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Capítulo IV – Tupac Amaru

 Em 1812 a Constituição de Cádiz promulgava a abolição do tributo indígena e dos


serviços pessoais ou, como se denominava no Peru, da mita
 Uma coisa era erradicar os tributos e mitas em áreas onde a população indígena era
marginal, outra muito diferente era levá-los a cabo em regiões que abrigavam uma
substancial presença índia
 No caso do Vice-Reinado do Peru, esta promulgação traria implicações diretas
 Afetava os produtores dos centros serranos que tinham sua mão-de-obra
essencialmente campesina, e também os fazendeiros costeiros que combinavam
operários índios com escravos negros e jornaleiros mestiços
 O projeto de eliminar tributos e mitas não era novo, isto significava que houve
abertura por parte das cortes para considerar propostas que haviam sido esgrimidas
previamente nas colônias
 O objetivo das cortes e da constituição liberal era “modernizar” as estruturas
coloniais, e respondeu também a política de “homogeneizar” a sociedade colonial
 Tributos e mitas eram mecanismos tradicionalmente de exploração colonial que
vinham operando desde o século XVI e era no sul andino peruano onde se
encontravam mais arraigados
A originalidade do programa
 A supressão do tributo, mais ainda a erradicação das mitas, apareceu
consistentemente nos programas das insurreições do século XVIII. Entretanto, sua
ênfase não foi a mesma e sua combinação com outras demandas que tão pouco se
completaram – em alguns casos, tributos e mitas tiveram um caráter gravitante
 Enquanto que em outros casos seu efeito se diluiu frente as demandas de caráter
mais conjuntural, como o caso da grande rebelião onde tanto a composição social
como as reivindicações feitas eram mais diversificadas
 No caso do sul andino a articulação entre tributos e mitas era bastante transparente.
Ambos sistemas pesavam na população índia e para cancelar os tributos os índios
eram obrigados a trabalhar nos centros produtivos locais. Empregar-se como
mitayos foi a única alternativa que lhes deram para fazer frente aos tributos
 Apesar de que em 1693 se decretou que os índios podiam pagar o tributo em espécie
ou em dinheiro, na prática numerosas comunidades do sul andino seguiram
recorrendo a fórmula preestabelecida de mandar mitayos aos centros produtivos.
 Para os proprietários as comunidades eram uma reserva de mão-de-obra mais
conveniente que os jornaleiros e, adicionalmente, mais estável
 É natural que na capital o ponto concernente aos tributos e mitas resulte pouco
relevante, na medida em que a população indígena não era substancial e além do
mais representavam artesãos ou pequenos comerciantes
 Para o clero as mitas em funcionamento os privavam de poder dispor de um grosso
de almas – e de mão-de-obra – que era enviada às minas, ou bem terminava sendo
administrada pelo corregedor com o fim de coordenar o pagamento dos tributos. Ao
clero, era importante agitar o projeto abolicionista com o fim de mediar o controle
do poder civil sobre as comunidades indígenas e estabilizar a residência de seus
paroquianos
 As rebeliões que salpicarão a segunda metade do século XVIII materializaram a
disputa que surgiu a nível local pelo controle da mão-de-obra e do excedente
campesino
Mitas e tributos
 Porque no caso da rebelião de Tupac Amaru a abolição de mitas se deu de forma
tímida?
 Isso se explica porque Tupac postergou o argumento da mita com o fim de não
afugentar os criollos que viram, no inicio, o movimento com simpatia. Vários deles
serviam-se de mitayos com o propósito de pagar seus próprios impostos
 Mas se a elite indígena podia aspirar uma relação mais igual com os fazendeiros da
localidade, os índios tributários aproveitaram da rebelião para descarregar sua
agressividade contra os proprietários dos centros produtivos onde costumavam
mitar
 Os caciques estavam “endividados” não só com o corregedor mas também com os
fazendeiros locais
 A grande rebelião implantou a proposta de suspender a mita de Potosí, a mita
mineira; pouco ou nada se falou sobre a mita de chácara ou a mita de obra
