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FARMACOLOGIA I – AULA 07

BOQUEADORES NEUROMUSCULARES

Maurício Petroli, M5

Do ponto de vista farmacológico, esta aula é muito interessante. São substâcias de difícil uso
clínico. Profissionais que os aplicam precisam estar altamente treinados para ressuscitar o invidívuo,
porque são substâncias que podem levar a paralisia respiratória e morte, se não for dado suporte
ventilatório adequado.
A classe de fármacos que corresponde a esta aula foi muito estudada para fins científicos, e
muito menos para fins econômicos. A planta que dá origem a essas substâncias é muito comum na
Bacia Amazônica. Dessa planta, os nativos extraíam veneno, colocado na ponta de flechas. Injetados
via intramuscular, os animais tinham parada respiratória e morriam. Mas, quem comia esses animais
não ficava envenenado. Logo veremos o porquê disso.
O bloqueador neuromuscular é diferente do autonômico. Aqui, veremos a transmissão
neuromuscular da área motora. A área motora voluntária tem sua fibra com origem no córtex. Ela
desce, muda de lado e vai fazer sinapse no corno anterior da medula. Dali, nasce a fibra motora
que vai em direção ao músculo esquelético. Esta região de transmissão do neurônio primário para o
secundário é onde ocorre a ELA – Esclerose Lateral Amiotrófica, doença neurodegenerativa que
compromete essa ligação. A pessoa tem paralisia progressiva e morre.

Essa fibra, no músculo esquelético, vai inervar diversas fibras musculares. O conjunto de uma
fibra nervosa, suas ramificações e as fibras musculares que elas inervam formam uma unidade
motora. A força de um músculo, portanto, depende de quantas unidades motoras eu conseguir
recrutar para realizar a contração. No cérebro, há o comando de quantas unidades motoras preciso
recrutar – e isso tem a ver com a memória, a experiência prévia.
Quando a fibra nervosa se aproxima da área muscular, a membrana desta fibra muscular
cria um formato de vilosidades, no sentido de receber um grande contato com a região nervosa. A
terminação nervosa não se encosta na membrana muscular; o contato ocorre via Ach. Mas essa
membrana adquiriu um aspecto morfológico diferente do resto da fibra muscular. Somente esta
área invaginada é chamada de placa motora. A parte ao lado, da mesma fibra, mas sem
invaginações, não é mais chamada de placa motora.
O que existe nessa região? Já vimos essa imagem na transmissão colinérgica. Temos as
vesículas de acetilcolina. No momento de entrada de cálcio, as vesículas se encaminham em direção
ao terminal. Essas vesículas ficam presas à actina, e o cálcio faz com que elas se desliguem e se
mobilizem em direção ao terminal de forma orientada. Isso porque, na membrana da vesícula,
existem algumas proteínas. Uma delas tem um grande tropismo pelo cálcio, que está entrando, e
outras proteínas têm uma grande afinidade pelas proteínas da membrana sináptica. Essa ligação
de proteínas vai formar o complexo SNARE, que já vimos na aula de colinérgicos. A toxina botulínica
age impedindo a formação desse complexo.

Junto a essas moléculas de acetilcolina, na vesícula, há muitas moléculas de ATP – chega à


