Das angústias de meu mundo fiz palavras impublicáveis, registrei-as em cadernos
velhos e joguei-os na fogueira de minha vaidade. Todo rancor, raiva e tristeza,
sentimento de culpa, tudo, largado em linhas retas que jamais serão lidas. Todo espaço entre a minha verdade e mentira preenchido com lágrimas azuis, choradas por uma caneta velha, em letras borradas pelo nervosismo de minhas mãos cálidas.
Sempre pensando longe, imaginando hipóteses, conjecturando possibilidades. Assim
construí o solo frágil em que piso todas as manhãs, fino feito folha de papel, marcado pelo solado de meus pés inquietantes. Um passo de cada vez: dessa maneira cresci imaginando trilhar o caminho certo de minha vida. Eu que nunca cheguei a experimentar saltos que poderiam me levar longe ou me fazer quebrar por inteiro. De maneira que qualquer desvio de conduta revela-se assustadoramente impensável. E assim nasceram os traumas de que jamais me recuperei.
Ainda é chegado o dia, o grande dia: dia de fazer noites.