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O r d e m dos A d v o g a d o s d o Brasil

A O A B n a V o z d o s se u s P r e s i d e n t e s

R ubens A p p ro b a to M ach a d o
P residente da OAB

H e r m a n n Assis Baeta
C o o rd e n a d o r
1

V A i
________ H i s t ó r i a da
O r d e m dos A d v og a do s do Brasil
A OAB na Voz dos seus Presidentes
H istória da O rd e m dos Advogados d o Brasil; A O A B na v o z d o s seus p r e s id e n te s

C o p y rig h t C 2003, O A B - O rd e m dos A dvogados d o Brasil


SAS Q u a d ra 5 B lo c o M L o t e i E difício Sedo da O A B
70 0 7 0 -9 3 9 Brasília DF

Todos os direitos reservados. A reprod ução n ã o-au toriza da desta p u b lic a ç ã o ,


no (odo o u em parte, con s titu i v io la ç ã o de direitos a u tor ais. (Lei n“ 5.988)

r Edição • 2003

C o o r d e n a ç ã o g e s a i cw c o l e ç ã o
H erm ann Assis Baeta

CO NSULTORIA
M a rly Silva da M o tta - d o u to ra em história/UFF e p e s quisad ora/C P D O C -F C V

E N m y is T A S
M a rly M otta, A ndré Dantas e C a b rie la N e p o m u c e n o

E D ÍÇ Ã Q DE TEXTO, PESQUISA E REDAÇÃO DE NOTAS


A ndré V ianna Dantas (bacharel em H istória/U FF
e m estrando em M e m ó ria Social c D o c u m e n to /U N IR IO )

T r a n s c r i ç ã o d a s e n t r e v is t a s
C láudia Peçanha da T rindad e

C o n s e l h o C o n s u l t iv o
Rubens A p p ro b a te M a c h a d o - Presidente da O A B / CF
Ivan A lk im in - Presidente d o lAB
H erm a n n Assis Baeta - C oorden ador - P rojeto H is tó ria da O AB
Josó G e ra ld o de Sousa Júnior - A dvog ado
A nna M a ria B ia n c h in i Baeta - Pedagoga

Projeto gráfico, capa e diag ram ação:


Studio Cream crackers

D ados Internacionais de C atalo gaçã o-na -pu blicação (CIP)


Elaborada pela B ib liotecá ria M a ria H elena de A m o rim CRB M /0 1 8

H istória da O rd e m dos A dvogados d o Brasil /


H 673 H erm ann Assis Baeta, coo rden ado r. - Brasília :
O A B -E d.,2003
V. 7

C onteúdo : v.7. A O A B na voz dos seus presidentes


l M a rly Silva da M o tta

1, O rd e m dos Advogados d o Brasil - H istória


2. Advogados - Brasil - Im p ério 1. Baeta, H erm a n n Assis

C D D -1 8 .e d ,
34 0.06081
H i s t ó r i a da
O r d e m dos A d v o g a d o s do Brasil
A OAB na Voz dos seus Presidentes

Diretoria da Ordem dos Advogados do Brasil

Rubens A p p ro b a to M a c h a d o - Presidente
R oberto A n to n io Busato Vice-Presidente
-

G ilb e rto Gomes Secretário-Gerai


-

Sergio Ferraz Secretário-Ceral A d ju n to


-

Esdras Dantas de Souza Diretor-Tesoureiro


-
A AUTORA

M a rly Silva da M o tta

P e sq u isa d o ra d o C e n tro de P esquisa e D o c u m e n ta ç ã o de H istó ria


C ontem porânea do Brasil (C PD O C ) da Fundação Getulio Vargas e professora
da Escola de Econom ia da Fundação Getulio Vargas. D outora em História Social
pela Universidade Federal Fluminense. Publicou livros e capítulos de livros,
destacan d o -se A nação fa z cem anos: a questão nacional no centenário da
independência (1992); “Economistas; intelectuais, burocratas ou ‘mágicos’?”, in
A ngela de C astro G o m es (o rg .), Engenheiros e economistas: novas elites
burocráticas (1992); Saudades da Guanabara: o campo político da cidade do Rio
de Janeiro (1960-75 (2000); Rio de Janeiro: de cidade-capital a estado da
Guanabara (2001); A m érico Freire, M arly M otta e Carlos E duardo Sarm ento
(orgs.), Um estado em questão: 05 25 anos do Rio de Janeiro (2001). Publicou
ainda, entre outros, os seguintes artigos: “Frente e verso d a política carioca: o
lacerdism o e o chaguism o”, in Estudos Históricos (1999); “O relato biográfico
com o fonte para a história”, in Vydia (2000); “Carism a, m em ó ria e cultura
política: Carlos Lacerda e Leonel Brizola na política do Rio de Janeiro”, in Locus
SUMÁRIO