relação de 1:1.
Em um terminal, há, aproximadamente, 3.000.000 milhões de moléculas de Ach liberadas a
cada estímulo. Qualquer alteração quantitativa da liberação da Ach, então, vai ter interferências
importantes.
Na região pós-sináptica, temos a placa motora. Ali, há o receptor nicotínico da Ach. É
diferente do muscarínico (lá do parassimpático). Este receptor é constituído de 2 subunidades alpha,
1 delta e 1 gama. Isso no estágio embrionário bem anterior. À medida que esse canal amadurece, a
5ª unidade, gama, é substituída pela subunidade épsilon, se tornando mais eficiente.
Mas qual a relevância disso? Algumas doenças fazem com que expressemos a subunidade
gama, tornando essa transmissão neuromuscular muito menos eficiente. Ex.: cortou o dedo, rompeu as
fibras musculares; passa, então, a apresentar a subunidade gama.
Outro ponto interessante: os receptores estão expressos em um lugar só? Por quê? Existem
proteínas que são expressas pela terminção (ex.: neuroregulina e agrina). Essas proteínas fazem
amadurecer o receptor (substituir a unidade gama pela épsilon) e organizam os receptores na
estrutura da placa, respectivamente. Então, lesando o nervo: o receptor nicotínico imaturo é
expresso e os receptores se espalham, difusamente.
No elemento pós-sináptico, existem aproximadamente 30milhões de receptores nicotínicos. A
viagem entre a membrana pré-sináptica e a pós-sináptica acaba sendo interrompida, para muitas
moléculas, pela ação da colinesterase.
Quando a Ach interage com o receptor nicotínico, ela abre o canal. Esse canal pode deixar
Na+, K+ e Ca2+, mas sobretudo sódio e potássio. Entra mais sódio do que sai potássio, porque o
sódio entra favorecido por um reagente eletroquímico. A saída de potássio é menor. A placa
despolariza, porque entra mais carga positiva. A placa está -90mV. Quando se estimula o terminal,
é gerada uma despolarização da placa elevando de -90mV para -20mV. O potencial de placa,
portanto, é de aproximadamente +70mV.
Inicialmente, toda a placa está a -90mV. Não tendo DDP, não há corrente. Porém, nesse
momento de liberação da Ach, uma região da placa, onde a molécula se liga ao receptor, vai ficar
+70mV mais positiva do que a região ao seu lado. Isso gera uma corrente, uma vez que se
estabeleceu ali uma DDP (porque a região ao redor ainda está -90mV). A corrente gerada sofre
resistência do meio. Acaba perdendo corrente, em torno de 10mV. Então, é capaz de fazer a
região ao lado despolarizar +60mV, vai chegar a -30mV. E assim segue para a próxima região.
O limiar de excitabilidade é -70mV. Quanto atinge esse valor, dispara o potencial de ação.
Então, para gerar o PA, preciso despolarizar, pelo menos, 20mV. Mas aqui ainda estou conseguindo
despolarizar +60mV (três vezes mais do que o necessário). Qual a conclusão: estimulando um
terminal desses, gera-se um potencial de +70mV, que, ao se propagar com decremento de -10mV, é
capaz de estimular a zona ao lado em +60mV – mas, com +20mV, já dispara o potencial. Isso tudo
pra dizer que uma transmissão neuromuscular nunca falha.
E se, ao invés de liberar 300 vesículas de Ach, eu liberar uma quantidade pequena?
Digamos que eu gere um potencial de placa de +50mV. Mesmo assim, ainda gero um PA, e essa
fibra contrai de forma maximal. Mas, num outro exemplo, se eu tiver um potencial de placa de
+20mv, vai propagar com decaimento (perde 10mV), e consegue chegar apenas a -80mV – a
transmissão neuromuscular falha. Quem faz isso? O curare. As moléculas dessa substância se
combinam competitivamente com o receptor nicotínico. Libero a quantidade fixa da Ach, e o
potencial de placa diminui de amplitude de acordo com a concentração da substância ali
localizada.
O tamanho do potencial de placa, assim, depende da quantidade de Ach. A amplitude do
potencial de placa, em outras palavras, é uma função da concentração de Ach. A placa motora,
então, não é tudo ou nada. Ela gera um potencial de placa que aumenta de acordo com a
concentração. A região de membrana ao lado da placa motora, contudo, é tudo ou nada: ou
dispara ou não dispara. Esta membrana tem limiar de excitabilidade, o potencial gerado é sempre
do mesmo tamanho; na placa, contudo, não há limiar de excitabilidade, e a amplitude do potencial
varia de acordo com a concentração de Ach.
A zona de membrana do lado da placa, sujeita à ação da Ach, tem que resposta? Nenhuma.
Porque não há receptores ali. Esta membrana não é ativada pela acetilcolina, é não-
quimioexcitável. Agora, estimulando eletricamente a placa motora, não há geração de PA – é
insensível à estimulação elétrica; só é estimulada pela Ach. A placa motora, então, é uma membrana
quimioexcitável e a zona adjacente é eletroexcitável.
Se esta zona eletroexcitável depende de canal de sódio, o que acontece se eu mantiver ela
despolariza em -65mV, por exemplo? O canal de sódio, que é voltagem-depende, em resposta à
manutenção da despolarização, fica inativado. Tenho substâncias – que também são substâncias
bloqueadoras neuromusculares – que, quando administradas nessa região, interagem com o
receptor nicotínico. Elas ficam presentes ali por mais tempo. O que acontece? A placa, que estava
em -90mV, acaba sendo mantida despolarizada. Gerou, então, uma corrente. Mas a zona que
gerou o potencial não voltou para o repouso (o canal de sódio, que abriu, não reativa, porque a
zona está despolarizada; o canal permanece inativado). Então, o fato de eu manter a placa motora
despolarizada leva ao relaxamento do músculo, precedido de uma contração.
Se o indivíduo é envenenado por organofosforado, ele morre de paralisa neuromuscular.
Você evita a metabolização da Ach. Ela mantém, então, a placa despolarizada, os canais de sódio
inativodos. Isso se chama bloqueio por despolarização mantida da placa.
Então é verdadeiro afirmar que:

