que compõem a administração

233 Arrêt n°1737 du 28 novembre 2018 (17-20.079) - Cour de cassation - Chambre sociale
- ECLI:FR:CCASS:2018:SO01737. O Tribunal de Cassação concluiu, no caso Take Eat
Easy, que o disposto no artigo L. 8221-6 do Código do Trabalho – segundo o qual se
presume que as pessoas singulares, no desempenho da atividade que dá origem aos
registros ou diretórios que o texto legal menciona, não estão vinculadas ao principal
por um contrato de trabalho – apenas estabelece uma simples presunção, que pode
ser revertida quando essas pessoas prestam serviços em condições que as colocam em
uma relação de subordinação jurídica permanente ao principal. Esta solução repetiu-
se no caso Uber de 4 de março de 2020.

236 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
da justiça, o conceito passou a ser relacionado, particularmente no
âmbito do Estado Democrático de Direito, à ideia de acesso a uma
ordem jurídica justa e à efetividade do exercício do direito à tutela
jurisdicional.
A teoria do acesso à justiça ganhou novos contornos, ainda,
a partir da proposta desenvolvida por Leonardo Avritzer, Marjorie
Marona e Lilian Gomes (2014), que elaboraram um conceito
denominado “acesso à justiça pela via dos direitos”.
Segundo os autores, o acesso à justiça englobaria duas
dimensões: (i) a garantia de efetividade dos direitos, envolvendo três
pressupostos – informação acerca desses direitos, conhecimento que
permita o recurso a uma instância capaz de solucionar o conflito e
efetiva reparação da injustiça causada pela violação desse direito – e
(ii) a possibilidade de participação dos envolvidos na configuração
do próprio direito, o que abrangeria a criação e o reconhecimento de
novas categorias de direito.
A decisão proferida pelo Tribunal de Cassação francês – longa
para seus padrões concisos, vale ressaltar – realizou uma análise
pormenorizada a respeito de todas as condições de trabalho às quais
esteve submetido o ex-motorista da Uber, fazendo menção específica,
inclusive, a fatos comprovados e provas produzidas ao longo do
processo.
Além disso, houve a determinação de publicação da decisão no
portal oficial do Tribunal de Cassação francês em outros dois idiomas
oficiais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o inglês e o
espanhol.
A alta Corte francesa evidenciou, deste modo, uma possível
intenção de inspirar a formação de uma jurisprudência em relação à
matéria em nível global, o que pode se tornar também relevante para
promover o acesso à justiça e proteção dos direitos dos trabalhadores
das plataformas digitais.
Nesse aspecto, a riqueza de detalhes da decisão francesa sobre
o caso concreto e os fatores que levaram à conclusão do Tribunal de
Cassação, bem como a sua publicação em idiomas oficiais da OIT,
facilitam a divulgação da discussão sobre o tema em todo o mundo,
não só no jurídico, mas também no mundo do trabalho.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 237


V IA DOS DIREITOS
Além disso, proporcionam uma reflexão mais profunda234
sobre as mudanças nas relações de trabalho produzidas pela evolução
tecnológica e as possibilidades de solução para os problemas trazidos
por esse novo modelo.
Certamente, essas circunstâncias viabilizarão, como
consequência, um maior conhecimento ou informação por parte dos
motoristas quanto aos seus direitos e o seu reconhecimento enquanto
pares, abrindo perspectivas para o resgate de sua identidade coletiva
e a busca por melhores condições de trabalho, proporcionando, deste
modo, o acesso à justiça pela via dos direitos.
Pode-se dizer, assim, que o posicionamento do Tribunal de
Cassação francês foi um marco significativo para o acesso à justiça
e proteção dos trabalhadores de plataformas digitais, pois, com
fundamento na decisão proferida no caso Uber, estarão mais aptos,
inclusive, ao exercício da cidadania, por meio de uma participação
mais ativa na sociedade e em seus processos decisórios, bem como na
construção de seus próprios direitos.

6. Conclusão

A relação entre motoristas e plataformas digitais é, hoje, tema


de bastante controvérsia na sociedade, seja porque invoca novas
formas de produção e de execução de trabalho até então não estudadas,
seja em razão da ausência de regulamentação específica da matéria.
É inegável, porém, que a ausência de concessão de qualquer
proteção social ao trabalhador no âmbito dessa relação tem causado
uma relevante precarização das condições de trabalho em todo o
mundo.
No caso da França, observa-se que existem, até o momento,
apenas dois modelos de trabalho previstos na legislação vigente: o
assalariado e o independente/autônomo. Em virtude disso, todos os
debates e conflitos no país – em muitas ocasiões, bastante violentos – a

234 A jurisprudência dos Tribunais Superiores do Brasil tem se mostrado até agora,
de forma surpreendente, na contramão da garantia de direitos aos trabalhadores de
plataformas digitais, sem efetivamente realizar uma análise mais aprofundada sobre
a matéria. Vide: TST-RR-1000123-89.2017.5.02.0038, TST-AIRR-10575-88.2019.5.03.0003
e STJ CC 164544.

238 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
respeito das atividades desenvolvidas pela Uber giraram em torno de
sua classificação em algum desses parâmetros.
Diante disso, a decisão proferida pelo Tribunal de Cassação
francês, em março de 2020, representou um grande avanço para a
proteção dos direitos desses trabalhadores ao reconhecer a existência
de vínculo de emprego entre um motorista e a plataforma.
Nota-se que a decisão, afastando os costumeiros argumentos
da Uber em litígios de mesma natureza, optou por adotar um conceito
de subordinação já consolidado pela jurisprudência, demonstrando
que, na verdade, as novas formas de relação de trabalho surgidas no
século XXI não são tão novas em seus elementos essenciais, podendo
ser identificadas e caracterizadas independentemente de quaisquer
presunções legais, com base no “princípio da realidade”235.
Além disso, a decisão fixou critérios para a configuração
definitiva do trabalho autônomo, apesar da presunção de não
laboralidade ou trabalho independente contida no Código do Trabalho
francês.
E, não menos relevante, pode-se destacar o papel fundamental
que a decisão francesa terá no acesso à justiça no contexto global, diante
de sua ampla divulgação e de sua análise detalhada sobre as condições
de trabalho da Uber, viabilizando, sobremaneira, o conhecimento
e a conformação dos direitos existentes no âmbito dessa relação de
trabalho pelos próprios motoristas.

7. Referências

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CC 164544. Disponível


em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_re-
gistro=201900799520&dt_publicacao=04/09/2019> Acesso em: 25 out.
2020.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR-10575-
88.2019.5.03.0003. Disponível em: <https://jurisprudencia-backend.
tst.jus.br/rest/documentos/ace750066abb32447598485e6cfcab3e>
Acesso em: 25 out. 2020.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR-1000123-

235 No Brasil, utiliza-se o termo “princípio da primazia da realidade”.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 239


V IA DOS DIREITOS
89.2017.5.02.0038. Disponível em: <https://jurisprudencia-backend.
tst.jus.br/rest/documentos/161644fb9673d0afe87b0e522a470272>
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decassation.fr/jurisprudence_2/chambre_sociale_576/374_4_44522.
html> Acesso em: 23 out. 2020.
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240 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


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aplicativo-de-transporte-relacao-de-emprego-decisao-374-da-
-corte-de-cassacao-sala-social-franca/#:~:text=not%C3%ADcias%20
%2B%20an%C3%A1lises-,Aplicativo%20de%20transporte%20
%E2%80%93%20rela%C3%A7%C3%A3o%20de%20emprego%3A%20
decis%C3%A3o%20374%20da%20Corte,de%20Cassa%C3%A7%-
C3%A3o%2C%20Sala%20Social%2C%20Fran%C3%A7a&text=-
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T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 241


V IA DOS DIREITOS
Plataformas de trabalho na federação Russa:
Uma análise preliminar da situação dos trabalhadores na
“economia dos bicos” Russa

Eugênio Delmaestro Corassa236

1. Introdução

Não é incomum notar que o trabalho mediado por aplicativos se


tornou uma figura recorrente ao redor do mundo. Basta sair à rua para
perceber que existe uma miríade de trabalhadores que recebem ordens
por um sistema informacional, seja para realizarem o transporte de
passageiros ou a entrega de mercadorias.
Munidos de grandes mochilas e carregando mercadorias de um
lado a outro da cidade, os entregadores de aplicativos se tornar figuras
comuns no panorama das cidades brasileiras, anteriormente ocupadas
apenas por motoristas de aplicativo.
Com a pandemia deflagrada pelo COVID-19, enquanto muitos se
fecharam em casa, esses trabalhadores continuam nas ruas, garantindo
que as pessoas enclausuradas em suas residências recebam seus
lanches e produtos e que consigam se locomover. A situação limite a
que está submetido o mundo provou, dessa forma, a essencialidade
desses trabalhadores.
Ocorre, no entanto, que os trabalhadores mediados por
plataformas e algoritmos continuam a existir em um limbo jurídico,
ora sendo classificados como contratantes independentes e ora sendo
classificados como empregados. Em essência, o debate continua mais
vivo que nunca, em oposição ao que entendeu o Superior Tribunal de
Justiça (STJ), ao analisar um caso de conflito de competência.
Assim, é preciso escancarar o debate e chamar atenção para
a discussão vertente. Para tanto, podemos recorrer às experiências
nacionais, à produção doutrinária sobre o tema e à jurisprudência.
Igualmente, importante, no entanto, é nos voltarmos para o cenário
internacional, de forma a compreender como se deu o debate em outros

236 Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (PPGD-UFMG).


Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e Resistências. Advogado.

242 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
países e como foram classificados os motoristas e entregadores e quais
direitos trabalhistas lhes foram conferidos.
Nesta tarefa, podemos destacar a mudança legislativa trazida
pela Assembly Bill n. 5 na Califórnia (CALIFÓRNIA, 2019), bem como
os julgados já existentes em diversos países europeus que examinaram
a relação existente e reconheceram o vínculo por detrás do véu
tecnológico. Dentre esses, a decisão das Employment Courts do Reino
Unido (BROWNE, 2020) e a recente decisão francesa (CARVALHO, 2020),
que decidiu pelo reconhecimento do vínculo empregatício são bons
exemplos.
Outra abordagem, também necessária, é a que se volta aos
países com condições semelhantes à do Brasil, comumente classificados
como emergentes, caso da Rússia, China e Índia, por exemplo. Para a
nossa análise no presente trabalho, entretanto, focaremos apenas na
Federação Russa.
Vale destacar que a Rússia fica muitas vezes esquecida nas
discussões em que se envolvem os juristas brasileiros, porém esse país
está sempre na discussão das grandes potências, além do que uma
abordagem da situação em outro país, com uma cultura diferente e uma
legislação trabalhista diferente, faz com que vejamos o caso brasileiro
com outros olhos.
Nesse sentido, partiremos de algumas conceituações iniciais
sobre o nosso objeto, qual seja o trabalho mediado por plataformas,
para depois adentrarmos na questão russa. A partir daí traçamos uma
breve história desses aplicativos na Rússia - no caso os que possuem
a maior fatia de mercado - para examinar como se dá a relação entre
esses trabalhadores e as empresas na Rússia e para compreender se há
um movimento ou decisão judicial envolvendo a garantia de direitos
trabalhistas básicos a eles.

2. Gig-Economy e direitos sociais

Em suma, falar em trabalhadores plataformizados importa


abordar a conceituação da gig-economy, para reconhecer onde se insere
tal regime de trabalho na atualidade e suas peculiaridades. Descreve
Valerio de Stefano a economia de bicos como contendo duas formas

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 243


V IA DOS DIREITOS
de trabalho precárias, o crowdwork e o work-on-demand via apps. Nesse
sentido:

Crowdwork is work that is executed through online


platforms that put in contact an indefinite number
of organisations, businesses and individuals through
the internet, potentially allowing connecting clients
and workers on a global basis. The nature of the
tasks performed on crowdwork platforms may vary
considerably […] In “work on-demand via apps”,
jobs related to traditional working activities such as
transport, cleaning and running errands, but also
forms of clerical work, are offered and assigned
through mobile apps. The businesses running
these apps normally intervene in setting minimum
quality standards of service and in the selection and
management of the workforce. (DE STEFANO, 2016,
p. 2/3)237

Além disso, percebe-se que tal regime se diferencia da economia


colaborativa, a sharing economy, marcada por relações peer-to-peer, em
que o foco da relação não é meramente comercial, como aquele que
acontece na economia tradicional (BOTSMAN; ROGERS, 2011), marcada
pela utilização da idle capacity de bens, como expõe BOTSMAN, 2015):
“In some ways they create value from the ‘idling capacity’ of an asset,
whether it’s empty spaces on Airbnb, spare seats in cars on Lyft, skills
and time on Taskrabbit, or say unused WIFI on Fon1” (2015, p. 19)238.

237 “Trabalho de multidão é o trabalho executado em plataformas online que


colocam em contato um número indefinido de organizações, empresas e indivíduos
pela internet, possibilitando a conexão de clientes e trabalhadores em escala
global. A natureza das tarefas executadas nesse tipo de trabalho podem variar
consideravelmente […] No ‘trabalho sob demanda via aplicativos’, trabalhos
relativos a empregos tradicionais como transporte, limpeza e tarefas, assim como
trabalhos administrativos, são arregimentados e assumidos mediante aplicativos
em dispositivos móveis. As empresas que gerenciam tais aplicativos normalmente
intervêm estabelecendo padrões mínimos de qualidade do serviço e na seleção e
direção da força de trabalho.” Tradução livre.
238 “De certa forma eles criam valores a partir da ‘capacidade ociosa’ de um ativo,
quais sejam espaços vazios no Airbnb, assentos vagos em carros no Lyft, habilidades e

244 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Como se observa, há diferenças gritantes entre as duas formas,
sendo o trabalho de transporte de passageiros e deliveries por aplicativo
claramente um exemplo da primeira forma de organização econômica.
Vale ressaltar que, apesar do apelo midiático e do discurso apelativo
da disrupção, esse tipo de trabalho não se relaciona com a economia
colaborativa.
Não se trata somente de uma pessoa com tempo e um carro
disponível que decide fornecer corridas ou realizar entregas, mas se
trata de uma nova forma de organização de trabalho, na qual grandes
empresas, como a Uber e Yandex - no caso russo, valem-se da força de
trabalho informal para prestarem serviços diversos, alegando serem
apenas o intermediário, sem nenhuma participação na relação entre o
passageiro e o motorista.
Nesse sentido, os trabalhadores contratados via essas
plataformas e aplicativos comumente ficam excluídos dos direitos
sociais que lhes são concedidos pela legislação, seja no Brasil, na
Inglaterra ou na Rússia, em razão de uma classificação errônea como
contratantes independentes.
Muitos deles dependem do trabalho na plataforma como única
fonte de renda, e muitas vezes estão excluídos do sistema de seguridade
social, bem como deixam de receber direitos atinentes às relações
trabalhistas em geral. Como exemplo, o auxílio-doença, existente tanto
no Brasil quanto na Rússia, conforme se observa no artigo 183 do Código
de Trabalho da Rússia (RÚSSIA, 2002).
Essa situação foi evidenciada na pandemia causada pela
COVID-19, em que muitos trabalhadores se viram sem o mínimo
de segurança para conduzir suas atividades rotineiras no trabalho
realizado por aplicativos. Isso, no Brasil, inclusive, levou diversos
trabalhadores às ruas no #BrequedosApps, uma greve em que buscavam
melhores condições de trabalho e mais transparência na relação com os
aplicativos (SCHAVELZON, 2020).
O problema, no entanto, não é de maneira nenhuma novo,
já tendo chamado a atenção de políticos e reguladores ao redor do
mundo. No caso, já em 2017 alguns estudos realizados pela Organização
Internacional do Trabalho já apontavam esse problema. Leia-se:

tempo no Taskrabbit, ou mesmo WI-FI não utilizada no Fon1” Tradução livre.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 245


V IA DOS DIREITOS
Workers in the gig economy are typically classified
as independent contractors and thus are not covered
by the provisions of labour or social security
law. A 2015 ILO survey of two leading micro-task
platforms revealed that nearly 40 per cent of workers
crowdworked as their main source of income.
Among American Amazon Mechanical Turk workers
for whom crowdworking was the main source of
income, less than ten per cent made contributions
to social security and only eight per cent made
contributions to a private pension fund (ILO, 2017,
p. 7)

Dessa maneira, é preciso começar a reconhecer a situação dos


trabalhadores de plataforma como verdadeiro trabalho, não somente
na condição de bicos ou tarefas (DE STEFANO, 2019), o que significa
permitir o acesso a direitos fundamentais do trabalho, tais como o direito
de associação e à negociação coletiva, algo que, por exemplo, a Uber
tentou barrar na cidade de Seattle, nos Estados Unidos (BENSINGER,
2017).
Para além disso, também é preciso notar que, em determinados
casos, é importante que se reconheça o vínculo entre empresas e
trabalhadores, algo que já se deu na França (CARVALHO, 2020) e na
Inglaterra (BROWNE, 2017), pelas vias judiciais, e na Califórnia, pela via
legislativa.

3. Uma breve história dos aplicativos de trabalho na Rússia

Dada a nossa limitação espacial, destacamos as duas maiores


plataformas (aplicativos) de trabalho na Federação Russa, quais sejam: a
empresa norte-americana Uber e a empresa local Yandex, que prestam
tanto o serviço de transporte quanto o de entrega de mercadorias.
A começar pela Uber, assemelha-se à situação do mercado
de corridas por aplicativo chinês (KIRBY, 2016), em que há uma
forte concorrência de empresas locais, que já gozam da confiança e
preferência dos habitantes do país. Dessa forma, assim como na China

246 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
e em outras regiões do sudeste asiático, a participação da empresa na
Rússia não foi tão bem-sucedida como em outras regiões, apesar do que
a empresa tentou mostrar em seu lançamento na bolsa de valores norte-
americana (RUSSELL, 2019).
Sua entrada na Rússia se deu em 2013, e em 2014 era lançada em
Moscou. Logo de entrada, a empresa enfrentou a concorrência da rival
Yandex.Taxi, mostrando-se incapaz de superar a empresa local. De 2014
a 2017, período em que também enfrentava concorrência da empresa
Didi na China, a Uber realizou menos corridas que a rival russa, não
conseguindo manter um preço competitivo no país.
Segundo dados da Yandex, em junho de 2017, a quantidade de
corridas realizadas na plataforma Uber foi de 12 milhões de corridas,
enquanto a da Yandex.Taxi foi quase o dobro disso (BHUIYAN, 2017).
Assim, nesse mesmo ano a empresa decidiu abrir mão da competição
por meio de uma fusão, anunciando que iria se juntar à Yandex na
operação em países como Rússia, Bielo-Rússia, Armênia, Cazaquistão.
A operação conjunta combinou tanto os serviços de transporte
quanto os de entrega de alimentos, valendo-se a Uber de atuar
juntamente com a Yandex, que também possui buscadores na internet
e sistemas de mapas e navegação. À época, anunciou-se que a Uber teria
36.6% (trinta e seis vírgula seis por cento) da nova companhia, enquanto
a Yandex teria 59,3% (cinquenta e nove vírgula três por cento) (HERN,
2017).
Apesar disso, a operação conjunta deu à Uber um prejuízo de
quarenta e dois milhões de dólares até o momento de seu IPO (Initial
Public Offering), conforme informado pela empresa (KISELYOV, 2019).
A Yandex, por outro lado, é uma empresa de internet russa que
opera o maior motor de busca na Rússia, sendo nesse quesito superior
ao Google por lá. A empresa é datada da década de 1990 e desenvolve
diversos serviços e produtos para a web (YANDEX, 2019). Seu serviço de
ride-sharing, por sua vez, foi lançado em 2011 (Yandex.Taxi), tendo se
fundido à Uber em fevereiro de 2018 (YANDEX TAXI, 2020).
O serviço de entrega de alimentos, o Yandex.Eats, veio em
fevereiro de 2018, após a aquisição da Foodfox e Uber.Eats (YANDEX TAXI,
2020). A empresa ainda opera o Yandex.Lavka, que funciona de forma
semelhante a empresas como Rappi, que entregam compras e produtos

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 247


V IA DOS DIREITOS
domésticos da mesma forma que entregam refeições em geral.
Dessa forma, a empresa, baseada na Rússia, opera em diversos
países que compunham a antiga União Soviética, valendo-se de seus
serviços tecnológicos para aprimorar os serviços prestados nos seus
aplicativos, tais como o uso de seu sistema de mapas e geolocalização
para o Yandex.Taxi.
Vencer a concorrente Uber, no entanto, não foi tão barato, tendo
a empresa sofrido com prejuízos milionários durante boa parte da sua
briga com a empresa norte-americana (GRISWOLD, 2017). De acordo
com a pesquisadora Olga Chesalina, podemos destacar que:

Yandex appears to be a dominant player in the


field of services on demand with “Yandex.Taxi” in
the field of transportation services and “Yandex.
Eda” (subsidiary of Yandex.Taxi) in the field of food
deliveries. As of January 2020, Yandex.Eda provided
services in 31 cities of Russia and collaborated with
more than 14,000 restaurants, processing more
than a million orders a month.12 Uber entered the
Russian market in 2013 and, in 2017, merged with
Yandex.Taxi. A majority stake in the new joint firm
(59 percent) is owned by Yandex.Taxi. At the end of
2018, Yandex.Taxi provided services in 18 countries
and more than 300 cities. In July 2017, an agreement
was signed between Yandex and Uber to merge the
online taxi booking business in Russia, Belarus,
Georgia, Armenia and Kazakhstan; 53.9 percent of
the shares in the new enterprise belong to Yandex”
(CHESALINA, 2019, p. 51)239.
239 Yandex parece ser um jogador dominante no campo dos serviços a pedido com
“Yandex.Taxi” no campo dos serviços de transporte e “Yandex.Eda” (subsidiária
de Yandex.Taxi) no campo das entregas de alimentos. A partir de Janeiro de 2020,
Yandex.Eda prestou serviços em 31 cidades da Rússia e colaborou com mais de 14.000
restaurantes, processando mais de um milhão de encomendas por mês.12 Uber entrou
no mercado russo em 2013 e, em 2017, fundiu-se com Yandex.Taxi. Uma participação
maioritária na nova empresa conjunta (59 por cento) é detida pela Yandex.Taxi. No
final de 2018, Yandex.Taxi prestava serviços em 18 países e em mais de 300 cidades.
Em Julho de 2017, foi assinado um acordo entre Yandex e Uber para fundir o negócio
de reservas de táxis online na Rússia, Bielorrússia, Geórgia, Arménia e Cazaquistão;

248 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Dessa forma, observa-se que a operação da empresa russa se
alonga por diversos países e mobiliza milhares de trabalhadores nos
seus serviços de “taxi” e delivery de comida.

4. Relações de trabalho na Gig-Economy: o caso Russo

Para examinarmos a situação dos trabalhadores na economia


de bicos russa, precisamos entender brevemente como se dá o vínculo
trabalhista entre o empregado e o empregador, ou seja, quais os elementos
são exigidos para que seja reconhecido o vínculo empregatício. Além
disso, é importante entender como se dá a prestação de serviços de
transporte de passageiros e entrega de mercadorias fora do âmbito do
trabalho por aplicativo.
De início, o Código Trabalhista Russo (RÚSSIA, 2002) elenca que
o empregado é aquele indivíduo que está adentrando uma relação de
trabalho com o empregador, que pode ser uma pessoa física ou jurídica,
em que se pode observar a proeminência do quesito de subordinação.
Veja-se o artigo 15 do Código Trabalhista Russo:

Трудовые отношения - отношения, основанные на


соглашении между работником и работодателем
о личном выполнении работником за плату
трудовой функции (работы по должности
в соответствии со штатным расписанием,
профессии, специальности с указанием
квалификации; конкретного вида поручаемой
работнику работы) в интересах, под управлением
и контролем работодателя, подчинении
работника правилам внутреннего трудового
распорядка при обеспечении работодателем
условий труда, предусмотренных трудовым
законодательством и иными нормативными
правовыми актами, содержащими нормы
трудового права, коллективным договором,
соглашениями, локальными нормативными
актами, трудовым договором. (RUSSIA, 2002)240

53,9% das acções da nova empresa pertencem a Yandex. Tradução nossa.


240 “Uma relação de trabalho é uma relação baseada num acordo entre um empregado
e o empregador sobre o desempenho pessoal do empregado de uma função de trabalho

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 249


V IA DOS DIREITOS
No caso russo, no entanto, estudos sobre a condição e a
quantidade de trabalhadores vinculados. Segundo Olga Chesalina “Until
now, no official or other statistical data or comprehensive studies on
digital labour platforms in Russia are available. There are only some
publications concerning some characteristics of electronically mediated
self-employment.” (CHESALINA, 2019, p. 51)241.
A situação, porém, é semelhante à de outros países, inexiste
reconhecimento de vínculo entre as plataformas e os trabalhadores.
Em suma:

Similar to other countries, Yandex and also


other platforms (in Russian terminology–
aggregator) pretend to be only an intermediary
and a marketplace. While many platforms have a
triangular structure (platform – client – worker on
demand), Yandex. Taxi, or Yandex.Eda respectively,
have adopted a “quadrilateral” structure; hereby, not
every one of these four relationships is contractually
regulated. Four-sided structures are not unique in
the field of work on demand, e.g. Uber collaborates
with drivers’ cooperative societies that employ the
drivers (without own cars) themselves; the business
structure of the delivery platform “Glovo” in Serbia
is five-sided and involves – apart from clients – the
platform, restaurants and other stores as partners,
couriers, and a private employment agency which
assigns couriers [...] In this structure, the taxi
service companies are partners of the platform.

(trabalho numa posição de acordo com o horário do pessoal, profissão, especialidade,


com indicação de qualificação; um tipo específico de trabalho atribuído ao empregado)
no interesse, sob a gestão e controlo do empregador, e a subordinação do empregado
às regras do regulamento interno do trabalho, enquanto o empregador assegura
as condições de trabalho previstas pela legislação laboral e outros regulamentos”
Tradução nossa.
241 Até agora, não existem dados oficiais ou outros dados estatísticos ou estudos
abrangentes sobre plataformas de trabalho digitais na Rússia. Existem apenas
algumas publicações relativas a algumas características do trabalho independente
mediado electronicamente. Tradução nossa.