Prefácio_______________________________________________________________7

Apresentação _________________________________________________________ 9

In tro d u ção ___________________________________________________________13

Laudo de Almeida Camargo_____________________________________________27

José Cavalcanti Neves__________________________________________________ 39

Caio Mário da Silva Pereira_____________________________________________57

Eduardo Seabra Fagundes______________________________________________ 69

Bernardo Cabral_____________________________________________________ 109

Mário Sérgio Duarte Garcia____________________________________________ 127

Hermann Assis B aeta_________________________________________________ 157

Márcio Thomaz Bastos________________________________________________ 191

Ophir Filgueiras Cavalcante 211


______________ Hístóda da
Ordem dos Advogados do Brasil

Marcello Lavenère Machado __________________________________________ 223

José Roberto B atochio________________________________________________ 243

Ernando Uchoa Lim a_________________________________________________ 267

Reginaldo Oscar de Castro_____________________________________________297

Rubens Approbate M achado___________________________________________323

índice Onomástico___________________________________________________ 347

9à»
V o lu m e , \ O A l i iici VO/ (lo s s i'll'. I ' n ' s i c k ’ iitc s

PREFÁCIO

Este volum e de história oral encerra a Coleção destinada à HISTÓRIA DA


ORDEM DOS ADVOGADOS D O BRASIL. D enom inado n«7-A OAB NA VOZ
DOS SEUS PRESIDENTES, este livro tem duas características, que se com pletam
e se harm onizam : a) é o últim o d a Coleção, que certam ente será reto m ad a no
fu tu ro ; e b) tra z ao c o n h e c im e n to p ú b lic o o p e n s a m e n to , a aç ão e o
envolvimento dos Presidentes em fatos e acontecim entos relevantes e marcantes
da sociedade brasileira, no período de 1969 a 2003.
C om o não é difícil observar, é u m com pêndio que se destacará n o conjunto
da obra, elim inando dúvidas, preenchendo lacunas e inform ando sobre questões
internas da nossa instituição e n o que respeita à participação da O rdem dos
Advogados na sociedade civil e política do Brasil
O s P re s id e n te s d e c la ra ra m em su as e n tre v ista s o q u e q u is e ra m e
e n te n d e r a m , sem n e n h u m c o n s tra n g im e n to , e, p o r isso m e s m o , seus
pensam entos e conceitos poderão contribuir eficazmente para a com preensão
de aspectos ainda não devidam ente estudados e para o aclaram ento de fatos
que geraram feridas sociais ainda não cicatrizadas.
U m fato im p o rtan te a considerar é a sua co n te m p o ran eid a d e, pois todos
os entrevistados se encontram vivos e atuantes, cada u m a seu m odo, nas esferas
sociais em que se encontram integrados.
P o r estas razões, sinto-m e satisfeito p o r ter contribuído com este trabalho
para nossa reflexão atual, dela extraindo lições para o presente e o futuro de
nossa instituição.
A história é a nossa m ãe m aio r - a m ais isenta e verdadeira, porque,
queiram os ou não, ela traz à to n a os nossos predicados e virtudes, os nossos
erros e defeitos. Se tiverm os a disciplina e a honestidade de não fechar os olhos

#àm 7
______________ História_da
Ordem dos Advogados do Brasil

para o que fizemos erroneam ente, só terem os a lucrar, a nos engrandecer


e a nos fortalecer, e, por conseqüência, to rn ar mais forte, conceituada e respeitada
a nossa instituição: a ORDEM DOS ADVOGADOS D O BRASIL.
P erm ita D eus que os ensinam entos q u e ex trairm o s deste livro sejam
eficazes, abram m ais os nossos olhos e ilum inem os nossos cam inhos!