– a membrana eletroexcitável não pode ser ativada quimicamente – CERTO


– a manutenção da despolarização da membrana eletroexcitável leva à inativação dos canais
de sódio – CERTO
– a região da placa motora é semelhante à membrana eletroexcitável pelo fato dos canais de
sódio e potássio da placa motora poderem ser inativados – ERRADO (a placa motora não
pode ser inativada; a inativação acontece na membrana eletroexcitável)
Essa molécula da d-tubocurarina é gordinha. É uma molécula dura. Segunda característica
interessante: presença de amônio quaternário – um cátion. Por isso que eu posso comer um animal
envenenado pela d-tubocurarina. A carne, mesmo envenenada, vai para o meu tubo GI, e cátions
não atravessam o tubo. Posso consumir sem problemas. Da mesma forma, se eu injetar um curare na
veia de um paciente, vai relaxar o paciente (ele não vai conseguir respirar). Mas o cátion não
atravessa a barreira hematoencefálica. Então o paciente, consciente, sabe que precisa respirar, mas
não consegue. A molécula também não atravessa a barreira placentária – você curariza a mãe, mas
não o bebê. Outro detalhe da molécula: ela tem uma metade igual à outra. Muitos curares
apresentam, como característica química, essa similaridade.
Daquela d-tubocurarina, geraram-se várias outras substâncias, como o atracúrio, também
simétrico. Gera também o pancurônio, por exemplo, um esteroide. A característica em comum desses
derivados é que a maioria deles possui o amônio quaternário.
Todas essas substâncias são chamadas de bloqueadores neuromusculares competitivos. A
suxinilcolina (obtida da junção de duas moléculas de Ach), por sua vez, é um bloqueador
neuromuscular despolarizante.

- d-tubocurarina: bloqueador neuromuscular competitivo. Liga-se ao receptor nicotínico. O potencial


de placa vai diminuindo em função da concentração. Lembrando da estrutura do canal: eram cinco
subunidades, e a Ach se liga em duas delas (preciso, então, de duas moléculas de Ach para abrir o
canal). Usando a d-tubocurarina, ela vai consumindo essa sua segurança de três vezes o valor
necessário para disparar o potencial. Desse modo, se ela ocupar 70-75% dos receptores nicotínicos,
esse potencial de placa fica tão pequeno que você não excita a membrana eletroexcitável. Se eu
ocupar 68%, ainda gera-se o potencial de placa suficientemente grande para atingir o limiar e
disparar o potencial de ação. A fibra contrai como se nada tivesse acontecido. Olha o perigo disso:
você curariza o paciente, ele não consegue respirar. Conforme a substância for sendo eliminada,
diminui a ocupação de receptores, e o paciente vai apertar sua mão, vai respirar. Mas você não
lembra que ele ainda está com muitos receptores ocupados. Leva o paciente para uma sala fria,
com ar condicionado, no pós-operatório, e aí faz um antibiótico amino-glicosídico. Este antibiótico
diminui a liberação de acetilcolina. A temperatura também pode interferir com essa liberação. Se
você diminuir a liberação do neurotransmissor, é como se você tivesse ocupando mais receptor. O
paciente recurariza, e você nem sabe que o paciente morreu. Atentar, então, para o fenômeno da
recurarização. Como impedir que isso aconteça? Usar um anticolinesterásico – impede a
metabolização da Ach e aumenta seu efeito.