250 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
However, they are not a taxi company in the literal
sense, but organisations or individual entrepreneurs
that provide transportation services among other
activities like car repairs, car rentals, or information
services. Between the partner and Yandex.Taxi,
an agreement on the provision of access to the
information service is concluded; – Between the
partner and the driver, a car rental contract, a car
sub-rental contract or a contract for paid services
of vehicle driving is concluded. In Russia, drivers
‘on demand’ in most cases do not even have their
own vehicle. In other countries, the ownership
of a car by Uber drivers indicates their economic
independence. In Russia, in many cases the drivers
only rent their car for working purposes, which
causes high pressure to work more hours and to do
more rides to make a profit. Drivers are de facto self-
employed persons. (CHESALINA, 2019, p. 52/53)242

242 “À semelhança de outros países, Yandex e também outras plataformas (em


terminologia russa-agregador) fingem ser apenas um intermediário e um mercado.
Enquanto muitas plataformas têm uma estrutura triangular (plataforma - cliente
- trabalhador por encomenda), Yandex. Táxi, ou Yandex.Eda respectivamente,
adoptaram uma estrutura “quadrilateral”; por este meio, nem todas estas quatro
relações são contratualmente reguladas. As estruturas quadriláteras não são únicas
no campo do trabalho a pedido, por exemplo, Uber colabora com sociedades
cooperativas de motoristas que empregam os próprios motoristas (sem carros
próprios); a estrutura empresarial da plataforma de entrega “Glovo” na Sérvia é de
cinco lados e envolve - para além dos clientes - a plataforma, restaurantes e outras lojas
como parceiros, correios, e uma agência de emprego privada que atribui os correios
[...] Nesta estrutura, as empresas de serviços de táxi são parceiras da plataforma. No
entanto, não são uma empresa de táxis no sentido literal, mas sim organizações ou
empresários individuais que prestam serviços de transporte entre outras actividades
como reparação de automóveis, aluguer de automóveis, ou serviços de informação.
Entre o parceiro e Yandex.Taxi, é celebrado um acordo sobre a prestação de acesso
ao serviço de informação; - Entre o parceiro e o condutor, é celebrado um contrato de
aluguer de automóvel, um contrato de sub aluguer de automóvel ou um contrato de
serviços pagos de condução de veículos. Na Rússia, os motoristas “a pedido” na maioria
dos casos nem sequer têm o seu próprio veículo. Noutros países, a propriedade de um
automóvel pelos condutores Uber indica a sua independência económica. Na Rússia,
em muitos casos, os condutores apenas alugam o seu carro para fins de trabalho, o que
causa uma grande pressão para trabalhar mais horas e fazer mais viagens para obter
lucros. Os motoristas são de facto trabalhadores independentes”. Tradução nossa

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 251


V IA DOS DIREITOS
Nesse cenário, é comum que empresas contratem motoristas
para prestar o serviço, na medida em que é pouco usual que os motoristas
tenham carros próprios, bem como não é incomum a participação de
empresas também na intermediação do trabalho dos entregadores. Vale
ressaltar que na Rússia o mercado de transporte de passageiros não tem
uma regulação tão intensa e o serviço era majoritariamente prestado
por motoristas informais.
Ainda, no caso russo é muito comum que exista o contrato
oficial entre o motorista e um terceiro que providencia a informação
sobre corridas, de forma que o pagamento recebido pelo motorista não
é considerado como oriundo do transporte de passageiros e sim de
serviços informacionais (DAVLETGILDEEV; KLIMOVSKAYA, 2019).
Para além disso, o trabalho por aplicativos é realizado, em grande
parte, por trabalhadores que não são de origem eslava, principalmente
imigrantes (WITTE, 2018), pois não é exigida a cidadania russa para
adentrarem nos aplicativos, e não é incomum existirem reclamações a
respeito dos pagamentos baixos pelas corridas (WITTE, 2018).
De acordo com uma pesquisa realizada com motoristas russos
(WITTE, 2018), muitos motoristas reclamam que em alguns dias
não conseguem ganhar dinheiro suficiente para pagar o aluguel dos
carros que utilizam. No caso das entrevistas, apenas dois motoristas
informaram que dirigiam o próprio carro, de um total de mais de vinte
motoristas entrevistados.
Finalmente, diversos trabalhadores também manifestaram seu
descontentamento com relação ao trabalho não pago, como no caso
em que precisam dirigir até uma área distante e não conseguem uma
viagem de volta para o local onde estavam anteriormente (WITTE, 2018).

5. Acesso aos direitos por parte dos trabalhadores Russos

A situação russa, como descrito, é extremamente complexa e


existe pouca literatura disponível a respeito do tema. Com relação ao
acesso a direitos trabalhistas por parte dos trabalhadores de aplicativo,
ao contrário de outros países na Europa, onde já se reconheceu o vínculo
entre as empresas e os trabalhadores, a situação na Rússia é diferente.
O país já vivenciou reclamações e movimentos grevistas tanto
de entregadores por aplicativo (MANYAKHIN, 2019), especialmente a

252 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
greve recente dos entregadores vinculados ao aplicativo Delivery Club
em nove de julho de 2020 (IMT Moscow, 2020). Além disso, também já
ocorreram greves de taxistas por aplicativo em menor escala, porém
sem o apoio do público ou cobertura da mídia (ZEVELEVA, 2019).
No tocante à disputas judiciais, o país também não está imune a
respeito da discussão nos tribunais sobre o vínculo empregatício entre
os motoristas on-demand e as plataformas. Ocorre, no entanto, que o
caso russo é peculiar, haja vista que a maior parte das demandas são
direcionadas não às plataformas, mas aos parceiros que agenciam
esses motoristas (CHESALINA, 2019, p. 54) - os operadores logísticos, à
semelhança do que existe no Brasil (MACHADO, 2020). Ainda, esclarece
Olga Chesalina que a discussão sobre a classificação de trabalhadores
em plataforma ainda é incipiente no país (CHESALINA, 2019, p. 58)
Em um dos casos em que foi pleiteado o reconhecimento do
vínculo empregatício (LENINSKY DISTRICT COURT, 2017), o tribunal
entendeu que tanto a Yandex.Taxi como o parceiro ofereciam serviços de
informação destinados a facilitar o encontro - matching - de passageiros
e motoristas, apesar de ser necessário que se leve em consideração a
situação factual, à semelhança do princípio da prevalência do conteúdo
sobre a forma no Brasil (RÚSSIA, 2018).
Dessa forma, é importante notar que plataformas como a
Yandex.Taxi exercem atos e funções atinentes ao empregador, tais
como estabelecimento de preços de forma unilateral, desligamento
de motoristas e entregadores dos aplicativos, além de exercer a
subordinação mediada por meios tecnológicos (CHESALINA, 2019, p.
57). Os parceiros, no caso, também atuam na função de empregadores,
instalando os aplicativos nos celulares dos trabalhadores, bem como
estabelecem uma jornada de trabalho (CHESALINA, 2019, p. 58).
Além disso, a empresa também estabelece padrões de conduta
para os motoristas, que se veem obrigados a socializar para receber
melhores comentários e receberem uma maior pontuação no aplicativo,
o que implica em mais corridas (WITTE, 2019)
Assim, ainda não existe uma solução padrão para o país, ao
contrário do que acontece com outros países pelo reconhecimento
do vínculo empregatício judicialmente ou pela promulgação de novas
leis. Dessa maneira, a situação russa ainda permanece em disputa,

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 253


V IA DOS DIREITOS
assim como no Brasil, onde não há um posicionamento unívoco dos
magistrados a respeito do tema.

6. Conclusão

A partir da nossa análise, é possível perceber que a situação


russa, embora peculiar pela existência de empresas parceiras na relação
com as plataformas de trabalho, em muito se assemelha aos casos
internacionais. Há reclamações constantes no tocante à remuneração
e condições de trabalho, sem que haja uma resposta coerente por parte
das autoridades.
Dessa forma, vale notar que a legislação russa não impede o
reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes, o que se
observa pela caracterização das partes da relação de trabalho no Código
Trabalhista Russo, bem como pela aceitação do princípio da primazia
da realidade sobre a forma pela Suprema Corte do país.
Isso quer dizer que é o problema de caracterização dos vínculos
entre trabalhadores e aplicativos se apresenta como um problema
global, embora possa demandar uma solução pensada nos moldes de
cada país.
Além disso, é importante notar que em países emergentes a
situação costuma se dissociar daquela dos países ditos desenvolvidos,
na medida em que, pelo menos no caso russo, os aplicativos ocupam
mercados cuja regulamentação é limitada e absorvem uma massa de
trabalhadores informais que, por diversas vezes, envolve imigrantes ou
nacionais desempregados que não conseguem se recolocar no mercado.
Finalmente, ainda que seja necessária a realização de mais
pesquisas e o avanço da literatura na Rússia, pode-se perceber que hoje
os trabalhadores nesse país não têm acesso a alguns direitos trabalhistas
básicos e se veem na encruzilhada entre a situação real de trabalho e
a sua classificação errônea por parte das empresas como contratantes
independentes.

254 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
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258 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
A regulamentação da Uber na Austrália e as batalhas judiciais
contra o reconhecimento da relação de emprego com os seus
motoristas

Raissa Lott Caldeira da Cunha243

1. Introdução

Na maior parte dos países em que a Uber começou a operar,


o serviço de transporte de passageiros por ela oferecido não se
enquadrava nos requisitos definidos pelas leis locais. Com o intuito de
se estabelecer nesses países, a Uber adotou agressivas estratégias para
conquistar seus mercados e forçar os seus governos a reformarem
suas legislações, regulamentando a sua atuação.
Nem sempre essas estratégias tiveram os efeitos desejados pela
empresa, resultando na sua proibição em alguns países. Por outro
lado, países como a Austrália se renderam à forte pressão exercida
pela Uber, modificando suas leis do setor de transporte de passageiros
para incorporar o serviço prestado pela Uber.
Em meados de 2016, os estados australianos começaram,
gradativamente, a regulamentar a atuação da Uber em seus territórios,
reformando suas legislações de transporte de passageiros. Com as
reformas, o transporte por aplicativo passou a ter que observar diversas
regras comuns às demais categorias de transportes de passageiros,
como taxistas, carros de aluguel e outros.
Desde a sua regulamentação na Austrália, algumas decisões de
tribunais australianos declararam que a Uber e outras empresas de
aplicativos de transporte são, essencialmente, empresas de transporte.
No entanto, até o momento permanece controversa a questão relativa
à possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício entre
a Uber e os seus motoristas, existindo poucas decisões da Corte
Trabalhista australiana sobre o assunto.
Esse artigo busca traçar um panorama da Uber na Austrália,
passando pelas questões que antecederam a sua regulamentação,
pelas reformas promovidas nas legislações estaduais e pelas recentes
243 Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 259


V IA DOS DIREITOS
decisões da Corte Trabalhista australiana sobre a possibilidade de
reconhecimento da relação de emprego entre a Uber e seus motoristas.

2. Histórico da Uber na Austrália: da ilegalidade às reformas


na indústria de transportes de passageiros

2.1. Estratégias adotadas pela Uber para forçar a sua


regulamentação na Austrália

A Uber foi lançada na Austrália em outubro de 2012, em


Sydney, capital do estado de Nova Gales do Sul. [1]. Inicialmente, a
plataforma oferecia apenas o serviço de UberBlack, que operava em
conformidade com as leis e protocolos do governo para o setor de táxis
e carros alugados, contando com motoristas profissionais, providos de
carteira de habilitação para fins comerciais e seguro para transporte
fretado de passageiros. Após o lançamento, a Uber expandiu sua
atuação para Melbourne, capital do estado de Victoria, e Brisbane,
capital do estado de Queensland. Em junho de 2013, a Uber lançou o
UberTaxi, em Sydney, serviço que permitia aos seus usuários solicitar
corridas de motoristas de táxis cadastrados na plataforma. [2]
Em abril de 2014, após meses de campanhas de marketing em
todo o país, foi oficialmente lançado o UberX na Austrália, que oferecia
o serviço de transporte de passageiros em veículos particulares,
conduzidos por motoristas não-profissionais, providos de carteira de
habilitação comum. Até o final daquele ano, o UberX começou a operar
na Nova Galês do Sul, Victoria, Queensland, Austrália Meridional e
Austrália Ocidental.
No entanto, perante as legislações estaduais australianas de
transporte de passageiros, o serviço oferecido pelo UberX era ilegal,
por não contar com as licenças e demais autorizações exigidas ao
setor de táxis. Dessa forma, em meados de 2014, os governos dos
estados em que o UberX estava operando começaram a emitir multas
aos motoristas identificados transportando passageiros em veículos
particulares via aplicativo Uber.
Em Queensland, desde agosto de 2014, o Department of Transport
and Main Roads (TMR) passou a multar os motoristas da Uber, por

260 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
estarem prestando serviço de transporte de passageiros sem a licença
necessária. No entanto, a empresa continuou operando e expandindo
o seu número de motoristas e usuários no estado. Assim, em abril de
2016, o parlamento de Queensland aprovou medidas mais rígidas para
tentar conter o avanço da Uber, determinando o pagamento de multas
no montante de $2356 para os motoristas e $23.560 para as empresas
que administrassem um serviço ilegal de táxis. [3]
Em um relatório de junho de 2016, apenas três meses após a
alteração da legislação, os inspetores de transporte de Queensland
informaram que cerca de 723 motoristas da Uber haviam sido multados
por prestarem serviço de transporte de passageiros ilegalmente, sendo
que 89 deles teriam sido multados mais de uma vez, sendo arrecadada
a quantia de $1.717.184, em multas, apenas naquele período. [4]
Em outubro de 2015, a Taxi Services Commission (TSC) de Victoria
informou que, no período de um ano, cerca de 355 motoristas haviam
sido multados, após serem identificados realizando ilegalmente
transporte de passageiros em veículos particulares, via aplicativo
Uber, sendo o valor total das multas aplicadas por volta de $594,000.
[5] Além disso, a TSC moveu processos judiciais contra 12 motoristas
da Uber por operarem um serviço de transporte de passageiros sem as
licenças necessárias. [6]
Por sua vez, na Nova Galês do Sul, a partir de junho de 2014,
a Roads and Maritime Service (RMS) começou a emitir multas, que
poderiam chegar ao valor de $2500, para motoristas da Uber, por não
estarem cumprindo com as exigências do Passenger Transport Act, que
determinava que o transporte de passageiros deveria ser realizado por
táxis devidamente licenciados ou carros de aluguel, conduzidos por
motoristas profissionais, autorizados pelo RMS. [7]
Em janeiro de 2015, o Departamento de Transportes da Nova
Galês do Sul informou que o RMS havia multado 33 motoristas da Uber,
totalizando o montante de $28,500 em multas, desde o lançamento do
serviço UberX no estado. [8] Além disso, em setembro de 2015, cerca
de 40 motoristas da Uber tiveram o registro do seu veículo e a sua
habilitação suspensos no estado, após a conclusão de investigação
coordenada pelas autoridades australianas. [9]
Na Austrália Meridional, a partir de agosto de 2014, foram

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 261


V IA DOS DIREITOS
estabelecidas multas, entre $3150 e $8000, para motoristas identificados
realizando ilegalmente o serviço de transporte de passageiros via
aplicativo Uber. [10] Ainda, na Austrália Ocidental, em abril de 2015,
o Departamento de Transporte havia emitido aos motoristas da Uber
sete advertências, duas contravenções e 53 notificações para provar
que estariam cumprindo as exigências do Transport Co-ordination Act
1966. Em agosto do mesmo ano, 29 motoristas da uber foram levados
à justiça sob a acusação de operarem um serviço de táxi ilegalmente.
[11]
Em todos os casos, a Uber declarou nas mídias que arcaria
com o pagamento das multas emitidas aos motoristas, efetivamente
realizando o seu pagamento ou reembolsando os valores pagos
pelos motoristas, bem como incentivou motoristas e usuários a
continuarem utilizando o aplicativo para o transporte de passageiros.
[12] Essa estratégia foi essencial para a Uber se consolidar nas grandes
cidades australianas e continuar a expandir sua área de atuação para o
interior dos estados, contando com um crescente número de usuários
e motoristas, apesar da forte repressão das autoridades australianas.
Paralelamente a essa frente de atuação que ganhou as mídias
e foi largamente propagada pela Uber em seus meios oficiais de
comunicação, em meados de 2014, uma nova e agressiva estratégia
foi colocada em prática de forma sigilosa pela Uber. Tratava-se do
software Greyball, uma ferramenta que permitia, entre outras coisas,
identificar e negar serviços a determinados usuários.244
Sendo largamente utilizado nos estados australianos em que

244 O jornal The New York Times, em 03 de março de 2017, tornou público o uso do
Greyball pela Uber, nas cidades de Oregon, Boston, Las Vegas e Paris, bem como
nos países Austrália, Coreia do Sul e China. Em resposta, a Uber admitiu o uso da
ferramenta, afirmando que ela teria sido projetada para negar corridas a usuários
que violassem os termos de serviço da empresa, incluindo aqueles envolvidos
em operações secretas. Vide: ISAAC, Mike. How Uber Deceives the Authorities
Worldwide.The New York Times. 03 mar. 2017. Disponível em: https://www.nytimes.
com/2017/03/03/technology/uber-greyball-program-evade-authorities.html. Acesso
em: 15 out. 2020. Autoridades dos estados australianos de Nova Galês do Sul e Victoria
afirmaram ter sido impedidos de utilizar o aplicativo para solicitar uma corrida,
precisando adotar novas táticas para tentar conter o avanço da Uber. Vide: NICHOLLS,
Sean; CRONAU, Peter; FALLON, Mary. How Australian transport authorities played cat
and mouse with Uber’s Greyball. ABC NEWS. 19 mar. 2019. Disponível em: https://
www.abc.net.au/news/2019-03-18/how-australian-authorities-played-cat-and-mouse-
with-uber/10900892. Acesso em: 15 out. 2020.

262 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
o serviço de transporte de passageiros da Uber era ilegal, o Greyball
foi responsável por impedir ou dificultar que os governos fossem
capazes de fazer cumprir suas leis, atrapalhando a fiscalização e as
investigações promovidas pelas autoridades policiais e agentes dos
Departamentos de Trânsito. A ferramenta atuava modificando a
funcionalidade do aplicativo Uber quando a tentativa de pedir uma
corrida viesse de um chip ou cartão de crédito suspeito ou identificado
como pertencente a um agente de transporte ou autoridade policial,
mostrando “carros fantasmas” nos mapas desses usuários, impedindo-
os de solicitar uma corrida real.
Com o uso das referidas estratégias a Uber foi capaz de se
estabelecer definitivamente na Austrália, conquistando um elevado
número de usuários e motoristas em todo o país. Dessa forma, após
longas negociações com os governos, gradativamente, ocorreram
alterações nas regulamentações de transporte de passageiros em cada
um dos estados australianos. Essa questão será abordada com maiores
detalhes no próximo tópico.

2.2. A regulamentação da Uber na Austrália: reformas no


setor de transporte de passageiros

A legalização da Uber na Austrália ocorreu com a revisão das


legislações de transporte de passageiros em cada estado australiano.
De um modo geral, as regulamentações incidiram sobre questões
relativas à segurança dos passageiros, estabelecendo requisitos
mínimos para os veículos e para os motoristas, bem como impuseram
aos motoristas a obrigatoriedade da aquisição e renovação contínua de
licenças ou autorizações definidas pelos Departamentos de Trânsito
estaduais. Além disso, alguns estados definiram que os motoristas
de aplicativos não poderiam aceitar corridas em plena rua sem a
intermediação dos aplicativos digitais ou em pontos de táxis. Também
foram implementados por vários governos pacotes de assistência
financeira a motoristas de táxi, após a promoção de alterações em
suas legislações.
A seguir, serão abordadas as reformas promovidas na
legislação do Território da Capital Australiana e em cada um dos
estados australianos.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 263


V IA DOS DIREITOS
2.2.1. Regulamentação da Uber no Território da Capital
Australiana

No Território da Capital Australiana, em 1º de agosto de


2016, foram aprovadas novas regras para o serviço de transporte de
passageiros, estando os motoristas obrigados a atender os requisitos
estabelecidos pela Road Transport (Public Passenger Services) Regulation
2002 e pela Road Transport (Driver Licensing) Regulation 2000. [13]
Segundo a nova regulamentação, os motoristas devem possuir carteira
de habilitação específica para o serviço prestado e autorização para
realizar o transporte de passageiros, bem como devem comprovar
ter participado de curso voltado para o atendimento de “pessoas
vulneráveis”, nos termos do Working with Vulnerable People (Background
Checking) Act 2011.
Além disso, devem apresentar certificado de inspeção veicular
atualizado, contratação de seguro com cobertura para terceiros e
licença para o veículo ser utilizado no transporte de passageiros. Os
veículos também devem ser identificados com um selo que indica a
sua utilização para o transporte de passageiros.

2.2.2. Regulamentação da Uber na Nova Galês da Sul

A Nova Galês do Sul foi o primeiro estado australiano a


introduzir o transporte de passageiros via aplicativo em sua legislação,
com a aprovação da Point to Point Transport (Taxis and Hire Vehicles)
Act 2016 [14], em 22 de junho de 2016. Após, em agosto de 2017, foi
aprovada a Point to Point Transport (Taxis and Hire Vehicles) Regulation
2017 [15]. De acordo com as normas, os motoristas de aplicativos devem
possuir uma autorização para realizar o transporte de passageiros,
bem como devem registrar seu veículo para uso comercial e cumprir
com padrões de segurança. Para obter a autorização, os motoristas
devem possuir carteira de habilitação definitiva, apresentar avaliação
médica atestando a integridade da sua saúde física e psíquica, exame
oftalmológico e certidão negativa de antecedentes criminais. [16]
O governo da Nova Galês do Sul também foi o primeiro
a estabelecer um pacote de compensação e assistência para os

264 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
motoristas de táxi, no valor de $250 milhões. Para financiar o pacote,
a partir de 1 de fevereiro de 2018, passou a ser cobrada, de todos os
motoristas que realizam transporte de passageiros, uma taxa de $1 por
cada viagem realizada.[17]

2.2.3. Regulamentação da Uber na Austrália Meridional

Em 1º de julho de 2016, o governo da Austrália Meridional


introduziu reformas no Passenger Transport Act 1994 e no Passenger
Transport Regulations 2009, regulamentando o transporte de
passageiros em veículos particulares, mediante solicitação por
aplicativo, no estado. [18] Para cumprir com os requisitos impostos
pela nova regulamentação, os motoristas devem apresentar certidão
negativa de antecedentes criminais e exames médicos e oftalmológicos
atualizados. [19] Além disso, os motoristas devem obter uma
autorização para realizar o serviço de transporte de passageiros, bem
como contratar um seguro com cobertura para terceiros e um seguro
de danos pessoais causados por veículos automotores. [20]
O governo da Austrália Meridional adotou também uma taxa
de $1 sobre todas as corridas realizadas, com a finalidade de custear
um pacote de assistência aos titulares e locatários de licenças de
táxis, reduzir as taxas anuais para todos os serviços de transporte de
passageiros e para apoiar outras iniciativas da indústria, especialmente
as voltadas para o atendimento às pessoas com deficiência. [21]

2.2.4. Regulamentação da Uber na Tasmânia

Em 1º agosto de 2016 foram realizadas reformas na legislação


de transporte de passageiros da Tasmânia, com a aprovação da Taxi
and Hire Vehicle Industries Amendment Act 2016. A nova legislação
reconheceu os motoristas de aplicativo como prestadores de serviço
de transporte de passageiros, isentando-os, no entanto, da obrigação
de obter uma licença de táxi. Por outro lado, os motoristas deveriam
obedecer determinados requisitos, incluindo a apresentação de
certidão negativa de antecedentes criminais, exames médicos
periódicos, comprovante de participação em curso sobre trabalho com

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 265


V IA DOS DIREITOS
“pessoas vulneráveis”, realização de inspeção veicular e contratação
de seguro com cobertura para terceiros. [22]
Atualmente, o governo da Tasmânia está se preparando
para apresentar uma nova legislação para o serviço de transporte
de passageiros, que irá abordar os seguintes pontos: suspensão da
cobrança de novas licenças de táxis pelo período de quatro anos,
manutenção das licenças para carros de aluguel e veículos de luxo,
regulamentação das empresas responsáveis pela intermediação entre
os motoristas e os passageiros e requisitos de segurança para os
veículos e motoristas. [23]

2.2.5. Regulamentação da Uber em Queensland

Em Queensland, em 05 de setembro de 2016, o governo


aprovou o Queensland Personalised Transport Horizon, um complexo
programa de reforma do setor de transporte de passageiros, com
duração de 05 anos, que tem o intuito de promover, dentre outras
coisas, a desregulamentação da indústria de táxis, carros de aluguel
e limusines. Atualmente, o programa se encontra no seu terceiro e
último estágio, tendo sido efetivamente implementadas reformas na
legislação estadual. [24]
Com as novas leis, todos os motoristas que realizam o
transporte de passageiros devem possuir uma autorização emitida
pelo Departament of Transport and Main Roads de Queensland para
prestarem o serviço, bem como devem apresentar certidão de
histórico de motorista e atestado médico de saúde regularmente.
Ainda, os motoristas devem ser submetidos a verificações periódicas
de antecedentes criminais e devem cumprir com a determinação de
tolerância zero para álcool e drogas. [25]
Além disso, os veículos utilizados no transporte de passageiros
devem passar por inspeção anual, ser equipados com câmera de
segurança, identificados com adesivo em local visível e ser assegurados
com seguro com cobertura para terceiros. O governo de Queensland
também estabeleceu um pacote de assistência para os setores afetados
pelas reformas, no valor de $100 milhões.

266 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
2.2.6. Regulamentação da Uber em Victoria

As reformas na indústria de veículos comerciais de passageiros


de Victoria foram realizadas, em 10 de agosto de 2017, por meio da
aprovação do Commercial Passenger Vehicle Industry Bill 2017. Essa
legislação foi novamente reformada no final de 2017 e na metade de
2018, sendo aprovadas alterações ainda mais profundas na indústria
de transporte de passageiros do estado. [26]
Com as alterações, foi adotado um novo sistema de registro
dos veículos utilizados no transporte de passageiros, sendo abolidas
as licenças para táxis e carros de aluguel. Também foram abolidas
as tarifas pré-fixadas para o transporte de passageiros, exceto para
as corridas realizadas na região metropolitana de Victoria sem a
prévia solicitação por aplicativo, site ou telefone. Além disso, todos os
motoristas devem possuir uma autorização para realizar o transporte
de passageiros, bem como devem apresentar certificado negativo de
antecedentes criminais e avaliações médicas periódicas. [27]
O governo de Victoria também adotou um pacote de assistência
de $500 milhões para aqueles motoristas que possuíam uma licença
para o transporte de passageiros antes das reformas, sendo adotada
uma taxa de $1 por cada corrida realizada no estado para custear o
pacote.

