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Questão de aula de Filosofia nº4

Senso comum e conhecimento científico/ Karl Popper


 Senso comum e conhecimento científico
O senso comum (ou conhecimento vulgar):
 É caracterizado por ser o modo como nós espontaneamente nos
aproximamos das coisas, e é um saber subjetivo, isto é, aquilo que é
particular do indivíduo que conhece;
 É um saber empírico, saber sensitivo (perceções) obtido por experiências
diretas e indiretas e transmitido de geração em geração;
 É um saber prático utilitário;
 Permite uma orientação no quotidiano;
 É um saber superficial (aceita a aparência como uma verdade) acrítico
(não analisa com imparcialidade; refere-se a um conhecimento que nem
sempre busca uma devida reflexão sobre suas ações), é dogmático (não
questiona) e assistemático (não tem rigor lógico).

Contrariamente, a ciência (ou conhecimento científico):


 É caracterizado como a aproximação que exige sistematização e reflexão,
que é considerado um conhecimento objetivo dessa realidade (crítico);
 Resulta de um esforço intelectual para pôr em causa e/ou desconstruir a
imagem comum do mundo elaborada a partir da perceção sensitiva;
 Exige a conversão teórica da imagem sensitiva do mundo;
 Consiste num processo metodológico que dá garantia de verdade;
 Torna a crença «objetiva, discursiva e fundada em razões»;
 Exige justificação, ou seja, demonstração e fundamentação da crença;
 Acrescenta critério metodológico, rigor e maior capacidade preditiva ao
conhecimento vulgar;
Em suma, a ciência é um conhecimento sistematizado, metódico e crítico que
utiliza raciocínios, provas e demonstrações que nos permitem obter conclusões
gerais devidamente fundamentadas e justificadas.

O conhecimento de senso comum não nos dá uma explicação e uma


compreensão da verdadeira natureza da realidade, pois não ultrapassa aquilo
que é imediatamente visível e percetível; dá-nos, por vezes, informações
erradas, considerando semelhantes fenómenos que, na realidade, são
diferentes, e as suas conclusões são quase sempre imprecisas e mantidas pela
força da tradição. Isto só foi compreendido no séc. XVII, pelos trabalhos de
Galileu (pai da ciência moderna) e a partir daí, esta passou a usar métodos
científicos que permitiram uma nova interpretação dos dados e acelarar o
progresso da ciência; porém, levou à correção ou substituição de teorias.

 Características da ciência
Resumidas por Hubert Reeves, célebre físico do séc. XX, em “Reflexões de um
Observador da Natureza”, dizem que a ciência é uma:
 Construção racional – é uma interpretação lógico-racional dos dados:
estabelece relações causais entre os fenómenos, formula leis e integra-as
em teorias;
 Análise metódica e objetiva – define um objeto específico da
investigação; usa um método rigoroso adequado; conjuga a capacidade
intuitiva, criadora e organizadora (lógica) do pensamento com o respeito
pelos factos; combina invenção, lógica e experimentação;
 Explicação operativa – é um conjunto de procedimentos (operações
lógico-matemáticas e experimentais repetíveis) conduzindo sempre aos
mesmos resultados teóricos;
 Aproximação sucessiva – as teorias são criações racionais humanas
falíveis; a verdade científica nunca é definitiva, pode ser posta em causa,
está sujeita a revisão ou substituição; o conhecimento científico progride
quer por acumulação (continuidade) e alargamento do conhecimento
quer por revisões e correções; é construção dinâmica com retroações
constantes; é tentativa interminável para fazer desaparecer as fronteiras
da incerteza (não é acumulação indefinida);
Revisibilidade – aproximações sucessivas à realidade.
 Explicação precisa, rigorosa e prática – usa um método científico, uma
linguagem unívoca e técnica, de preferência matemática; define os
conceitos com rigor; tem aplicação prática; perscruta os factos; a
realidade recriada -em termos de teorias e de leis- deve
obrigatoriamente reproduzir as observações.

Como se avança no conhecimento?


 Por continuidade – partimos do senso comum como ponto de partida
para ser desenvolvido, aperfeiçoado;
 Por descontinuidade ou rutura
“O senso comum pensa tão mal, dá-nos uma imagem tão errada da
realidade, que nada se pode construir a partir dele.”
Karl Popper

O avanço por continuidade é muito comum entre os cientistas ativos.