- succinilcolina: liga-se ao receptor nicotínico da Ach. Vai fazer a mesma coisa que a Ach, ou seja,
despolarizar a placa. Só que a succinilcolina não é metabolizada pela colinesterase. Então, essa
placa ficou despolarizada. Assim, inativam-se os canais de sódio. Esse é o chamado bloqueio fase I
– ou bloqueio por despolarização mantida da placa. Agora, a succinilcolina foi embora – a
circulação sanguínea a levou, e ela foi metabolizada lá no plasma. No entando, permanece o
bloqueio. Se a substância foi embora, esses canais não podem mais estar abertos, a placa
repolarizou. Mas, o fato de a succinilcolina ter se combinado com o receptor não levou à inativação,
e sim à dessensibilização do receptor. A dessensibilização não é causada por voltagem (como a
inativação do canal de Na+), não tem um curso tão rápido como a inativação (leva minutos para
isso). A arquitetura do canal muda: há mais dificuldade de ligar com a Ach, e quando liga a Ach
não consegue abrir o canal. Então, você mantém a inativação, mas a placa não está mais
despolarizada. Este é o bloqueio fase II – dessensibilização. Então, a succinilcolina tem duas
maneiras de atuar. Quando cai na corrente sanguínea, a succinilcolina é metabolizada pela
pseudocolinesterase. Para tornar sensível novamente? É questão de tempo. 5min depois estes
receptores adquirem novamente sua sensibilidade normal à Ach. Se eu aplicar um anticolinesterásico
durante a fase I? Agrava o bloqueio. E durante a fase II? Reverte o bloqueio. E no bloqueio
competitivo? Reverte o bloqueio.

Bloqueadores Neuromusculares – Classificação quanto à duração de efeito clínico


Classe Duração Exemplos
I Ultra-curta Succinilcolina
II Curta (15-20min) Mivacúrio
III Intermediário Atracúrio, vecurônio
IV Longa (40-60min) Pancurônio

#Succinilcolina: uso para procedimentos rápidos. Entubação do paciente, por exemplo.

APLICAÇÕES CLÍNICAS

- Entubação traqueal. Para entubar o paciente, por exemplo, é bastante útil. O masseter é muito
potente, de modo que se não curarizar o paciente, fica muito difícil.

- Cirurgias. Cirurgias abdominais, por exemplo, necessitam que a musculatura abdominal esteja
flácida. Por isso os bloqueadores neuromusculares são importante. Neurocirurgia, a mesma coisa. É
preciso relaxar a musculatura para que o paciente não se mexa, uma vez que qualquer movimento
para causar alguma complicação.

- Tétano. Vai envergando o paciente e quebra a coluna. Precisa relaxar. Mas, não pode fazer
succinilcolina (porque ela é precedida por contração muscular). Se fizer, acaba quebrando mais
rápido a coluna.

- Eletroconvulsoterapia. Usado para esquizofrenias. O paciente tem uma convulsão violentíssima, e


o paciente, segundo quem aplica, volta “ao normal”. Mas você curariza o paciente, para que ele
não tenha complicações.

- Assistência ventilatória. Precisamos, muitas vezes, curarizar o paciente para melhorar a


ventilação pulmonar.

REAÇÕES ADVERSAS

- Apeia prolongada: o paciente pode ser portador de uma pseudocolinesterase atípica. E aí


demora bastante para metabolizar. Pode levar 30min, 1h para cessar o efeito. Ficar atento quando
usar succinilcolina!
- Taquicardia/Bradicardia: algumas dessas substâncias têm efeito vagal, com bradicardia e
hipotensão; outras delas causam taquicardia.
- Alergias: quase todas essas substâncias. Gera hipotensão arterial.
- Broncoespasmo
- Dores musculares: pela succinilcolina, que causa despolarização e miofasciculação. Dor no pós-
operatório e libera potássio. Jamais usar succinilcolina em paciente que tem insuficiência renal,
paciente politraumatizado, que tem grande concentração de K+. Vai parar o coração.
- Recurarização: se evita utilizando um anticolinesterásico.
- Hipertermia maligna: o indivíduo é normal, você anestesia, usa succinilcolina. A substância vai agir
num canal de reanodina mutado, libera cálcio, o paciente entra numa contratura muscular
generalizado, que leva à morte. É uma doença genética.

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