Rubens A pprobate M achado


Presidente Nacional da OAB

8 9ÁB
V o iiin ic A (,)A B n,i v o x f l o s s ens I’ l C s i f l t ’ iUes

APRESENTAÇÃO

Este volum e traz a público a palavra viva dos Presidentes da O rdem dos
Advogados d o Brasil n u m do s p erío do s m ais d ra m á tic o s e com plexos da
sociedade brasileira.
A OAB N A V O Z D O S SEUS PRESlDENTESé u m livro n o qual se adotou
a m etodologia da história oral, integrado por quatorze entrevistas dos dirigentes
do C onselho Federal que exerceram suas funções de 1969 até a presente data.
Trata-se de um a fase histórica das mais ricas e controvertidas, porque nela se
verifica u m período de inquestionável poder autoritário e repressor, seguido de
descompressão política e social e de construção do Estado Democrático de Direito.
As entrevistas seguem a ordem tem poral do exercício do m an d ato de cada
Presidente, partin d o -se do m ais antigo até o atual, o qual concluirá sua gestão
em 31/01/2004, com o se verá a seguir: Laudo de Alm eida C am argo (1969/
1971); José Cavalcanti Neves (1971/1973); Caio M ário da Silva Pereira (1975/
1977); E duardo Seabra Fagundes (1979/1981); José B ernardo C abral (1981/
1983); M ário Sérgio D uarte Garcia (1983/1985); H e rm an n Assis Baeta (1985/
1987); M árcio T h o m az Bastos (1987/1989); O p h ir Filgueiras Cavalcante (1989/
1991); Marcello Lavenère M achado (1991/1993), José R oberto Batochio (1993/
1995); E rnando U choa U m a (1995/1998); Reginaldo O scar de Castro (1998/
2001); Rubens A pprobate M achado (2001/2004).
Lam entam os m uito não constar deste livro entrevista de autoria do saudoso
Presidente José Ribeiro de Castro Filho, que exerceu a presidência da O rdem de
1973/1975. Ribeiro de Castro foi u m notável Presidente e cum priu integralm ente
seu m an d ato n u m p erío d o de d u ra repressão. H o m em valente, corajoso e
independente não se curvava diante do autoritarism o. M uitas vêzes se dirigiu

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______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

pessoalmente aos quartéis e às prisões em busca de colegas presos, desaparecidos


e perseguidos ou para requerer inform ações sobre eles. Exemplo eloqüente é o
caso de losé Carlos Brandão M onteiro, inscrito na OAB/RJ, que foi em sua
com panhia ao C om ando do 1®Exército para entendim entos com o Com andante
por encontrar-se im pedido de locomover-se livremente. Ribeiro de Castro obteve
do então C om andante providências em torno da liberdade de Brandão Monteiro.
O utro caso digno de referência diz respeito a Jayme Amorim Miranda, inscrito
na OAB/AL, do qual não se sabia o paradeiro. Ribeiro de Castro se dirigiu várias
vêzes ao com ando do 1" Exército conduzindo fotografias oriundas de Alagoas, de
várias situações, no intuito de localizar o desaparecido. É certo que esse trabalho foi
infrutífero, visto que até hoje não se encontrou nenhum vestígio do corpo do ilustre
colega. Mas valeram o esforço, a persistência e a abnegação de Ribeiro de Castro.
E, finalm ente, o famoso episódio do advogado crim inalista H enrique
C intra Ferreira de Ornellas, inscrito na OAB/PR, que, segundo as inform ações
da época, teria sido assassinado no cárcere, em b o ra a notícia divulgada na
im prensa tenha dado a versão de suicídio. Ribeiro de Castro chegou a p o n to de
fretar um a aeronave a fim de que conselheiros federais fossem assistir ao enterro
de O rnellas, na cidade de A rapongas, no n o rte do Estado do Paraná. No
cemitério, Araújo Lima, orad o r eloqüente e consagrado. Conselheiro Federal
pelo Estado do A m azonas, subiu no tú m u lo vizinho ao do m o rto e proferiu u m
veem ente discurso de pesar, de d en ú n c ia do fato, e de co nclam ação pelo
restabelecim ento do Estado de Direito. O próprio Araújo Lima contou que, ao
sair do cemitério, três estudantes de Direito o pro cu raram para cu m p rim en tá-
lo e agradecê-lo pelo estím ulo de independência e resistência e disseram-lhe
que, a p artir daquele dia, iriam reconsiderar a intenção de desistir do curso de
D ireito n o qual estavam m atriculados, em face da desilusão decorrente da
ilegalidade e arbitrariedade que grassavam no Pais.
Sentimos tam bém a impossibilidade de obter-se entrevista do em inente
Presidente R aym undo Faoro {1977/1979). Esperam os m ais de u m ano, após o
início da execução deste projeto, em razão da grave doença q u e o im pedia de
transm itir, de viva voz, suas ações, atos praticados e fatos acontecidos durante
sua gestão; e bem assim os fundam entos filosóficos, jurídicos e doutrinários
que em basaram e nortearam sua ação na presidência da Instituição, enquanto
ator social privilegiado, no referido m om ento histórico. Isto po rq u e Raim undo
Faoro foi u m g ra n d e lu ta d o r pelo restabelecim ento das p rerro g ativ as da
advocacia e dos predicam entos da m agistratura, pela restauração do Habeas-

