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Quaderns de Psicología | 2010, Vol.

12, No 1, 41-56 ISNN: 0211-3481

 http://www.quadernspsicologia.cat/article/view/752

Psicologia Social e Saúde: trabalhando com a complexidade


Social Psychology And Health: Assuming Complexity

Mary Jane P. Spink


Pontificia Universidade Católica de Sao Paulo - PUCSP

Resumo
Esse artigo reflete uma posição pessoal baseada em longa trajetória de pesquisa e interven-
ção no contexto brasileiro. O argumento desenvolvido é que as experiências no campo da
saúde são complexas e que as práticas profissionais devem ser fundamentadas tanto no sa-
ber técnico quanto na formação ampliada. A complexidade aqui referida não trata mera-
mente de pontos de vista diferentes: das pessoas saudáveis, pacientes, médicos, profissio-
nais de saúde, gestores e, é claro, da ciência. Trata-se da concomitância de múltiplas ver-
sões, de realidades fractais que são performadas de diferentes formas pelos muitos actantes
sociais e materiais que estão presentes nessa rede heterogênea. O argumento do texto está
estruturado em duas partes. A primeira meramente reposiciona multiplicidade na perspecti-
va da Psicologia como uma profissão da Saúde. A segunda propõe que a ação em contextos
complexos exige ampla base de informação fundada mais em erudição do que em saberes
técnicos: é a familiaridade com questões que são culturalmente, historicamente e direta ou
indiretamente relacionadas com a organização cotidiana da atenção em saúde que irá anco-
rar práticas cotidianas políticas e éticas.

Palabras clave: Psicología social; Profesiones sanitarias; Servicios de asistencia sanitaria;


Complejidad.

Abstract
This paper is a position statement based on a long trajectory of research and intervention
in the Brazilian context. The argument put forward is that health experiences are complex,
and professional practice must be based on both technical expertise and scholarship. Com-
plexity is not about different points of view: that of healthy people, patients, doctors,
health professionals, health administrators and science, of course. It is about the concomi-
tance of multiple versions; about fractal realities that are performed in different manners
by the many social and material actants that are present in this heterogeneous network.
This argument is structured in two parts. The first one merely restates multiplicity from
the perspective of Psychology as a health profession. The second, proposes that action in a
complex setting requires a broad base of information based on scholarship rather that
technical expertise: it is the familiarity with issues that are cultural and historical and di-
rectly or indirectly related to present-day organization of care delivery that will anchor
political and ethical everyday practices..

Keywords: Social Psychology; Health Professions; Health Care Services; Complexity.

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Em sintonia com o relançamento de um peri- teórico-técnico quanto na erudição. A com-
ódico científico que inevitavelmente, como o plexidade a que nos referimos não trata me-
deus Janus, olha para o passado e para o fu- ramente de pontos de vista diferentes: das
turo, o presente artigo é uma posição pessoal: pessoas saudáveis, dos pacientes, dos médi-
uma reflexão sobre uma longa trajetória de cos, dos profissionais de saúde, dos gestores
pesquisa e intervenção no campo da Saúde e e, é claro, da ciência. Trata-se da concomi-
um comprometimento contínuo com um olhar tância de múltiplas versões (Law & Mol,
crítico sobre a maneira em que psicólo- 2002), de realidades fractais que são perfor-
gos(as), especialmente psicólogos sociais, madas de diferentes formas pelos muitos ac-
performam saúde em suas práticas. Não pro- tantes sociais e materiais que estão presentes
põe modos de aprimorar aspectos técnicos da nessa rede heterogênea.
prática; pelo contrário, propõe que a prática
Para maior clareza, este artigo está estrutu-
é aprimorada pela formação ampliada, que
rado em duas partes. A primeira meramente
tradicionalmente chamamos de erudição (ou
reposiciona a noção de multiplicidade a partir
scholarship) como na inspirada discussão de
da consideração da Psicologia como uma pro-
Mike Billig sobre o assunto.
fissão da Saúde. A segunda propõe que a ação
A experiência é local e histórica. Como pro- em contextos complexos exige ampla base de
fessora e pesquisadora, tenho me voltado pa- informação fundada mais em erudição do que
ra as questões relativas ao campo da Saúde em saberes técnicos: é a familiaridade com
por muitos anos. Minha tese de doutorado, questões que são culturalmente, historica-
defendida nos anos de 1980, centrou-se nas mente e direta ou indiretamente relacionadas
experiências de primeira gravidez em um pe- com a organização da atenção em saúde que
ríodo muito particular da organização dos ser- irá ancorar práticas cotidianas políticas e éti-
viços de saúde brasileiros, quando os serviços cas.
de pré-natal, em São Paulo, tornaram-se dis-
poníveis e normativos. Desde então, traba-
lhei, por um curto período de tempo, como Existe mesmo uma Psicologia (Social) da
pesquisadora em uma agência de administra- Saúde? Multiplicidade em uma
ção pública (FUNDAP) e depois como docente perspectiva histórica e teórica
na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (onde no momento sou professora do É impossível imprisionar questionamentos e
Departamento de Psicologia Social), e, nestes respostas decorrentes de teoria e prática den-
dois contextos a Saúde foi (e é) o foco de mi- tro de limites definidos; o conhecimento é
nhas atividades. Foi com base nessa experiên- fluido e ultrapassa fronteiras artificiais. Ten-
cia que fui convidada a escrever sobre minhas do que enfrentar dicotomias como corpo-
perspectivas pessoais acerca da relação entre mente, ou indivíduo-sociedade, não é surpre-
a Psicologia (especialmente de tipo Social) e a sa que a Psicologia é muitas vezes referida
arena da Saúde. Inevitavelmente, meu ponto como multifacetada, como um arquipélago de
de referência é o modo como os serviços de paradigmas solitários, como Serge Moscovici a
saúde estão organizados no Brasil e, como tal, descreveu em certa ocasião referindo-se a um
considerando que essa publicação e seus po- de seus campos, a Psicologia Social (Moscovi-
tenciais leitores estão inseridos em um con- ci, 1988).
texto social diferente, terei que esclarecer A mesma metáfora foi usada por autores con-
algumas peculiaridades do entorno no qual temporâneos da Psicologia Social brasileira
minha experiência é derivada. que dialogam com a Teoria Ator-Rede. Ales-
O argumento a ser desenvolvido é que as ex- sandra Tsallis e colaboradores (Tsallis, Ferrei-
periências no campo da saúde – nossas ativi- ra, Morais & Arendt, 2006) sugerem que:
dades do dia a dia, os problemas de saúde Estamos mais próximos da cartografia de um
que enfrentamos ou que poderemos enfrentar arquipélago, de uma confederação sem centro de
no futuro e, sobretudo, as complicadas e tor- sistemas, escolas, pequenas teorias e práticas
dispersas do que do mapa geopolítico de uma
tuosas maneiras de manter-se saudável ou ser nação-continente unificada por um projeto
cuidado frente ao processo saúde-doença – comum. O que sustenta esta dispersão
são complexas e envolvem práticas profissio- psicológica sob um mesmo nome? Deve-se
nais que devem ser baseadas tanto no saber ressaltar que não se tratam aqui de divergências
teóricas e metodológicas pontuais no interior de