2.2.7. Regulamentação da Uber no Território do Norte

Em 1º de dezembro de 2017, o Território do Norte implementou


um novo modelo regulatório de transporte de passageiros, que seria
dividido em dois estágios. [28] O primeiro estágio foi voltado para a
regulamentação do serviço de transporte de passageiros via aplicativo
que seria futuramente permitido operar no estado, consistindo na
elaboração e divulgação de procedimentos para o cadastramento
das empresas interessadas e dos novos motoristas, elaboração de
um código de conduta a ser observado pelos motoristas, passageiros
e empresas e definição dos requisitos mínimos para aprovação dos
veículos utilizados para o serviço.
No segundo estágio do plano, que teve início em 1º de fevereiro

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 267


V IA DOS DIREITOS
de 2018, o transporte de passageiros via aplicativo foi oficialmente
legalizado no estado. Também nessa data ocorreu a redução, em cerca
de 75%, do valor das licenças cobradas aos taxistas e demais veículos
comerciais de transporte de passageiros [29], bem como começou a
ser cobrada uma taxa de $1 por corrida realizada, para arcar com os
custos da regulação da indústria de transporte de passageiros e para
promover melhorias no serviço prestado para pessoas com deficiência
[30].
Atualmente, para operar no Território do Norte é preciso
que os motoristas adquiram uma licença para realizar o transporte
de passageiros, que deve ser renovada anualmente. Além disso, é
obrigatória a realização de um treinamento antes de se iniciar a
prestação do serviço. Por sua vez, os veículos devem conter sinalização
que os identifique como veículos de transporte de passageiros, bem
como devem passar por inspeção e ser segurados contra danos
pessoais causados por veículos automotores [31].

2.2.8. Regulamentação da Uber na Austrália Ocidental

Na Austrália Ocidental foi aprovada nova legislação de


transporte de passageiros em 30 de outubro de 2018. A Transport (Road
Passenger Services) Act 2018 [32] determinou a abolição da licença
que era exigida aos motoristas de táxis, sendo estabelecida, em seu
lugar, uma autorização para prestação do serviço de transporte
de passageiros, que deve ser renovada anualmente, por todos os
motoristas que prestam esse serviço, independente da categoria que
integram. [33]
Como parte das mudanças promovidas pela legislação, passou
a ser exigido dos motoristas a apresentação de certidão negativa de
antecedentes criminais e exames médicos periódicos. Os veículos
devem passar por inspeção e conter câmera de segurança em seu
interior.
A partir de 1 de abril de 2019, com a aprovação do Transport
(Road Passenger Services) Regulations 2019, o governo da Austrália
Ocidental passou a exigir o pagamento de uma taxa sobre cada corrida
realizada, com a finalidade de custear um pacote de compensação aos
taxistas, no valor de $120 milhões.

268 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
3. Classificação dos motoristas da Uber na Austrália: a
atuação da corte trabalhista e do órgão de fiscalização do
cumprimento das leis trabalhistas

As reformas promovidas nas legislações de transporte de


passageiros dos estados australianos regulamentaram o serviço
prestado pela Uber e demais aplicativos de transporte, tornando-
os legais em todo o país. No entanto, as novas leis não adentraram
na questão do vínculo existente entre as empresas detentoras dos
aplicativos de transporte e os seus motoristas.
Por sua vez, mantendo o posicionamento que já vinha
adotando nos demais países em que se estabeleceu, a Uber alegou se
tratar de uma empresa de tecnologia, cuja função é apenas conectar os
motoristas aos usuários da plataforma digital, não possuindo, portanto,
vínculo empregatício com os motoristas. Assim, ao classificar como
trabalhadores autônomos os motoristas que utilizam a sua plataforma
digital, a Uber tem conseguido se esquivar de suas responsabilidades
e deveres trabalhistas, regulados pelo Fair Work Act 2009245.
Dessa forma, os motoristas da Uber que pretendem contestar
judicialmente os seus salários ou a rescisão dos seus contratos, por
exemplo, devem primeiramente contestar o seu status de trabalhador
autônomo. Para determinar se um indivíduo é um trabalhador
autônomo ou um empregado as cortes australianas adotaram um
teste, denominado multi-factor (common law) test. [34]
Esse teste examina a natureza da relação existente entre as
partes, com base em uma série de perguntas que buscam elucidar se
existe controle sobre o trabalho exercido pelo trabalhador, de quem
são as ferramentas ou equipamentos utilizados no trabalho, como
é feito o pagamento, se o trabalhador pode delegar a execução do
trabalho para outra pessoa e se o trabalhador pode fornecer serviços
para outras empresas. As proteções contra a fraude na contratação do
serviço autônomo estão previstas no Fair Work Act 2009.
Tendo em vista a dimensão das operações da Uber na Austrália,

245 A Fair Work Act 2009 (Lei) é a principal lei trabalhista da Austrália, ela estabelece
os termos e condições de emprego, bem como os direitos e responsabilidades dos
trabalhadores, empregadores e sindicatos.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 269


V IA DOS DIREITOS
existem poucos casos em que motoristas contestaram o seu status de
trabalhador autônomo judicialmente. Sem exceção, nenhum desses
casos teve um desfecho favorável aos trabalhadores. Nos próximos
tópicos, serão abordadas três decisões da Fair Work Commission
(FWC)246 que declararam inexistir relação de emprego entre a Uber e
seus motoristas e a conclusão das investigações realizadas pelo Fair
Work Ombudsman (FWO)247.

3.1. Caso “Kaseris vs. Rasier Pacific V.O.F.” perante a Fair Work
Commission (2017)

Trata-se de caso levado à Corte pelo motorista da Uber em


Victoria, Michail Kaseris, em razão da desativação de sua conta no
aplicativo da Uber devido à baixa avaliação dos passageiros, sob a
alegação de dispensa por motivo injusto [35]. A Uber apresentou
contestação alegando que Kaseris não era um empregado e, portanto,
não podia apresentar uma ação contra dispensa injusta, com base no
artigo 382248 do Fair Work Act 2009.
A Corte concluiu que, de acordo com os termos e condições
da Uber, com os quais Kaseris teria concordado, a empresa apenas
teria fornecido a sua plataforma digital para o motorista se conectar
com usuários que precisavam de serviços de transporte. Faltava a esse
acordo o elemento chave para a configuração da relação de emprego,
uma vez que o motorista não estaria obrigado a realizar qualquer
trabalho ou fornecer qualquer serviço para a Uber.
Segundo a Corte, aplicando o multi-factor (common law) test,
teria restado evidente que o motorista poderia decidir se ou quando
prestaria o serviço de transporte de passageiros usando a plataforma
da Uber, podendo recusar corridas, bem como o motorista utilizava

246 A Fair Work Commission (FWC) é o Tribunal do Trabalho da Austrália.


247 O Fair Work Ombudsman (FWO) da Austrália é um órgão independente, criado
pelo Fair Work Act 2009, cujo principal papel é monitorar, investigar e impor o
cumprimento das leis trabalhistas pelas empresas, bem como iniciar procedimentos
legais frente a violações a direitos trabalhistas e fazer intermediação entre sindicatos,
empresas e outras partes interessadas.
248 O artigo 382 do Fair Work Act 2009 determina os requisitos para um trabalhador
ser protegido de uma dispensa injusta.

270 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
veículo próprio e havia providenciado os demais equipamentos
necessários para a realização do serviço, não usava uniforme ou exibia
a logotipo da uber no veículo, dentre outros elementos. Assim, em 21
de dezembro de 2017, a Corte decidiu que Kaseris era um trabalhador
autônomo e, portanto, não poderia ingressar com uma ação de
dispensa injusta contra a Uber.

3.2. Caso “Pallage vs. Rasier Pacific Pty Ltd” perante a Fair
Work Commission (2018)

O caso foi levado à Corte por Janaka Namal Pallage, motorista


da Uber em Victoria, também sob a alegação de dispensa por motivo
injusto, em razão da desativação de sua conta no aplicativo da Uber
devido à violação, não especificada pela empresa, de dispositivo do
Código de Conduta da Uber. [36]
Diante dos registros de corridas de Pallage pelo aplicativo da
Uber, que demonstravam que o motorista teria completado cerca
de 1400 corridas utilizando o aplicativo da Uber em um período de
14 meses, a Corte concluiu que as alegações da Uber de que seria
apenas uma empresa de tecnologia, atuando meramente na conexão
dos motoristas com os usuários de sua plataforma digital, não se
sustentavam. Segundo a Corte, a tecnologia desenvolvida pela Uber
seria apenas um instrumento para a realização de seus negócios, que
seriam, em verdade, a prestação de serviços de transporte.
Apesar disso, em 11 de maio de 2018, após a realização do
multi factor (common law) test, a Corte concluiu que Pallage não era
um empregado da Uber, uma vez que cabia a ele decidir quando e por
quanto tempo o serviço seria prestado, podendo recusar corridas, bem
como havia adquirido por conta própria os equipamentos necessários
para a realização do serviço, não utilizava uniforme com a logotipo
da empresa, recebia seu salário de forma irregular, a depender da
quantidade de corridas realizadas, podia transportar passageiros
utilizando plataformas digitais de outras empresas, dentre outros
elementos.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 271


V IA DOS DIREITOS
3.3. Caso “Suliman vs. Rasier Pacific Pty Ltd” perante a Fair
Work Commission (2019)

Em 12 de julho de 2019, a Corte rejeitou pela terceira vez


uma ação de dispensa por motivo injusto proposta por um motorista
da Uber. [37] O caso trouxe uma novidade devido à alegação do
motorista Rajab Suliman de que o serviço por ele prestado poderia ser
enquadrado como trabalho eventual249.
A Corte, no entanto, não aceitou a analogia, concluindo que
no trabalho eventual o empregado não pode se recusar a realizar
um serviço após ter comparecido ao trabalho. Isso não ocorreria na
relação entre a Uber e os seus motoristas, uma vez que os motoristas
não poderiam ser obrigados pela Uber a aceitar solicitações de
passageiros mesmo estando conectados ao seu aplicativo.

3.4. Conclusão da investigação do Fair Work Ombudsman


sobre a relação entre a Uber e os seus motoristas

Em 7 de junho de 2019, o Fair Work Ombudsman (FWO) da


Austrália emitiu um comunicado de imprensa informando sobre a
conclusão da sua investigação sobre a possibilidade de reconhecimento
de vínculo empregatício entre a Uber e os seus motoristas, nos termos
da Fair Work Act de 2009.
A investigação começou em 2017, após provocação do órgão
por motoristas da Uber, e teriam sido analisados contratos de diversos
motoristas, registros do horário de entrada e saída do aplicativo,
extratos de pagamento e registros bancários, bem como teriam sido
feitas entrevistas com motoristas. Finalizada a investigação, o Fair
Work Ombudsman concluiu pela inexistência de relação de emprego
entre a Uber e os seus motoristas, declarando que nenhuma ação seria
implementada contra a Uber, por ela estar operando em conformidade
com a lei.
Segundo o órgão, para que o vínculo empregatício exista,

249 Na Austrália existe a figura do empregado eventual, o qual pode apresentar uma
ação de dispensa injusta perante a Corte, nos termos do artigo 384 do Fair Work Act
2009.

272 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
deve haver, no mínimo, a obrigação de um funcionário executar o
seu trabalho quando exigido pelo empregador, o que não teria sido
observado na relação da Uber com os seus motoristas. Além disso,
outro fator chave para a conclusão do Fair Work Ombudsman teria
sido a inexistência de controle de jornada por parte da Uber.
Cabe observar que o Fair Work Ombudsman apenas emitiu
um comunicado de imprensa informando sobre a conclusão da
investigação, não concedendo acesso público aos documentos
levantados e ao relatório final da investigação. Ainda, conforme
relatado pelo jornal The Sydney Morning Herald, o Fair Work
Ombudsman teria se recusado a fornecer acesso a esses documentos
quando solicitado pelo jornal. [38]

4. Conclusão

Como visto, as agressivas estratégias adotadas pela Uber


pressionaram os governos dos estados australianos a regulamentarem
a sua atuação, sendo realizadas reformas nas legislações de transporte
de passageiros em todo o país. Após se tornar legal o transporte de
passageiros por aplicativo na Austrália, permaneceu controversa a
questão do vínculo entre as empresas de aplicativos de transporte e
os motoristas.
Os três casos levados à Fair Work Commission por motoristas
da Uber sob a alegação de dispensa injusta foram rejeitados pela Corte,
por não serem os trabalhadores reconhecidos como empregados,
com base em uma suposta ausência de subordinação entre a empresa
e os seus motoristas. De igual maneira, as investigações promovidas
pelo Fair Work Ombudsman concluíram inexistir relação de emprego
entre a Uber e os seus motoristas devido à ausência de subordinação
e controle de jornada por parte da empresa sobre os trabalhadores.
Ao analisarem a dinâmica do trabalho desses motoristas
com base na subordinação clássica, a Corte Australiana e o órgão
fiscalizador das relações de trabalho da Austrália ignoraram as
diversas formas de controle alternativas utilizadas no trabalho
plataformizado, inclusive pela Uber sobre os seus motoristas. [39] Com
efeito, o relatório elaborado pelo estado de Victoria sobre o trabalho

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 273


V IA DOS DIREITOS
plataformizado revelou que os algoritmos dos aplicativo de transporte
controlam de perto os comportamentos dos motoristas quando eles
estão conectados, desencorajando a rejeição de corridas. [40]
Como informado pelo relatório, os motoristas que rejeitam
muitas corridas podem sofrer penalidades pela empresa, como
suspensões ou até mesmo a desativação da sua conta. Por outro lado,
as empresas recompensam os motoristas que aceitam mais corridas,
financeiramente ou com outros incentivos. Além disso, o controle é
exercido pelo “Código de Conduta” da empresa, estando os motoristas
sujeitos a suspensão ou exclusão das plataformas caso a sua avaliação
pelos usuários do aplicativo não atinja os níveis considerados
adequados pela empresa.
Dessa forma, as decisões existentes até o momento revelam
a incompreensão da Corte Australiana e do órgão de fiscalização
das relações trabalhistas da Austrália sobre a realidade do trabalho
desempenhado pelos trabalhadores plataformizados, bem como
lançam luz à necessária adequação do teste denominado multi-factor
(common law) test para examinar a natureza da relação existente entre
as empresas de aplicativos de transporte e os seus motoristas.

5. Referências

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nível em: https://thenextweb.com/au/2012/11/30/uber-goes-official-in-
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274 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


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[10] Uber illegal and drivers will be fined, says South Austra-
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[12] Ride-share app Uber pledges to pay traffic fines for WA

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 275


V IA DOS DIREITOS
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[13] Rideshare accreditation and licensing in the ACT. ACT
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[14] AUSTRALIA. NEW SOUTH WALES. Point to Point Trans-
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[15] AUSTRALIA. NEW SOUTH WALES. Point to Point Trans-
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[16] Application for a passenger transport licence code. NSW
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[17] The Industry Adjustment Assistance Package. NSW Gov-
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[20] Taxi and Chauffeur Vehicle Industry Reform. Government
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[21 Point to Point Transport Service Transaction Levy FAQs In-
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276 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
sengers.pdf
[22] Taxi and Hire Vehicle Industries Regulatory Review. Tas-
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www.transport.tas.gov.au/public_transport/industry_and_operator_
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T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 277


V IA DOS DIREITOS
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[31] New Regulatory Model. Northern Territory Government.
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Disponível em: https://dipl.nt.gov.au/strategies/commercial-passen-
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[33] About on-demand transport. The Government of West-
ern Australia. Department of Transport. Jan 23 2019. Disponível em:
https://www.transport.wa.gov.au/On-demandTransport/about-on-de-
mand-transport.asp
[34] How to determine if a worker is an employee or an inde-
pendent contractor. Australia Government. Australia Building and
Construction Commission. https://www.abcc.gov.au/resources/fact-
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[35] AUSTRALIA. FAIR WORK COMMISSION. Mr Michail Ka-
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vel em: https://www.fwc.gov.au/documents/decisionssigned/html/
2017fwc6610.htm
[36] AUSTRALIA. FAIR WORK COMMISSION. Janaka Namal
Pallage v Rasier Pacific Pty Ltd [2018] (U2017/13448) FWC 2579. Dispo-
nível em: https://www.fwc.gov.au/documents/decisionssigned/html/
2018fwc2579.htm
[37] AUSTRALIA. FAIR WORK COMMISSION. Rajab Suliman v
Rasier Pacific Pty Ltd (U2019/2392) [2019] FWC 4807. Disponível em: ht-
tps://www.fwc.gov.au/documents/decisionssigned/html/2019fwc4807.
htm
[38] PATTY, Anna. Fair Work watchdog hiding details behind
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Disponível em: https://www.smh.com.au/business/workplace/fair-
work-watchdog-hiding-details-behind-uber-knockback-decision-
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[39] FORSYTH, Anthony Forsyth. Playing Catch-Up but Falling

278 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
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T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 279


V IA DOS DIREITOS
Trabalhadores da Uber na Colômbia e no Brasil: entre
precariedades e regulações

Breno Lucas de Carvalho Ribeiro250

1. Introdução

A nova morfologia do trabalho promove uma série de


complexificações e fragmentações nas formas laborais. As mudanças
promovidas nos sistemas econômicos, a partir das novas maneiras de
gestão das empresas, impactam fortemente a organização e o controle
das novas formas de trabalho. Esse capitalismo exige, ao redor do
mundo, uma série de reformulações e novas exigências.
As empresas de aplicativos, principalmente, a Uber não foge
dessa lógica. Os impactos das novas formas de trabalho se dão de
modo maciço e, geralmente, homogêneo, contudo, há especificidades
e formas de enfrentamento diferentes ao redor do mundo.
O Brasil e a Colômbia são países latino-americanos que
apresentam especificidades na gestão dessas novas formas de trabalho
que merecem ser analisadas. É preciso, dessa maneira, averiguar
o entrecruzamento de dados estatísticos com análise da doutrina
contemporânea. Para isso, propõe a análise das formas precárias e das
regulações da empresa Uber na Colômbia e no Brasil.
Em paralelo, é preciso coadunar uma análise econômica,
social e jurídica na tentativa de demonstrar um novo aspecto da
temática apresentada. A partir disso, estabelecerá comparações e
tensões entre as noções na tentativa de averiguar, como objetivo geral,
de que modo os aplicativos, na era digital, promove a intensificação da
marginalização dos trabalhadores de aplicativos.
Propõe-se, em primeiro plano, a discussão das relações dessa
nova fase da hegemonia informacional-digital, sob comando do
capital financeiro, no controle e na gestão dos trabalhadores da Uber.
Posteriormente, adentrará nas especificidades jurídico-econômicas
250 Mestrando do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-Graduando em Direito Constitucional pela
Universidade Cândido Mendes (UCAM). Pesquisador bolsista de dedicação exclusiva
(CAPES- PROEX.),

280 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
da Colômbia na tentativa de compreender os obstáculos do país na
regularização e nos impasses jurídicos para sua livre circulação.
Perpassada essa temática, buscará aprofundar nas
marginalizações dos trabalhadores no país mencionado e as
dificuldades do Estado em obter patamares mínimos de trabalho.
No último tópico, articulará dados oficiais do Governo brasileiro na
tentativa de compreender as dificuldades dos trabalhadores da Uber
no país. Por fim, serão realizadas aproximações e tensões entre as
nações a partir dos seus elementos particulares.

2. Gig-Economy, indústria 4.0 e economia colaborativa

A uberização é um processo no qual as relações de trabalho


são crescentemente invisibilizadas, assumindo, assim, a forma
de prestação de serviços, paralelamente, excluindo as relações de
assalariamento e exploração do trabalho (ANTUNES, 2020, p. 11)
A partir da Indústria 4.0251 tem-se uma nova fase da hegemonia
informacional-digital, sob comando do capital financeiro “na qual os
aplicativos e aparelhos eletrônicos exercem controle, supervisão e
comando na ciberindústria do século XXI” (ANTUNES, 2020, p. 15)
Os aplicativos utilizam-se dos “algoritmos, da inteligência
artificial e todo arsenal digital, canalizado para fins estritamente
lucrativos” o que possibilita novas modalidades de trabalho, resultando
na exclusão da legislação social protetora (ANTUNES, 2020, p. 20)
Esses algoritmos são organizados por softwares que, por meio
dos programas informáticos, automatizam a tomada de decisões
de “gestão das dimensões do trabalho, incluindo todo o espectro
socioeconômico dos locais de trabalho, bem como todo o ciclo de vida
da relação de trabalho” (ADAMS-PRASSL, 2020, p. 89)
Sob o comando dos algoritmos, “as empresas conseguem obter
o controle do trabalho, de que são exemplos os registros em tempo
real da realização de cada tarefa e de velocidade, local e movimentos
realizados, mensuração da tarefa e da velocidade” (ANTUNES;
FILGUEIRAS, 2020, p. 66)
251 Proposta que nasceu na Alemanha, em 2011, em razão do profundo
aprofundamento das tecnologias na era produtiva, estruturada a partir das novas
tecnologias da informação e comunicação (TIC).

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 281


V IA DOS DIREITOS
Essa economia colaborativa252 constitui-se como um sistema
em que se comportam e se intercambiam bens e serviços por meio das
plataformas tecnológicas. Partindo dessas definições, as empresas que
utilizam dessas ferramentas têm como objetivo principal a redução
dos custos de operação e aumentar a exploração do trabalho.
As estratégias de contratação e gestão do trabalho mascaram
o assalariamento presente nas relações que se estabelecem, o que se
verifica, principalmente, as empresas de aplicativos de transporte. A
negação do “assalariamento é um elemento da estratégia empresarial,
pois, sob a aparência de maior autonomia, o capital busca, de fato,
ampliar o controle sobre o trabalho para recrudescer a exploração e a
sujeição” (ANTUNES; FILGUEIRAS, 2020, p.60)
Dentro desse arranjo, as pessoas podem compartilhar
seus veículos, solicitar um serviço de transporte por meio de um
aplicativo, por exemplo. No entanto, a inserção da tecnologia nas
relações laborais tem modificado a estrutura típica tradicional das
organizações empresariais e de seus elementos - prestação pessoal de
serviços, remuneração, subordinação- tendo que se ajustar as diversas
transformações (GONZALES, 2017, p. 03)
Os serviços de táxis privados ou particulares gerados, a partir
do uso de um aplicativo digital, tem sido estabelecido dentro da
denominada “economia GIG”. Nesse sistema, encontram-se empregos
de curta duração ou esporádicos, caracterizados- em sua maioria- pela
informalidade ou que requerem necessariamente de maior tempo ou
a presença física do prestador de serviços em um centro de trabalho e,
sobretudo, sem que, essas tarefas impliquem em vínculo laboral com
direitos laborais e proteção social (GONZALES, 2017, p. 05)
A Uber253, por exemplo, é uma empresa de tecnologia
“plataformizada” que, por meio de seu aplicativo, conecta os usuários
para que consigam se deslocar com maior facilidade. Autodefine-
se como uma base de dados, oportunidade em que os clientes e os
252 Esta economia informal responde a uma estrutura incipiente da organização
produtiva, na qual os trabalhadores não gozam de benefícios sociais, nem estabilidade
e garantias no emprego, têm rendimentos baixos e irregulares. A maioria das pessoas
neste setor de trabalho não tem escolaridade e poucas possibilidades de mudança
para um emprego formal.
253 tendo sido criado em 2009 e começou a operar em São Francisco e Nova York em
2010 e hoje realiza em média mais de 3 milhões de viagens por dia

282 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
prestadores de serviços (condutores da plataforma) se encontram
virtualmente. A empresa é um aplicativo que, aproveitando da chamada
“economia colaborativa” se considera como mero intermediário entre
usuários e condutores.
Perpassada e analisada a temática acima exposta, se buscará
analisar, dentro desse sistema econômico, os desafios da Uber na
Colômbia.

3. Entraves da Uber na Colômbia

Na Colômbia, especificamente, as plataformas digitais


tiveram um grande boom no mercado de trabalho. A economia tem
experimentado um crescimento econômico nos últimos anos, com
aumento do emprego. Contudo, verifica-se que, paralelamente,
houve elevação do subemprego, da terceirização e da desigualdade
de renda. “O acesso ao trabalho por meio de plataformas digitais não
é controlado pelo Estado, tampouco existe uma regulamentação que
proteja os trabalhadores que prestam serviços; o que tem causado
aumento da informalidade e da precariedade”. A forma de acesso ao
trabalho é produto das mudanças na economia e das demandas que
surgem, com pouca ou nenhuma regulamentação (YANITZA, 2019, p.
156).
Segundo as estatísticas, na Colômbia em julho de 2019, a taxa de
desemprego de 13 cidades e áreas metropolitanas era de 10,3%, assim,
trabalhar em plataformas digitais tem sido uma oportunidade de
emprego, sendo o único meio de subsistência para esses trabalhadores
(YANITZA, 2019, p. 157). Segundo a Organização Internacional do
Trabalho (OIT), a informalidade total na Colômbia em 2018 era de
60,6% e no setor rural chegava a 89,2%
Dentro desse cenário, o país encontra alguns desafios.
Recentemente, a cidade foi listada como a segunda pior cidade do
mundo para dirigir através do aplicativo Waze254 que deu à cidade
uma classificação de 3.4 de 10.0, este depois de avaliar 50 milhões de
usuários em 32 países e 167 áreas adicionando a isso os problemas
254 Serviço de navegação GPS que é baixado para um celular, usuários de aplicativos
podem relatar qualquer situação apresentado na estrada como: engarrafamentos,
acidentes, bloqueios, etc.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 283


V IA DOS DIREITOS
legais que o aplicativo teve (ARISTIZÁBAL; PÉREZ, 2016, p. 15)
Um dos problemas do excesso de veículos públicos que
transitam em Bogotá é o número de táxis vazios, considerando que a
capital tem mais táxis que Nova York, “mostrando que há 51.885 carros,
principalmente táxis amarelos, representando 57,1% do total 90.923
veículos públicos cadastrados, ou mais da metade do serviço público
é composto por esse tipo de transporte” (ARISTIZÁBAL; PÉREZ, 2016,
p. 18)
Em 2013, a plataforma Uber entrou na Colômbia, a partir desse
momento gerou um impacto inegável na sociedade e na economia do
país. Esse modelo de “mobilidade compartilhada”, já teve cerca de 86
mil sócios regentes (BARRERO; PARRA; ALBERTO, 2020, p. 06)
Atualmente, essa plataforma “retém entre 35 e 40% de cada
serviço prestado, sendo o restante do valor recebido pelo motorista
que arca com os custos operacionais, como combustível, manutenção,
seguro, alimentação e em muitos casos o aluguel do veículo, deixando
uma porcentagem de cada vez ganho inferior” (BARRERO; PARRA;
ALBERTO, 2020, p. 07)
Verifica-se, também, que Bogotá tem uma normativa que não
permite as novas dinâmicas sociais em matéria de transporte. As leis
que existem foram realizadas há mais de uma década que regulam
unicamente o serviço público de transporte e não dão possibilidade
de incluir um serviço diferente.
O último decreto que foi expedido (2297 de 2015), o qual
tentou regular a atividade do Uber, se limita a tomar elementos da
lei existente e adicionar um outro componente diferente sem ter em
conta a realidade social. A Uber argumenta que não é uma empresa de
transporte e tampouco se constituirá como tal. Como consequência,
as diferentes autoridades públicas e entidades governamentais
consideram sua operação como ilegal, motivo pelo qual se tem
intentado o encerramento de suas atividades por meio de multas,
sanções e outros tipos de medida.
Nesse sentido, a Superintendência da Indústria e Comércio
(SIC), que regula a concorrência e protege os consumidores, afirma
que a Uber tem violado as regras de concorrência ao fornecer

284 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
irregularmente serviços de transporte público individual255. Contudo,
o Supremo Tribunal de Bogotá256 revogou a sentença que havia proibido
o uso desse aplicativo. De acordo com a decisão da mais alta corte, a
decisão encerra o processo contra a Uber e autoriza a plataforma de
tecnologia a retornar à legalidade total na Colômbia.
No que se refere ao acórdão externado pela Câmara Cível do
Superior Tribunal de Justiça fora ordenado a revogação da decisão
proferida pela Superintendência da Indústria e Comércio (SIC), em
20 de dezembro de 2019, que determinou a suspensão das atividades
da empresa Uber em resposta ao processo movido pela Cotech S.A
(Taxis Libres), concorrente e empresa de taxi, contra Uber BV, Uber
Technologies Inc. e Uber Colombia S.A.S.
Inicialmente, a SIC decidiu que as três empresas indicavam
“atos de concorrência desleal por violação de regras e desvio de
clientes (artigos 8º e 18º da Lei 256 de 1996) por prestar irregularmente
o serviço de transporte público individual”.
A instância superior determinou, ainda, que o artigo 23 da Lei
256 de 1996 prevê que “ações de concorrência desleal estão prescritas
no prazo de dois (dois) anos a partir do momento em que a pessoa
legitimada tomou conhecimento do ato de concorrência desleal
(limitação ordinária) e, de qualquer forma, pelo curso de três anos a
partir do momento da realização do ato (limitação extraordinária)”. 257
Em suma, o Tribunal afirmou que a autora (Cotech), apresentou
a queixa posteriormente à suposta irregularidade da Uber ter sido
cometida. Ressalta-se que a plataforma tem cerca de 2 milhões de
usuários na Colômbia e mais de 88.000 motoristas, tendo ameaçado a
decisão primeva à arbitragem internacional, observando uma possível
violação de um acordo comercial EUA-Colômbia e, em segundo plano,
255 Dezembro de 2019
256 O Superior Tribunal de Justiça, Sétima Câmara de Decisão Cível, em 18 de junho
de 2020, emitiu o acórdão antecipado no processo verbal de Concorrência Desleal
instaurada pela Comunicaciones Tech y Transportes S.A. (Cotech S.A.). contra a Uber
Colômbia S.A.S., Uber Technologies Inc e Uber B.V.
257 O Tribunal afirmou que “o prazo de prescrição começou a correr desde a cessação
da conduta relatada como injusta”. Portanto, o termo prescritivo começa a ser
calculado uma vez que o autor é produzido e conhecido, ou se é um ato contínuo, a
partir do momento em que o ato terminou, sem ser óbvio que nos termos do artigo
27 do Código Civil, “Quando o significado da lei é claro, sua redação não deve ser
negligenciada literalmente sob o pretexto de consultar seu espírito”.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 285


V IA DOS DIREITOS
que os danos pela suspensão do seu serviço poderiam exceder US$ 250
milhões.
Dessa maneira, perpassados os desafios e os entraves do
aplicativo, os aspectos da regularidade e da legalidade, se averiguará,
no tópico a seguir, de que forma se dá a precariedade e as tensões dos
trabalhadores da Uber no país em comento.