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V o lu m e 7 A O A B n a v o z d o s s e u s P r e s id e n te s

Corpus, contra a to rtu ra e pela anistia aos presos e perseguidos políticos e


principalm ente pela restauração do Estado de Direito, sem o qual essas garantias
e prerrogativas seriam impraticáveis.
Dizem que Geisel teria perguntado a Faoro:
— Q ue fazer para acabar com a tortura?
— Restabelecer-se o Habeas Corpus, respondera Faoro.
É pena não ter sido possível entrevistar-se Faoro para este livro. Teremos,
no entanto, de compilar, em breve, suas mensagens proferidas o u expedidas no
exercício do m andato de Presidente da O rdem dos Advogados do Brasil.
Não foi possível, ainda, entrevistar o nosso Presidente Alberto Barreto de Mello
(1965/1967), pelo fato de encontrar-se acometido de grave doença e recolhido a seu
lar sem a mínim a possibilidade de manifestar-se e locomover-se. Barreto de Mello
foi um Presidente que prestou im portantes serviços à Ordem dos Advogados, um a
vez que exerceu vários mandatos como dirigente, culminando com o de Presidente.
Por esta razão, teria m uito para nos dizer sobre os fatos e acontecimentos ocorridos
durante o exercício desses mandatos, os quais certamente iriam reforçar e aclarar o
nosso conhecimento sobre a estrutura orgânico-administrativa e evolução político-
institucional da O rdem dos Advogados.
Em bora não se im agine o contrário, cum pre enfatizar que as entrevistas
aqui publicadas foram realizadas sem constrangim ento o u pressão aos ilustres
entrevistados, de form a que todos se postaram à vontade e livres para responder
e inform ar o que estivesse de acordo com suas consciências.
Im põe-se reconhecer que a entrevistadora M arly da Silva M otta p o rto u -
se com com petência, discernim ento, prudência e paciência na execução das
tarefas que lhe foram atribuídas, apresentando um trabalho de alta qualificação
no conjunto do Projeto da História da O rdem dos Advogados d o Brasil.
Por fim, p e rm ita m -m e afirm ar que todas as entrevistas, sem exceção,
geraram um m anancial de tem as e idéias que poderão servir de base a pesquisas,
estudos e reflexões, não só para com preender-se a am plitude das funções da
OAB co m o in stitu ição sui-generis da sociedade civil, m as ta m b é m com o
contribuição para análise e conhecim ento do estágio atual da p ró p ria sociedade
e do Estado nacional brasileiro.