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um mesmo projeto (como a discussão física sobre práticas profissionais no interior do campo da
a natureza da luz, se esta é onda ou partícula),
Saúde, está ilustrada na Figura 1. As inserções
mas da própria definição do que é psicologia, da
coabitação nesta de projetos antagônicos. da Psicologia, com este objetivo, foram orga-
Retomando uma metáfora geopolítica, é como se nizadas cronologicamente em estratos, consi-
numa federação, cada estado pudesse se dar a derando os marcos diferenciais de institucio-
própria representação de uma nação,
nalização do sistema de saúde. O estrato ex-
desconsiderando qualquer controle político
central, e em franca tensão com os demais. (p. terior abarca o longo período entre os séculos
75). XVIII e XIX, que testemunhou a organização
progressiva dos sistemas de garantia da saúde
Entretanto, diferentemente dos autores cita-
pública, do aparato urbano de saúde pública,
dos, não é a curiosa configuração da discipli-
da Medicina Clínica, da atenção hospitalar e
na Psicologia que está em jogo nesse artigo. O
das instituições psiquiátricas destinadas às
que interessa aqui é que essa multiplicidade
pessoas consideradas loucas (Foucault, 1977,
inevitavelmente conduz a uma inserção muito
1978, 1982; Rosen, 1963). No estrato seguin-
diferente das práticas psicológicas no campo
te, que abarca a segunda metade do século
da saúde. Um ponto de partida possível é, ob-
XIX e o primeiro quarto de século XX, ocorreu
viamente, fazer uma “história do presente”,
uma progressiva organização da Medicina So-
na tradição foucaultiana, como fez Nikolas
cial, da atenção Materno-infantil e dos siste-
Rose em seu estudo sobre a profissionalização
mas previdenciários criados para os pobres e
da Psicologia como uma estratégia biopolítica
para a população trabalhadora. Mas essa não
(Rose, 1998). A diversidade de teoria e práti-
é uma tarefa para a Psicologia no Brasil, ao
ca responde à miscelânea de objetivos que a
menos não enquanto uma profissão organiza-
Psicologia é chamada a performar em um con-
da e especializada, onde o know how psicoló-
texto de fortalecimento da responsabilidade
gico estava confinado ao campo da educação
governamental com relação ao bem-estar da
submetido a uma abordagem biopolítica de
população (Foucault, 2004).
caráter higienista (Antunes, 2003).
Essa multiplicidade de inserções da Psicologi-
a, e consequentemente de delimitação das

Fig. 1: Contextos históricos da inserção da Psicologia na Saúde Pública

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No período seguinte, na última metade do sé- uma amostra de 250 psicólogos, conduzida
culo XX, a Psicologia encontra um lugar na por uma agência de telemarketing, a partir de
cena pública à medida que o modelo de práti- questões levantadas pela equipe de pesquisa-
ca médico-curativa passa a dar lugar à aten- dores.
ção básica. Muitos movimentos sociais no Bra-
Até o momento em que essa pesquisa foi rea-
sil contribuíram para essa abertura de opor-
lizada, existiam 14.407 psicólogos registrados
tunidades para profissionais de saúde que não
no banco de dados do Ministério da Saúde,
se afinassem com as tradicionais práticas de
número que vem crescendo com a expansão
assistência médica. Com a volta da democra-
do SUS. Entretanto, esse número está longe
cia após longo período de ditadura militar,
de ser expressivo quando consideramos o to-
novos sistemas foram criados para prover a-
tal de profissionais registrados nos Conselhos.
tendimento à população ativa (Sato, Lacaz &
A porcentagem de profissionais ligados ao
Bernardo, 2004) e para a reorganização da sa-
SUS, em média, representa apenas 10% do to-
úde mental. Os trabalhadores da saúde men-
tal de profissionais registrados nos Conselhos.
tal e da saúde ocupacional uniram forças com
Esse número varia de 8%, nas regiões do Nor-
profissionais de saúde de postura crítica na
te, para 15% no Nordeste – a região com maior
luta pela organização de um sistema universal
número de psicólogos atuantes no SUS.
de atenção em saúde, o que levou à elabora-
ção do Sistema Único de Saúde, SUS (Faleiros Entretanto, não é a presença da Psicologia
et al, 2006). nos serviços de saúde que está aqui sendo a-
valiada, embora esses números fortaleçam o
Como conseqüência, desde a década de 1980,
argumento de que os profissionais devem se
mas mais fortemente a partir de 1990, o sis-
preparar melhor para atuar neste contexto.
tema de saúde vem abrindo postos de traba-
Mais impressionante que números é a varie-
lho para psicólogos, que passaram a participar
dade de práticas e de fundamentações teóri-
mais substancialmente na promoção da saúde.
cas relatada nas entrevistas. A tabela1 dispõe
Contudo, números também dão visibilidade à
esta diversidade de abordagens teóricas que
multiplicidade. Em 2005, como resultado do
ancoram práticas2.
acordo de cooperação entre a Associação Bra-
sileira para o Ensino de Psicologia (ABEP), o
Ministério da Saúde e a Organização Paname-
ricana de Saúde, um estudo foi desenvolvido
para mapear a presença e as práticas dos psi-
cólogos nos serviços de saúde pública com o
objetivo de prover subsídios para implemen-
tar mudanças nos cursos de graduação de Psi-
cologia de modo a preparar estudantes para o
trabalho no campo da Saúde (Spink, 2007a)1 .
Esse estudo envolveu duas estratégias. A pri-
meira consistiu na análise do banco de dados
sobre os estabelecimentos de saúde disponibi-
lizada pelo Ministério da Saúde (Cadastro Na-
cional de Estabelecimentos de Saúde – CNES)
complementada com a base de dados especí-
fica para profissionais de Psicologia organiza-
da pelo Sistema Conselhos de Psicologia (Con-
selho Federal de Psicologia e Conselhos Regi-
onais de Psicologia). A segunda estratégia
consistiu em entrevistas por telefone com

1
Atualmente, está em andamento um processo de refor-
ma curricular que está abrindo espaço para a discussão
sobre a Saúde, especialmente a Saúde Pública nos cursos
de graduação em Psicologia, assim como outras experiên-
2
cias de integração das universidades com os serviços de Dados obtidos em resposta à questão: “Qual é o funda-
saúde, como o PRÓ-SAÚDE. mento teórico e metodológico de seu trabalho?”.

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Tabela 1: Abordagens teóricas para atuação dos psicólogos no SUS

* * A categoria “Outras” recebeu um número expressivo de respostas,


tais como Teoria de Formação do Caráter, Psico-oncologia, Psicossomá-
tica, dentre outras

