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ANÁLISE DA DIREÇÃO E SUA ATUAÇÃO DENTRO DAS VERTENTES


DE FUNÇÕES DA PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA
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Filme a ser analisado:


Cidadão Kane - 1956 (reestreia)
Direção: Orson Welles

Cidadão Kane é um filme que se tornou um marco no cinema. Em sua primeira


estréia ele teve pouco valor, por conta das pessoas não estarem prontas para
compreenderem sua importância. Depois, ele faz sua reestreia em 1956, onde é de
fato revisto e consagrado na história do cinema, sendo indicado ao Oscar e
ganhando o prêmio de melhor roteiro.

O longa marca a época principalmente por suas inovações em técnicas narrativas e


enquadramentos diferenciados. A partir daqui, busco apontar diversos pontos
relacionados às características do filme que acredito terem sido bons resultados
propostas pelo diretor e bem executadas pela parceria que o mesmo teve com sua
equipe.

Roteiro e construção narrativa:

O enredo dessa história se constrói a partir da tentativa e busca de um jornalista


pela verdade, assim esforçando-se para descobrir o significado da palavra
ROSEBUD, a última palavra que sai da boca do personagem principal, Kane. Este
tem sua história acompanhada pelo espectador de forma não linear, e contada pela
perspectiva de diversas outras personagens.

Kane é um personagem que torna-se a personificação da busca pelo poder e o


sonho americano. Porém, ao atingi-lo, seu destino contrapõe-se com a perda da
inocência e da alma do menino do trenó que ele foi no passado. A partir disso,
podemos indicar o trabalho do diretor em relação aos personagens e suas
características psicológicas que contribuem para a reconstrução da história do
personagem principal.

Todos possuem uma certa importância, principalmente aqueles que contam e fazem
parte da história de Kane. O diretor trabalha o conhecimento de vida de Kane a
partir da fala e lembrança de outros. E aí, inicia-se o uso do flashback. Por conta da
narrativa não ser linear, e sim, construída por fatos relatados por diferentes
perspectivas sem a necessidade de um narrador fixo, o filme enfatiza a idéia de uma
trama investigativa e é recebido com um ar de grande diferenciação a coisas feitas
nesta época.

Direção de Arte - Figurino, Maquiagem e Cenografia:

A partir dos personagens para além, podemos enfatizar a direção de arte do filme.
Os figurinos e maquiagem desse filme são muito bem planejados para demonstrar
grande passagem de tempo para os personagens, a ponto de tornar o espectador
duvidoso sobre ser o mesmo ator.

Já a cenografia em diversos momentos traz de forma característica uma arquitetura


que é megalomaníaca, trazendo de forma palpável a idéia do mundo que o
personagem Kane busca alcançar em sua trajetória, o enorme sonho que ele
alimenta e a montanha a qual ele se dispõem a escalar e explorar. Grandes planos
gerais, locais enormes como o grande castelo Xanadu e até mesmo sua enorme
foto atrás de si durante o discurso político torna-se referência como o personagem
se vê ou quer ser visto pelos outros, ou seja, com grande destaque.

Fotografia e Iluminação:

Em seu filme, Orson Welles busca na encenação dos personagens e na captação


das imagens algo que na época era uma mistura entre técnicas de cinema clássico
e analítico.

O cinema clássico vem da lógica próxima ao teatro, onde o enredo e as atuações se


desenvolvem em diversos espaços, mais quase sempre visto de forma frontal, em
um plano geral, além da atuação necessita ser mais expressiva.
Já o cinema analítico tras consigo o trabalho com variedade de planos, para
demonstrar os sentimentos dos personagens de forma mais próxima, os detalhes de
objetos importantes para a narrativa.

Nesse filme, Orson Welles inova porque resolveu trazer de forma experimental um
misto de ambos, tendo um resultado excelente que tornou-se referência para o
futuro do cinema.

A partir disso, temos mais um elemento que diferencia sua direção de todas as
outras: a escolha do uso da grande profundidade de campo. As ações ao longo das
cenas se fazem em primeiro e segundo plano, tanto de forma rasa com elementos
desfocados ao fundo, quanto grande profundidade com elementos de dois ou mais
planos, todos muito bem focados.
Os planos também são longos, com poucos cortes. Assim, os acontecimentos são
vistos simultaneamente na cena. Como por exemplo, a cena em que Kane brinca na
neve, e paralelamente sua mãe assina documentos para mandá-lo para a adoção.