H erm ann Assis Baeta


C ordenador

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______________ História da.
Ordem dos Advogados do Brasil

12 QàM
V o k in ic 7 \ ( ) A I 1 n.t \ ( ) z cl()<. s c iis I’ rc s i c l c n t f S

INTRO DUÇ ÃO
A O R D E M D O S A D V O G A D O S D O BRASIL:
ENTRE A C O R P O R A Ç Ã O E A IN S T IT U IÇ Ã O

A decisão de destinar u m dos volumes da coleção sobre a história da O rdem


dos Advogados do Brasil à publicação de entrevistas com o atual presidente e
13 de seus ex-presidentes resultou, sem dúvida, da crescente percepção da
im portância da metodologia da história oral no cam po da história das instituições
e o rg an izaçõ es. P o d e-se até a firm a r q u e a su sp eição a n te rio r q u a n to à
confiabilidade desse tipo de fonte foi sendo gradualm ente su b stituída pela
avaliação p o sitiv a d e u m m éto d o cujo m érito , d e n tre o u tro s , d eriv a da
possibilidade de “reviver” fatos n ão con tem plad o s nos reg istro s escritos,
to rn an d o possível o acesso a aspectos pouco esclarecidos p o r essa docum entação
“tradicional”, em geral econôm ica no trato do que se costum a cham ar de cultura
institucional, o u seja, o conjunto de valores e representações que constrói a
identidade de u m a instituição. Ao m esm o tempo, as entrevistas não só recolocam
em cena o indivíduo co m o ato r histórico legítimo, m as tam b ém fornecem
indicações im portantes acerca das suas relações com as variáveis condicionantes
do contexto histórico, em seus vários graus de equilíbrio entre a liberdade e o
cerceam ento das ações.
O riginada do antigo Instituto dos Advogados Brasileiros, criado em
1843, a OAB ocupa u m lugar ím p ar no conjunto das entidades representativas
de categorias profissionais n o Brasil. Nascida em novem bro de 1930, foi filha
do seu tem po, u m a vez que, n a qualidade de órgão corporativo, teve com o objetivo
principal “selecionar e disciplinar” os advogados. Para tanto, foi fundam ental
conquistar o p oder de chancelar o exercício da advocacia, condicionando a
atuação profissional dos bacharéis à admissão prévia na corporação. No entanto,
u m controle mais efetivo sobre este ingresso exigia que a O rdem dispusesse de

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______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

in stru m en to s próprios de avaliação. Não por acaso, o Exam e de Ordem aparece


na fala de b o a parte dos entrevistados com o u m dos elem entos indispensáveis à
afirm ação da OAB com o avalista da qualidade profissional dos advogados.
Porém , se a avaliação final do bacharel, depois de form ado, fica a cargo da
instituição, o processo de sua form ação encontra-se em outras mãos. Daí a
constante preocupação manifestada de m aneira p raticam ente u n ân im e pelos
entrevistados, em relação à expansão dos cursos jurídicos que, segundo o que
avaliam, vem sendo acom panhada de u m a crescente queda n a qualidade do
en sin o m in istrad o . Nesse sentido, a criação, pela p ró p ria OAB, da Escola
Nacional de Advocacia, ainda que enaltecida com o u m possível “rem édio” para
os males dessa form ação deficiente, não elimina a disputa com o M inistério da
Educação pelo direito de em itir o veredicto de aprovação o u reprovação dos
cursos de direito existentes e a serem criados. Iniciativas com o a criação do selo
“OAB Recom enda”, a ser “colado” nos cursos avaliados positivam ente, são
certam ente algum as de suas arm as n a luta pelo controle do cam po do saber
jurídico no país.
A atuação corporativa d a OAB se faz igualm ente em direção à inserção
profissional do s advogados, cuja carreira teve seu perfil m o d ificad o pelas
transform ações que se operaram n o quadro socioeconôm ico do Brasil. A rápida
e expressiva expansão do n ú m ero de bacharéis em direito, em b o a m edida
dirigidos para atender a u m a crescente dem anda p o r parte de em presas públicas
e privadas, m arcou a passagem do predom ínio do profissional liberal para o
assalariado.
O increm ento dessa vertente “corporativo-profissional” trouxe algum as
questões delicadas para a OAB, configuradas nas várias tentativas feitas pelo
M inistério do Trabalho para enquadrá-la com o u m órgão profissional igual
aos demais. As entrevistas deixam transparecer o tom indignado com que a
O rdem reagiu às iniciativas do regim e m ilitar de esvaziar o poder que lhe cabia
com o órgão m onopolista da representação dos advogados. Em 1970, conseguiu
fru stra r a in ten ção d o governo M édici d e co b rar o im p o sto sindical aos
advogados, a despeito da existência de um a lei que dispensava deste recolhimento
os profissionais que tivessem pagado a contribuição à O rdem . Em 1976,durante
o governo Geisel, rejeitou a representação do procurador-geral da República
p o r não ter subm etido suas finanças ao Tribunal de C ontas d a União. Pelos
d epoim entos percebe-se que a argum entação contrária ao en q u ad ram en to da
OAB com o u m a “simples corporação” se sustenta sobre dois p on to s básicos: o