Estamos, portanto, de volta à metáfora do colocada em circulação como efeito das novas
arquipélago e precisamos lidar com o dilema tecnologias, como a imprensa, e das viagens
de tratar com a complexidade a partir de du- de descobrimento na transição para a moder-
as frentes: aquela derivada da Psicologia co- nidade. Peter Burke (2003) propõe que esta
mo multiplicidade de teorias e modos de prá- tarefa de ordenação assentou-se, nessa épo-
tica, e aquela relativa à Saúde como uma a- ca, em três estratégias: os currículos universi-
rena de complexidade, onde a cultura, a polí- tários, as bibliotecas e as enciclopédias. Em-
tica e a história se misturam. Podemos traba- bora nenhum desses sistemas possa ser toma-
lhar com a complexidade? Podemos nos afas- do como reflexo de idéias gerais sobre a orga-
tar da sedução da simplificação? nização do conhecimento, estando sujeitos às
vicissitudes internas a cada área, há sobrepo-
Simplificação implica domesticar a diversida-
sições minimamente no que diz respeito à
de por meio de definições e versões de histó-
própria necessidade de classificação. Contu-
rias que objetivam argumentar a favor da es-
do, “onde os três sistemas se sobrepõem, as
pecificidade da Psicologia frente aos diversos
categorias fundamentais provavelmente ex-
outros campos de conhecimento que têm a
pressam as suposições da população universi-
sociabilidade como seu foco. Trata-se de or-
tária, se não da população em geral, ou, co-
denar o conhecimento em compartimentos
mo o historiador francês Lucien Febvre cos-
dentro das diversas instituições contemporâ-
tumava dizer, seu ‘equipamento intelectual’”
neas que atuam como guardiães do conheci-
(Burke, 2003, p. 86).
mento legítimo. Uma breve incursão na litera-
tura sobre história do conhecimento nos leva Em um segundo momento, a emergência de
a concluir que a proposta ordenadora emerge novas disciplinas, como no caso das ciências
em dois contextos distintos. Inicialmente, es- humanas, faz com que se abandone o ideal da
tá associada à explosão de informação que foi mathesis universalis (a ciência universal mo-

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delada na matemática visualizada por Descar- terpretada como pluralidade, caímos na ar-
tes e Leibniz) em prol da especialização, ins- madilha de considerar a existência de uma
taurando a dupla problemática da diferencia- mesma realidade vista a partir de múltiplas
ção entre campos de saber e da classificação perspectivas. Dessa maneira, as diversas fun-
dos mesmos em termos de seu grau de forma- damentações teóricas dispostas na Tabela 1
lização. tornam-se pontos de vista que competem en-
Na época clássica, desde o projeto de uma análi-
tre si pela hegemonia do campo (assim como
se da representação até o tema da mathesis uni- competem com teorias do senso comum trazi-
versalis, o campo do saber era perfeitamente das em cena pelos usuários dos serviços de
homogêneo: todo conhecimento, qualquer que saúde).
fosse, procedia às ordenações pelo estabeleci-
mento das diferenças e definia as diferenças pela Referir-se à realidade como múltipla requer
instauração de uma ordem [...]. Mas, a partir do
uma série diferente de metáforas. Não mais
século XIX, o campo epistemológico se fragmenta
ou, antes, explode em direções diferentes. perspectivas ou construção, mas intervenção
Dificilmente se escapa ao prestigio das e performances. Multiplicidade sugere que a
classificações e das hierarquias lineares à realidade é feita e performada (done and e-
maneira de Comte [...]. (Foucault, 1966/1987, p.
nacted) por meio de várias ferramentas no
363).
curso de uma diversidade de práticas, ao in-
Entretanto, esses esquemas racionais de clas- vés de ser observada a partir de uma plurali-
sificação reduzem a complexidade, pois orde- dade de pontos de vista, enquanto permanece
nam, dividem, simplificam e excluem; elimi- intacta. Nesse sentido, multiplicidade nos fala
nam as nuances de cinza entre o branco e o de coexistência de versões, e é preciso des-
preto. O efeito do ordenamento não reduz cobrir maneiras de lidar com isso em nossos
apenas por expulsar a anomalia ou o indese- textos e pesquisas. Essas formas distintas de
jável para as margens; ele oferece a ilusão de pensamento e ação acerca dos problemas de
que nele todas as relações podem ser explica- saúde não são práticas sociais ensimesmadas –
das. Porém, outros modos de lidar com a di- elas interferem umas com as outras, revelam
versidade podem ser propostos. John Law e conexões parciais, de modo que poderíamos
Annemarie Mol (2002), aliando-se a todos a- conceber complexidade justamente como o
queles que recusam a tendência a simplificar ponto de encontro de vários ordenamentos
a realidade, perguntam-se: o que é a comple- simplificadores.
xidade e como podemos lidar com ela em nos-
sas práticas de produção de conhecimento? Portanto, como podemos lidar com a diversi-
dade de modo complexo? O argumento que
Concordam que denunciar a violência dos es- defenderei é que os saberes técnicos e teóri-
quemas simplificadores é sem dúvida apropri- cos não são suficientes. Desse modo, precisa-
ado, mas também consideram que a mera de- mos favorecer outros modos de lidar com a
núncia é problemática por ser agradável e diversidade que levem a sério a erudição.
simples demais! Não basta denunciar: preci-
samos criar maneiras de lidar com a comple-
xidade de modo que esta possa ser aceita, Mais do que técnicas: a necessidade de
produzida e performada. Quando, ao invés de erudição como base para a ação
“ordem”, descobrimos que há diversidade de
ordens (maneiras de ordenar, estilos, lógicas, Na introdução deste texto, de acordo com Mi-
repertórios, discursos), a dicotomia entre ke Billig, sugeri que, para trabalhar com a
simples e complexo começa a se dissolver. A complexidade devemos levar em consideração
ordem dá lugar às performances, aos efeitos. a formação ampliada, que tradicionalmente
chamamos de “capital cultural” (ou erudi-
Certamente, essa postura envolve não sim- ção). Billig, a bem dizer, referia-se à erudição
plesmente lidar com a diversidade como uma como uma postura anti-metodológica. Contu-
pluralidade de pontos de vista. Esse exercício do, suas considerações se aplicam à postura
de desconstrução implica a compreensão da anti-técnica (ou teórica) proposta por esse ar-
diferença entre pluralidade e multiplicidade tigo:
(Mol, 1999), ou, mais precisamente, requer a
aceitação de que a realidade é ela mesma O erudito tradicional partia do pressuposto que
deveria ler o mais amplamente possível, e em
múltipla. Daí a importância de nos referirmos tantas línguas quanto possível. Por meio de
a “ontologias”, no plural. Se diversidade é in- ampla leitura, adquiria-se a extensão e a