O uso desse tipo de profundidade de campo faz com que o expectador se depare
com diversos acontecimentos na cena, e ele acaba tendo a liberdade de escolher
para onde olhar, o que notar, sem o direcionamento do diretor a partir do corte e
mudança de planos. Isso faz com que o espectador faça a varredura na cena da
maneira com que achar melhor, prestando atenção entre um ou outro, gerando
diferentes leituras, convidando-os a uma posição mais ativa durante o filme.

Por exemplo, nessa cena citada acima, podemos olhar tanto para o menino que
brinca na neve, completamente inerte ao que se passa dentro da casa. E também
podemos olhar a mãe assinando, uma postura inversa ao filho. A linha tênue da
futura separação implícita aos diferentes ambientes em que se encontram.

Contudo, vale lembrar que Welles não é o inventor da profundidade de campo. Essa
técnica já aparecia em filmes anteriores, e até mesmo em outros estilos como o
neoclássico italiano. Mas a ideia de trazer o espectador ativo é desenvolvida acerca
dessa técnica é o que fez se destacar em seu filme.

Aparentemente para esse diretor neste filme, as mudanças de planos funcionam


como um recorte da realidade daquela narrativa e isso distanciava-se da forma
como vemos as coisas na vida real, por exemplo. Por isso, o não uso de tantos
planos fechados e o uso da profundidade de campo longa mostra a escolha do
diretor pela negação da fragmentação da cena, para que haja um ar mais realista
dos acontecimentos da narrativa, e para dar liberdade ao espectador.

Destacam-se também movimentos de câmera que mostravam locais muito altos, ou


vistas de plongée e contra plongée, mostrando superioridade ou inferioridade do
personagem.

Em relação a iluminação, por ser um filme em preto e branco percebemos o uso do


jogo de contraste entre profundidades do ambiente, janelas ao fundo, personagens
mais ou menos iluminados para trazer destaque, muitas sombras e luzes inferiores.
Todos são todas ideias adotadas para manter a sensação de mistério, penumbra,
busca e suspense. Mais a frente, essa estética acaba por ser em parte adotada por
filmes de estilo noir.

Sonoplastia e Trilha Sonora:


O uso do som dentro do filme foi algo muito novo e marcante também. E esse olhar
de importância vem exatamente do diretor Welles, que vinha de diversos trabalhos
em rádios novelas. Por isso, o uso de trilhas sonoras marcantes e expressivas é
bastante encontrado no filme, além do uso de elipses, que é um tipo de montagem
sofisticada de sons que interligam uma cena a outra. Essas elipses tornam-se
fragmentos da narrativa fílmica que não são mostrados diretamente. Exemplo:ouvir
alguém falar sobre uma outra imagem que aparece.

Montagem:

Populariza-se a partir desse filme, o uso de transições de fade in/ fade out mais
rápidas ou mais lentas. Além disso, muitas delas se ajustavam as cenas que viriam
a frente, se interligando. Frequente também, o uso de elipse de elementos que
davam entrada a novas cenas, trazendo uma sensação subjetiva ao filme que
possuía uma fotografia mais realista, no sentido do olhar.

A criação de elementos cênicos de forma documental falsa, como jornais e imagens


produzidas com notícias propostas apenas dentro da narrativa do filme. Isso para
época acaba trazendo trazendo veracidade as informações que os filmes apontam,
confundindo o espectador e o fazendo questionar a realidade direta ou indireta
daquela história.

E por fim, a construção da história a partir da narrativa de outros personagens


também entra como inovação na construção da montagem do filme.

Conclusão:

Por fim, vale lembrar que Orson Welles ousou e inovou em seu filme, tornando-o
para época, quase que um filme experimental. Os filmes devem sempre ser
analisados de acordo com seu tempo. E Orson Welles para aquela época, foi muito
a frente de seu tempo. Por isso como diretor ele teve espaço e uma equipe
consciente de suas ideias inovadoras e diferentes para a época. Coube a ele dirigir,
propor e experimentar tudo isso. Por isso hoje, suas referências cinematográficas
propostas em Cidadão Kane tornaram-se um marco para a história do cinema.

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