14
V o lu m e / A ( M l ) I I . I \ ' ( ) / ( l o s s ( 'U S P r e s id e n te s

direito à au to n o m ia e a m otivação política que, de fato, estaria o rien tan d o as


ações do governo. Isto talvez nos perm ita concluir que, m ais do que apenas
u m a co rp o ração - co m o as de engenheiros e de m édicos a O rd e m dos
Advogados do Brasil é um a instituição.
Pode-se a trib u ir a razões históricas o lugar especial q u e o ó rg ão de
representação dos advogados ocupa na sociedade brasileira. Em seu livro A
construção da ordem: a elite política imperial (1980), o histo riad o r José M urilo
de C arvalho desenvolve u m m inucioso estudo sobre o papel fu n d am en tal que
os bacharéis de direito tiveram n a form ação do Estado im perial. Períodos de
refluxo p u d eram ser suplantados p o r outros em que a O rdem foi reconhecida e
referendada com o u m a das m ais im portantes instituições d a sociedade civil
brasileira. Esse foi certam ente o caso do período do regim e m ilitar, qu an do se
to rn o u , ju n to com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a
Associação Brasileira de Im prensa (ABI), u m dos principais baluartes d a luta
em favor da abertura política e do restabelecim ento pleno das prerrogativas do
Estado de direito. O u ain d a em 1992, quan d o foi u m dos m ais im portantes
pólos d a m obilização política e social que acabou resultando n o processo de
im peachm ent do presidente Collor.
Especialm ente relevante foi ainda a participação da OAB n o processo
constituinte, com o pode ser conferido nas entrevistas de H e rm a n n Baeta e
M árcio T h o m az Bastos. O resultado dessa participação foi altam ente positivo.
Em prim eiro lugar, porque assegurou visibilidade política à atuação d a O rdem ,
depois de encerrada a fase m ais aguda d a luta pela im plantação d o Estado de
direito. D epois, p o rq u e m u ita s de suas reivindicações e sugestões fo ram
incorporadas ao texto constitucional, a com eçar pelo artigo 133, que afirm a ser
o advogado indispensável à adm inistração da lustiça.
O en ten d im en to de que “sem advogado não h á justiça” é a base sobre a
qual se sustenta o p o n to de vista, com partilhado p o r vários dos entrevistados,
de que a advocacia é parte do Poder Judiciário. Essa seria u m a das explicações
possíveis para a trajetória diferenciada da OAB depois do fim d o regim e militar,
se com parada às outras duas instituições citadas. A verdade é que, livre das
restrições determ inadas pela rígida hierarquia d a Igreja Católica, o u ainda, da
extrem ada identificação com a figura dos seus presidentes, pôde a O rdem m anter
inalterada a posição de representante privilegiada da sociedade civil,
O fato de a figura do presidente não possuir, na O rdem , o m esm o peso
que a do d r. Barbosa Lima Sobrinho teve para a ABI, p o r exemplo, não resulta,