4. Precaridade e regulação: desafios dos trabalhadores da


Uber na Colômbia

Não existe uma legislação que reconheça, especificamente, os


trabalhadores de plataformas digitais, o que existe, de fato, são projetos
de lei para regulamentar o Trabalho Digital na Colômbia. Nas relações
de economia colaborativa, “não há subordinação ou dependência
contínua do trabalhador em relação ao empregador, o que lhe confere
o poder de exigir o cumprimento das ordens estabelecidas no art. 23
do Código do Trabalho Substantivo258”. (YANITZA, 2019, p. 160)
Há vínculos entre trabalhadores de aplicativos que implicam,
de fato, em prestações de um serviço efetivo, sendo que as referidos
relações laborais cumprem os elementos contidos no artigo 23
do Código de Trabalho da Colômbia para se configurarem como
contrato de trabalho. Contudo, “como esse tipo de contratação
não é regulamentado, muitas vezes, os direitos dos trabalhadores
são violados, exigindo uma análise detida da forma como atuam”
(CAMPOS; RAFAELA, 2019, p. 15)
Veja-se que o artigo 25 da Constituição Política protege o direito
ao trabalho por ser uma obrigação social, mas sua proteção não se
deve apenas a uma atividade laboral subordinada, mas em todas as
suas formas. Nesse sentido, a decisão C-397/2006 indica que o sistema
constitucional colombiano contempla o trabalho em geral, seja ele

258 Artigo 23 (Elementos Essenciais) 1. Para que haja contrato de trabalho se querem
que concorram estes três elementos essenciais: a. a atividade pessoal do trabalho,
é dizer, realizada por si mesmo; b. a continuada subordinação ou dependência do
trabalhador ao respectivo patrão, que faculta a este exigir os cumprimentos de origem
[...]; c. um salário como retribuição do serviço. 2. Uma vez reunidos os três elementos
de que trata este artigo, se entende que existe contrato de trabalho e não deixa de
ser por razão do nome que se razão do nome dado a ele ou outras condições ou
modalidades adicionadas a ele.

286 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
subordinado ou dependente ou independente, pois é um dos valores e
finalidades do Estado; fundamental para proteger a dignidade humana
Contudo, a falta de regulamentação específica para novos
modelos de negócios - que surgem com base em tecnologias - gera
inquietação em diversos segmentos da sociedade, uma vez que não
fornece regras claras de acordo com cada atividade.
Isso promove um lucro maior por parte das plataformas que
tiram vantagens das lacunas jurídicas e da ausência de regulamentação,
como a falta de reconhecimento da segurança social dos motoristas,
do seguro para prestação de serviço e da carga tributária.
Embora o legislador regule o tema das TIC (Tecnologias
de Informação e Comunicação), de forma genérica, atualmente, o
ordenamento jurídico colombiano não possui uma regulação que se
concentre especificamente nas plataformas digitais em aspectos-chave
como “condições de trabalho em plataformas dedicadas ao atribuição
de micro tarefas, taxas, disponibilidade e intensidade de trabalho,
recusas, ausência de pagamento, comunicação do trabalhador com
clientes e operadores de plataforma, cobertura da proteção social e
tipos de tarefas realizadas” (RAFAELA; CAMPOS, 2019, p. 13)
A deficiência regulatória torna necessário buscar soluções
práticas que não limitem essa forma de empreendedorismo
empresarial, visto que a implementação de inovações tecnológicas deve
ser entendida como o mecanismo que as empresas e os comerciantes
estão utilizando para criar e produzir valores para os clientes, onde o
surgimento das relações de trabalho é iminente (RAFAELA; CAMPOS,
2019, p. 13)
Sendo uma atividade supostamente realizada por conta própria
promove a eliminação de limites mínimos de condição decentes e
dignas aos trabalhadores, oportunidade em que são violados direitos
individuais e coletivos, o que urge a necessidade de implementar
medidas de defesa e proteção do trabalhador.
Apesar de a Colômbia ter realizado uma reforma fiscal,
recentemente, em que contemplou as plataformas digitais, pela
primeira vez, a referida inclusão foi apenas destinada a tributação,
de modo que as regras que foram estabelecidas sobre os serviços
digitais tiveram atuações parciais, o que significa que a questão ainda

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 287


V IA DOS DIREITOS
é um vazio legal que não está disposto a um quadro jurídico ou fiscal
relevante.
Os juízes da república têm a função de validar se o funcionamento
de uma plataforma particular é legal ou não, uma situação que
aconteceu, por exemplo, com a plataforma Uber. Segue-se que a
questão, como não é regulada, é uma fonte de violação dos direitos
daqueles que ingressam nessas tecnologias. Por isso, é necessário
estabelecer um regime legal que se aplique a todas as plataformas
digitais no que prevê os parâmetros e as regras de funcionamento,
bem como o âmbito de seus serviços (CAMPOS; RAFAELA, 2019, p. 15)
Dessa maneira, é necessária uma regulação oportuna que
permita às plataformas digitais serem encorajadas a continuar o
funcionamento, contudo, com medidas regulatórias e regras fixas.
Um dos problemas da digitalização do trabalho está concentrado
na crença de uma tendência de flexibilidade no que diz respeito às
obrigações decorrentes de todo o trabalho, caracterizado numa
suposta gestão particular de horários organizados pelos trabalhos e
que estes consigam direcionar e controlar a atuação dos seus serviços
em determinados lugares.
Dito o exposto, serão analisadas as especificidades da Uber no
Brasil a fim de que se consiga estabelecer relações comparativas.

5. Desafios dos trabalhadores da Uber no Brasil

No início de 2012, o Brasil tinha 484 mil pessoas, cuja principal


fonte de renda eram serviços de transporte por aplicativo, de acordo
com a Pesquisa Nacional de Empregados e Desempregados (Pnad)
Contínua Trimestral. Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que, no fim de 2019, esse
número aumentou para 1 milhão, com crescimento de 137,6% em oito
anos.
Paralelo a isto, uma pesquisa do Instituto Locomotiva, divulgada
em 2019, indica que aproximadamente 5,5 milhões de brasileiros
estão cadastrados em aplicativos como Uber259, 99pop, iFood e Rappi.
259 Considera-se que 20% dos motoristas da Uber no mundo são brasileiros. Muito
preferem alugar veículos para trabalhar, o que vem se tornando um novo modelo
de negócios, já que boa parte deles não tem veículo próprio nem tem condições de

288 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Entre 2012 e 2019, 666 mil brasileiros se tornaram motoristas de
aplicativos. Os números mostram que o desemprego atingiu também
os profissionais mais qualificados. De acordo com o IBGE, a maioria
dos motoristas tem entre 30 anos e 49 anos de idade, representando
52% dos trabalhadores, sendo que cerca de 12% têm ensino superior
incompleto e 5% têm o superior completo.
Somado ao cenário exposto, os motoristas encontram
dificuldades, como o alto custo de um carro com os requisitos exigidos
pela Uber. Veja-se que há entraves iniciais como o valor de sua
aquisição, mas também de “manutenção, documentação e gasolina,
faz com que esse investimento, para poder gerar renda efetiva, tenha
que ser diluído com o maior número de horas de trabalho possível”
(BABOIN, 2017, p.348)
Outra situação negativa é a impossibilidade de definição dos
valores cobrados pela UBER tampouco possuem o conhecimento
específico dos algoritmos utilizados como forma de conhecer o
cálculo pré-definido da cobrança. Esses trabalhadores têm jornadas
diárias frequentemente superiores a oito horas; remuneração salarial
rebaixada, em contraposição ao aumento e intensificação do trabalho;
crescimento de um contingente sem acesso a qualquer direito social
e do trabalho.
As exigências das empresas de aplicativos se amoldam e se
encontram no conceito de empregador que dirige, organiza e assalaria
os empregados, veja-se que a Uber exerce o controle dos pontos do
serviço como a “qualidade de automóveis, os exames toxicológicos,
a abordagem a clientes, a manutenção de setores de qualidade e o
monitoramento da prestação de serviços e sua prestação (CARELLI,
2020, p. 71).
A Uber, no Brasil, por exemplo, estabelece a figura do
trabalhador autônomo sem autonomia e independente, contudo,
sem ter, de fato, seu próprio negócio. Conforme Carelli (2020, p. 78)
“são falsos empreendedores, que não formam negócio por não terem
clientela e por isso não têm qualquer chance de prosperar”. O que
ocorre é a existência de um vínculo de emprego, sem direitos mínimos
e resguardado, camuflado em uma prestação de serviço fictícia

financiar um automóvel

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 289


V IA DOS DIREITOS
Isso é “totalmente contrário a lei e à própria definição de
empregado e empregador tentar aferir a existência da relação de
emprego pela rigidez ou pela flexibilidade na prestação de trabalho”
(CARELLI, 2020, p. 78)
Dessa maneira, as empresas de serviço sob demanda, via
aplicativos, promovem a precarização do trabalho por meio de uma
flexibilização rigidamente controlada dos períodos laborais. Chama-se
precarização, pois tem como consequência na redução dos patamares
mínimos de proteção ao trabalho assegurados pela legislação
brasileira. Flexibilização rigidamente controlada, pois, “embora a
relação de trabalho tenha por parâmetro a fluidez, essa fluidez não
decorre de maior liberdade ou participação no ambiente de trabalho,
mas, ao contrário, decorre de maior controle gerencial do uso da
mão de obra”, o que é otimizado por avançados sistemas tecnológicos
(BABOIN, 2017, p. 356)

6. Considerações finais

A economia de compartilhamento é uma realidade inevitável.


As empresas de aplicativos promovem a organização econômica de
modo a explorar, de forma cada vez intensa, os trabalhadores. Estes
não possuem direitos tampouco há legislações que estabeleçam
proteções significativas, o que se verificou tanto no Brasil quanto na
Colômbia. Superado o aspecto da legalidade e da possibilidade de
exercer suas atividades, os países latino-americanos enfrentam outros
desafios: a precariedade promovida por um trabalho em um sistema
intensificado pelo fordismo.
Verifica-se que não há o cumprimento das obrigações legais
estabelecidas pelo Estado e não há normas que protejam esse tipo de
contratação. Soma-se a isso o fato de não haver controle do Estado que
permita determinar a realidade do país em termos de contratações,
filiação ao sistema geral de Previdência Social, ou mecanismos.
As plataformas aproveitam dos vazios jurídicos e a falta de
proteção do Estado, tanto no Brasil quanto na Colômbia, uma vez que
há um déficit na formalização das relações de trabalho que passa pelo
exercício dos direitos.

290 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Percebe-se que inexistem mecanismos que considerem as
necessidades do mercado de trabalho bem como uma legislação que
proteja, ainda que minimamente, os trabalhadores que prestam os
seus serviços através de plataformas digitais, sendo ignorados os seus
direitos.
A Colômbia é um Estado que, segundo as estatísticas
apresentadas ao longo do artigo, possuem taxas de desemprego
baixas, ao mesmo tempo, lida com o desafio do aumento das taxas
de informalidade, emprego temporário, o que explica possui um dos
mais altos índices de informalidade da América Latina.
No Brasil, o reconhecimento de um vínculo de emprego tem
sido rechaçado pelos Tribunais, como se percebe pelas decisões do
Tribunal Superior do Trabalho e pelo Superior Tribunal de Justiça.
Diante do exposto, o Direito do Trabalho não se constitui como
condição elementar para que as novas tecnologias sejam implementadas
em benefício de toda a coletividade. O Direito do Trabalho caminha
em conjunto com as novas formas de relacionamento do homem ante
a produção de bens e serviços. O trabalho humano é instrumento
inerente à transformação do mundo e sua proteção do trabalhador
é fundamental para que a evolução tecnológica avance evitando
uma transformação prejudicial àqueles que mais impulsionam tal
desenvolvimento.

7. Referências

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Indústria 4.0 – São Paulo: Boitempo, 2020.
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uberização do trabalho e regulação no capitalismo contemporâneo.
In: Uberização, trabalho digital e Indústria 4.0.– São Paulo: Boitempo,
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BABOIN, José Carlos de Carvalho. Trabalhadores sob deman-
da: o caso Uber. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v. 81,
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T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 291


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V I A D O S DI REI TOS
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T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 293


V IA DOS DIREITOS
Trabalho de plataforma na Dinamarca:
O modelo de mercado de trabalho Nórdico e o direito
laboral Dinamarqueses frente à economia de plataforma e à
uberização

Nancy Vidal Meneghini260

1. Introdução

A Dinamarca é um país nórdico da Europa setentrional, cujo


modelo de mercado de trabalho reflete o generoso Estado de bem-estar
social, abrangendo sistemas de negociações coletiva e fortes parcerias
sociais com o Estado. Contudo, na última década, o país testemunhou
um aumento de empresas de plataforma, como a Uber e Upwork, que
apontam direções opostas em relação a esse modelo.
Sob a pérfida promessa de inovação, empregos flexíveis e
novas fontes de renda, a Uber, grande representante desses novos
modelos de negócios, chamados de economia de plataforma, chegou à
Dinamarca, e aos demais países nórdicos, no ano de 2014, aumentando
os riscos para os trabalhadores e desafiando a relação de trabalho
tradicional e os modelos de mercado e de bem-estar sobre os quais
esses países se baseiam.
Após várias ações contra a Uber, a empresa suspendeu os
serviços prestados em todos os países nórdicos em 2016 e 2017. Isso
ocorreu no mesmo contexto em que o Tribunal Europeu de Justiça
(TJE) decidiu que a Uber deveria ser reconhecida como uma empresa
de transporte nos termos da legislação da União Europeia. No caso
específico da Dinamarca, em março de 2017, a Uber anunciou que
encerraria suas operações devido a alterações na lei de táxi que foram
realizadas para restringir as operações futuras da empresa no país.
A fim de compreender como o direito dinamarquês, tanto a
legislação, quanto os Tribunais, lidou com a questão do trabalho das
plataformas e os motivos que levaram à suspensão dos serviços no país,
260 Bacharel em direito e mestranda pela UFMG. Linha de pesquisa Acesso à Justiça e
Direitos Humanos. Monitora do Programa RECAJ-UFMG: Ensino, Pesquisa E Extensão
em Acesso à Justiça e Solução de Conflitos. Voluntária no Programa Pílulas Jurídicas
do RECAJ – UFMG. Assistente do Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais.

294 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
a fim de traçar um breve paralelo em relação ao tratamento da questão
no Brasil, tratar-se-á de questões relativas às peculiaridades do direito
trabalhista dinamarquês e do tratamento dado aos trabalhadores
de um modo geral. Ademais, explorar-se-á como a economia da
plataforma contribui para a deterioração das condições de trabalho
do modelo nórdico e como a resistência à empresa sempre foi muito
presente na Dinamarca.

2. Visão geral do direito trabalhista Dinamarquês

A legislação dinamarquesa distingue os trabalhadores


em categorias específicas: (1) Empregados assalariados (“salaried
employees” ou “white-collar employees”); (2) Trabalhadores ou operários
(“Workers” ou “blue-collar employees”); (3) Diretores executivos (“Chief
executive officers”); (4) Empregados acionistas (“Employee shareholders”);
e (5) Trabalhadores autônomos ou contratantes independentes (“Self-
employed workers” ou “independent contractors”).
Os empregados assalariados correspondem àqueles que
geralmente trabalham nos setores comercial e de escritório, em
depósitos, gerenciam ou supervisionam o trabalho de terceiros
ou prestam serviços de assistência técnica ou clínica. Para serem
considerados como tal, devem estar empregados por, pelo menos,
oito horas semanais em média e ocupar um cargo em que o trabalho
seja executado sob as instruções do empregador (subordinação). Os
trabalhadores, ou operários, por sua vez, são aqueles que geralmente
realizam trabalhos especializado ou industrial e são normalmente
empregados nas indústrias de manufatura, com subordinação ao
empregador. São, muitas vezes, membros de um sindicato.
Os diretores executivos são àqueles registrados como CEOs
na Autoridade Empresarial Dinamarquesa e usualmente não são
protegidos pela Lei dos Empregados Assalariados, Lei Consolidada nº
1002 de 24 de agosto de 2017, uma vez que não são considerados como
tendo uma relação de emprego propriamente dita. Os empregados
acionistas, por sua vez, são aqueles empregados que detém certo
número e tipo de ações na empresa.
Por fim, os trabalhadores autônomos ou contratantes

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 295


V IA DOS DIREITOS
independentes são aqueles que se caracterizam por seu nível de
independência, realizando tarefas próprias, sem subordinação
alguma, com o intuito de obter lucro próprio e pessoal.
Na Dinamarca, o principal risco no caso de classificação
equivocada de um empregado como trabalhador autônomo, diretor
executivo ou empregado acionista é que tanto os funcionários
assalariados quanto os trabalhadores/operários estão sujeitos a
certas proteções sob a lei estatutária (por exemplo, a Lei de Férias,
Lei Consolidada nº 60, de 30 de janeiro de 2018 e, para trabalhadores
assalariados, a Lei dos Trabalhadores Assalariados). Desta feita, as
empresas podem ser responsabilizadas por isso.
A legislação dinamarquesa, quanto aos direitos do trabalho,
fornece proteção estatutária para empregados assalariados e
trabalhadores em diversas áreas, sobretudo no que tange à disciplina
dos contratos de trabalho, à jornada, aos direitos de férias, à
dispensa, ao trabalho temporário, ao trabalho “a tempo parcial”, à
não discriminação, às transferências de empresas e aos convênios
restritivos pós-emprego. Ademais, os assalariados estão sujeitos à
Lei do Trabalhador Assalariado, que oferece proteção em relação à
períodos de aviso prévio, verbas rescisórias, indenização por rescisão
ilegal e licença-maternidade, entre outras.
Já os trabalhadores estão sujeitos aos Acordos Coletivos
de Trabalho (Collective bargaining agreements – CBAs). Esses
instrumentos incluem proteções em relação a salários, delegados
sindicais, horas de trabalho, direito a férias, períodos de aviso prévio,
demissão ilegal, licença relacionada a parto e pensão. Nos casos
em que os trabalhadores não estão sujeitos a um CBA, o emprego é
regulado apenas pelo contrato de trabalho.
A Lei sobre Certificados de Trabalho dinamarquesa, Lei
Consolidada nº 240 de 17 de março de 2010, exige que os empregados
recebam a notificação por escrito de todos os termos materiais do
emprego no contrato de trabalho. No mínimo, as informações devem
incluir detalhes sobre o seguinte: nome e endereço do empregador e
do empregado; endereço do local de trabalho; descrição do conteúdo
do trabalho, ou o título designado, posição, posição ou categoria de
trabalho; data de início do emprego; duração do emprego (se o emprego

296 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
não for por tempo indeterminado); direito a férias remuneradas;
duração do aviso de rescisão; remuneração e prazo de pagamento;
jornada de trabalho diária ou semanal; qualquer CBA que se aplique
ao cargo. Ademais, há termos implícitos nos contratos de trabalho:
sujeição ao dever de lealdade e confidencialidade; e dever dos
empregadores de notificar os empregados sobre qualquer alteração
significativa nas condições de trabalho.
O sistema de legislação trabalhista na Dinamarca é
principalmente baseado nos Acordos Coletivos de Trabalhos (CBAs).
A maioria dos CBAs é celebrada entre os sindicatos e associações
patronais e regulam o salário e as condições de trabalho no setor.
Uma empresa pode tornar-se sujeita a um CBA através da adesão a
uma organização de empregadores ou se a empresa aderir a um CBA
diretamente ou por referência. Não há, como no direito brasileiro, a
diferenciação entre Acordo Coletivo de Trabalho e Convenção Coletiva
de Trabalho.
Observa-se, portanto, que o direito dinamarquês diferencia os
trabalhadores, lato sensu, em categorias, de acordo com as funções que
exercem, o tipo de instrumento normativo que regula sua relação de
trabalho, bem como se há ou não o elemento da subordinação e em qual
medida. No caso dos trabalhadores autônomos, o direito dinamarquês
considera que apenas fazem parte da categoria aqueles indivíduos
que não são subordinados a outrem de forma alguma, realizando
suas próprias atividades de forma independente, obtendo para si os
lucros do empreendimento em sua totalidade. A esses indivíduos não
se aplica a legislação trabalhista estatutária, ou os CBAs, ou qualquer
outro instrumento normativo estatal.
As empresas como a Uber, de economia de plataforma, utilizam
justamente essa categoria para classificar os trabalhadores que prestam
serviços intermediados pelos seus sistemas e aplicativos. No entanto,
note-se que se trata de uma má classificação, não só na Dinamarca,
mas também no Brasil, ainda que não se tenha esse reconhecimento
formal por parte dos tribunais brasileiros até o momento.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 297


V IA DOS DIREITOS
2. O modelo de mercado de trabalho próprio da Dinamarca e
a economia de plataforma

A “economia de plataforma”, fruto de um processo denominado


de Revolução 4.0, Quarta Revolução Industrial ou ainda Indústria
4.0, surgiu em meados de 2010, tornando-se um fenômeno global.
Essa Revolução respeito ao uso de tecnologias para a troca de dados,
automação por meio de sistemas cyber-físicos (compostos por
elementos computacionais colaborativos para a gestão de entidades
físicas), Internet das coisas (relacionada com a capacidade dos
objetos cotidianos se conectarem à internet e coletar e transmitir
dados) e computação em nuvem (que é o fornecimento de serviços
de computação de armazenamento, servidores, banco de dados, rede,
software, de forma online).
O desenvolvimento tecnológico gerado no contexto da
Revolução 4.0 modificou sobremaneira a rotina e os costumes dos
indivíduos e grupos sociais, as formas de comunicação e as relações
intersubjetivas. Nesse sentido, as relações e o mercado de trabalho,
no mundo todo, e, via de consequência, nos países nórdicos, como
a Dinamarca, também sofreram modificações em diversos aspectos.
O modelo de mercado de trabalho dinamarquês é visto como
voluntarista. Ou seja, de acordo com esse modelo, os salários e as
condições de trabalho são reguladas principalmente por meio de
acordos coletivos firmados entre os sindicatos e as organizações de
empregadores. No país, a densidade sindical e a cobertura do acordo
coletivo são comparativamente altas em comparação com outros
modelos (ANDERSEN et al., 2014), visto que, diferentemente do que
ocorre em muitos outros países europeus, a regulamentação legal
desempenha um papel relativamente limitado na regulamentação do
mercado de trabalho dinamarquês.
O Estado, os empregadores e as organizações sindicais,
atuando como “parceiros sociais” são elementos de suma importância
no modelo de mercado de trabalho dinamarquês, desempenhando um
papel fundamental em diversas dimensões regulatórias: unilateral,
bipartite ou tripartite (MAILAND, 2008; ILSØE, 2017).
A primeira dimensão, unilateral, refere-se a iniciativas

298 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
individuais dos parceiros sociais, com fraca influência dos outros
parceiros. Pode ser tanto uma iniciativa unilateral governamental,
através da regulamentação de leis e de jurisprudência, como unilateral
por parte dos sindicatos.
A dimensão bipartite, por sua vez, refere-se à autorregulação
por parte dos sindicatos e organizações de empregadores por meio
de negociação coletiva e implementação, fiscalização e administração
dos acordos celebrados. Essa é a dimensão que tem maior nível de
influência no mercado de trabalho.
A dimensão tripartite, por sua vez, envolve todos os parceiros
sociais. Nesse sentido, os sindicatos e organizações patronais
colaboram com o estado na formulação de políticas e revisões da
legislação.
A economia das plataformas digitais influencia todas essas
dimensões afetas ao mercado de trabalho dinamarquês. Desta feita,
observou-se que, na Dinamarca, como nos demais países nórdicos,
todos os três parceiros sociais reagiram, desde o início do seu advento,
ao movimento da economia das plataformas.
As repostas tripartidas iniciais para os novos desafios que
surgiram com a economia das plataformas digitais foram no sentido
de cooperação e compartilhamento de informações, de organização
de conferências e financiamento de pesquisas para debates dos temas
por parte dos três parceiros sociais. Na Dinamarca, foi formado em
2017 o Conselho de Disrupção, que se concentrou no futuro do trabalho
e foi seguido pelo Council on Sharing Economy (2019).
Além disso, também foram realizados acordos tripartites
na Dinamarca que tangenciaram o tema da mudança do mercado
de trabalho resultante da economia de plataforma. Em 2017, por
exemplo, foi firmado um acordo sobre seguro-desemprego entre os
três parceiros sociais com o objetivo de tornar mais fácil combinar
empregos assalariados e trabalho independente (incluindo trabalho de
plataforma), gerando renda para os fundos de subsídio de desemprego
de ambas as classificações.
No que tange aos acordos bipartites, nos países nórdicos
foram firmados alguns acordos envolvendo as empresas de economia
de plataforma. No caso da Dinamarca, cita-se o exemplo do acordo

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 299


V IA DOS DIREITOS
entre Hilfr e 3F, por meio do qual permitiu-se que os trabalhadores
da plataforma decidam por si próprios se serão classificados como
autônomos ou funcionários, nos termos do acordo.
Hilfr é uma plataforma de trabalho dinamarquesa fundada em
2017, que facilita a limpeza privada na casa de famílias. Na Dinamarca,
salários e condições de trabalho no setor da limpeza privada é menos
regulamentado do que na maioria dos outros setores profissionais, visto
que menos funcionários são cobertos por acordos coletivos e apenas
por meio de acordos de adesão e cláusulas trabalhistas (MAILAND;
LARSEN, 2020), e o trabalho não declarado é generalizado (BENTSEN
et al., 2018). Assim, a prestação de serviços de limpeza em residências
era considerada um negócio atraente por muitas plataformas digitais,
o que fez com que surgissem plataformas concorrentes à Hilfr.
No início de 2018, a Hilfr tomou a iniciativa de iniciar
negociações com a 3F, que representa os trabalhadores da indústria de
limpeza privada, com o objetivo de desenvolver melhores condições
para os usuários trabalhadores da plataforma, como uma estratégia
de negócios. A 3F entrou em negociações com o objetivo de aumentar
os salários dos trabalhadores e melhorar as condições de trabalho.
O acordo inclui uma estipulação em que “Hilfrs” podem escolher se
querem ser funcionários ou freelancers. É projetado como um modelo
de escada, onde espera-se que os níveis de remuneração, pensão e
similares sejam renegociados para cima no futuro. O acordo também
estabeleceu que os benefícios sociais - como treinamento adicional,
licença maternidade remunerada e regras para delegados sindicais -
serão discutidas em renegociações futuras. Note-se, portanto, que tais
acordos, de dimensão bipartite, são, antes de uma mera concessão
de benefícios aos trabalhadores, uma estratégia de marketing e anti-
concorrencial por parte da empresa dinamarquesa.
Quanto às respostas unilaterais governamentais, por exemplo,
uma nova lei de táxi foi emitida em 2017, após um longo período de
debates governamentais e processos judiciais contra Uber (ILSØE &
MADSEN, 2018).
Outro tipo de resposta unilateral são as respostas dos sindicatos
dinamarqueses para os problemas que os trabalhadores enfrentam na
economia de plataforma. Nesse sentido, o sindicato dinamarquês HK

300 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
desenvolveu um esquema de seguro para trabalhadores de plataforma
que são membros do sindicato (ILSØE, 2017; ILSØE & LARSEN, 2020).
Além disso, vários outros sindicatos dinamarqueses desenvolveram
regimes próprios de pensões para trabalhadores independentes e
autônomos membros.
Verifica-se, portanto, que a economia de plataforma modificou
sobremaneira o mercado de trabalho dos países nórdicos de um modo
geral, sobretudo da Dinamarca, no sentido de reduzir as garantias aos
trabalhadores. Em que pese as modificações no mercado de trabalho,
todos os parceiros sociais apresentaram respostas, em diversas
dimensões, ao problema, a fim de combater a precarização da situação
desses trabalhadores “plataformizados”.