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profundidade de conhecimento, assim como a sobre bruxaria e culturas agrárias dos séculos
habilidade de realizar conexões entre fenômenos
XVI e XVII (Ginsburg, 1992). Dois aspectos da
aparentemente desconexos (Billig, 1988, p. 200).
análise realizada por Tola chamam a atenção.
A prática no contexto da saúde vai além da Em primeiro lugar, a pessoa existe de forma
mera aplicação de técnicas baseadas em potencial e virtual; vive no céu antes de des-
perspectivas teóricas. Embora necessárias, as cer ao ventre feminino e começar sua trans-
técnicas devem ser adaptáveis e flexíveis para formação em corpo humano. Em segundo lu-
conseguirem ser capazes de lidar com os as- gar, o Iqui’i não fica preso ao corpo; por e-
pectos multidimensionais do campo da saúde. xemplo, habitualmente deixa o corpo durante
Minha experiência pessoal de pesquisa ao lon- os sonhos para visitar outras pessoas, vivas ou
go desses muitos anos me levou à conclusão mortas (por isso, os Qom esperam alguns mi-
que a erudição, nesse caso, abarca a produ- nutos antes de saírem da cama para dar tem-
ção de conhecimento derivada da Antropolo- po ao Iqui’i de encontrar seus corpos).
gia, Sociologia, Política, Administração e Me-
dicina, assim como da própria Psicologia Soci- Eu mal posso imaginar como reagiria um psi-
al. A familiaridade com esses domínios é ne- cólogo sem erudição que trabalha na região
cessária com referência a, pelo menos, três do Pantanal – equivalente brasileira do Chaco
domínios de práticas de caráter político: sen- argentino – ao entrar em contato com um u-
tidos culturais (e históricos) contextualizados suário do serviço de saúde que descreve seus
sobre saúde e doença; a atenção à saúde co- problemas como relacionados a seu Iqui’i va-
mo estratégia de governamentalidade e suas gante – nesse caso, muito provavelmente a
tensões referentes à ressignificação da Saúde rede de saúde mental seria ativada.
como direito e dever. A literatura histórica e local sobre os sentidos
de saúde e doença é vasta e conta com regis-
tros preciosos. Mas por que um psicólogo da
Um primeiro desafio na busca de saúde que não tem gosto pela leitura, deve
erudição: compreender a diversidade estar familiarizado com esses relatos de alte-
dos processos de saúde e doença ridade? Minha resposta sempre tem sido: por-
que as práticas em saúde exigem comunica-
Florencia Tola, em seus estudos dos Qom, na ção, o que demanda uma compreensão mútua
região do Chaco argentino, usa a expressão dos repertórios usados para dar sentido aos
“pessoa corporizada” e “extensões corporais” assuntos que envolvem saúde e doença. Tra-
para analisar como corpo e pessoa são vividos ta-se de ações em contextos locais e geral-
por gente que não limita a condição de pessoa mente face a face.
à pessoa humana e para quem a pessoa não
acaba nos limites impostos pelo corpo. “O Repertórios, segundo Jonathan Potter et al
conceito de pessoa corporizada permite levar (1990), são termos, conceitos, lugares-comum
em consideração as estreitas relações entre a e figuras de linguagem que são usados em
pessoa e os processos coletivos de constitui- nossas práticas discursivas. Porém, quando
ção corporal. A pessoa corporizada assim se trabalhamos com repertórios, precisamos en-
torna graças a outras pessoas que desenca- carar o fato de que eles fazem parte de uma
deiam o advento e a sua transformação em longa história cultural. Além disso, em nossas
um corpo” (Tola, 2007, p. 502). Além disso, práticas profissionais não lidamos apenas com
alguns componentes da pessoa são concebidos repertórios adquiridos por meio da literatura
como extensões que, mesmo quando estão psicológica. Assumimos e deixamos de assumir
para além de seus limites corporais. Alguns diversas posições interacionais ao longo do dia
componentes, como os fluidos corporais como e, desse modo, usamos repertórios que têm
o esperma, são extensões por provirem de ou- ressonâncias no tempo longo da história, em-
tros corpos; outros, como o Iqui’i e o nome bora essa história torne-se presente através
próprio, são feitos de elementos destacáveis do discurso. Em nossa perspectiva (Spink,
da pessoa. E, como alguns fluidos corporais, 1999), temos lidado com esse paradoxo apoi-
esses são suscetíveis de serem capturados por ando-nos em uma versão do tempo em três
inimigos. dimensões: o tempo longo da história, o tem-
po vivido de nossas experiências e o tempo do
A análise do Iqui’i é particularmente fascinan- aqui-e-agora das interações. O tempo longo
te e se conecta aos estudos de Carlo Ginsburg da história torna-se presente através da circu-

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lação desses repertórios apoiada nas muitas para a legitimação de posições de pessoas a-
mídias que encontramos em nosso dia a dia: bertas às experiências que envolvem cora-
iconografia, literatura, documentos. Embora gem, desafios e adrenalina. Esse estudo de-
sejam produtos de contingências específicas, senvolveu duas estratégias: uma análise dia-
continuam presentes e são capazes de trans- crônica de uma amostra de 210 exemplares
mitir significados em uma variedade de arte- de uma revista popular, VEJA, cobrindo o pe-
fatos culturais. O tempo vivido consiste basi- ríodo de 1968 a 2003; e uma análise sincrôni-
camente no filtro constituído por nossos pro- ca de uma amostra de 101 revistas temáticas.
cessos de socialização primária, secundária e Todas as revistas foram esquadrinhadas em
pós-secundária. É semelhante ao conceito de busca de repertórios de risco textuais ou ima-
habitus de Pierre Bordieu (Bourdieu, 1994), géticos, relacionados com as três tradições
com um toque do conceito de coletivo de dos discursos sobre risco. Em uma perspectiva
pensamento de Ludwig Fleck (Fleck, 1979). sincrônica, a análise das revistas temáticas
Um filtro, mas não uma imposição, uma aber- proporcionou valiosas contribuições sobre co-
tura, talvez, à multiplicidade. Finalmente, mo as mensagens de risco são destinadas a
quanto ao tempo das interações do aqui-e- públicos específicos. A análise diacrônica con-
agora; o processo de comunicação e negocia- tribuiu particularmente na compreensão sobre
ção de significados envolve a articulação de a incorporação progressiva do risco-aventura
repertórios em uma ordem negociada. como um estilo de vida legítimo, processo que
parece ter ocorrido em dois movimentos com-
Se a familiaridade com repertórios histórica e
plementares: um relativo à profissionalização
culturalmente contingentes é necessária, a
dos esportes radicais e o outro associado com
erudição é certamente um modo de aquisição
a oferta de aventura para turistas. A análise
de habilidades comunicativas nos encontros
diacrônica das imagens utilizadas em propa-
entre profissionais de saúde e usuários. Essa
gandas permitiu uma melhor compreensão da
consideração foi posta em prática em uma va-
utilização do imaginário do risco-aventura
riedade de projetos de pesquisa conduzidas
como convite à participação nesta particular
pelos membros do grupo de pesquisa por mim
comunidade de consumidores.
coordenado na Pontifícia Universidade Católi-
ca de São Paulo. Um desses projetos surgiu do A análise dos repertórios associados às três
incômodo com o uso acrítico de repertórios tradições dos discursos sobre risco ofereceu
relativos aos discursos sobre risco em contex- oportunidade de avanços teóricos e metodo-
tos biomédicos. Como resultado, de 1998 a lógicos que alimentaram uma análise crítica
2005, uma série de estudos foi realizada sobre mais aprofundada acerca da promoção de sa-
uma variedade de aspectos relacionados aos úde, assim como uma melhor compreensão
discursos sobre risco: sua circulação na mídia, das estratégias de redução de danos destina-
as experiências de risco na vida cotidiana, e o das àqueles que optam por estilos de vida
papel da mídia na legitimação do risco- mais arriscados.
aventura3 . Com base nesses estudos cumula-
tivos, os repertórios associados com risco fo-
ram categorizados de acordo com três tradi- Compreendendo o contexto da prática
ções: risco como perigo (que antecede a in- no cenário da Saúde: a atenção à saúde
trodução da palavra risco nos vocabulários o- como uma estratégia de
cidentais), risco como probabilidade e risco governamentalidade
como aventura.
A atenção à saúde é historicamente situada e,
O último estudo nesse programa de pesquisa
seguindo um modo linear de ordenamento, a
(“Risco e incerteza na sociedade contemporâ-
linha do tempo das instituições de saúde é fa-
nea”) se ateve à incorporação do risco- cilmente traçada. Segundo Michel Foucault
aventura em práticas socialmente aceitas. (1982), uma primeira mudança ocorre quando
Mais especificamente, seu objetivo era com-
a sociedade feudal dá lugar a Estados-Nação e
preender como as imagens de risco-aventura o direito dos soberanos de matar ou deixar vi-
que circulam na mídia tornam-se metáforas
ver transforma-se no dever de proteger as
populações. A saúde torna-se uma estratégia
3 de governamentalidade e, de acordo com o
Para mais informações sobre publicações, consulte:
http://lattes.cnpq.br/9915632947357389
conceito rizomático de poder de Foucault, o

