Você está na página 1de 4

Marshall Rosenberg e a revolução linguística do

politicamente correto
Por Cristian Derosa.

 Última atualização 7 de julho de 2020 10:09 am


 4

 Compartilhar

Há quase um século, a interação humana tem sido o foco de interesse e atuação


dos engenheiros sociais.

Tolerância, diálogo, empatia, encontro. Palavras que o leitor já deve estar


enjoado de ouvir na mídia, ou sendo ditas por ativistas LGBT, de movimentos de
minorias étnicas, raciais, enfim, todo o mosaico de abstrações associadas a certos
perfis inseridos no simbolismo marxista de classe, já esvaziado pela realidade da
sua insuficiência política.

Ernesto Laclau aprofundou a reflexão de outros teóricos marxistas, como


os insights de Rosa Luxemburgo, por exemplo, sobre as possibilidades de ação
revolucionária no âmbito cultural e político em relação às classes e grupos
sociais, por meio de uma intensa “conscientização” (propaganda) que se daria na
adequação linguística. Voltando no tempo, podemos traçar uma cronologia
invertida dos estudos que originaram a vigilância ou até censura linguística que
hoje chamamos de politicamente correto.

Prestou-se bem a tais objetivos os estudos de Antonio Gramsci, que propuseram


um foco maior na construção de um imperativo categórico inserido na própria
cultura burguesa. Mais tarde, na década de 1970, coube à diversidade de
propostas revolucionárias ligadas aos costumes, como o caso do psicanalista
David Cooper, em ‘A morte da família’, que propunha mudanças linguísticas e o
esvaziamento das palavras, a começar pela família como estrutura de poder da
burguesia. Ele se baseava na tese de que as palavras continham apenas duas
dimensões: a histórica (história do uso das expressões) e intenção do interlocutor.
Sendo assim, a dimensão histórica seria apenas o percurso das intenções de quem
desejava subjugar o próximo.

Mas Cooper não tirou do nada a sua revolução linguística. Tampouco a feminista
contemporânea Judith Butler, em seus manuais de “performances” de gênero,
retirou da cartola ou da própria cabeça a ideia de revolucionar a linguagem
através da ressignificação das palavras. Pouco antes de Cooper, durante a década
de 1960, o psicólogo americano Marshall Rosenberg (1934-2015) criou a
Comunicação Não-Violenta (CNV), estrutura de sugestões linguísticas para
arbitrar conflitos diplomáticos. Seu objetivo era unir a ética filosófica à
linguagem interpessoal em busca de um ponto em comum para iniciar debates e
aproximações sociais ou pessoais. A ideia da CNV era desarmar as pessoas de
suas convicções, atenuando os choques de opinião, principalmente na área da
política, em uma época marcada pela polarização e conflitos geopolíticos. O
princípio da união, base da ideologia pacifista que ganhou reforço após a
Segunda Guerra Mundial, tinha como alicerce a construção de uma verdadeira
“cultura do encontro” ou “cultura de paz” que serviria de base para uma
necessária cooperação internacional.

Após ter trabalhado e ser requisitado por diplomatas e chefes de estado para a
intermediação de conflitos, Rosenberg migrou da política para as relações
humanas em seus estudos, o que ficou evidente em seu livro Comunicação Não
Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais.
Rosenberg fez um enorme sucesso e foi elogiado por gurus da nova era como o
indiano Deepak Chopra, que considerou seu livro uma verdadeira operação de
abertura da consciência para o encontro entre as pessoas. Ainda hoje, Rosenberg
é citado entre ativistas pela “diversidade” e “tolerância”, além de representar
forte influência para projetos das comunidades LGBT. No Brasil devem também
ao psicólogo o uso de termos como “empatia” e “abordagem empática”, além de
“tolerância”. O livro de Rosenberg começa com um agradecimento a um de seus
mentores, o também psicólogo Carl Rogers, inspirador do CVV (Centro de
Valorização da Vida) e herdeiro da chamada “abordagem centrada na pessoa”.
O personalismo
Descontentes com as correntes psicológicas praticadas na primeira metade do
século XX, consideradas reducionistas, funcionalistas e mecanicistas, como o
behaviorismo, Carl Rogers e os psicólogos personalistas criaram grupos de
encontro psicoterapêuticos, utilizados como modelo até hoje pelos CVV. Seu
estudo foi o resultado e aprofundamento de estudos anteriores, que começaram a
perceber a insuficiência dos modelos anteriores de psicologia social.

A corrente personalista, que pode ser representada por autores como Max
Scheller e Emmanuel Mounier, influenciou profundamente o pensamento cristão,
a partir de abordagens influenciadas por ela como o humanismo integral, de
Jacques Maritain. Essa linha foi uma das inspirações da corrente política
Democracia Cristã e teve grande influência no pensamento do Papa São João
Paulo II, bem como no Concílio Vaticano II.

Dinâmicas de grupo e a psicologia social


Retrocedendo ainda mais no tempo, vemos que a origem das abordagens
interpessoais e linguísticas está na psicologia social, campo de estudo destinado a
compreender a sociedade para controlá-la.

Todas essas propostas de interação pessoal e grupos psicoterapêuticos vieram da


década de 1940, após os estudos de um dos mais renomados psicólogos quando o
assunto era dinâmica de grupos: Kurt Lewin. Antes de Rogers, que centrava no
autoconhecimento e autoanálise, Lewin já compreendia a influência da interação
entre as pessoas, em seus estudos de psicologia social. Compreender essa
interação era essencial para, de maneira técnica, influenciar nas mudanças
culturais e políticas em longo prazo.

A psicologia social, até então, era vista de maneira muito simples, como uma
questão de reação psicológica a sentimentos de ameaça. Lewin percebeu que a
interação entre as pessoas pesava muito e começou a estudá-la. Para isso, criou
grupos de controle e pesquisa, que se chamaram “Dinâmicas de Grupo” e
serviam tanto para compreender a estrutura das relações humanas como para
determiná-las. As dinâmicas passaram a ser usadas por empresas e governos que
desejassem estabelecer um nível de controle e compreensão do processo social
que envolvia aquelas relações.

Uma solução para o problema moral


Com a crescente secularização da sociedade, a idéia de pecado ou de freio às
paixões e sentimentos ruins, cujas exigências se punham como condição para a
vida eterna, migraram para o campo da ética instrumental e da sua necessidade
para a boa convivência social. A sobrevivência e manutenção da sociedade
passou a ser o maior e único problema a ser resolvido.

O que vemos hoje em matéria de reengenharia linguística faz parte de um longo


processo de tentativa de controle e determinação do pensamento. Os sociólogos e
filósofos que viam o crescimento da sociedade de massas como algo perigoso e
incontrolável, desejaram reunir os meios para um controle seguro das paixões
massivas. A psicologia social é resultado desse temor. O politicamente correto, a
“linguagem empática” e a “tolerância”, cujo principal inimigo é o chamado
“discurso de ódio”, são instrumentos de domesticação das opiniões e controle das
paixões humanas após a aparente derrocada do poder social das religiões.

Você também pode gostar