3. A uberização e o tratamento da Dinamarca

Uberização é o termo utilizado para tratar de um fenômeno


geral, marcado por um modelo de negócio denominado de disruptivo,
ou seja, de acordo com Clayton M. Christensen, Michael E. Raynor e
Rory McDonald (2015), um modelo de negócio que traz uma inovação
que desestabiliza os concorrentes e torna ultrapassado tudo o que
se conhece até então no seu segmento de atuação. Em que pese
reconhecer todo o caráter inovador desses aplicativos - que inclusive
mudaram hábitos sociais em uma velocidade inimaginável há pouco
tempo atrás, possuindo adesão da esmagadora maioria da população-
é preciso destacar que, em termos trabalhistas, essa modalidade de
trabalho não é tão inovadora assim.
Em linhas gerais, as empresas responsáveis por esses tipos de
aplicativos digitais vendem um discurso de que fornecem apenas uma
ferramenta, para facilitar a captação de clientes para o trabalhador
autônomo. No entanto, verifica-se que essa relação entre o trabalhador
e a empresa do aplicativo trata-se de verdadeira relação empregatícia,
sob a máscara de uma falsa autonomia, pregando e tentando iludir
o trabalhador com a afirmação de que está ausente a subordinação,
categoria central da relação de emprego.
Tratam-se de visões economicistas que visam deslegitimar
e desregulamentar as relações de emprego em todos os lugares

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 301


V IA DOS DIREITOS
do mundo, sob o pretenso argumento de progresso econômico e
de garantia de maior autonomia para o trabalhador motorista ou
entregador, mascarando verdadeira exploração de mão de obra pelo
capital de forma máxima, intensa e sequer imaginada.
Como já visto, a nova tecnologia modificou, de fato, as relações
e o modelo de mercado de trabalho dos países nórdicos de bem-
estar social e de parceiros sociais, com foco no caso da Dinamarca.
Destaca-se que essa mudança foi global, mas que, diferentemente da
forma como ocorreu em outros países, como é o caso do Brasil, dos
países norte-americanos e outros países europeus, no caso dos países
nórdicos, sobretudo da Dinamarca, essas empresas plataformizadas
sempre enfrentaram uma certa resistência por parte dos parceiros
sociais.
O aplicativo UBER começou a funcionar na Dinamarca em
novembro de 2014. De acordo com dados da companhia, haviam 2
mil motoristas e 300 mil usuários do serviço no país. O modelo Uber
Pop permitia a todos os residentes dinamarqueses com carteira de
habilitação, um carro relativamente novo e sem ficha criminal a
inscrição como motorista da plataforma.
Contudo, a empresa americana sempre enfrentou dificuldades
e resistência por parte de todos os parceiros sociais na Dinamarca.
Desde a entrada da Uber nos país, os sindicatos têm sido altamente
críticos à Uber por diversos motivos, enquanto as organizações
empresariais representantes das empresas de transporte criticam,
basicamente, dois aspectos: que a empresa está operando ilegalmente
e que promove a desregulamentação do setor de táxis.
Em suma, foram quatro questões fundamentais suscitadas
pelos parceiros sociais dinamarqueses: em relação à questão da
tributação; da competição injusta; da segurança social e de questões
trabalhistas; e da união dos motoristas.
No que tange à tributação, a relutância da empresa (e dos
motoristas) em pagar impostos parece ser uma preocupação geral
para os sindicatos e para as associações de empregadores nos países
nórdicos. Isso porque, além de entrar com tarifas menores à que os
passageiros pagam nos taxis, os Ubers ainda não pagam impostos aos
governos. Quanto à questão da concorrência desleal, as empresas de

302 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
transporte e de taxis parecem envolver mais riscos e têm custos de
mão de obra mais altos, em comparação às plataformas digitais que
facilitam o trabalho autônomo solo.
Quanto à segurança social e questões trabalhistas, os sindicatos
dinamarqueses insurgiam-se diante da relutância inicial da Uber da
necessidade de cumprir a Lei Dinamarquesa de Táxis. Os sindicatos
enfatizam as diferenças salariais entre os motoristas “autônomos” e
funcionários que trabalham no setor de transporte. A falta de benefícios
sociais para os motoristas Uber significa que, no todo, a remuneração
dos plataformizados era inferior ao nível fornecido pelos acordos
coletivos para os trabalhadores do setor de transporte na Dinamarca.
Ademais, ressaltam que os motoristas autônomos carregam mais
riscos por conta própria do que os trabalhadores das empresas que
atuam em conformidade com a Lei de taxis e, ao mesmo tempo, não
percebem salários muito mais altos do que os assalariados para cobrir
o seguro contra esses riscos. Além disso, motoristas autônomos têm
de cobrir os próprios custos com combustível e os pedágios.
Por fim, ainda se observa a dificuldade no que tange a falta
de um local de trabalho fixo dos motoristas da Uber, que inibe seu
potencial para ser sindicalizado e fazer frente aos abusos perpetrados
pela empresa americana.
A Uber suspendeu todos os seus serviços de transporte
de passageiros na Dinamarca em abril 2017 após alterações ao
regulamento de táxi do país. Antes das alterações, uma série de
motoristas Uber foram condenados pelo Tribunal Dinamarquês por
fornecer transporte de passageiros sem licença de táxi. No entanto,
ainda que suspensas as atividades, a Uber manteve 40 desenvolvedores
de software localizados em Aarhuspara trabalhar no desenvolvimento
do aplicativo.
O regulamento de táxi foi alterado no início de 2017, ampliando
sobremaneira as restrições às licenças para transporte de passageiros,
exigindo taxímetro e sensor de assento, afirmando assim a ilegalidade
das operações do Uber. Ademais, a legislação estabelece que os
motoristas têm que ser conectados a um centro de operações e deve
ter completado duas semanas de Treinamento oficial. Tais restrições,
somadas às inúmeras condenações dos motoristas, tornaram a

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 303


V IA DOS DIREITOS
atividade da Uber inviável e insustentável no país, levando à suspensão
dos serviços.
Atualmente, os aplicativos de transportes em funcionamento
no âmbito da Dinamarca não são como as plataformas Uber, Cabify e
99pop, de economia de plataforma, mas são, apenas aplicativos para
compra de passagens e de itinerários e rotas dos transportes públicos.
São exemplos os apps dinamarqueses o Rejseplanen e DOT Mobilleter.

4. Breve paralelo da situação da Dinamarca em comparação


ao tratamento dado pelo direito Brasileiro

Antes de traçar um paralelo entre a experiência da economia


de plataforma vivenciada pela Dinamarca, em comparação com a
experiência brasileira, faz-se necessário fazer uma breve comparação
em relação aos direitos trabalhistas, de modo geral, de ambos países.
A primeira diferença essencial no que tange ao direito
laboral dinamarquês e o brasileiro diz respeito às classificações dos
trabalhadores. No caso da Dinamarca, trabalhadores são divididos
em cinco categorias específicas, por sua vez, como empregados
assalariados, operários, diretores executivos, empregados acionistas e
trabalhadores autônomos ou contratantes independentes. Ademias, no
país nórdico, apenas se aplica a legislação trabalhistas aos empregados
assalariados e aos operários, ficando, sobretudo os trabalhadores
autônomos à mercê de proteção legislativa dos parceiros sociais.
No caso do direito do trabalho brasileiro, não há essas
diferenciações entre empregados conforme as atividades que
desempenham (assalariados ou operários) ou se são acionistas ou
não na empresa. No caso brasileiro, tem-se como objeto do direito do
trabalho e da legislação trabalhista a relação de emprego, a qual é uma
modalidade única de trabalho, inconfundível com as demais relações
laborais. Tal relação é caracterizada por cinco elementos fáticos
jurídicos: a prestação por pessoa física; a pessoalidade; a onerosidade;
a não eventualidade; e a subordinação.
No direito laboral dinamarquês não há a exigência explicita
desses cinco requisitos, mas percebe-se que a subordinação é um
elemento essencial para diferenciar as demais classificações de

304 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
trabalhadores dos trabalhadores autônomos, visto que nas relações
laborais desses últimos não há o elemento da subordinação.
Ademais, verificou-se que na Dinamarca há uma forte
coordenação entre três agentes distintos: o Estado, os sindicatos e as
empresas, os quais recebem, inclusive, a denominação de “parceiros
sociais”. Diferentemente de como ocorre no Brasil, onde, muitas
das vezes, esses agentes adotam posturas antagônicas (sobretudo os
sindicatos e as associações patronais), ao que parece, na Dinamarca
todos os agentes atuam cooperativamente no sentido de promover
garantias aos trabalhadores e o melhor funcionamento do mercado
de trabalho, como verificou-se no caso da resposta à chegada da Uber
no país.
Por fim, observa-se também que, diferentemente do que ocorre
no Brasil, o principal fator de resistência na Dinamarca em relação à
Uber, e o principal aspecto que levou à judicialização de ações em face
da empresa, é, antes de mais nada, o desrespeito da Uber à legislação
de taxis existente no país. Ainda que no Estado brasileiro a Uber tenha
causado uma insurgência por parte dos taxistas, os quais também
alegaram a concorrência desleal, os principais pontos de debate
envolvendo a chegada da empresa norte americana e a incorporação
da economia de plataforma no mercado brasileiro foram diferentes do
caso dinamarquês.
No Brasil, os principais debates envolvendo a Uber e as
demais empresas de plataforma envolvem questões de precarização
dos direitos trabalhistas e da necessidade de se reconhecer o vínculo
empregatício dos “motoristas-parceiros”. Isso porque, ao contrário
do que prega a Uber (no sentido de afirmar que trata-se de trabalho
autônomo), verifica-se que essas relações típicas da economia de
plataforma são prestadas pelo trabalhador (pessoa física) que possui
seu login próprio, com pessoalidade, com onerosidade (o motorista/
entregador recebe uma porcentagem do valor da viagem), de forma
não eventual (o sistema do aplicativo estimula o motorista/entregador
a fazer cada vez mais corridas e caso não faça ou seja mal avaliado
conforme elementos algorítmicos, pode ser até “desligado” da
plataforma) e subordinação (o motorista/entregador é controlado pelo
aplicativo, podendo sofrer, inclusive, sanções disciplinares). Portanto,

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 305


V IA DOS DIREITOS
estão presentes todos os cinco elementos da relação de emprego que
o direito do trabalho brasileiro estabelece como requisitos para o
reconhecimento.

5. Conclusão

A ascensão da economia de plataforma nos países nórdicos


de modo geral, mais especificamente na Dinamarca, criou uma série
de desafios para o modelo de mercado de trabalho voluntarista típico
da região. Tais desafios compreendem questões como tributárias,
de condições de concorrência equitativa em relação aos negócios
tradicionais, de seguridade social e direitos trabalhistas, bem como
questões sobre a união dos motoristas. Isso porque a economia de
plataforma, trouxe para o contexto dinamarquês condições de trabalho
inseguras, obstáculos à organização e representação de interesses, e
via de consequência, à autorregulação por meio dos CBAs (principais
fontes de normatização laboral no país).
Contudo, observa-se que, na Dinamarca, as empresas que
representam esse tipo de economia de plataforma, como a Uber, desde a
sua chegada na última década, enfrentaram resistências de dimensões
distintas por parte dos chamados “parceiros sociais”, ou seja, por
parte do Estado, dos sindicatos e das organizações empresariais. Essas
resistências se deram tanto em dimensão unilateral, por parte de um
só agente, como em dimensões bipartites e tripartites, envolvendo a
atuação articulada de todos os parceiros sociais.
No que tange às repostas de dimensão unilateral, no âmbito
Estatal observou-se a modificação mais rigorosa na legislação de
taxis do país e as respostas dos Tribunais condenando os motoristas
e a Uber por desrespeito à essa legislação. Tais respostas dadas por
parte do legislativo e dos Tribunais dinamarqueses foram tão incisivas
que levaram à Uber a suspender oficialmente os seus serviços na
Dinamarca no ano de 2017.
Em comparação com a experiência brasileira da chegada
dessas empresas de economia de plataforma, verificou-se que em
ambos países houveram modificações drásticas no mercado e nas
relações de trabalho, de forma a tornar mais precárias situações

306 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
jurídicas de direito do trabalho previamente existentes. Ademais, em
ambos os países, a economia de plataforma gerou, ainda que com
focos distintos, amplas discussões e problematizações inspiradas na
consecução de um objetivo comum: amenizar os efeitos deletérios
dessa economia nos modelos de mercados e de relações de trabalho e
empregatícias peculiares de cada país.

6. Referências

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T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 307


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308 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
O ridículo mosaico de 30.000 Small Businesses:
A Uber no Reino Unido e as contribuições para a classificação
laboral dos motoristas de aplicativos

Bianca Caroline Bento Menezes261*

1. Introdução

O que podemos aprender com a decisão do Reino Unido no


caso Uber? Essa foi a pergunta feita por Ana Frazão em 2016 quando
o Employment Tribunal de Londres proferiu a primeira decisão no
litígio entre dois motoristas e a Uber, reconhecendo o vínculo entre
os trabalhadores e a plataforma. Em 2017 o Tribunal de Apelação
manteve a sentença, em 2018 foi a vez da Corte de Apelação e em 2020
a demanda foi discutida pela Suprema Corte britânica. No Brasil, o
Tribunal Superior do Trabalho, em uma ação similar, decidiu pela
inexistência de vínculo de emprego entre o motorista e a plataforma,
messes depois o breque dos apps chamou a atenção do mundo, tornando
evidentes as contradições desse modelo de exploração que classifica
seus trabalhadores como contratados independentes ou autônomos,
como no caso do Brasil.
Quatro anos mais tarde, retoma-se a pergunta: o que podemos
aprender? E ainda: o que não aprendemos? Possui o Brasil um complexo
de vira-lata, por isso vai na contramão dos países desenvolvidos?
(CARELLI, 2020) Quais são as possíveis marcos regulatórios para
o trabalho na gig economy? Como aplicá-los? Essas são as questões
suscitam profundas discussões no mundo acadêmico, jurídico e social,
de tal forma que o presente estudo visa contribuir com a discussão,
apresentando uma pequena síntese sobre a Uber no Reino Unido.
A pesquisadora por detrás desse texto, em seu reafirmado
compromisso decolonial do direito do trabalho, se preocupa em
realizar um estudo de direito comparado que não incorra em
transposições coloniais ou descrições de experiências brasileiras por
261 Mestranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG na Linha
História, Poder e Liberdade. Pesquisadora do Grupo Trabalho e Resistências, vinculado
à Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito do Trabalho e da Seguridade Social
- RENAPEDTS. Endereço eletrônico: biancacaroline.menezes@gmail.com

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 309


V IA DOS DIREITOS
meio de figuras eurocentradas, silenciando as particularidades de um
país que passou pelo processo de colonização. Pretende evitar também
qualquer comparação que rebaixe ou subalternize a imagem do Brasil
e que reforçaria a colonialidade do ser, desvelada na reiteração da
figura do colonizado como atrasado e inferior por natureza.
Ao mesmo tempo, foge de posições essencialistas que veem
como impraticável o diálogo de experiências com atores de outras
localidades globais. Deslocando o conceito de Walter Mignolo (2000)
e Ramón Grosfoguel (2008), baseia-se na ideia do pensamento crítico
de fronteira, ainda que a pesquisa tenha centralidade na experiência
britânica, para extrair o melhor dos instrumentos modernos e
emprega-los em usos contra hegemônicos.
Como parte da proposta de um método decolonial de produção
do saber, deve-se aqui apontar o lócus de enunciação da pesquisadora
como uma acadêmica brasileira do interior de Minas Gerais que
nunca conheceu a Europa ou o Reino Unido especificamente. Estaria,
então, apta para essa pesquisa? Essa fora uma das angústias que lhe
apareceram durante a coleta de dados, posteriormente sanada por
essa denúncia do lócus e pelo apoio de outros pesquisadores que lhe
precedem nos estudos. E, quanto a esses pesquisadores antecessores,
reforça-se aqui o caráter coletivo da construção do conhecimento, uma
vez que esse texto integra uma cartografia do trabalho via aplicativo
no mundo, construída a partir do trabalho em conjunto.
Quanto às questões metodológicas, o objetivo principal do
estudo é conhecer as principais discussões sobre o trabalho de
motoristas da Uber no Reino Unido. Para isso, buscou-se por meio
de pesquisa bibliográfica e coleta de informações no site oficial da
empresa e em sites de viagem investigar como o serviço é executado
no país, quais as tensões em relação às regulamentações locais e como
as questões do vínculo de trabalho se desdobrou no tribunal.
O texto se encontra dividido em quatro tópicos, no primeiro
foram delimitados os conceitos de sharing economy e gig economy para
que pudessem ser avaliados dentro dos casos concretos apresentados.
O segundo ilustra o sistema jurídico laboral britânico, apontando as
principais categorias. O terceiro faz um panorama geral da inserção da
Uber no Reino Unido, apresentando algumas implicações. No último

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V I A D O S DI REI TOS
tópico, foram apresentados os principais aspectos do caso Aslam,
Ferrar e outros versus Uber BV e outros.

2. A ideia de economia compartilhada e suas derivações

Disrupção é a palavra mais utilizada nos últimos tempos


quando se fala em tecnologia. Seu significado refere-se a uma ruptura
com o padrão anterior, a ponto de torná-lo obsoleto. Esse é também
um dos adjetivos para descrever a economia compartilhada (sharing
economy), que também é conhecida por outros nomes como economia
colaborativa (collaborative economy), peer-production economy e peer-to-
peer economy. Tal modelo de economia tornou-se expressivo dentro da
sociedade, empresas como Uber e Airbnb, pioneiras na proliferação
do modelo, desde o início dos últimos cinco anos já operavam em
diversas cidades do mundo, abrangendo um vultoso número de
clientes. (KOOPMAN; MITCHELL; THIERER, 2015, p. 531).
A ideia por traz da economia compartilhada se baseia na
possibilidade de consumidores compartilharem bens com baixos custos
de transação. A diminuição dos custos é viabilizada pela tecnologia
que conecta o consumidor ao possuidor do bem compartilhado
sem nunca terem se visto. Além disso, as ferramentas tecnológicas
otimizam as buscas, preveem comportamentos dos consumidores e
estimulam os usuários a aumentarem a cooperação. Dessa forma, os
custos se tornam reduzidos e o acesso aos bens facilitado, fazendo da
economia compartilhada um grande fenômeno por permitir que um
grande número de usuários tenham acesso aos bens por um preço
baixo. Nesses termos, os dois elementos necessários para economia
compartilhada são a existência de bens físicos que sistematicamente
tem um excesso de capacidade de utilização e uma atitude ou motivação
de compartilhar (RANCHORDÁS, 2015, p. 416).
Desse modo, a essência desse modelo de economia é o
compartilhamento motivado por um espírito de colaboração entre
o indivíduo que possui um bem ocioso e o que precisa utilizá-lo de
modo casual. Por isso a atribuição do nome peer-to-peer, que significa
de pessoa para pessoa, ou seja, a transação colaborativa ocorre entre
quem tem o bem e quem deseja utilizá-lo, sem que haja transferência

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 311


V IA DOS DIREITOS
de titularidade ou intermediação de um terceiro. Ocorre que muitos
negócios que atualmente se rotulam como um modelo de economia
compartilhada, na verdade, não atendem à essência básica de
compartilhamento colaborativo (FUNG SO; et al., 2019, p. 455). É o caso
por exemplo de empresas de varejo eletrônico, que vendem o bem
(transferência de ativos) em vez de compartilhá-lo ou de plataformas
de transporte que intervém e exploram a atividade, rompendo com a
lógica peer-to-peer.
Podendo ou não ser realmente classificada como de
compartilhamento, o fato é que esse modelo de negócio ganhou
destaque durante a última década. Como aponta Sofia Ranchordás
(2015, p. 417), a razão da aderência pelo mercado consumidor deve-
se, principalmente, por ser o exatamente o tipo de inovação adequada
para tempos de crise econômica e individualismo acentuado, pois
vende a ideia de que consumidores possam ter acesso à bens por
preços mais baixos e quem o compartilha venha a auferir uma renda
extra.
Todavia, esse fenômeno não alcança apenas o mercado e suas
formas de consumo, mas também o trabalho humano e suas formas
de exploração. Não raro, o bem compartilhado pelas plataformas é a
força de trabalho e esse compartilhamento não ocorre de maneira de
direta com o consumidor, mas regulado por empresas que exploram
a atividade. Tem-se então a expressão do fenômeno que tomou a
alcunha de gig economy e refere-se ao trabalho por plataforma online.
Segundo Valério Stefano (2016, p. 1), as formas de exploração
do trabalho que existem dentro da gig economy são duas, a primeira
é chamada crowdwork, literalmente traduzido como trabalho em
multidão ou em colaboração coletiva. Nesse modelo os trabalhadores
encontram nas plataformas a oferta de pequenas tarefas a serem
realizadas como viagens curtas, criação de logomarcas, marcação
e edição de fotos. Trata-se de um trabalho de curta duração e a
remuneração corresponde apenas ao tempo efetivo de trabalho, não
transmitindo ao trabalhador qualquer compensação pelo período
gasto em frente a tela em busca da próxima atividade (BERG; STEFANO,
2016).
A segunda forma de exploração do trabalho dentro da gig

312 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
economy é conhecida por work on-demand via apps, traduzindo, seria
o trabalho sob demanda mediado por aplicativos. Essa modalidade é
tradicionalmente utilizada para os serviços de transporte e limpeza,
mas também para algumas atividades administrativas, que são
oferecidos e distribuídos para os trabalhadores por intermédio dos
aplicativos. As empresas executoras dos aplicativos, via de regra, fazem
intervenções nas configurações de padrões mínimos de qualidade, na
seleção e na gestão de mão de obra (STEFANO, 2016, p. 3). Este é o
modelo adotado pela Uber para prestação do serviço de transporte.
Se o modelo gig economy, somado à ideia de economia
compartilhada, ganhou a aceitação dos consumidores por oferecer
preços menores do que o mercado tradicional, mostrando-se
adequado às necessidades de períodos de crise econômica, o cenário
de instabilidade financeira e fechamento dos postos de trabalho em
virtude da crise, também fez com que o volume de trabalhadores
utilizando as plataformas inchasse. Conforme aponta Valerio Stefano
(2016, p. 1), apesar da inconsistência dos dados sobre o número de
trabalhadores registrados nas plataformas, evidentemente não se
tratava de um fenômeno desprezível. No Brasil em 2019, foram
divulgados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que
indicavam que 3,8 milhões de pessoas declararam ter os aplicativos
como principal fonte de renda, o que corresponde a 17% dos
autônomos do país (BERNARDI, 2019). Em 2020, em virtude da crise
sanitária e econômica, o número veio a crescer, alcançando a marca
de 4,7 milhões de pessoas.
As ferramentas de tecnologia das plataformas permitem
um acesso escalável aos trabalhadores, chegando a um nível de
flexibilização inédito. Dá-se assim um sistema de contratação
especializada imediata de trabalhadores que são dispensados no
momento seguinte à conclusão da tarefa (STEFANO, 2016, p. 4). A
remuneração pelo trabalho nesse modelo cobre apenas o tempo de
efetivo trabalho, excluindo de seu arcabouço o tempo de disponibilidade
do trabalhador gasto enquanto aguarda ser chamado, além de não
compreender também dentro do quantum remuneratórios os valores
destinados à proteção social. Se os custos com a proteção social e com

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 313


V IA DOS DIREITOS
os próprios riscos do empreendimento em razão da ociosidade de
demanda estão sendo arcados pelo trabalhador, há uma inversão da
lógica fundante do direito do trabalho no que diz respeito à alteridade
e proteção.
Sobre o tema, Valerio Setefano (2016, p. 4) afirma que o
grande problema consiste na classificação dos trabalhadores da gig
economy como independentes, o que leva à exclusão das proteções
laborais e previdenciárias. Ainda, aponta que esses riscos, ou seja, as
desvantagens, são negociados com os trabalhadores pela flexibilidade
do trabalho, tomado como vantajoso não ter um chefe, poder escolher
o horário de trabalho e conciliá-lo com outras atividades. Segundo
o autor, esses benefícios são supervalorizados, pois em um cenário
em que o trabalho por plataforma se torna a principal ou única
fonte de renda, o que ocorre na realidade é uma competição entre
os trabalhadores e a longa duração das jornadas para arrecadar uma
remuneração que contemple os custos mínimos de vida.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) também
chama a atenção para o enfoque da classificação dos trabalhadores
de aplicativos como independentes, o que, em última análise, disfarça
uma relação típica de trabalho. Na gig economy, os trabalhadores são
descritos e classificados como trabalhadores autônomos, inseridos nas
plataformas como contratados independentes, embora, na realidade,
o trabalho seja mediado por essa teia tecnológica, que supervisiona e
direciona as remunerações, não chegando, portanto, a ser assim tão
livre quanto o veiculado (EMPLEO).
Chega-se aqui ao ponto central das configurações da exploração
do trabalho pelas plataformas: a disputa em torno da classificação dos
trabalhadores. A discussão será retomada no último tópico que tratará
das decisões da justiça britânica no caso dos motoristas Aslam, Ferrar
e outros em face da Uber.