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Psicologia Social e Saúde 49

dever de proteger é estendido a uma série de classes trabalhadoras. O principal objetivo


instituições que tem a biopolítica como foco. das “Caixas” era prover a seguridade social
Na linha do tempo foucaultiana, a interven- por meio de pensões, de modo semelhante a
ção do Estado no campo da Saúde ocorreu por muitos países europeus (Ewald, 1986). A a-
meio da institucionalização da Medicina Soci- tenção à saúde era secundária, e, de qualquer
al, em um processo que aconteceu de modos modo, contava com um modelo muito restrito
distintos, porém relacionados, em diferentes de assistência, voltada para aqueles grupos de
contextos. trabalhadores que se organizavam interna-
mente por meio de cooperativas e sindicatos.
No começo do século XVIII, na Alemanha, um
Por muitos anos, houve várias tentativas de
sistema de saúde se estabeleceu com base em
unificação e reorganização das “Caixas”: um
duas estratégias: a observação detalhada da
modelo verticalizado por setor de produção
morbidade da população e a normatização da
(os Institutos de Aposentadoria e Pensão), e a
prática médica. A seguir, no mesmo século, a
seguir, já em 1966, por meio da unificação da
França organizou uma série de medidas sani-
atenção médica no modelo do Instituto Na-
tárias com três objetivos relacionados: anali-
cional de Previdência e Saúde, o INPS.
sar tudo o que, no espaço urbano, pode cau-
sar doenças; controlar a circulação de pessoas Esse anseio por unificação se fortificou na dé-
e elementos, como o ar e a água; e organizar cada de 1970. De acordo com Sonia Fleury
a distribuição de sequências – separar água e Teixeira (1984)4, a reorganização necessária
esgoto, por exemplo. Além disso, no final do contemplou diversas medidas, incluindo a ex-
século XIX, prevaleceu o modelo inglês – um tensão da cobertura previdenciária de modo a
modo de atenção à saúde que, estando asso- incluir toda a população urbana e parte da ru-
ciado à Revolução Industrial, colocou a força ral e a reorientação para prática médico-
de trabalho em seu centro. Desenvolvido con- curativa individual, em detrimento de medi-
comitantemente em muitos países do hemis- das de caráter preventivo e de interesse cole-
fério ocidental, esse modelo foi exportado pa- tivo. Mas também introduziu uma tendência à
ra os países em desenvolvimento que haviam alocação preferencial de recursos previdenci-
se tornado livres da dependência colonial. Sua ários para a compra de serviços de prestado-
tripla missão esteve firmemente associada res privados, propiciando a mercantilização
com crescimento e desenvolvimento de acor- da atenção à saúde e a expansão da base tec-
do com os padrões ocidentais: controle de va- nológica da rede de serviços, com o uso de
cinação; organização e registro das doenças exames caros e o consumo de medicamentos.
epidêmicas e infecciosas; localização e elimi-
No final da década de 1970, a inadequação
nação dos focos de insalubridade. Esse mode-
desse modelo em relação à realidade sanitária
lo, fortemente associado com a ascensão do
do país tornou-se clara. Com o enfraqueci-
Estado do Bem-Estar Social, baseava-se em
mento da ditadura militar e com os primeiros
três ordens de atenção à saúde, dispostos na
sinais do esgotamento do modelo econômico
Figura 1: assistência médica ao pobre garanti-
que prevaleceu até então, movimentos sociais
da pelo livre acesso ao sistema de saúde; con-
começaram a se organizar, entre eles, o Mo-
trole da força de trabalho e esquadrinhamen-
vimento Sanitário – uma ampla movimentação
to da saúde pública.
de discussões e proposições rizomáticas en-
Contudo, para muitos países da América do volvendo profissionais de saúde, membros da
Sul, esse modelo não se encaixou perfeita- própria burocracia estatal, professores uni-
mente. No Brasil, o caminho para um sistema versitários, pesquisadores e organizações po-
único de saúde – o SUS – foi longo e tortuoso. pulares.
Por muitos anos, ou até séculos, a atenção à
O movimento sanitário mostrou sua força em
saúde para aqueles que não tinham acesso ao
vários fóruns que prepararam o caminho para
sistema de saúde privado foi relegada às San-
a nova Constituição, aprovada em 1988. Nesta
tas Casas – instituições ligadas a grupos religi-
declaração de princípios, a saúde é reconhe-
osos, especialmente à Igreja Católica. A pri-
cida como direito de todas as pessoas e dever
meira organização estatal dos serviços de sa-
úde data de 1923 (Lei Eloy Chaves) através
das “Caixas”, uma estratégia governamental 4
Sonia Fleury Teixeira é uma das poucas psicólogas brasi-
para minimizar potenciais conflitos com as leiras dedicadas à análise das políticas públicas em Saú-
de.

Quaderns de Psicología | 2010, Vol. 12, No 1, 41-56


50 Spink, Mary Jane P.

do Estado, estabelecendo os princípios bási- profissionais de vários serviços que cuidam da


cos da universalidade e gratuidade. O texto saúde dos clientes. O objetivo desse tipo de
da Constituição também estabelece uma es- estrutura é garantir que as equipes profissio-
trutura básica para a assistência da saúde, nais estejam cientes das trajetórias dos usuá-
baseada na administração descentralizada; rios nos serviços de saúde, assim como garan-
desse modo revertendo a tendência à centra- tir atenção integral em todos os níveis da as-
lização no Governo Federal em consonância sistência.
com as necessidades locais, assim como insti-
Essa proposição é inovadora em muitos senti-
tui o controle social como princípio fundante
dos. Contudo, têm sido realizadas experimen-
da participação democrática em todas as ins-
tações, restritas a programas verticais, onde a
tâncias de gestão e assistência.
integralidade e o matriciamento têm prevale-
O SUS foi aprovado por lei em 1990 (Lei cido. Este é o caso do Programa Nacional de
8080). Tem como princípios básicos a univer- AIDS. Iniciado nos anos de 1980, o Programa
salidade de acesso ao sistema de saúde, a e- de AIDS ganhou muitos prêmios internacionais
quidade das ações de atenção à saúde, e a in- e colaborou com a implementação de siste-
tegralidade da atenção. Sua organização está mas de saúde similares em outros países do
baseada na assistência integral, na adminis- terceiro mundo. Envolvi-me com a pesquisa e
tração descentralizada e no controle social. a política de AIDS a partir de 1993 como prin-
cipal investigadora dos aspectos comporta-
Contudo, por que a familiaridade com essa
mentais e sociais de um possível estudo sobre
história deve ser considerada “erudição”? O
vacinas. Posteriormente, entre 1994 e 2003,
SUS continua em sua infância; ainda há muito
fui membro da Comissão Nacional de AIDS
o que fazer de modo a fazê-lo funcionar de
(CNAIDS). Esse envolvimento certamente ali-
acordo com seus princípios básicos e essa ta-
mentou minha posição sobre a necessidade
refa é responsabilidade de todos nós. O contí-
dos psicólogos em tornarem-se familiares com
nuo questionamento dos obstáculos a sua im-
as questões políticas do campo da saúde.
plementação irá criar o cenário para a ação
efetiva. Nessa perspectiva, os profissionais de Criada em 1986, a CNAIDS reviu diversas vezes
saúde carregam a responsabilidade da ação seu papel e sua composição como resultado
política; a participação política não acontece tanto da institucionalização do Programa de
do nada. Para muitos de nós que trabalhamos AIDS, quanto da necessidade de se adequar às
com pesquisa no campo da saúde, é sempre diretrizes do recém-criado SUS. Por conta de
um anseio que os estudantes de graduação minha familiaridade com o campo da AIDS e
não sejam tão alheios às propostas em que o da longa participação como membro da Co-
SUS está ancorado. E mais, o SUS, como dis- missão, fui convidada a desenvolver um exer-
cutido no início desse texto, oferece uma al- cício avaliativo, solicitação que foi por mim
ternativa viável e em muitos casos a única reinterpretada como um projeto de pesquisa
possibilidade para desenvolver uma carreira com os seguintes objetivos: compreender a
em Psicologia. contribuição histórica da formulação de polí-
ticas destinadas à AIDS no Brasil; reconsiderar
Além disso, novas modalidade de atenção à
seu papel diante da proliferação de comissões
saúde no SUS afinaram-se com ações multi-
específicas criadas para lidar com aspectos
profissionais de modo a lidar com as dificul-
técnicos do controle da AIDS; e compreender
dades enfrentadas à assistência integral. Ex-
seu papel como um espaço de diálogo com
perimentações em matriciamento, no âmbito
movimentos sociais organizados.
do modelo de "Saúde Paidéia" (Campos,
2003), por exemplo, têm exigido reflexões Para cumprirmos essa tarefa, (a) analisamos
acerca do que é compartilhado entre os pro- uma variedade de documentos relativos à a-
fissionais de saúde e o que pertence a domí- presentação pública do CNAIDS, às normas in-
nios específicos de saber. ternas de conduta e aos registros de temas e
procedimentos das 63 reuniões realizadas
O matriciamento é um tipo de organização
desde 1986, (b) entrevistamos o Diretor do
participativa da atenção à saúde baseada em
Programa de AIDS, o Secretário Executivo da
uma matriz em que os diversos profissionais
comissão e alguns de seus membros mais anti-
estão envolvidos. Opera por meio da criação
gos e (c) coletamos depoimentos de todos os
de redes de relacionamentos e trocas entre
membros afiliados sobre a comissão.