 A mita mineira era a que tinha o efeito mais negativo sobre a população indígena,
ao ter que transladar-se até o Alto Peru. As outras mitas serviam em fazendas e
obras da localidade, o cacique poderia ter maior controle sobre o arrendamento de
mitayos e sobre recolhimento dos tributos. Além do mais, as mitas de fazenda e
obras permitiam ao cacique satisfazer seus tributos, enquanto a mita mineira era
particularmente onerosa
 Manter em vigência os tributos não teria como único interesse dispor dos lucros. O
que ocorre é que se os suprimissem, os caciques do sul andino perdiam sua razão de
ser, já que manejar os tributos era uma de suas principais funções e ainda lhes dava
acesso direto às comunidades, seu material humano e seus recursos econômicos
 Remover o tributo também implicava em recortar suas prerrogativas no manejo da
terra comunal e, sobretudo, quebrava o pacto com o Estado, o pacto de vassalagem
ao rei
 A insistência dos índios para agitar a abolição do tributo pode ser sintoma de que
estava havendo uma flagrante mal divisão e distribuição de terras. Isto implicava
que existia uma quebra no pacto, a medida em que haviam índios tributários sem
terras frente a mestiços e forasteiros que alugavam as terras comunitárias.
 Resulta então coerente que entre os ativos participantes da rebelião de 1780
estiveram indígenas que haviam perdido recentemente suas parcelas e cujas
reclamações de recuperação das mesmas, pelo canal legal, não haviam rendido
frutos
 Os caciques “intrusos” causaram fraturas nas relações de reciprocidade andina e no
pacto colonial com o Estado
 Apesar dos tributos e mitas serem postergados dentro da plataforma política, os
caciques aproveitaram eficientemente de ambos mecanismos para montar uma
rebelião. A solidariedade dos caciques se converteu num elemento chave para
conseguir os reforços que deram sustento material a rebelião
 Uma leitura das manifestações do cacique rebelde e do juiz a que foi submetido
permite estabelecer que seu objetivo era abolir os repartos, que os índios seguiriam
pagando tributo, mas evitar que os tributos se fizessem extensivos a outros setores
sociais tradicionalmente escusados, mestiços, mulatos e zambos
Duas etapas
 A abolição do reparto, que foi a arma eficazmente usada por Amaru em sua
campanha política, era de caráter retroativo
 Abolição do reparto como tentativa de criar uma comunidade indígena com
diferenciação interna, índios ricos e pobres
 A grande rebelião cumpriu uma de suas metas: frear a implementação das reformas.
Mas as bases já estavam assentadas e sua implementação era iminente. A grande
rebelião só fez postergá-las, não as anular
 No preâmbulo da grande rebelião não se observa sintomas que entrevêem uma crise
econômica
 O reparto se constitui o alvo de criticas e ressentimentos de diferentes classes
sociais, não somente os indígenas
 A adversidade frente ao reparto se traduziu em anticorpos frente o corregedor. A
grande rebelião buscou a abolição não só o reparto mas também dos corregedores
 O sul andino era onde havia se acumulado as contradições coloniais
 Manter em vigência tributos e mitas implicava em restringir a monetarização e
havia limitado a criação de um fundo de mão-de-obra assalariada
 Mas, além do mais, os proprietários dos centro produtivos também se uniram aos
protestos conjunturais porque subir os impostos, criar novos gravames e submeter a
meticulosas revisões dos produtos que negociavam punha a mostra os métodos
fraudulentos de evasão fiscal sob os quais vinham operando
 As cortes querendo eximir os índios dos tributos, acabaram por lhe prejudicar em
lugar de beneficiar
 Os questionamentos de Tupac em tomar posição mais radical frente aos tributos e as
mitas são um sinal de que seu movimento não pode ser qualificado de revolução. As
reformas boubonicas foram resistidas em toda a hispano-america não só pelas
massas mas, particularmente, pelas elites.
 O movimento teve uma natureza mais reformista do que revolucionaria

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