3. Aspectos gerais do direito laboral no Reino Unido

Essa parte do estudo se dedica a desenhar um panorama básico


sobre o modelo do ordenamento jurídico laboral britânico. O intuito
desse desenho introdutório é oferecer elementos básicos para melhor

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V I A D O S DI REI TOS
compreensão das decisões judiciais que serão exploradas no tópico
seguinte.
Dentre os países europeus, o Reino Unido integra um grupo
de viés mais liberal dos direitos laborais (DIREITOS). Ademais, outra
diferença em relação ao restante do continente europeu, é que,
pela tradição do common law, não havia no Reino Unido um código
do trabalho prevendo todos os direitos laborais e procedimentos de
forma pormenorizada (MORGERO).
O distanciamento da matriz do common law e formação de
um regime predominantemente estatutário se deu por volta de 1979
quando direitos trabalhistas começaram a ser reconhecidos em nível
supranacional. Assim, as fontes do direito do trabalho no Reino Unido
são as leis esparsas, das quais podem ser citadas Employment Rights
Act, Mininum Wage Act, Work Time Regulation e Equalities Act, ao lado
dos costumes e convenções internacionais da OIT (MORGERO). São
exemplos de direitos mínimos dos trabalhadores salário mínimo,
férias remuneradas de 28 dias, limitação do módulo semanal em 48h,
só podendo ser excedido por acordo individual entre as partes e acesso
aos planos de previdência.
Grosso modo, existem três categorias legais de trabalhadores
no Reino Unido os empregados (employees), os trabalhadores (workers)
e os autônomos (self-employed), cada uma possui um estatuto diferente
a depender da classificação. De acordo com a Seção 203 do Employment
Rights Act, employee é o indivíduo que celebrou ou trabalha sob um
contrato de trabalho, que pode ser expresso ou implícito, se expresso,
escrito ou verbal.
Na prática, o employee se caracteriza por requisitos muito
parecidos com os do direito pátrio como a não eventualidade,
pessoalidade, onerosidade e subordinação, além disso, nessa
modalidade, os insumos para o trabalho são fornecidos pelo
empregador e os impostos recolhidos por ele. Os direitos atribuídos
a essa categoria, a título exemplificativo são salário mínimo,
possibilidade de filiação a sindicatos, férias anuais pagas, proteção
contra deduções salariais ilegais e discriminação, licença paternidade
e maternidade, limitação da carga horária do módulo semanal, dentre
outros.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 315


V IA DOS DIREITOS
O mesmo instrumento normativo também conceitua os
workers como aquele indivíduo que se insere na relação de trabalho
pelo contrato de emprego ou por algum outro contrato de trabalho
sob o qual se compromete a executar algum serviço a alguém que
não seja um cliente ou empreendimento exercido por um indivíduo.
Assim, diferenciam-se por integrarem uma relação descontínua e
eventual, são trabalhadores temporários, mas que não podem ser
considerados contratados independentes. O empregador fornece
uniformes e utensílios, além de proceder com o recolhimento de
impostos. São direitos dessa categoria salário mínimo, férias anuais
remuneradas, limitação do módulo semanal em 48 horas, aderir a um
sindicato, proteção contra acidentes no trabalho e outros. Geralmente,
os trabalhadores zero-hora, se enquadram nessa categoria quanto ao
estatuto jurídico.
Já o self-employed é responsável pelo recolhimento do próprio
imposto e seguro nacional, pode delegar o trabalho para outra pessoa,
é dono dos utilitários para o trabalho, fornece faturas pelo trabalho e
não recebe salário e assume os riscos de lucros e perdas pelo negócio.
Esses trabalhadores têm direito a saúde e segurança no trabalho,
proteção contra discriminações ilegais e auxílio maternidade para as
mulheres.
A competência para julgar conflitos de relação de trabalho em
primeira instância é dos Employment Tribunals (Tribunais do Trabalho)
que possuem atuação tripartite e base na simplicidade procedimental,
dispensada a participação de advogados para causas até determinado
teto. A segunda instância é formada pelos Employment Appeals Tribunal
(Tribunal de Apelação do Trabalho) com duas sedes, a primeira situada
em Londres e com jurisdição na Inglaterra e País de Gales e a segunda
em Edimburgo, com jurisdição na Escócia. Os tribunais de apelação
rediscutem apenas a matéria de direito (MORGERO).

4. A inserção da Uber no Reino Unido enquanto serviço de


transporte e plataforma de trabalho

Segundo informações do site oficial da marca, a Uber


presta serviços em 19 cidades/regiões do Reino Unido. As empresas

316 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
controladoras dos dados na União Europeia e no Reino Unido são a
Uber B.V. e a Uber Technologies Inc, a primeira com sede na Holanda e
a segunda nos Estados Unidos. Os únicos concorrentes da empresa no
ramo do transporte são os táxis tradicionais. No setor de entregas, as
principais empresas que atuam nos países britânicos são a Uber Eats,
Deliveroo e Stuart. Em 2016 a Uber tinha dois milhões de passageiros
registrados em Londres e 30.000 motoristas.
O início da inserção da Uber no mercado de transporte na
região, bem como em outras partes do mundo, foi marcado por
conflitos com aqueles que já atuavam no modelo tradicional, contudo
os impasses não se encerram em disputas comerciais, alcançando
questões como segurança pública e trabalho ilegal que ainda não
foram resolvidas.
Um dos primeiros problemas que apareceram com o
surgimento do novo modelo de economia foi quanto a regulamentação
dessas práticas, ou a falta de. Segundo Ranchordás (2015) e Koopman,
Mitchell e Thierer (2015) regulamentar esse mercado é uma questão de
implicações complexas, levantando discussões sobre o cabimento da
aplicação de leis existentes ou criação de novas. Outro ponto também,
é que se trata de plataformas globais e com normas flexíveis, mas que
se inserem em contextos locais com normas por vezes mais rígidas,
assim, a não aplicação das normas reguladoras das atividades padrão
para as novas formas provocou diversas discussões sobre concorrência
desleal.
Em Londres houve uma discussão em 2014 acerca da
interpretação e enquadramentos jurídicos. Questionou-se se o
aplicativo da Uber poderia ser considerado uma espécie de taxímetro
para fins legais. Ocorre que apenas os black cabs licenciados tinham
autorização da lei para utilizar taxímetros, o que levou a diversas
reclamações pelos motoristas de táxi. A demanda foi dirimida pelo
órgão responsável, Transport for London (TfL), onde ficou decidido
que não era o caso do aplicativo ser considerado um taxímetro,
contudo os impasses entre os motoristas da Uber e taxistas licenciados
ainda perduraram (RANCHORDÁS, 2015, p. 418).
Os black cabs são os tradicionais táxis londrinos de grande
simbologia cultural e histórica não só em Londres, mas em todo

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 317


V IA DOS DIREITOS
Reino Unido. Ainda é um dos meios de transporte mais utilizados na
cidade, embora o preço da corrida chegue a ser de até 20% superior a
do Uber (HERNANDES, 2020). Existem também os minicabs, que é um
serviço de táxi alternativo em Londres. Tanto os black cabs como os
minicabs são dirigidos por motoristas licenciados para o transporte de
passageiros, que passam por um rigoroso treinamento com duração
de mais três anos (ENEIDA, 2019).
Em 2017, a Uber teve sua licença de funcionamento em
Londres caçada pela agência reguladora. Segundo a TfL, a Uber é
inapta e inadequada para operar na cidade por não oferecer condições
de segurança e proteção pública, isso porque a agência considerou
preocupante a falta de informação sobre os crimes que ocorreram
durante as viagens e a forma que a empresa obtém os atestados médicos
e ficha de antecedentes criminais dos motoristas. Outra razão, foi que
a agência acusou a empresa de utilizar um software secreto de nome
Grayball, com a finalidade de evitar as fiscalizações (POR QUE, 2017).
Já em 2019, o pedido de renovação foi negado pela agência reguladora
que reafirmou suas razões, destacando que a empresa coloca em
risco a segurança dos passageiros, apontou ainda que uma mudança
no sistema da empresa permitia que os motoristas carregassem suas
fotos na conta de outros motoristas (LUQUE, 2019). Meses depois, a
justiça britânica revogou o ato municipal, sob o argumento de que a
Uber havia efetivado as correções no aplicativo de forma satisfatória,
tornando-se assim apta para operar em Londres.
O problema apontado pela TfL na identificação dos motoristas
implica não somente em riscos para a segurança dos consumidores,
mas em fraudes em termos de matéria laboral. As contas de apps
de entrega podem se tornar espaços de aluguel de identidades para
imigrantes sem visto de trabalho. De acordo com a matéria realizada
por Fernanda Odila (2019), brasileiros, quando chegam ao Reino
Unido com visto de turista e decidem ficar no país, utilizam do
aluguel ou compra clandestina de contas em aplicativos de entregas
originalmente pertencentes a pessoas que passaram pelo processo de
avaliação. Conforme aponta a matéria, a fiscalização para entregadores
de bicicleta que trabalham pelos aplicativos é bem menos intensa do
que sob aqueles contratados pelos restaurantes ou sob quem trabalha

318 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
por plataforma, mas dirigindo carros.
Os elementos trazidos nesse tópico ilustram as repercussões
que tem o trabalho por plataforma via aplicativos, que podem ser tanto
de interesse público coletivo de segurança quanto de proteção social
por meio do trabalho. Por outro lado, essas implicações se chocam
com o interesse individual dos consumidores pelas plataformas, em
razão dos preços baixos e comodidade na utilização dos serviços,
como traços típicos do novo modelo de economia baseado na
compartilhamento. Assim, compreendido o contexto britânico quanto
ao ordenamento jurídico e inserção da gig economy nos serviços de
transporte e entrega, passa-se ao último tópico que tratará da análise
das decisões proferidas na demanda ajuizada por motoristas em face
da Uber no Reino Unido.

5. Disputa judicial entre motoristas e a Uber no Reino Unido

Questões sobre como regulamentar a gig economy e sobre o status


jurídico de seus trabalhadores tem gerado grandes debates jurídicos,
acadêmicos e populares em todo o globo. As empresas gig classificam
seus trabalhadores como contratados independentes, o que aumenta
seus lucros, mas, em contrapartida, intensifica a precarização do
trabalho (DUBAL, 2017, p. 740). Nesse sentido, os esforços têm sido
direcionados para trazer os trabalhadores para dentro do círculo de
proteção laboral, o que leva aos tribunais a discussão sobre qual seria
a classificação correta desses trabalhadores.
Em 2016, o Employment Tribunal de Londres proferiu decisão
na ação proposta por Yaseen Aslam e James Ferrar, motoristas da
Uber, em face da Uber B.V. e das duas controladoras Uber London
Ltd e a Uber Britania Ltd, que operam no Reino Unido. Na ação, os
motoristas pleitearam, dentre outros pedidos, o direito a férias pagas,
salário mínimo e descanso semanal remunerado com fundamento
nas normas legais contidas no Employment Rights Act, Work Time
Regulations e National Minimum Wage Regulations.
Para terem acesso aos direitos pleiteados, os motoristas
deveriam se enquadrar nos conceitos de employee ou worker, trazidos
pelas referidas leis. O tribunal de primeira instância entendeu que

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 319


V IA DOS DIREITOS
havia o enquadramento nos conceitos legais e, consequentemente, a
existência do vínculo entre os motoristas e a empresa, caracterizando
a Uber como prestadora de serviço de transporte que emprega
motoristas em relação de trabalho dependente, não autônomo. A
decisão foi reafirmada pelo Employment Appeals Tribunal.
Para chegar a essa decisão, o tribunal analisou o modelo de
negócio da Uber e apontou que a empresa gerencia o serviço essencial
do negócio (transporte de pessoas), embora buscasse desviar-se das
responsabilidades reguladas e fizesse com que motoristas e passageiros
concordassem, por meio do contrato de adesão, que ela não provê o
serviço de transporte. A plataforma se defendeu sob a alegação de ser
um mero serviço de tecnologia que conecta motoristas e passageiros,
contudo o tribunal demonstrou desconfiança quanto a essa alegação,
afirmando que em seus documentos e cláusulas contratuais a
empresa recorre a ficções, linguagem torcida e novas terminologias
(FRAZÃO, 2016). O magistrado que atuou no caso, chegou a afirmar
não ser possível negar que a Uber está no mercado como fornecedora
de serviço de transporte, se o próprio senso comum diz o contrário
(REINO UNIDO, 2018).
O tribunal se baseou então na verificação de como o serviço
é prestado na realidade para buscar os elementos que afastasse
ou confirmasse o vínculo de trabalho. Desse modo, utilizou-se de
elementos fáticos para chegar a decisão, dentre outros, pode-se
destacar a constatação de que a Uber entrevista e recruta motoristas,
que controla a atividade exigindo padrões de conduta, que pune as
recusas de viagens, determina rota padrão, impõe valor da tarifa,
delimita a escolha do veículo, controla a execução de deveres dos
motoristas, retém queixas de motoristas e passageiros, aceita o risco da
perda e altera unilateralmente o contrato e questões sobre descontos.
Nesse sentido, de acordo o entendimento do magistrado britânico,
não é possível aceitar que os motoristas ocupem a posição de clientes
da plataforma, conforme a alegação de defesa. O magistrado chegou a
chamar de ridícula a noção de que Londres seria um mosaico de 30.000
pequenos empreendedores ligados por uma plataforma comum e que,
em cada caso, o “empreendimento” é na verdade um homem com um

320 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
carro dirigindo para ganhar a vida262 (REINO UNIDO, 2018).
Como se pode notar, a partir das três categorias de trabalhadores
existentes no Reino Unido, employee, workers e self-employed, destacadas
na seção anterior, o motorista da Uber em nada se enquadra com a
última, pois muito embora o automóvel e o celular utilizados possam
ser do trabalhador, o que se aproxima mais de uma transferência
de custos do trabalho, ele não detém autonomia para exercer sua
atividade, não podendo cobrar a própria tarifa ou estabelecer as
regras de execução. A incisiva interferência da empresa e suas
formas de controle descaracterizam o modelo de serviço de economia
compartilhada peer-to-peer (FUNG SO; et al., 2019), apresentado no
capítulo inicial. Se motorista e passageiro não podem negociar entre
si os termos do serviço, não é uma relação de pessoa para pessoa, mas
de uma empresa para seus subordinados.
Outro ponto importante da decisão, é a utilização do que o
direito brasileiro conhece como primazia da realidade sob a forma,
caracterizado como princípio do direito do trabalho e traduzido pela
ideia de que, no ramo laboral, deve prevalecer a prática concreta da
prestação do serviço em detrimento do pacto formal. Tal princípio,
como explica Maurício Godinho Delgado (2019, p. 244) deriva-se de
uma regra do direito civil que determina aos os aplicadores do direito
“se atentar mais à intenção dos agentes do que ao envoltório formal
através de que transpareceu a vontade”. Na decisão em análise, o
magistrado britânico concluiu que o contrato formal entre a Uber e
os motoristas não corresponde à realidade, escondendo o verdadeiro
acordo de relação de trabalho dependente (REINO UNIDO, 2018).
Significa que, embora o contrato diga expressamente que os motoristas
não são empregados da plataforma, as práticas de gestão efetivadas
correspondem a outra relação e estas práticas é que devem ser levadas
em consideração para a classificação correta dos trabalhadores.
Quanto à eventualidade da prestação do serviço, o tribunal
frisou que de fato os motoristas não estão sob o comando da empresa
quando o aplicativo está desligado, todavia, a partir do momento
em que ligam o aplicativo e estão nas áreas autorizadas, o contrato
262 No original: The notion that Uber in London is a mosaic of 30,000 small business
linked by a common “plataform” is to our minds faintly ridiculous. In each case, a
business consists of a man with a car seeking to make a living by driving it.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 321


V IA DOS DIREITOS
de trabalho passa a vigorar (REINO UNIDO, 2018). Um raciocínio
parecido foi utilizado sentença proferida na ação civil pública
proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) brasileiro em
face da Loggi Tecnologia LTDA sob o processo de número 1001058-
88.2018.5.02.0008. Segundo a magistrada brasileira que julgou o caso,
não há subordinação quando o aplicativo de entrega está desligado,
mas ao ativá-lo, o motorista se insere à lógica de controle do aplicativo,
existindo assim a subordinação. Noutro sentido, o Tribunal Superior
do Trabalho (TST) brasileiro, messes após, proferiu acórdão para o
agravo de instrumento em recurso de revista no processo nº 1000123-
89.2017.5.02.0038, em que negou o vínculo de emprego entre um
motorista e a Uber, ao descaracterizar o elemento da subordinação
em virtude da possibilidade do motorista ficar of-line. O TST também
concluiu que a ampla flexibilidade na escolha de horários condiz com
a autonomia da atividade e que as avaliações feitas pela plataforma são
de serventia de interesse público de segurança.
Verifica-se que no caso julgado pelo tribunal superior
brasileiro, faltou uma análise aprofundada das práticas realizadas
pela plataforma sob a luz do princípio da primazia da realidade sob
a forma, como ocorreu na sentença britânica e na ação proposta pelo
MPT em face da Loggi. Os ministros julgadores do TST produziram a
decisão com base na análise relacionando as provas apreciadas nos
autos com os argumentos formais apresentados pela Uber e não com
as práticas efetivas.
Para fins de conclusão desse tópico, retoma-se ao tema da
demanda apreciada pela justiça britânica. A Uber recorreu da decisão
para o Corte de Apelações que em dezembro de 2018 manteve a
decisão, enfatizando que ação trata essencialmente da classificação
jurídica dos motoristas, assim reafirmou o raciocínio da análise de
primeira instância ao concluir que os termos do contrato escrito da
Uber, que classificam os trabalhadores como independentes, não
refletem a realidade. A Uber apelou para a Suprema Corte britânica e
solicitou uma audiência ocorrida em setembro de 2020, mas a decisão
não fora publicada até a data de redação deste artigo.

322 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
7. Conclusão

O presente estudo tratou dos problemas de regulamentação


do trabalho na gig economy, tomando por centro de análise as
experiências da Uber no Reino Unido. A investigação iniciou-se pela
delimitação dos conceitos de sharing economy e gig economy, com a
finalidade de compreensão do modelo de negócio da Uber, passou pela
apresentação da estrutura jurídica laboral britânica, pelas tensões da
inserção do modelo de negócio da plataforma no contexto do país e
chegou à discussão sobre a classificação dos motoristas em relação a
plataforma, a partir do caso Aslam, Ferrar e outros versus Uber BV e
outros.
Como primeiro apontamento necessário a título de conclusão,
deve-se frisar que, embora o Reino Unido seja marcado por um direito
laboral de características mais liberais, a decisão em sede de matéria
de emprego apresentada não se distanciou dos parâmetros protetivos
necessários para relações de trabalho sustentáveis. A decisão judicial
britânica se pautou na análise da realidade fática da prestação do
serviço, onde puderam ser identificados elementos caracterizadores
de uma relação de trabalho dependente.
Os principais argumentos apresentados pela Uber em juízo - e
que também aparecem em propagandas publicitárias e no termo de
adesão - são de que seu negócio se encerra em serviço de tecnologia
que liga motoristas e passageiros. Contudo, o tribunal britânico, por
meio de uma análise minuciosa do modelo de negócio, verificou
que a plataforma exerce sim gestão sobre o serviço de transporte,
descaracterizando a forma de economia compartilhada e de empresa
de tecnologia. A justiça britânica privilegiou a análise dos fatos
concretos, em detrimento das formas delineadas em contratos, ao
contrário do que fez a justiça brasileira no acórdão proferido pelo TST
em matéria similar.
A classificação correta dos motoristas de aplicativos é uma
questão em debate nos vários pontos do globo em que o serviço é
prestado. Por isso conclui-se que as análises e posições defendidas
pelo tribunal britânico contribuem para que as classificações possam
ser realizadas de forma mais condizente com o que se opera no plano
fático da execução do serviço.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 323


V IA DOS DIREITOS
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326 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Apontamentos sobre o direito do trabalho no Canadá:
trabalho em plataformas digitais e o caso Heller v. Uber

Bruna Salles Carneiro263

1. Introdução

Sob as bandeiras do “ganhe dinheiro a qualquer hora, em


qualquer lugar”, “dirija quando e onde quiser”; “defina seu próprio
horário”; “sem escritório ou chefe”, a Uber é uma empresa que simboliza
as novas formas de organização do trabalho por meio de plataformas
digitais, englobada pela chamada gig economy. A expressão, traduzida
como “economia do bico” ou “economia do compartilhamento”
abrange os modos de oferta de bens e serviços por meio da tecnologia,
principalmente através de aplicativos (CARELLI, 2017). De forma geral,
diz respeito às plataformas que ligam organizações e indivíduos através
da internet, o que permite criar elos entre clientes e trabalhadores
numa base global (DE STEFANO, 2016).
Assim, na realidade, significa o acesso à força de trabalho
por meio das tecnologias (DE STEFANO, 2016), materializado pelas
plataformas digitais que carregam consigo o ideário da flexibilidade,
facilidade e inovação, o que mascara as condições precárias de
trabalho. Nesse sentido, a noção de uberização do trabalho, que
também integra esse campo de discussão, é sintetizada pelo Ricardo
Antunes (2020, p. 347) como um “processo no qual as relações de
trabalho são crescentemente individualizadas e invisibilizadas,
assumindo, assim, a aparência de ‘prestação de serviços’ e obliterando
as relações de assalariamento e de exploração do trabalho”.
Mesmo para os países do Norte Global, como no Canadá,
onde havia um padrão de emprego predominante, constata-se o
crescimento dos empregos atípicos, intensificados pelos novos
arranjos tecnológicos, que carregam consigo a instabilidade dos

263 Mestranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG na Linha


História, Poder e Liberdade. Pesquisadora do Grupo Trabalho e Resistências, vinculado
à Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito do Trabalho e da Seguridade Social
- RENAPEDTS. Pós graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC Minas.
E-mail: brunasallescarneiro@gmail.com

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 327


V IA DOS DIREITOS
vínculos, baixos salários e enfraquecida organização sindical (COSTA,
2007, p. 6).
Essa nova organização das relações de trabalho via plataformas
digitais impulsiona inúmeros questionamentos sobre a necessidade
de regulamentação própria e a suficiência dos institutos legais, já
existentes nos países, para abranger tais relações. Diante disto, o
presente artigo analisa o debate em torno da proteção jurídica dos(as)
trabalhadores(as) em plataformas digitais no Canadá. A metodologia
utilizada para o desenvolvimento do estudo baseia-se na revisão
bibliográfica, pesquisa legislativa, com destaque para o Código do
Trabalho do Canadá e jurisprudencial na Suprema Corte do Canadá.
Na primeira parte, serão apresentados os contornos da
proteção trabalhista no país, a partir do histórico de regulação e dos
seus principais conceitos, como o de “empregado”, “empregador” e o
“contratado dependente”, bem como os direitos trabalhistas básicos
comuns à legislação federal - que abrange as pessoas que trabalham
nas empresas federais, como bancos, interprovinciais e transporte
internacional e radiodifusão- e às legislações trabalhistas das
províncias. Uma vez compreendido o panorama da proteção trabalhista
do Canadá, na segunda parte, serão examinados os dados sobre a
Uber no Canadá e os debates em torno da proteção jurídica dos(as)
trabalhadores(as) em plataformas digitais, com ênfase aos modos
de gerir e contratar da Uber. Nesse ponto, também será examinado
o caso Heller v. Uber Technologies, com base nas recentes decisões
do Tribunal de Apelação de Ontário e da Suprema Corte do Canadá.
Ao final, apresenta incipientes conclusões sobre o papel do Direito
do Trabalho e dos magistrados nesse contexto de transformação das
relações do trabalho.

2. Noções gerais sobre a regulamentação trabalhista no


Canadá

2.1. Breve histórico

No Canadá, a competência para legislar sobre as relações de


trabalho e emprego é dividida entre governo federal e as províncias.