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Psicologia Social e Saúde 51

Os resultados (Spink, Galindo & Garcia, 2003) da população ou da raça. Modos contemporâ-
foram inicialmente apresentados a todos os neos da biopolítica funcionam a partir da ad-
membros da comissão de modo a incorporar ministração do risco (Castel, 1987; Rose,
correções e sugestões à análise. Posterior- 2007; Spink, 2001): um conjunto de “modos
mente, o relatório foi apresentado ao diretor de pensamento e ação que envolvem cálculos
do Programa e a um dos mais antigos mem- sobre futuros possíveis a partir do presente,
bros em uma reunião especialmente solicitada seguido por intervenções no presente para
para esse propósito. Isso levou a uma propos- controlar esse futuro potencial” (Rose, 2007,
ta de reestruturação da comissão. p. 70).
Esse é um exemplo de pesquisa-intervenção Essa estratégia ainda baseia-se em princípios
no campo da política em saúde que ilustra as de segurança, mas não mais na mera distribu-
múltiplas possibilidades de prática que estão ição dos custos dos acontecimentos adversos,
abertas aos psicólogos (e a outras profissões como os acidentes, a doença e a morte. Na
da saúde) que não se atém ao saber técnico. promoção da saúde, existe uma expectativa
de eliminação de riscos por meio de medidas
antecipatórias, como exames clínicos cada
Antigas demandas e novas tensões: vez mais sofisticados ou a adoção de estilos
saúde como direito ou como dever? de vida que promovam a saúde. Essa expecta-
tiva requer a exacerbação de processos de in-
Muitos autores contemporâneos têm abordado dividualização, herdados do Cristianismo,
as mudanças que estão ocorrendo na biopolí- chamados por Foucault de “poder pastoral”.
tica como resultado da ênfase na promoção
da saúde a partir da segunda metade do sécu- A metáfora pastoral é útil para compreender
lo XX. De um lado, tem sido enfraquecida a li- esse tipo de poder que pode articular discipli-
gação entre a saúde individual – especialmen- na e biopoder; consequetemente, ao mesmo
te a saúde reprodutiva – e a qualidade da raça tempo em que é coletivista (voltado para o
ou da Nação baseada em um tipo de biopolíti- rebanho como um todo) e individualizado
ca eugênica. De outro lado, a longevidade – e (voltado para cada ovelha individual). Uma
não mais a morbidade – define a saúde da po- forma de poder que não mais é controlada
pulação. A longevidade está associada com somente pela complexa rede de leis, agências
melhores condições de vida e com avanços na governamentais, instituições de pesquisa e
tecnologia médica; representando uma ques- comitês de regulação; é administrada por ca-
tão mais fortemente associada com países em da de um nós em nossas relações com os es-
desenvolvimento. Entretanto, esse é também pecialistas do corpo: médicos, profissionais de
um problema para países como o Brasil, onde saúde (incluindo psicólogos) e assistentes pes-
a pobreza e as doenças a ela relacionadas a- soais de muitos tipos.
inda não estão sob controle. Neste novo sentido, a saúde demanda intensa
Embora a promoção da saúde ainda tenha participação pessoal. Cada um de nós deve
como foco a “saúde da Nação”, não se trata assumir a responsabilidade por nosso próprio
mais das consequências da falta de saúde pa- bem-estar. Esse argumentado está baseado
ra a defesa das fronteiras ou conquista de no- em dois modos separados de relacionamento
vos territórios. As consequências são agora com o sistema de saúde, um relativo aos a-
expressas em termos econômicos, relaciona- vanços na arena dos direitos; o outro concer-
dos aos custos da saúde-doença, aos dias de nente às recentes transformações das tecno-
trabalho perdidos, ao custo dos seguros de logias médicas.
saúde, ou ainda, são expressas em termos Historicamente, a saúde só recentemente
morais, i.e. pela necessidade de redução das tornou-se um direito. Por muito tempo, a Me-
desigualdades de condições de saúde (Rose, dicina curativa excluiu grande parte da popu-
2007, p. 63). lação: para os ricos, as tecnologias mais avan-
Essas novas abordagens ainda estão conecta- çadas de diagnóstico e assistência; para os
das ao governo da vida. Entretanto, essa for- pobres, as Santas Casas, caridade ou nada.
ma de governo da vida não mais se atém ao Foi por parte dos movimentos sociais deriva-
controle externo do que é considerado inde- dos das precárias condições de trabalho do
sejável a partir da perspectiva da vitalidade capitalismo industrial que os serviços de saú-