No entanto, os seus pressupostos acerca da natureza da observação e acerca
dos argumentos indutivos, estão entre os mais importantes motivos pelos quais
esta perspetiva do método científico é considerada insatisfatória.
 Métodos científicos: indutivo e hipotético-dedutivo
O método científico pode ser definido como o conjunto de procedimentos que
as diversas ciências seguem para investigar o seu objeto de estudo.
Quase todos os investigadores reconhecem que o método científico contribui
para a eficácia da investigação, dando credibilidade aos seus resultados.
Caracterizemos 2 modelos:
 Método indutivo
Introduzido por Francis Bacon (1561-1626), filósofo empirista inglês, na
tentativa de definir bases para a investigação científica.
Utilizando-o, os cientistas partem dos factos particulares observados, inferindo
indutivamente conclusões gerais –hipóteses teóricas- que posteriormente são
sujeitas a verificação experimental. Uma vez confirmadas, as hipóteses tornam-
se leis ou teorias científicas.
A conceção indutivista do método científico apresenta 4 etapas:
1. Observação científica
Imparcial e objetiva; diferente da observação do senso comum (é
sistemática e metódica); preparada em função de 1 objetivo, recorre a
instrumentos cada vez mais sofisticados para registar, medir, quantificar, por
exemplo.
2. Formulação de uma hipótese
Da análise e da interpretação dos dados surge uma hipótese que é a
antecipação de uma resposta possível.
3. Experimentação
Visa confirmar ou rejeitar a hipótese; o fenómeno é provocado, muitas
vezes, sob condições controladas; pressupõe o uso de intrumentos e
técnicas especiais, rigor na produção e no controlo de dados, registo e
análise dos resultados.
4. Generalização (formulação da lei científica) e previsão
O que foi observado num certo número de casos é:
a) Considerado aplicável a todos os casos – generalização;
b) Aplicável a qualquer caso do mesmo tipo que venha a acontecer –
previsão.

O método indutivo tem sido alvo de críticas, nomeadamente por 2 aspetos:


 Não tem em conta que a observação nunca é totalmente imparcial, pois
todas as observações são condicionadas por múltiplos fatores, entre os
quais, pela conceção da ciência de um determinado período;
 Ignora que, de um ponto de vista lógico, não podemos considerar como
necessariamente verdadeiras as conclusões de argumentos indutivos.

 Método hipotético-dedutivo
Este modelo parte de um facto-problema, que é um acontecimento ou
fenómeno para o qual a ciência não encontra explicação à luz dos
conhecimentos existentes.
Em relação ao método indutivo, neste modelo metodológico mudaram-se
algumas coisas:
 Parte-se de um facto-problema;
 Formula-se 1 ou mais hipóteses explicativas gerais;
 Deduzem-se consequências que se confrontam com os dados da
observação;
 Formulam-se leis ou teorias científicas quando a hipótese é confirmada
pelos dados da experiência.
Existem então, para este modelo, 5 etapas a seguir:
1. Facto-problema
Facto ou fenómeno para o qual não há explicação.
2. Formulação de 1 ou mais hipóteses
Invenção de uma solução ou construção de um modelo teórico explicativo.
3. Dedução de consequências da hipótese
A hipótese é uma explicação geral do facto-problema que só pode ser
confirmada a partir da dedução de consequências menos gerais.
4. Experimentação
Confronto das consequências deduzidas da hipótese com os factos.
5. Conclusão
Relativamente à conclusão, deparamo-nos com 2 cenários possíveis:
a) Os dados confirmam a hipótese: formulação de 1 lei ou teoria científica;
b) Os dados não confirmam a hipótese: reformulação da hipótese e
repetição de todos os procedimentos até obter nova confirmação.

 Popper e o falsificacionismo
O falsificacionismo é uma teoria sobre a construção da ciência, desenvolvida e
defendida por Karl Popper (1902-1994), filósofo austríaco do séc. XX especialista
em epistemologia (estudo do conhecimento científico).
Ele expressa o seu pensamento nas suas obras “Conjeturas e Refutações” e
“Lógica da Pesquisa Científica”:
 A rejeição do método indutivo
Popper começa por dizer que “A observação é sempre seletiva. Requer um
objeto determinado, uma tarefa definida, um interesse, um ponto de vista, um
problema.” Admite depois que, no indutivismo, a observação é o ponto de
partida da formulação de hipóteses científicas. Porém, argumeta que: “(...) mas
estas observações, por seu turno, pressupõem a adoção de um sistema de
referências –um sistema de expetativas, um sistema de teorias.”
Popper recusa o indutivismo, afirmando que o cientista não começa pela
observação de factos particulares, mas sim por identificar um problema e
formular uma hipótese para o solucionar. A teoria precede a observação.
Defende ainda que o indutivismo não pode ser a base da investigação científica,
pois não nos permite justificar teorias, uma vez que chega a conclusões mais
gerais do que o que foi afirmando nas premissas. Assim, como não se pode
testar tudo, o grau de cientificidade é muito reduzido.
Popper diz mesmo: “A teoria que defendo (...) opõe-se frontalmente a todas as
tentativas de utilizar as ideias da lógica indutiva. Ela poderia ser chamada teoria
do método dedutivo de prova, conceção segundo a qual uma hipótese só
admite prova empírica –e tão somente após ter sido formulada.”
Defesa da teoria do método dedutivo de prova:
Hipótese  dedução de provas científicas  corroboração/falsificação.