328 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
A legislação e as políticas do trabalho são divididas em 11 diferentes
jurisdições, sendo 10 ao nível das províncias e 1 no âmbito federal,
este relativo às empresas federais, como bancos, interprovinciais e
transporte internacional e radiodifusão. Ao contrário dos Estados
Unidos, as províncias costumam reger as relações de trabalho e com
exceção da província de Quebec, onde prevalece o direito civil no que
se refere ao direito privado, vigora a Commom Law no restante do país
(VERGE, 2000, p. 276).
Embora haja alguma variação de província para província, há
certa uniformidade em relação às normas disciplinadoras da relação
de emprego, principalmente em razão da Lei Nacional do Trabalho de
1944, conhecida como PC 1003, inspirada no National Labour Relations
Act estadunidense, o Wagner Act, que modulou os princípios do sistema
de relações do trabalho no país e reafirmou o direito de representação
sindical e a conciliação entre capital e trabalho. Mas incorporou
“valores próprios no que respeita a um papel consideravelmente mais
forte de intervenção do Estado, a uma maior aceitação dos direitos
de sindicalização e a uma menor ênfase às liberdades individuais”
(COSTA, 2007, p. 8). Nesse sentido, Pierre Verge, professor da
Universidade de Québec, explica que: “o desenvolvimento histórico
da legislação trabalhista canadense até agora seguiu dois caminhos
paralelos: intervenção estatal relacionada às relações coletivas do
trabalho e legislação para estabelecer padrões mínimos de trabalho”
(VERGE, 2000, p. 276).
Segundo a professora Márcia Costa (2007, p. 8), no Canadá pós-
Segunda Guerra Mundial e até meados dos anos 1970, as negociações
coletivas entre sindicatos e grandes indústrias influenciaram e
expandiram as conquistas inclusive para os(as) trabalhadores(as)
de setores menos organizados, sendo que a ampliação dos direitos
trabalhistas também foi alcançada por meio de leis antidiscriminação
– étnica, racial e de gênero – e de direitos humanos, especialmente
a Lei Canadense de Direitos Humanos (Canadian Human Rights Act).
Entretanto, nos anos 80 e 90, com a flexibilização, redução dos custos
do trabalho e demandas mais competitivas do mercado, houve a
proliferação de regimes precários de emprego, como empregados
em tempo parcial, subcontratados, trabalhadores temporários via

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 329


V IA DOS DIREITOS
agências intermediárias, trabalhadores independentes e autônomos
(COSTA, 2007, P. 11). Embora sejam diversas as condições de trabalho
e salário desses regimes de trabalho, eles seguem a mesma lógica de
instabilidade, baixos salários e maior exploração do trabalho, via maior
demanda ou maior jornada. Isso vem significando uma deterioração
de um padrão mínimo de emprego no Canadá, intensificado também
pela dificuldade de sindicalização dos(as) trabalhadores(as) nas
atividades em que se ampliam os regimes de trabalho flexíveis (COSTA,
2007, p. 14).
Com efeito, a negociação coletiva como forma de resolução
dos conflitos entre empregadores e empregados(as) possui grande
destaque no país e é denominada como “barganha coletiva”. A
legislação trabalhista federal sobre a barganha coletiva prevê o direito
exclusivo dos sindicatos de representar grupos de trabalhadores,
negociar os termos e condições de emprego em seu nome e regular
a conduta de empregadores e sindicatos quando se trata de disputas
de relações de trabalho (FUDGE; TUCKER; VOSKO, 2003, p. 204). As
negocições são conduzidas de acordo com a legislação da província
onde está situada o estabelecimento (VERGE, 2000, p. 287). De todo
modo, as legislações das províncias estabelecem normas mínimas que
não podem ser objeto de renúncia em contrato (GIRARD, 2020, p. 16).
Entretanto, atualmente, a barganha coletiva encontra alguns
desafios em razão do processo de globalização e flexibilização das
relações de trabalho frente ao critério territorial que determina
quais serão os(as) empregados(as) abrangidos pelas garantias
trabalhistas (VERGE, 2000). Ainda que as negociações coletivas de
trabalho sejam transnacionais em sua realidade privada, em razão da
forma de gestão das empresas, são raras as instâncias de negociação
coletiva internacional. Junto disso, acrescentam-se os desafios da
representação e negociação sindical diante dos novos modos de
organização das relações de trabalho via plataformas digitais, com
o aumento do número de trabalhadores(as) não sindicalizados(as) e
classificados como autônomos ou contratados independentes, e não
como empregados.

330 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
2.2. Principais conceitos: empregado, empregador e
“contratado dependente”

O conceito legal de emprego (employment) é determinante para


a proteção legal trabalhista, o reconhecimento social e a seguridade
econômica (FUGDE; TUCKER; VOSKO, 2003, p. 194). Por isso, a
importância do reconhecimento de determinado(a) trabalhador(a)
enquanto empregado(a). Pierre Verge (2000, p. 281) afirma que o
conceito de empregado (employee) é a chave para uma compreensão
dos contornos do regime trabalhista no Canadá, pois, apesar da
legislação prever a regulamentação rigorosa de representação e
negociação coletiva, citadas no item anterior, protege apenas aqueles
reconhecidos como empregados, isto é, limita-se a abordagens
contratuais.
O Código do Trabalho Canadense define apenas que empregado:
“significa qualquer pessoa empregada por um empregador e inclui
um contratado dependente e um agente privado, mas não inclui uma
pessoa que desempenhe funções de gestão ou que seja empregada a
título confidencial em assuntos relacionados com as relações laborais”
(CANADÁ, 1985, p. 5) (tradução nossa). Como se vê, a definição legal
não traz requisitos para aferição da classificação como empregado,
por isso quando surgem litígios sobre se uma pessoa é empregada,
os Tribunais recorreram aos testes264 de Commom Law. De forma
geral, os testes buscam determinar se o trabalhador(a) faz parte do
negócio do contratante, se recebe salário e está submetido às direções
e modos da empresa na realização do trabalho, assim, referenciam
tradicionalmente à noção de subordinação (VERGE, 2000, p. 281).
Verge (2000, p. 280) explica que o conceito de empregado
264 Citamos aqui os seguintes testes referenciados no site oficial do governo do
Canadá: a) The Control Test: foi estabelecido no caso Regina v. Walker (1858) e avaliou
a presença ou ausência de controle que um gestor ou supervisor poderia ou não ter
sobre o trabalhador; b) The Fourfold Test: desenvolvido numa decisão do Conselho
Privado de 1947 em Montreal v. Montreal Locomotive Works Ltd. et al, onde o tribunal
declarou que deveria ser considerado: (1) controle; (2) propriedade dos instrumentos;
(3) possibilidade de lucro; (4) risco de perda; c) The Integration Test: foi desenvolvido
no caso Stevenson Jordon e Harrison, Ltd. v. MacDonald e Evans, (1952), e tenta
descobrir se o serviço prestado pelo trabalhador é executado como parte integrante
do negócio, ou se é feito em nome do negócio mas não integrado no mesmo (CANADÁ,
2006) (tradução nossa).

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 331


V IA DOS DIREITOS
evoluiu ao longo do tempo, especialmente na jurisprudência, sendo
que a realização de objetivos pré determinados pelos empregados e
empregadas tornou-se mais importante do que a forma particular de
direção do labor, que pode ser deixada ao critério do empregado. Isso
faz com que o trabalho em domicílio, por exemplo, não seja obstáculo
para o reconhecimento da relação de emprego e o teletrabalho seja
levado em consideração do ponto de vista jurídico (VERGE, 2000, p.
280).
Já o “empregador” (employer) é conceituado como “qualquer
pessoa que emprega um ou mais funcionários” e “em relação a um
contratado dependente, tal pessoa que, na opinião do Conselho, tenha
um relacionamento com o contratado dependente, de forma que o
acordo que rege a execução dos serviços pelo contratado dependente
para essa pessoa possa ser objeto de negociação coletiva”, conforme
previsto na Seção 3 do Código do Trabalho do Canadá. Tal Conselho
se refere ao “Conselho de Relações Industriais”, previsto na Divisão II,
Seção 9 da Lei, é responsável, dentre várias atribuições, a certificar os
sindicatos, auxiliar nas negociações coletivas, estabelecer regulamentos
de aplicação geral, determinar qual sindicato será o agente de
negociação para os empregados em cada unidade de negociação,
decidir qual acordo coletivo está em vigor. Sobre o Conselho, Márcia
Costa (2007, p. 7) sintetiza que possuem a responsabilidade de mediar
“as disputas entre patrões e trabalhadores, constituindo-se num dos
elementos básicos do sistema de representação de classe no país”.
Há ainda na legislação trabalhista federal do país a figura
intermediária do “contratado dependente” (dependent contractor),
prevista também na Seção 3 do Código do Trabalho, como: a)
“proprietário, comprador ou locatário de um veículo usado para
transporte, exceto sobre trilhos ou trilhos, gado, líquidos, mercadorias,
mercadorias ou outros materiais, que é um parte de um contrato, oral
ou por escrito”; b) “pescador que, de acordo com um acordo para o
qual o pescador é parte, tem direito a um percentual ou outro parte
dos rendimentos de uma joint venture na qual o pescador participa
com outras pessoas” e, c) “qualquer outra pessoa que, empregada ou
não sob um contrato de trabalho, executa trabalho ou serviços para
outra pessoa nos termos e condições que eles estão, em relação a essa

332 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
outra pessoa, em posição de dependência econômica em, e sob um
obrigação de cumprir funções para essa outra pessoa” (CANADÁ, 1985,
p. 4) (tradução nossa).
Vale dizer que “contratado dependente” é incluído no conceito
de empregado do Código do Trabalho do Canadá, conforme visto acima.
Junto disto, destaca-se que a terceira conceituação do “contratado
dependente”, presente na letra “c”, traz a noção de “dependência
econômica”265 de quem exerce o trabalho em relação aquele que o
contratou. Assim, a obrigação pessoal de trabalhar, muitas vezes
combinada com a incorporação formal do contratado dependente,
não altera radicalmente a proteção ao trabalho assalariado, o que vem
sendo reconhecido gradualmente na jurisprudência (VERGE, 2000, p.
281).
A Lei de Relações Trabalhistas de Ontário (Ontario Labour
Relations Act) também inclui a figura do “contratado dependente” na
definição de “empregado” (1995). Segundo David Doorey (2020), tal
inclusão foi seguida por outras províncias e fez com que inúmeros
de trabalhadores, como dançarinos, caminhoneiros, entregadores
e motoristas, conseguissem se associar a sindicatos e acessarem
negociações coletivas regulamentadas por lei.
Nesse aspecto, Judy Fudge, Leah Vosko e Eric Tucker (2003, p.
213) afirmam que Ontário oferece a maior proteção para contratados
dependentes, também porque sua definição de empregador inclui a
pessoa que contrata os serviços de trabalhadores, e sua definição de
trabalhador inclui a pessoa que realiza trabalho por salário. De acordo
com o Tribunal de Apelação de Ontário, essa formulação significa que
os empregadores têm o mesmo dever de proporcionar um ambiente
de trabalho seguro a contratados dependentes e aos empregados
(FUDGE; VOSKO; TUCKER, 2003, p. 213).
Sobre conceitos intermediários, como “contratado dependente”
previsto no Código federal e em outras pronvícias no Canadá, De
Stefano (2016) chama atenção para o fato de que a criação de categorias
265 Inevitável não referenciar o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho no
Brasil que também traz a noção de dependência econômica. Apesar disto, tal conceito
não costuma ser considerado para reconhecer a relação de emprego na jurisprudência
trabalhista. Ver mais em: OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. A ressignificação da
dependência econômica. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 78,
n. 1, p. 210-237, jan./mar. 2012.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 333


V IA DOS DIREITOS
específicas para lidar com os casos da “zona cinzenta” pode complicar
ainda mais as questões relacionadas à classificação. Isso porque
implica a identificação de condições específicas a essa categoria, ao
passo que “as definições legais são sempre escorregadias quando
aplicadas na prática: o risco real é deslocar a zona cinzenta para outro
lugar, sem eliminar o risco de arbitragem e de litígio significativo a
este respeito, especialmente se os direitos proporcionarem qualquer
proteção significativa” (DE STEFANO, 2016, p. 19) (tradução nossa).

2.3. Panorama dos Direitos trabalhistas

Em relação aos direitos trabalhistas previstos aos empregados


e empregadas, de forma geral nas províncias e em âmbito federal,
podemos listar: salário mínimo, jornada de trabalho - carga horária
máxima diária e semanal, e intervalos -, férias, feriados, licenças
médica, maternidade e paternidade, igualdade salarial, aviso prévio –
com prazos diferentes em cada província ou pagamento indenizatório
em substituição ao aviso - , verbas rescisórias e normas de saúde
e segurança. Como nosso intuito não é apresentar todos direitos
trabalhistas no Canadá, tendo em vista a regulação específica em cada
província, não iremos exaurir a análise de cada um, mas sim traçar um
panorama geral para contextualizar as discussões acerca da proteção
dos(as) trabalhadores(as) em plataformas no país, destacando alguns
deles.
Conforme dados disponíveis na página oficial do governo do
Canadá, os valores do salário mínimo, calculado com base na hora de
trabalho, em 2020, variam de US$11,32 a US$ 16,00 entre as províncias.
Na província de Ontário o valor atual é de US$14,00, de Quebec é de
US$13,10 e de Columbia Britânica é de US$14.60.
A jornada de trabalho também é regulamentada por cada
província e pelo governo federal. Para as empresas regulamentadas
em âmbito federal, a carga horária regular é de oito horas por dia e 40
horas semanais, conforme previsto na Parte III, Divisão I, Seção 169
do Código do Trabalho Canadense, havendo a previsão de intervalo
não remunerado de pelo menos 30 minutos durante cada período
de cinco horas consecutivas de trabalho. Mas, caso o empregador

334 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
exija que o empregado funcionário esteja à sua disposição durante o
período do intervalo, este deve ser remunerado. As horas trabalhadas
além dessa carga horária devem ser pagas como horas extras com o
adicional percentual de 150% ou ter pelo menos uma hora e meia de
folga com remuneração por cada hora extra trabalhada, nos termos da
Seção 174. O Código do Trabalho Canadense também estabelece que
a jornada semanal não poderá exceder 48 horas ou o número total de
horas que pode ser prescrito pelos regulamentos como horas máximas
de trabalho.
Além disso, segundo Marc-Alexandre Girard (2020, p. 22),
quando um(a) empregado(a) apresenta uma reclamação trabalhista
contra o empregador, dependendo da autoridade governamental
a que os empregadores estão sujeitos, haverá inspeção no local de
trabalho, com a possibilidade de aplicação de altas multas, para além
da condenação referente à reclamação.
Outro ponto interessante do Código do Trabalho Canadense é
a previsão expressa, na Seção 122.3, inserida na extensa e detalhada
Parte II sobre Saúde e Segurança, de que o empregado com necessidade
especial deverá receber toda direção, aviso, informação, instrução ou
treinamento que deve ser dado aos demais empregados, por quaisquer
métodos de comunicação que permitam a compreensão, incluindo
“braille, letras grandes, fita de áudio, disco de computador, linguagem
de sinais e comunicação verbal”. Há também, na Seção 247 da Parte
III Horário Padrão, Salários, Férias e Feriados, expressa proibição
ao assédio sexual no trabalho, assim compreendida como qualquer
conduta, comentário, gesto ou contato de natureza sexual que possa
causar ofensa ou humilhação a qualquer empregado. Assim, junto
com as disposições sobre a igualdade salarial podemos dizer há
alguma sensibilidade legislativa federal acerca das questões relativa
à discriminação dos(as) trabalhadores(as) no ambiente de trabalho.
Entretanto, vale o alerta de Fudge, Tucker e Vosko (2003, p. 211-212)
de que o “emprego é uma situação paradigmática em que as pessoas
são vulneráveis” e que a criação de outras categorias substitutivas
ao empregado, como o “contratado dependente”, viola justamente o
princípio da não discriminação, assegurado pela Lei Canadense de
Direitos Humanos.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 335


V IA DOS DIREITOS
Uma vez compreendido o panorama geral de garantias e
direitos previstos no ordenamento trabalhista canadense, passamos a
apresentar os principais debates em torno do trabalho em plataformas
no país e o posicionamento da Suprema Corte do Canadá no caso
Heller v. Uber.

3. Debates em torno do trabalho em plataformas e o caso


Heller v. Uber Technologies

Segundo o site institucional da Uber, a empresa opera no


Canadá desde 2012, estando em vinte e seis cidades no país, dentre
elas destacamos: Ontário; Montreal; Ottawa; Cidade de Quebec;
Toronto; Vancouver; Windsor. Em Toronto, desde 2017, também opera
a empresa Lyft que fornece serviços de transporte, concorrente da
Uber. E, como em inúmeros outros países do mundo, existem diversos
aplicativos que prestam serviços de entregas no país266.
As primeiras questões que despontaram sobre essa nova forma
de contratação pela Uber, via plataforma digital, diziam respeito à
declaração dos rendimentos e recolhimento de impostos pelos(as)
trabalhadores(as) cobrados pelas prefeituras das cidades canadenses,
e aos conflitos entre os motoristas do aplicativo e de táxi. Mais
recentemente, desde maio de 2019 (ANTUNES, 2020, p. 350), eclodiram
ao redor do mundo greves e manifestações dos (as) motoristas em
busca de seus direitos sociais e trabalhistas267. Em Toronto, onde havia
noventa mil motoristas da Uber e Lyft, no ano de 2019, as principais
reivindicações eram a exigência do salário mínimo, o fim do sistema
de classificação pelo aplicativo e o cumprimento das leis trabalhistas
(BEATTIE, 2019).
No âmbito jurídico, o debate sobre a uberização das relações do

266 A título exemplificativo citam-se os seguintes: “Skip the dishes”; “Door dash”; “Just
Eat”; “Lazymeal”; “Foodora” (pedidos são entregues em até 35 minutos, em Vancouver,
Toronto e Montreal); “WowTasty” (restaurantes em Vancouver); “Vancouver Street
Food” (food truck); “We Heart Local” (entrega de produtos frescos em Vancouver e
região).
267 Registra-se que não há a pretensão de uniformizar as demandas apresentadas
pelos(as) trabalhadores(as) em plataformas digitais, mas apenas de situar que eles(as)
estão se movimentando e se organizando contra as condições de trabalho oferecidas
pela Uber.

336 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
trabalho ganha centralidade no reconhecimento ou não da condição
de empregado entre os(as) trabalhadores(as) e os aplicativos. Doorey
(2020), olhando para a realidade canadense, afirma que a classificação
legal como “empregado” e “contratado independente” é tão antiga
quanto a própria legislação e é baseada em presunções que se
encaixam desconfortavelmente quando aplicadas a formas de trabalho
diferentes daquelas conhecidas como a “relação de emprego padrão”.
Nesta, os(as) trabalhadores(as) renunciam à autonomia e concordam
em estar subordinados à autoridade e discrição de seu empregador
em termos de quando e como o trabalho. Em contrapartida, os (as)
trabalhadores(as) em plataformas supostamente possuem um maior
grau de liberdade, pois poderiam decidir quando e se trabalharão
(DOOREY, 2020).
Ao passo que essas empresas, como a Uber e Lyft, não
reconhecem a classificação dos(as) trabalhadores(as) como
empregados(as), sob o argumento de apenas conectar o prestador
de serviço, utilizando também os termos como “autônomo” e
“empreendedor de si mesmo”. Ocorre que há sim uma direção e
controle sobre o desempenho e a qualidade do trabalho inserida nos
moldes da organização e funcionamento da empresa268. Na realidade,
tal discurso apenas mascara o intuito de redução dos custos da mão
de obra e de ampliação dos lucros as custas da super exploração do
trabalho. Assim, no caso da Uber, a inovação tecnológica presente
nas plataformas digitais anda de mãos dadas com a precarização
do trabalho. Os trabalhadores e trabalhadoras cumprem jornadas
exaustivas, recebem baixa remuneração, estão sujeitos(as) à
insegurança, dependem economicamente da plataforma e ainda
devem arcar suas despesas de seguridade, gastos de manutenção de
seus carros, alimentação, limpeza (ANTUNES, 2020, p. 348).
Nesse aspecto, Rodrigo Carelli (2017, p. 146) defende que a Uber

268 Sobre isto, ver mais em: ARAÚJO, Wanessa Mendes. A intermediação do trabalho
humano por meio de tecnologias algorítimicas e a necessidade de proteção do traba-
lhador: os desafios de adequação do corpus jurídico-trabalhista ás novas modalidades
de exploração do trabalho na era digital. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direi-
to da Universidade Federal de Minas Gerais, 2019. Disponível em: <http://hdl.handle.
net/1843/30511>. Acesso em: 07 out. 2020. LEME, Ana Carolina Reis Paes. Da máquina
à nuvem: caminhos para o acesso à justiça pela via de direitos dos motoristas de Uber.
São Paulo: LTr, 2019.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 337


V IA DOS DIREITOS
apresenta-se como uma plataforma de tecnologia, mas todos os fatos
demonstram que é uma empresa de transportes, não se enquadrando
na economia do compartilhamento, já que não preenche nenhum dos
ideais de “utilização da tecnologia para trabalhar comunitariamente
recursos subutilizados, com empoderamento, colaboração, abertura
e humanidade”.
Diante desse cenário, em janeiro de 2017, David Heller ajuizou
uma ação coletiva contra a Uber, em Toronto, província de Ontário,
requerendo a classificação dos(as) motoristas como empregados e as
consequências legais daí advindas. Vale dizer que a análise do caso
Heller v. Uber Technologies merece destaque não só pela decisão
da Suprema Corte do Canadá ser muito recente, como também
pelos fundamentos jurídicos utilizados que abrem caminho para o
reconhecimento da relação de emprego padrão entre os motoristas e
a Uber.
Conforme termos da decisão da Corte de Apelação de Ontario
(2019), o autor David Heller, 35 anos e ensino médio completo, usava o
aplicativo para fornecer serviços de entrega de comida para pessoas,
nunca tendo usado para fornecer serviços de transporte pessoal,
recebendo cerca de US$ 400 a US$ 600 por semana, com base em 40 a
50 horas de trabalho entregando alimentos para o UberEATS, dirigindo
seu próprio veículo. O entregador requereu o reconhecimento
enquanto empregado, alegando inúmeras violações à legislação
trabalhista (Employment Standards Act) cometidas pela empresa.
Em defesa, a Uber requereu a suspensão do processo
coletivo a favor da arbitragem na Holanda, baseando-se na cláusula
compromissória em seu contrato de serviços com os motoristas e
entregadores. Isso porque para usar o aplicativo, todos(as) devem
concordar com o contrato de serviço da empresa, o que, evidentemente,
mais se assemelha a um termo de adesão. De todo modo, tal contrato
de serviço da Uber continha duas disposições relevantes: o fato de
que as duas partes não mantêm relação de trabalho e uma cláusula
de arbitragem prevendo que as disputas, conflitos, controvérsias
decorrentes ou amplamente relacionadas com os acordos deveriam
ser resolvidos por arbitragem em Amsterdã, na Holanda, sob as Regras
de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (LIN, 2018). Em

338 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
contrapartida, Heller argumentou que a cláusula compromissória era
injusta e, portanto, inválida, já que, em suma, havia desigualdade de
poder de barganha e a empresa estaria se beneficiando do demandante
vulnerável.
O juiz Perell, na primeira instância, não foi convencido pelo
argumento do demandante. Caracterizou a natureza da relação entre
o Uber e seus motoristas como comercial, pois havia a venda do uso
da propriedade intelectual do aplicativo por meio de uma taxa paga
pelos(as) trabalhadores(as), concluindo que a relação se enquadrava
perfeitamente no âmbito da cláusula compromissória (LIN, 2018).
Tal decisão objeto de recurso por Heller, julgado pela Corte de
Apelação de Ontario que concluiu pelo seu provimento, anulando a
decisão anterior e determinando que o conflito poderia ser resolvido
por um tribunal em Ontário. O Tribunal levou em consideração que
os custos iniciais relacionados com o processo para um motorista
participar do processo de mediação-arbitragem na Holanda prescritos
na Cláusula de Arbitragem seria de US$ 14.500, sem contar os gastos
com a viagem, passagem aérea, hotel. Também que os motoristas que
não têm qualquer consultoria jurídica antes de celebrar o contrato
de serviço e, portanto, trata-se de um contrato unilateral. Ainda
considerou que a Uber criou a cláusula compromissória para benefício
próprio, com o intuito de acabar com as próprias reivindicações que
pretende resolver (CANADÁ, 2019).
Assim, o Tribunal de Apelação de Ontário determinou que a
cláusula compromissória presente no contrato requerido pela Uber é
inescrupulosa, tendo em vista a desigualdade do poder de barganha
entre as partes e no custo imprudente da arbitragem, o que poderia
impedir os (as) trabalhadores(as) de buscarem suas reivindicações.
Em junho de 2020, a Suprema Corte do Canadá269 manteve a decisão
da segunda instância, concluindo que a cláusula arbitral era nula e
ilegal, porque tornava o acesso à arbitragem efetivamente impossível
para os motoristas do Uber, bem como que as cláusulas de arbitragem

269 A Suprema Corte do Canadá é composta por nove juízes, sendo três
obrigatoriamente oriundos da Província de Québec, três normalmente da Província
de Ontário, dois das províncias ocidentais e o último das províncias do Atlântico. A
Corte escolhe discricionariamente os casos que pretende julgar e, comumente, não
profere mais do sessenta a cem julgamentos por ano (NETO, 2011, p. 10).

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 339


V IA DOS DIREITOS
equivaleriam a uma contratação ilegal fora da legislação trabalhista
(CANADA, 2020).
Vale dizer que a não aplicação dessa cláusula prevista nos
termos de uso entre os motoristas e a Uber pela Suprema Corte do
Canadá é especialmente relevante, pois, no país, além da tradição
em resolução dos conflitos via arbitragem, inclusive para relações
individuais de trabalho, o procedimento é regulado por lei. Ainda que
condicione o laudo arbitral a um título executivo a ser exigido perante
o Judiciário, o procedimento deve seguir os padrões processuais do
contraditório e da imparcialidade, e o árbitro, quando do julgamento,
deve respeitar os preceitos de ordem pública (MAIOR, 2002). Por isso,
Jorge Souto Maior (2002, P. 185) afirma a arbitragem no Canadá diz
respeito a uma “técnica que se aproxima muito do processo, a ponto de
alguns autores canadenses já terem feito menção à jurisdicionalização
da arbitragem em tal país”.
Na realidade, a manutenção da arbitragem, como forma de
resolução do conflito entre os(as) motoristas e entregadores e a Uber,
significaria a manutenção de várias vantagens para a empresa, como
a confidencialidade, permitindo que as questões sejam tratadas
sem a repercussão pública e política, e o fim do processo coletivo
potencialmente oneroso. Junto disso, a decisão da Suprema Corte
repercutiu as tensões políticas subjacentes entre liberdade de contrato,
eficiência comercial e acesso à justiça (LIN, 2018).
Nesse sentido, David Doorey (2020) afirma que a Suprema
Corte ao manter a decisão do Tribunal de Recurso de Ontário prepara
o terreno para a ação coletiva para prosseguir com argumentos sobre
a certificação da classe de motoristas e a classificação dos motoristas
da Uber como empregados para fins de proteção trabalhista. A decisão
representa um importante posicionamento da Suprema Corte, que
preza pelo acesso à justiça e pela razoabilidade, já que obrigar um
motorista, no seu tempo livre, sem condições econômicas, viajar para
outro continente para buscar os seus direitos trabalhistas básicos beira
ao absurdo, e sinaliza que as empresas não podem deixar de seguir os
padrões de emprego em Ontário.