Quaderns de Psicología | 2010, Vol. 12, No 1, 41-56


52 Spink, Mary Jane P.

de foram organizados. O acesso aos serviços quanto a estilos de vida considerados saudá-
de saúde pode, desse modo, ser visto como veis, e por reforçar a responsabilidade indivi-
uma conquista dos movimentos populares e dual pela saúde, fragilizando o papel do Esta-
como uma resposta à sensibilidades contem- do. Para além das críticas possíveis, a promo-
porâneas frente às desigualdades. Um direito ção da saúde inaugurou uma modalidade de
que, em nossa perspectiva, foi só recente- biopolítica que não tem mais como horizonte
mente conquistado no Brasil com a criação do a população como um todo. A saúde, atual-
SUS em 1990. mente, é re-configurada em termos econômi-
cos (quanto aos custos relativos às faltas ao
Contudo, à medida que as condições de vida
trabalho e ao sistema de seguridade social) ou
melhoraram, assim como melhorou o controle
morais (o imperativo contemporâneo de redu-
das doenças infecciosas responsáveis pela
ção das desigualdades na arena da Saúde).
morte de muitos indivíduos nos países mais
Nesta nova modalidade, o Estado mantém su-
pobres, outras doenças tornaram-se epide-
as obrigações tradicionais frente à população
miologicamente mais relevantes. A expecta-
como um todo: a distribuição de água, a sani-
tiva de vida aumentou, assim como a preva-
tarização do esgoto, o controle dos medica-
lência das doenças crônicas: doenças cardía-
mentos e dos alimentos etc. Porém a respon-
cas, diabetes, acidentes vasculares cerebrais
sabilidade de proteger cada membro individu-
(derrames) e muitas outras doenças degene-
al da população, alcançada no Estado do Bem-
rativas próprias da velhice. Para encarar esse
Estar Social, foi transferida. Neste novo cená-
cenário de mudanças, estratégias preventivas
rio, de economia tipicamente neoliberal, cada
ganharam importância fundamental. É verda-
indivíduo torna-se responsável por sua saúde.
de que a prevenção sempre esteve presente
Direito torna-se dever: o dever de manter-se
em práticas populares e especializadas. Por
saudável.
exemplo, a prevenção era central para o sis-
tema proposto por Leavell e Clarke em 1965 Além disso, a transferência de responsabilida-
em sua classificação de três termos: preven- de pela saúde de cada um de nós individual-
ção primária, secundária e terciária. É sobre a mente, fomentada por repertórios morais e
prevenção primária que vimos a reconfigura- econômicos, cria um espiral que amplifica o
ção do discurso sanitário desde a década de próprio sentido de saúde (Spink, 2007b), um
1970. espiral que é alimentado pelo fornecimento
seletivo de informação inspirado pelo atual
Esta é uma narrativa que tem história antiga,
ethos de comunicação. Essa amplificação po-
e tem como marcos o Relatório do Ministro de
de ser melhor compreendida da perspectiva
Saúde do Canadá, Lalonde, publicado em
dos novos desejos fomentados pelas mais re-
1974, e a famosa Conferência de Alma Ata em
centes tecnologias médicas – referidas por
1978. Atualmente, a ênfase na promoção está
muitos autores como “tecnologias da vida”:
bem estabelecida e foi incorporada às con-
por exemplo, a biotecnologia moderna e seu
cepções modernas de gestão e controle soci-
arsenal de técnicas diagnósticas que reconfi-
al. De acordo com Márcia Westphal (2006),
guram nossos processos vitais e nossas rela-
essa concepção moderna da promoção baseia-
ções com nossos corpos.
se em cinco princípios: (1) uma concepção ho-
lística de saúde baseada na multicausalidade Há duas dimensões importantes nessa reconfi-
do processo saúde-doença; (2) a equidade guração: a susceptibilidade individual (sus-
como forma de enfrentar as desigualdades es- ceptibility) e o aprimoramento (enhance-
truturais relacionadas à distribuição desigual ment). Susceptibilidade, segundo Nikolas Rose
dos determinantes de saúde; (3) a intersetori- (2007), refere-se à identificação e ao trata-
alidade como estratégia para dar conta da mento dos problemas com base na probabili-
complexidade do processo saúde-doença; (4) dade de acontecimentos futuros. Não mais
a participação social na definição de políti- envolve o reconhecimento de fatores de risco
cas, no controle social e na avaliação de a- com base em correlações, mas a identificação
ções e serviços, e (5) a sustentabilidade como de variações genéticas precisas que podem
forma de garantir a continuidade. desenvolver determinadas doenças. Envolve
trazer futuros prováveis para o presente. O
Essa é uma posição politicamente correta,
aprimoramento é igualmente orientado para o
sem dúvida. Entretanto, ela não está imune à
futuro: qualquer capacidade do corpo ou da
críticas: por ser demasiadamente prescritiva

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Psicologia Social e Saúde 53

alma é possível de ser aprimorada por inter- responsáveis por seus estilos de vida. Mas
venções tecnológicas. Pense nos recordes do quando não há necessidades extremas, cono-
esporte batidos graças às substâncias quími- tações moralistas e julgamentos são trazidos
cas ou ao uso de roupas especiais. Essas inter- à tona, “o padrão mais aceitável é o do agen-
venções não são mais destinadas à pacientes; te racional que avalia, pesa e decide suas a-
elas têm como alvo “consumidores” que esco- ções em termos teoricamente objetiváveis
lhem por conta de seus desejos aparentemen- sob a égide de cálculos de custo-beneficio”
te triviais ou irrelevantes, não mais formata- (Castiel & Diaz, 2007, p. 85).
dos por conselhos médicos, mas pela propa-
Foi a partir desse enquadre individualista que
ganda e pela cultura de consumo.
a noção de estilo de vida foi importada para
A Saúde deve ser pensada a partir de uma dentro do campo da Saúde e foi aí ressignifi-
perspectiva ético-política. O ideal da Saúde, cada como a habilidade que todos temos de
em meados do século XIX, era determinado tomar decisões racionais sobre o que come-
por governamentalidades: uma população mos e bebemos, sobre o exercício físico que
saudável fazia parte da riqueza do Estado. Es- podemos ou não fazer, sobre as substâncias
ta ética foi reconfigurada pela proliferação de tóxicas que consumimos. E aqueles que não
direitos, assim como pelos novos desejos por aderem, que não tomam uma posição de pru-
saúde fomentados pela propaganda biomédi- dência com relação ao futuro, são desacredi-
ca. Esses desejos são fruto de necessidades tados ou penalizados.
pessoais que, além disso, configuram uma no-
A pesquisa, nesse contexto, pode ajudar a
va biosocialidade (Rabinow, 1996), como o a-
compreender esse outro lado da promoção da
tivismo no cenário da AIDS ou os muitos gru-
saúde. Esse é o caso de um recente estudo
pos de defesa que lutam pelos direitos de pa-
que fiz sobre as atuais medidas para refrear o
cientes.
uso do tabaco, e sobre os sentidos do tabaco
Esta é uma ética em que a maximização dos para fumantes e suas experiências frente à
estilos de vida saudáveis e da qualidade de pressão para largar o cigarro. Baseada em 50
vida tem tornado-se obrigatória. Estilos de vi- entrevistas realizadas com seguimentos dife-
da, casualmente, não estão circunscritos à rentes de uma universidade de São Paulo
arena da Saúde. De acordo com Luiz Castiel e (professores, técnicos de escritórios, empre-
Carlos Diaz (2007), esta noção vem sendo u- gados terceirizados, alunos de graduação e da
sada pela Sociologia há muito tempo; pode pós-graduação), a análise focou três aspectos:
ser encontrada em Max Weber e, mais recen- porque as pessoas fumam, a ambivalência en-
temente, na teorização de Pierre Bourdieu tre o prazer e o risco associado ao tabaco e a
sobre habitus. Na Sociologia, entretanto, a experiência como fumante. O estudo conclui
noção diz respeito a modos de vida que são que, na perspectiva da saúde pública, é impe-
típicos de certos grupos dentro de uma popu- rativo informar o público sobre os riscos asso-
lação. São categorias coletivas que, na Mo- ciados ao tabaco, contrapor seus efeitos dele-
dernidade Tardia, segundo Anthony Giddens térios à sedução da propaganda de cigarro ve-
(1991), passaram a ser aplicadas a indivíduos iculada pela indústria tabagista e oferecer
desterritorializados pelo processo de globali- meios para a cessação do fumo. Entretanto, é
zação. Estilos de vida, para Giddens, podem também necessário compreender o ponto de
ser definidos como “um conjunto mais ou me- vista dos fumantes para os quais o tabaco a-
nos integrado de práticas que um indivíduo inda é uma droga legalizada que fornece mui-
abraça, não somente porque essas práticas tos efeitos positivos, mas que causa depen-
satisfazem necessidades utilitárias, mas por- dência física e psicológica; dessa maneira,
que elas dão forma material a uma narrativa aqueles que desejam parar de fumar muitas
auto-identitária singular” (Giddens, 1991, p. vezes enfrentam muitas dificuldades. Este
81). cenário de múltiplas dificuldades levanta a
questão se o fumar pode ser classificado com
Certamente, em uma perspectiva individualis-
um estilo de vida arriscado, para o qual as es-
ta, estilos de vida envolvem escolhas – quando
tratégias de redução de dano podem ser per-
escolhas são possíveis; há casos em que não
tinentes.
há escolha disponível por conta das privações
econômicas e da exclusão social. Nessas situ-
ações não é possível considerar as pessoas