15
_____________ Históik àã.
Ordem dos Advogados do Brasil

certam ente, que os titulares da presidência do C onselho Federal ten h am sido,


o u sejam, estrelas de segunda grandeza. Ao contrário. Reside aí, justam ente, ao
que parece, a força da instituição. N ão é à toa que o co njunto das 14 entrevistas
co n stitu i-se em fonte insubstituível para aqueles que q u erem e n te n d er a
trajetória da O rd em nessas últim as quatro décadas.
São elem entos fundam entais da cultura de u m a instituição os critérios de
revezam ento de seus cargos de co m an d o , b e m co m o os p o d eres q u e são
atribuídos - e efetivamente exercidos - àqueles que alçam a esses cargos. Em
o u tras palavras, h á o u não possibilidade de reeleição dos dirigentes? Se aposta
n a identificação entre história pessoal e história institucional, co m o foi o caso
d a ABI com Barbosa Lima Sobrinho, ou, ao contrário, prefere-se su b o rd in ar os
indivíduos à m arca institucional?
As entrevistas contidas nesse livro ajudam a entender a opção feita pela
O rdem no sentido de evitar a possibilidade de sobreposição entre a figura do
presidente e a instituição. O m om ento-chave dessa opção p o d e ser m ais bem
com preendido p o r meio da leitura da entrevista do dr. José Cavalcanti Neves,
cuja reeleição, praticam ente assegurada, acabou sendo frustrada, m enos por
u m a avaliação de m érito pessoal, e mais p o r um a decisão q u e se ligou ao perfil
institucional que a O rdem desejava construir.
R etom em os a questão, anteriorm ente anunciada, dos poderes atribuídos
a e exercidos pela presidência d o C onselho Federal da OAB. O u seja, em que
m edida pode o presidente im p o r - ou não - o seu p ró p rio estilo ao m o d o de
atu ar da OAB? No fundo, o que está em jogo é a m argem de negociação entre a
liberdade de agir do indivíduo e os constrangim entos d ad o s pelos padrões
definidores de u m a determ inada identidade institucional. As tensões oriundas
dessa difícil negociação entre aquilo que o “presidente q u e r” e o que a “O rdem
p erm ite” transparecem com clareza na observação do dr. R oberto Batochio,
aliás co m p artilh ad a p o r p raticam ente to d o s os entrevistados: a cadeira da
presidência da OAB, m ercê de u m “fenôm eno m ágico”, se encarregaria de
tran sm itir ao seu ocupante o “legado dos antecedentes”.
Claro está - e os depoim entos são m uito reveladores - que o “estilo” pessoal
de cada presidente, p o r sua vez, influenciou o tipo de atuação da O rdem . Desse
m odo, pode-se atrib u ir o to m forte d a ação p o lítico-institucional d a OAB
d u ra n te as gestões de E duardo Seabra Fagundes (1979-81), de M ário Sérgio
D u arte (1983-85) e de H erm an n Baeta (1985-87) n ão só às inflexões políticas
daquele perío d o - abertura e transição dem ocrática - , m as sob retu d o à aposta

16 9àM
V o lu m e 7 A O A B n a v o z cios s eus P ri-s iflcntí,'^

que fizeram no intuito de colocar a instituição que presidiam na linha de frente


do debate político. O argum ento ganha consistência n a m edida em que, nessa
m esm a co njuntura, a gestão de B ernardo Cabral (1981-83) foi m arcada por
u m a acentuada preocupação com questões ligadas ao interesse da O rdem com o
corporação: m aio r controle sobre a qualidade do ensino jurídico e a expansão
dos cursos de direito, dentre outras.
Sabemos que a escolha do presidente é u m m o m en to decisivo d a história
das instituições. Por isso mesmo, u m a das chaves para se entender a cultura
institucional da OAB é a análise do processo de indicação de seus presidentes.
C om o não podia deixar de ser, a competição sempre esteve presente, pautada, é
certo, p o r alguns p a râ m e tro s prévios. As entrevistas no s m o s tra m q u e a
ex p eriência a d q u irid a n a p resid ên cia de seccionais, o u a in d a a vivência
acum ulada em cargos no Conselho Federal - especialmente os de vice-presidente
e secretário-geral - se constituíam em um a espécie de bilhete de en trad a para o
clube dos presidenciáveis. Elas ain d a revelam u m a certa altern ân cia entre
m om entos em que essa competição beirou o conflito, inclusive com repercussões
para o público externo, através d a m ídia, e ou tro s, em que o processo se
encam in h o u para u m consenso e, até m esm o, para u m acerto futuro.
Igualm ente im p o rtan te é o processo de renovação dos quadros de um a
instituição, o que, no caso da OAB, se deu no bojo da transferência da sede da
entidade do Rio de Janeiro para Brasília. C om o em todo processo desse tipo, as
opiniões são contraditórias na m edida em que mexem com estruturas de poder
d entro da instituição. Uma leitura atenta dos argum entos a favor e co n tra a
m udança da sede perm ite se observar que, mais do que um a m udança geográfica,
0 que ocorreu foi u m a reorganização da O rdem em term os sociais, regionais e
geracionais. No lugar dos “velhos m edalhões do Rio de Janeiro”, a antiga cabeça
da nação, to m aram assento os advogados dos estados, com acesso m ais fácil e
rápido a Brasília.
As 14 entrevistas, realizadas entre maio de 2002 e agosto de 2003, estão sendo
apresentadas em ordem cronológica, do dr. Laudo Cam argo (1969-71) ao dr.
Rubens Approbato. Dois ex-presidentes - José Ribeiro de Castro (1973-75) e
Raym undo Faoro (1977-79) - , por razões que todos conhecem, ainda que não
assinem depoim entos integrais, se fazem ouvir pelas vozes dos entrevistados como
referências indispensáveis à compreensão da história da OAB nesse período.
Ciente do papel fundam ental que a O rdem , como instituição da sociedade
civil, ocu po u e o cupa no panoram a político brasileiro, n ão é exagero afirm ar