 Critério de demarcação de teorias científicas


A verificabilidade procura, de uma vez por todas, confirmar a veracidade das leis
científicas, baseadas no método indutivo.
Porém, uma lei científica criada pela conceção indutivista (como vai do
particular para o geral) não pode ser considerada uma teoria verificada, pois
basta apenas a ocorrência de um caso diferente para a refutar.
Então, Popper propõe como critério de cientificidade de uma teoria (critério de
distinção entre ciência e não ciência) o facto de esta poder ser testada,
refutada ou falsificada.
Com isto, Popper pretende mostar que uma teoria que não possa ser testada
não é científica; será, talvez não tanto um dogma, mas sim uma pseudociência.
Automaticamente, quanto mais conteúdo empírico uma teoria tiver, mais se
pode testar e refutar (falsificar) e mais científica é.
Em Popper, uma teoria científica é uma conjetura/hipótese que ainda não foi
refutada.

 Método das conjeturas e refutações


Este método pode ser resumido em 5 etapas:
1. Problema
Parte de, com as palavras de Popper, “(...)uma ideia nova, formulada
conjeturalmente e ainda não justificada de algum modo (...)” (ideia
formulada);
2. Hipótese
Solução antecipada para um facto-problema; é uma proposição universal.
3. Dedução de consequências da hipótese
Faz-se a dedução de consequências da hipótese.
4. Teste de previsões empíricas deduzidas da hipótese
Testam-se as aplicações empíricas deduzidas da hipótese.

5. Falsificação ou corroboração
a) se não se confirmar a previsão, a teoria é falsificada e abandonada –
falsificação/refutação;
b) se se confirmar a previsão, a teoria manter-se-á, ainda que apenas como
conjetura (explicação mais ou menos provável) –dizemos que a teoria foi
corroborada (ainda não foi demonstrada como falsa).
Passar nos testes empíricos dá credibilidade à conjetura, mas não garante a sua
verdade, dado que nada sabemos quanto ao futuro.
Assim, quando uma conjetura é corroborada, torna-se, segundo o vocabulário
de Popper, mais verosímel, isto é, mais próxima da verdade.

Objeções a Popper
 O falsificacionismo não está de acordo com a prática habitual dos
cientistas;
 Nem todas as teorias são falsificáveis (são explicativas);
 Quando uma previsão falha, não prova que a teoria seja na totalidade
falsa, podemos apenas reformulá-la e não excluí-la no seu todo;
 Se todas as leis científicas são conjeturas provisórias, será que
compreendemos realmente alguma coisa? Podemos viver sem certezas?

A racionalidade científica
Embora não seja a única forma de dar sentido ao mundo (a filosofia, a arte ou a
religião são outras formas possíveis), a racionalidade científica é o conjunto de
modos de interpretar, explicar e compreender a realidade que obedece a uma
metodologia, é sistemática e procura a objetividade (validade de um
conhecimento ou de uma representação relativa a um objeto).
Os procedimentos padronizados e repetíveis contribuem para o que chamamos
a objetividade do conhecimento científico, que é a característica que permite
que o conhecimento científico seja reconhecido pela comunidade científica.

Evolução da ciência e objetividade científica/ A perspetiva de Popper


A objetividade é conferida pelo método, rigoroso de trabalho.
Popper acredita que o conhecimento científico evolui, progredindo em direção
à verdade. A verdade ganha assim os contornos de um ideal regulador, que
funciona como meta que os cientistas procuram alcançar. Mas, como citado
anteriormente, uma teoria não deve ser considerada verdadeira, de uma vez
por todas e de forma definitiva; apenas é uma aproximação à realidade.
Quando uma conjetura é refutada, esta é eliminada e cria-se uma teoria nova
mais verosímel. Verifica-se uma progressão na ciência, de refutação em
refutação, de falsificacionismo em falsificacionismo, eliminando quaisquer
erros. O erro é o motor do progresso.

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