Quaderns de Psicología | 2010, Vol. 12, No 1, 41-56


54 Spink, Mary Jane P.

Considerações finais: o que a Psicologia desconstruir as fronteiras do conhecimento e


(Social) tem a ver com isso tudo? promover o trabalho em equipe; (c) restituir
as demandas dos clientes como foco dos a-
Essa nova consciência sobre como devemos tendimentos; (d) repensar a promoção da sa-
conduzir nossa relação conosco e como agen- úde, no sentido de adotar estratégias de re-
ciamos nossa responsabilidade frente ao futu- dução de risco para aqueles que escolhem es-
ro, essa nova configuração da ética como éti- tilos de vida arriscados.
co-política, produz novas formas de autorida-
des que não são mais confinadas à arena da
Saúde – os especialistas do corpo: terapeutas, Referências
consultores, fornecedores de informação (es-
pecialmente a mídia) e personal-tudo. Como Antunes, Mitsuko (2003). A Psicologia no Brasil:
psicólogos, nós somos parte dessas novas au- leitura histórica de sua constituição. São Paulo:
toridades do corpo. Como psicólogos sociais EDUC e UNIMARCO.
alinhados com a postura crítica da disciplina, Billig, Mike (1988). Methodology and scholarship in
temos a responsabilidade de compreender understanding ideological explanation. In C. An-
como essas novas modalidades biomédicas de taki, C. (Org.), Analysing everyday explanation
cuidado afetam as pessoas. Frente à capitali- (pp.199-215). London: Sage Publications.
zação da Medicina, seria uma ilusão pensar Bourdieu, Pierre (1994). Structures, habitus and
que podemos reverter essa situação: afinal, practices. Cambridge: Polity Press.
todos nós queremos viver longamente com
Burke, Peter.(2003).Uma história social do conhe-
qualidade de vida. Mas nós temos ferramentas cimento. Rio de Janeiro: Zahar.
para seguir esses novos desenvolvimentos e
empoderar aqueles que têm pouco acesso a Campos, Gastão de S. (2003). Saúde Paidéia. São
essas novas tecnologias. Paulo: Hucitec.

Como analista de discurso, atenta às práticas Castel, Robert (1987). A gestão dos riscos. Rio de
Janeiro: Francisco Alves.
discursivas que circulam no cotidiano, encora-
jo aos participantes de meu grupo de pesquisa Castiel, Luis David & Diaz, Carlos Álvarez-Dardet
sobre Práticas Discursivas a prestar atenção (2007). A saúde persecutória. Rio de Janeiro: E-
ao que está acontecendo nas políticas de saú- ditora FIOCRUZ.
de e aos repertórios postos em circulação por Ewald, François (1986). L'État Providence. Paris:
tais políticas. Mas muito mais está em jogo. A Éditions Grasset.
ênfase na atenção básica e em equipes multi-
Faleiros, Vicente de Paula, Silva, Jacinta de F.S.,
disciplinares abriu as portas para os psicólo- Vasconcellos, Luiz Carlos F. & Silveira, Rosa Ma-
gos que, desde a década de 1980, passaram a ria G. (Eds). (2006). A construção do SUS.: histó-
integrar as equipes profissionais que atuam rias da reforma sanitária e do processo partici-
nas unidades básicas de saúde e em serviços pativo. Brasília: Ministério da Saúde.
especializados (como os serviços de saúde
Fleck, Ludwig (1979). Genesis and development of
mental). Isto conduziu a mudanças no ensino a scientific fact. Chicago, USA: University of Chi-
de graduação no sentido de reverter algumas cago Press.
das características tradicionais dos cursos de
Psicologia do Brasil : a supervalorização da Foucault, Michel (1970). The order of things. Lon-
don: Tavistock Publications.
especialização com descaso pela atenção bá-
sica; o foco na clínica individual; a falta de Foucault, Michel (1977). Nascimento da clínica. Rio
experiência de trabalho em equipes; a ênfase de Janeiro: Forense Universitária.
na teoria e pouca reflexão sobre políticas pú- Foucault, Michel (1978). História da loucura. São
blicas; a resistência em considerar a gestão Paulo: Perspectiva.
pela perspectiva da participação popular.
Como forma de reverter essa situação, é ne- Foucault, Michel (1982). O nascimento da medicina
social. In R. Machado (Org.), Microfísica do po-
cessário agir em várias frentes, especialmente
der (pp. 79-98). Rio de Janeiro: Graal.
no que diz respeito a quatro questões: (a) cri-
ar espaços para discussões ético-políticas a- Foucault, Michel (2008). Segurança, território, po-
cerca das distintas posições de pessoas leva- pulação. São Paulo: Martins Fontes.
das a cabo na contemporaneidade; (b) insti- Giddens, Anthony (1991). Modernity and self-
gar a perspectiva multidisciplinar, que pode identity. Cambridge: Polity Press.

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MARY JANE P. SPINK


Mary Jane P. Spink é psicóloga social, professora titular da Pontificia Universidade Católica de São
Paulo (PUCSP) e investigadora senior no CNPq. Estudou Psicologia na Universidade de São Paulo e tem
um doctorado pela London School of Economics. Seus interesses de investigação centraram-se em psi-
cologia da saúde e a política de saúde pública. Foi membro do Comitê Nacional sobre o SIDA desde
1994 até 2003. É autora de numerosos livros e artigos que se enumeran em
http://lattes.cnpq.br/9915632947357389.

Quaderns de Psicología | 2010, Vol. 12, No 1, 41-56


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DIRECCIÓN DE CONTACTO
mjspink@pucsp.br

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Setor de Pós-Graduação, Programa de Pós-Graduação


em Psicologia Social. Rua Monte Alegre, 984. Perdizes. 05015-000. Sao Paulo, SP.Brasil

FORMATO DE CITACIÓN
Spink, Mary Jane P. (2010). Psicologia Social e Saúde: trabalhando com a complexidade. Quaderns De
Psicologia, 12(1), 41-56. Recuperado: dd/mm/aaaa, de
http://www.quadernspsicologia.cat/article/view/752.

http://quadernsdepsicologia.cat

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