340 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
4. Considerações finais

Diante do exposto, é evidente que o Direito do Trabalho não


pode se abster às transformações ocorridas nas relações de trabalho,
notadamente em relação às novas formas de organização do trabalho,
através das plataformas digitais e daquilo que as noções de gig economy,
“economia compartilhada” e uberização abrangem, tanto no Norte
Global como no Sul Global. Ao analisar a regulamentação trabalhista
no Canadá, ainda que distinta entre as províncias e legislação federal,
ao contrário do que possa estar no imaginário do senso comum,
percebe-se uma ampla gama de direitos sociais e trabalhistas, tal
como um reconhecimento da importância do papel dos sindicatos e da
negociação coletiva, ou melhor, da “barganha coletiva” na construção
no Direito do Trabalho no país.
Da mesma forma, a atuação dos Tribunais como aplicadores e
garantidores da proteção ao trabalho ganha cada vez mais destaque.
Na ausência de legislação específica sobre o trabalho em plataformas
digitais e a omissão das empresas, os magistrados possuem a função
de interpretar a legislação existente, escolhendo entre abarcar e
reconhecer os trabalhadores(as) como empregados(as), ou negar seus
direitos sociais básicos, olvidando-se de seu papel na defesa de um
trabalho digno e seguro, bem como na construção de uma sociedade
menos desigual, condição esta que é impactada diretamente pelas
condições precárias ou não de trabalho. No caso Heller v. Uber,
verificamos que a Suprema Corte do Canadá criou um importante
precedente para que não sejam aplicadas as cláusulas previstas no
termo de adesão de seus motoristas e entregadores(as), notadamente
a resolução dos conflitos via arbitragem na Holanda, permitindo que
a ação coletiva prossiga com os pedidos de reconhecimento dos(as)
motoristas e entregadores(as) da Uber como empregados(as) para fins
de proteção trabalhista.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 341


V IA DOS DIREITOS
5. Referências

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Muniz; DA FONSECA, Vanessa Patriota (orgs.). Futuro do trabalho: os
efeitos da revolução digital na sociedade. Brasília: ESMPU, 2020. P.
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BEATTIE, Samantha. Toronto Uber Drivers Unionized: Here’s
What They’re Fighting For. The Huffpost Canada. 26 July 2019.
Disponível em:<https://www.huffingtonpost.ca/entry/toronto-uber-
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CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O caso Uber e o controle por
programação: de carona para o século XIX. In LEME, Ana Carolina
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de Resende (Coord.). Tecnologias disruptivas e a exploração do
trabalho humano. São Paulo: LTr, 2017.
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T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 343


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344 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Panorama do trabalho em aplicativos na Hungria

Victor Sousa Barros Marcial e Fraga270

1. Introdução

O presente artigo versa sobre os pressupostos fáticos e


jurídicos que concernem o trabalho em aplicativos na Hungria. A
investigação foi direcionada, inicialmente, para a atuação da Uber,
enquanto empresa emblemática e pioneira no mercado de transporte
por aplicativos, na cidade de Budapeste. Posteriormente, o trabalho
aborda a alteração legislativa realizada pelo governo húngaro, que
levou imediatamente à saída da empresa do país.
Em sequência, discorre-se sobre o mercado de aplicativos
de transporte de passageiros após a saída da Uber em 2016. Indica-
se, ainda, a situação dos aplicativos de entrega de comida em
operação no país, especialmente durante a pandemia. Após, realiza-
se análise crítica da atual situação do trabalho em plataformas na
Hungria, questionando seu aspecto prejudicial aos trabalhadores e
a possibilidade de superação do modelo de exploração. Por fim, são
apresentadas as conclusões da investigação.

2. Uber na Hungria

A Uber foi o primeiro aplicativo de transporte a iniciar suas


atividades na Hungria. Em novembro de 2014, o serviço, comparado
ao táxi, foi disponibilizado em Budapeste, capital húngara, sendo
noticiada na mídia a facilidade quanto ao pagamento, o valor 40%
mais barato em comparação com o serviço de táxi e a taxa de 20%
cobrada dos motoristas (1).
Desde o primeiro mês, sindicatos e companhias de táxi
270 Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal
de Minas Gerais (PPGD-UFMG). Artigo apresentado como requisito parcial para
aprovação na disciplina “Assembly Bill nº 5 da Califórnia e seus impactos no direito
e no processo do trabalho tendo em vista o acesso à justiça pela via dos direitos
laborais”, ministrada pela Prof. Dra. Adriana Goulart de Sena Orsini e pelo Prof. Dr.
José Eduardo de Resende Chaves Júnior.

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 345


V IA DOS DIREITOS
questionaram a entrada da Uber no mercado, recebendo resposta
positiva do Ministro da Economia, Mihály Varga, quanto à pretensão
de investigação da empresa (2). Em março de 2015, taxistas iniciaram
seus protestos na capital questionando o descumprimento por
motoristas de aplicativo de regras obrigatórias para o serviço de táxi
comum como fornecimento de recibo e contratação de seguro (3).
A investigação realizada pela Administração Tributária e
Aduaneira Nacional (NAV) concluiu pela ausência de taxímetros,
número de identificação fiscal e recibos nos carros vistoriados, bem
como descobriu a inexistência de autorização de táxi (taxi permit) para
os motoristas ou aprovação em teste de aptidão (4).
Em janeiro de 2016, os taxistas realizaram novos protestos em
Budapeste em crítica ao comportamento moroso e desinteressado das
autoridades, conforme relato de Metál Zoltán, presidente da Associação
Nacional de Táxis (OTSZ), bem como denunciaram o descumprimento
da legislação pela Uber, ocasionando concorrência desleal (5).
Em conjunto com a Câmara de Comércio e Indústria de
Budapeste (BKIK) e a Associação Nacional de Empresários de
Transporte (Fuvosz), a OTSZ enviou carta ao Primeiro-Ministro,
também em janeiro de 2016, exigindo atenção das autoridades quanto
às fraudes perpetradas pelos motoristas da Uber (6). Duas semanas
após os quatro dias de protesto de taxistas, nova auditoria das
autoridades fiscais indicou a operação de motoristas de aplicativo sem
número de identificação fiscal (tax number) (7).
A NAV publicou informe em fevereiro de 2016 indicando que
apenas indivíduos registrados poderiam prover serviços de táxi, bem
como apontou a necessidade de inscrição dos motoristas de aplicativo
para fins fiscais (8). Em resposta, a Uber utilizou seu marketing para
expor anúncio de página inteira em jornal de grande circulação
solicitando a livre gestão do mercado ao governo húngaro (9).
Nos meses subsequentes, o governo húngaro frisou, em
tratativas, não ter interesse em banir a Uber do país, buscando
apenas que a empresa cumprisse as regras de competição justa em
compatibilidade com a regulação húngara para o exercício do serviço
de táxi. A resposta dos representantes da empresa californiana durante
os debates foi de que a Hungria deveria seguir o entendimento da União

346 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
Europeia sobre iniciativas de economia compartilhada e autorizar as
atividades da companhia sem ingerência governamental (10).
Em 13 de julho de 2016, a Uber anunciou a suspensão de seus
serviços em Budapeste, única cidade em que operava na Hungria,
no dia 24 do mesmo mês. Em seu texto de despedida, a empresa
apontou a existência de 160.000 usuários que seriam deixados e
justificou a retirada do país pela alteração legislativa realizada, a ser
exposta no próximo tópico do presente artigo, que impossibilitaria
economicamente o serviço dos motoristas húngaros (11). A análise
de Metál, representante dos taxistas, foi no sentido de que a Uber
era player ilegal que, com o fim das brechas legais para sua operação,
optou pela saída do país (12).

3. Atualização da legislação Húngara

A Lei sobre Serviços de Transporte de Passageiros (törvény a


személyszállítási szolgáltatásokról) foi promulgada em 2012 e versa sobre
diversas modalidades públicas e privadas, domésticas e internacionais
de transporte no território húngaro (13).
A Seção 9/A, em vigor desde maio de 2016, versa sobre “Serviço
de transporte de passageiros em veículo com serviço especial de
passageiros”. Seu único artigo, 12/A, garante que a atividade de
transporte de passageiros pode ser realizada em veículo adequado aos
requisitos ministeriais de segurança de passageiros.
O artigo 12/A repassa ao governo local, no caso o Município
de Budapeste, a responsabilidade pelo detalhamento da segurança
rodoviária, as características exigidas para os veículos, o horário
de funcionamento do serviço, as rotas e paradas disponíveis e as
condições de utilização do serviço. É potestade do governo local, ainda,
a aplicação de sanções em caso de descumprimento das condições
estabelecidas para o funcionamento do serviço.
A seção 9/B, em vigor desde julho de 2016, discorre sobre
“Regras para o serviço de organização de um serviço de transporte de
passageiros”.
No artigo 12/B, a legislação húngara prevê a possibilidade de
que a autoridade de transportes ordene a inacessibilidade temporária

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 347


V IA DOS DIREITOS
de dados publicados por operador de serviço comercial de transporte
de passageiros. A hipótese seria aplicável caso reste comprovado o
descumprimento dos requisitos estabelecidos para o serviço pelos
seus executores.
Dentre as atividades inadequadas, é exemplificada hipótese de
continuidade de execução de serviço sem licença após recebimento
de multa. Prevê a lei, quanto ao tempo da medida, a possibilidade
de indisponibilidade dos dados eletrônicos por 365 dias, com a
publicização eletrônica da decisão que determinou a aplicação da
sanção.
O artigo 12/C indica a possibilidade de aplicação de multa
que pode variar entre cinquenta mil e duzentos mil forints húngaros
para o prestador de serviços que descumpra a determinação do artigo
anterior, podendo a autoridade aplicar a multa repetidamente durante
o período de não cumprimento.
O artigo 12/F, por fim, autoriza a retirada de circulação de
veículo que realize serviço de transporte sem autorização.
Sobre a viabilidade de tornar o aplicativo indisponível pelo
período de um ano, indicou Hegyeshalmi Richárd, quando a ideia foi
inicialmente ventilada, que um tribunal pode, em tese, exigir a remoção
de aplicativo das lojas virtuais caso reste demonstrada a violação de
leis locais. Há, ainda, como realizar o bloqueio de aplicativos pelas
operadoras de celular, responsáveis pelo tráfego de dados necessário
para o funcionamento da plataforma, gerando restrição com base em
geolocalização e endereços IP (14).
Ao analisar a legislação, o advogado Környei Mátyás (15)
compreendeu que a empresa Uber, que operava em zona cinzenta da
regulação húngara, foi expressamente enquadrada na mesma categoria
de outras empresas de táxi e passou a ser responsável pela legalidade
das atividades dos motoristas a ela vinculados, independentemente da
discussão quanto ao vínculo empregatício.
Pela responsabilidade legal acrescida, justamente, a Uber
anunciou que deixaria de operar na Hungria na data de início da
vigência da nova legislação com texto autorizativo da aplicação de
sanção de indisponibilidade eletrônica do serviço cumulada com
multa.

348 T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA


V I A D O S DI REI TOS
A Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho
da União Europeia (16), que versa sobre a prestação de serviços no
mercado interno dos países-membros, determinou, em seu item 21, a
exclusão dos serviços de transporte, dentre os quais os de transporte
urbano e os táxis, de seu âmbito de aplicação.
Leciona Környei que inexiste regulamentação uniforme da
União Europeia quanto ao transporte de passageiros, conforme
determinação da Diretiva, motivo pelo qual cada país-membro é
responsável pela decisão quanto às particularidades da operação
destas empresas em seu território. Em junho de 2016, o autor indicou
possibilidade da Uber voltar a operar na Hungria caso o Tribunal de
Justiça da União Europeia (TJUE) reconhecesse a empresa enquanto
intermediária e não prestadora de serviço de transporte (17).
Em dezembro de 2017, o TJUE julgou o caso C-434/15, ajuizado
por associação profissional de taxistas barcelonenses em face da
sucursal espanhola da Uber por prestação irregular de serviço de
transporte, sem licenças e autorizações administrativas. A Grande
Seção do Tribunal decidiu que o serviço de intermediação da Uber
está compreendido em serviço global cujo principal elemento é o
transporte, motivo pelo qual as regras gerais da diretiva europeia
não seriam aplicáveis ao caso da Uber, cabendo a regulação do
funcionamento da empresa ao país, no caso a Espanha (18).
Conforme indicam Juliana Oitaven, Rodrigo Carelli e Cássio
Casagrande (19), as empresas que usam aplicativos têm como negócio
o próprio objeto que intermediam, no caso o transporte de passageiros,
motivo pelo qual os autores reputam enquanto “grande falácia o
argumento de que consistem apenas em plataformas digitais, como
verificou a Corte Europeia de Justiça”. Após a decisão proferida, ante o
severo panorama legislativo exposto, a Uber não retornou à Hungria.

4. Transporte de passageiros após a Uber

Um dia após o encerramento das atividades da Uber no país,


a empresa estoniana Taxify anunciou que iniciaria suas atividades
na Hungria. A proposta do aplicativo foi de cumprir todos os pontos
do regulamento de táxi alterado pelo governo húngaro, garantindo a

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 349


V IA DOS DIREITOS
continuidade da prestação de serviços de transporte de passageiros
com intermédio de aplicativos em Budapeste (20).
Sobre o permanente interesse em aplicativos de transporte
após a saída do Uber, indica Ábrahám Ambrus (21), após a realização
de pesquisas com taxistas tradicionais, motoristas de aplicativos e
usuários, que o novo concorrente poderia apresentar desafio aos
taxistas. Apesar da possível ausência de competitividade nos preços,
o produto oferecido se distingue, para o autor, pela operação por meio
de celulares e pela visão do táxi enquanto antiquado.
A rápida substituição da Uber após o término das operações
da empresa na Hungria se demonstrou longeva, coexistindo o novo
aplicativo com a legislação húngara, apesar da permanência de
protestos de taxistas, em menor escala. No início de 2019, a Taxify
alterou seu nome para Bolt a fim de refletir sua aposta em veículos
elétricos para o futuro e abarcar a expansão de seu portfólio, que conta
com prestação de serviços de táxi e compartilhamento de scooters
elétricas e bicicletas (22).
Em seu Regulamento do Motorista, a Bolt assume a prestação
de serviço de táxi pessoal, nos moldes do Decreto do Governo 176/2015.
De acordo com o texto, o motorista decide diariamente seu tempo
de disponibilidade, mas tem obrigação de serviço durante o período
em que permaneça com o status online. São previstas sanções para
a utilização inadequada do status online/ocupado ou do taxímetro no
início e no final das corridas. Há, também, obrigação de mínimo de
130 corridas por mês para continuidade da prestação de serviços e de
porte de rolos de papel para taxímetro. O Regulamento, por fim, tece
considerações quanto à ética dos motoristas subcontratados, vedação
de cigarros e álcool, diretrizes para roupas e pontuação mínima
necessária (23).
O Decreto do Governo 176/2015 (24), que versa sobre transporte
rodoviário de passageiros por aluguel ou recompensa, define a figura
do gestor profissional enquanto prestador de serviços de transporte
de passageiros de forma efetiva e contínua dentro de empresa de
transporte mediante relação jurídica de membro, empregado ou outra.
Quanto à experiência específica do aplicativo Bolt, o Regulamento
do Motorista não apresenta definição clara do vínculo do motorista,

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V I A D O S DI REI TOS
utilizando indiscriminadamente os termos empregado, subcontratado
e funcionário (25).
Após a entrada da Bolt no país, diversos motoristas de táxi
migraram para a empresa, entendendo que esta poderia ser positiva
por maximizar a coleta de dinheiro, extirpando o tempo morto do
trabalho, e facilitar a utilização dos táxis por turistas ante o apelo
internacional da empresa. Outros setores de taxistas, contudo,
indicam problemas na identificação dos carros e no descumprimento
da legislação por motoristas, bem como aduzem a investigação da
empresa por manejo irregular de dados, formando resistência ao
trabalho em plataformas (26, 27).
Em análise de outubro de 2018, Bucsky Péter (28) indica
crescimento do mercado de táxis em Budapeste, aumento dos lucros
do setor acima da média nacional e crescimento do número de taxistas
autônomos, principalmente após a saída da Uber, salientando que
mais de 80% dos taxistas trabalhavam por conta própria à época da
divulgação do estudo.
Bucsky (29) aponta a criação, na Hungria, de “economia
baseada em plataforma sem aplicativos”, com a ocupação do lugar da
empresa californiana pelas empresas de táxi locais, que definem o
preço por assembleia e são pagas em percentuais pelos motoristas, que
trabalham sem emprego formal declarado. Para o autor, a prestação
do serviço enquanto autônomo é mais rentável do que enquanto
funcionário, mas conta com armadilhas como os gastos com gasolina
e manutenção do carro, a inexistência de garantia de direitos como
auxílio-doença e licença remunerada, além do limite de contribuição
para aposentadoria na modalidade, que prejudica a arrecadação de
impostos e o valor da futura pensão.
O impacto da Uber, mesmo após sua saída do país, se torna
perceptível pela rejeição do vínculo empregatício, seja pela nova
plataforma, Taxify / Bolt, ou pelas empresas de táxi convencionais, que
aderiram à forma de funcionamento dos aplicativos como indicado
por Bucsky.
Conforme aduz Ana Carolina Reis Paes Leme (30), “[a] ausência
de vínculo parece combinar com o atual estágio do capitalismo”,
cognitivo ou de plataforma, em que há hipermobilidade do capital e o

T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 351


V IA DOS DIREITOS
aplicativo pode, de um instante para o outro, sair do ar, como o fez na
Hungria após a edição de norma contrária aos seus interesses.
Após quatro anos de atividade na Hungria, a Bolt divulgou que a
frota inicial, de vinte carros, se expandiu mais de cinquenta vezes, que
seus carros elétricos percorreram mais de 30 milhões de quilômetros
no país e que, durante a pandemia, foi introduzido o serviço de entrega
de alimentos Bolt Food em diversas cidades a fim de proporcionar
sustento para os motoristas ante a redução significativa do número de
corridas no período (31). O mercado de entregas húngaro conta com
mais atores e particularidades quanto à sua organização, conforme
restará demonstrado.

5. Aplicativos de entrega durante a pandemia

Com mais capilaridade, tendo presença em diversas cidades e


utilizando principalmente bicicletas para o transporte, os aplicativos
de entrega de comida também se popularizaram na Hungria com o
passar dos anos, contando o país com opções como o Wolt, o NetPincér,
o VisitMe e o Bolt Food, mais recente.
De modo semelhante aos aplicativos de transporte de
passageiros, as empresas intermediadoras têm a entrega de alimentos,
ou outras mercadorias, enquanto objeto principal. Clientes e
prestadores de serviço de entrega “são automaticamente interligados
viabilizando rapidamente o negócio, não podendo escolher um
ao outro”, o que distancia as empresas da lógica de economia de
compartilhamento em que elas buscam se enquadrar (32).
Conforme leciona Rodrigo Carelli (33), a experiência também
se afasta das plataformas de marketplace, em que as partes anunciam
e prestam diretamente determinados serviços, pois as plataformas
interferem decisivamente no serviço prestado, não se limitando à
intermediação eletrônica.
Enquanto o setor de transporte de passageiros teve piora
durante a pandemia de coronavírus, as entregas de comida
aumentaram consideravelmente. Em março de 2020, foi noticiada a
entrada de quinhentos novos restaurantes no catálogo da empresa
NetPincér, bem como o crescimento da demanda levou as companhias

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V I A D O S DI REI TOS
ao constante recrutamento durante a quarentena (34).
Em análise aprofundada do tema, Blaskó Zsófia (35) indicou
que diversos trabalhadores, demitidos do setor de turismo ou antigos
taxistas prejudicados pela redução da demanda, procuraram as
empresas de entrega. Contudo, ainda que a procura pelo serviço tenha
aumentado, o número de interessados no setor é superior à capacidade
de absorção.
Indica Blaskó que os mensageiros (futárok, em húngaro)
da NetPincér agendam seus turnos com antecedência e recebem
salário por hora, com adicional a depender da zona de operação. Os
trabalhadores que operam na plataforma Wolt são pagos em “sistema
parcialmente baseado em desempenho”, sendo remunerados com
taxa fixa caso reservem seu turno com antecedência (36).
A classificação dos mensageiros costuma ser de proprietários
individuais de baixa taxa (KATA) (37). O empreendedor privado é uma
das classes de contribuintes apta a adotar o método de tributação KATA,
em que imposto fixo, atualmente de cinquenta mil forints húngaros ao
ano, é pago por autônomos em tempo integral (38).
A ausência de garantias como a licença médica e a
entrega de equipamentos de proteção, resultado da inexistência
de reconhecimento formal da condição de empregado para os
entregadores, foi suprida, pelas excepcionais circunstâncias
pandêmicas, por licença remunerada de duas semanas caso os
entregadores pudessem provar a infecção pelo Covid-19 (39).

6. Limitações e possibilidades do trabalho em plataformas

Ao versar sobre o trabalho sob demanda via aplicativos


na Hungria, Mélypataki Gabor (40) indica que o vínculo precário
gerado pode levar a futuro incerto quanto à seguridade social destes
trabalhadores. Para o autor, a inovação quanto à modalidade da oferta
do serviço e do controle do trabalho não alcançou as garantias sociais,
levando o trabalhador a arcar sozinho com os riscos da prestação de
serviços.
Kóvacs Blanka (41) tem percepção semelhante ao indicar que
os trabalhadores húngaros em plataformas devem arcar com os custos

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V IA DOS DIREITOS
de sua previdência e de seus tributos, não contam com proteção legal
em caso de inaptidão física e sequer podem formar sindicato ante sua
condição de autônomo.
Para Kóvacs (42), as plataformas não operam, em sua maioria,
com trabalhadores que buscam renda complementar, mas pessoas
que não encontraram emprego no mercado de trabalho e utilizam
os aplicativos enquanto fonte primária de renda. Ainda que entenda
que a exploração destes trabalhadores não está em nível alarmante
na Hungria, a autora reconhece que a pobreza no trabalho segue
crescendo no país e, com ela, o número de pessoas expostas a vínculos
semelhantes.
Leciona Trebor Scholz (43) que “os atuais modelos de negócios
extrativos baseados em plataformas” utilizam a linguagem do
empreendedorismo, da autonomia e da flexibilidade para justificar
que os trabalhadores arquem com o peso de desemprego, doença
e envelhecimento. A ilegalidade, como a atuação da Uber na zona
cinzenta, é trazida pelo autor enquanto método assumido das
plataformas, reiteradamente enquadradas por descumprimento
de leis federais, eliminação de direitos trabalhistas e ausência de
transparência, minando a dignidade dos trabalhadores.
Traçando o cooperativismo de plataforma enquanto saída,
Scholz indica que a cooperativa clona, tecnologicamente, o aplicativo
de interesse, mas o trabalho é exercido em modelo democrático de
propriedade. A solidariedade é elemento central para a experiência,
bem como a ressignificação de conceitos como inovação e eficiência
para servir o bem comum ao invés de resultar em retenção dos lucros
por poucos diretores (44).
Blaskó (45) informa que, buscando se afastar da exploração
das plataformas, grupo de entregadores húngaros criou cooperativa
a fim de garantir mais segurança no vínculo de trabalho e obter
lucro diferenciado. A opção pela forma cooperativa, para o grupo,
se dá justamente pela possibilidade de organizar o trabalho e tomar
decisões em conjunto, sendo essencial a confiança e dedicação dos
participantes.
Conforme aduz Nick Srnicek (46), as empresas de economia
de compartilhamento representam percentual pequeno da força de

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trabalho dos países, mas indicam tendência muito maior, expandindo
a mentalidade das plataformas para a prestação de outros serviços. Na
linha deste pensamento, indica o autor que o caminho do emprego
por conta própria não seria livremente escolhido, mas imposto pela
busca de sobrevivência.
Salienta Scholz (47) que “o capitalismo de plataforma está
sendo definido por decisões de cima para baixo tomadas no Vale do
Silício, executadas por algoritmos caixa-preta”, reputando essencial
a existência de cooperativas para preencher o ideário popular com
modelos de propriedade distintos dos empreendimentos acionistas.
Em que pese a inexistência de grandes protestos de motoristas
de aplicativos e entregadores de comida húngaros por melhores
condições de trabalho, o panorama traçado indica a viabilidade de
elaboração de formas distintas de organização e possível atuação
protetiva do governo.

7. Conclusão

Conforme restou demonstrado, a Uber foi a empresa pioneira


do trabalho em plataformas na Hungria, tendo sido recebida com
hostilidade pelos taxistas de Budapeste. O conflito levou o país a alterar
sua regulação sobre transporte de passageiros e exigir que a empresa
se adequasse às exigências legais para taxistas, além de prever a
aplicação de sanções como multas e indisponibilidade do aplicativo
pelo período de um ano em caso de descumprimento das exigências
legais.
A empresa californiana foi rapidamente substituída pela
estoniana Taxify, posteriormente Bolt, que opera de forma semelhante
quanto ao tratamento dos trabalhadores. Apesar de considerados
enquanto autônomos, os motoristas devem seguir diretrizes quanto
a disponibilidade, roupas, uso de drogas lícitas, mínimo de corridas
por mês e tratamento de clientes. Foi noticiada, ainda, a influência do
modelo uberizado em empresas convencionais de táxi, com crescente
número de trabalhadores autônomos na área tradicional.
No setor de entrega de alimentos, há diversidade de plataformas
e alta procura por postos de trabalho, principalmente no período

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de pandemia em que diversas áreas da economia tiveram ondas de
demissões, agravando o aumento contínuo da pobreza no país.
Tanto no transporte de passageiros quanto no serviço de
entrega, o entendimento é de que a ausência de reconhecimento do
vínculo empregatício leva à precarização dos trabalhadores, minando
seu acesso à previdência social e a direitos trabalhistas como o auxílio-
doença e a licença remunerada.
Nesse contexto, as cooperativas, classicamente utilizadas por
taxistas e atualizadas, conforme demonstrado, também na experiência
húngara de serviços de entrega, surgem enquanto possibilidade para
além do trabalho sem vínculo em plataformas. O entendimento
de Scholz complementa as experiências cooperativas ao indicar o
cooperativismo de plataforma, modalidade que utiliza a tecnologia
criada em prol dos trabalhadores, e não para sua exploração.
Logo, quanto aos motoristas de aplicativo, a Hungria optou por
regular a matéria de forma legislativa, preocupada com a arrecadação
de impostos e a vedação da concorrência desleal. Contudo, a influência
do modelo de economia de plataforma atingiu a organização dos
taxistas húngaros e não tardou em dominar o mercado de entrega de
alimentos. Em resposta germinal, surgiram cooperativas prestando
o mesmo serviço dos aplicativos, mas permanece questionável a
consciência dos trabalhadores acerca dos danos causados a longo
prazo pela adesão à forma de trabalho precária.

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T RA BA L H A DORES P L ATA FORMI Z A DOS E O ACESSO À JUSTIÇA PELA 361


V IA DOS DIREITOS
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V I A D O S DI REI TOS
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