•Al 77
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

que 0 leitor en co n trará nessas entrevistas m u ito m ais do que u m a simples


história da entidade dos advogados. Os relatos de Laudo Cam argo, José Neves e
Caio M ário da Silva Pereira nos apresentarão, p o r ângulos talvez pouco vistos,
o enfrentam ento dos duros anos de chum bo da ditadura militar, especialmente
após a decretação do AI-5. Ê interessante observar com o até m esm o a m em ória
do apoio da O rdem ao golpe m ilitar de 64, até então “apagada” pela sua atuação
decisiva em prol da volta do Estado de direito nos anos 70, volta à tona n a fala
corajosa do d r. José Neves.
As idas e vindas dos processos de abertura e de redem ocratização emergem
do s d e p o im e n to s de Seabra F agundes, B ern a rd o C ab ra l e M ário Sérgio,
abrangendo u m dos períodos mais tensos da história republicana: o que vai da
anistia e da reorganização partidária, passando pela eleição dos governadores,
pela cam p an h a das Diretas-Já e pela eleição de Tancredo Neves, ao início da
Nova República, com José Sarney. Foi aí tam b ém que a O rd em sentiu na carne
o h o rro r d o terrorism o que pretendia b arrar o avanço da abertura. Nas palavras
em ocionadas de Seabra Fagundes, a lem brança de u m m o m en to decisivo para
a dem ocracia brasileira: o atentado à sede da OAB e a m o rte de dona Lyda
M onteiro, a n 1980. Sentimentos diferentes p o n tu am as entrevistas de Bernardo
Cabral e M ário Sérgio: a preocupação com o futuro d a dem ocracia depois do
atentado n o Riocentro em 1981, e a frustração com a d erro ta da Diretas-Já,
q uan d o a OAB o ptou por ir para as ruas.
Pode-se tom ar essa “ida para as ruas” em u m sentido mais amplo, significando
0 engajam ento da OAB nas questões sociais, em especial n o explosivo terreno da
reform a agrária. O depoim ento do dr. H erm an n Baeta sobre as várias visitas que
fez à região cham ada de Bico do Papagaio (M aranhão-Pará-Goiás), principal
centro do conflito de terras no país, conduz o leitor a u m universo onde norm as
elementares de convivência são deixadas ao arbítrio da violência e do m andonism o
local, com a conivência de autoridades estaduais e federais.
A OAB tam b ém se fez presente nos gabinetes de parlam entares onde o
tem a do dia era a C o n stitu in te. A pesar de d e rro ta d a em sua p ro p o sta de
“C onstituinte exclusiva”, a O rdem teve um a participação extrem am ente ativa
no processo de elaboração da C arta Constitucional de 1988. Os cam inhos e os
m eandros dessa participação, que envolveu u m alto grau de po d er de negociação,
estão bem desenhados na entrevista do dr. M árcio T h o m az Bastos.
A volta das eleições diretas para presidente da República em 1989 abriu
u m dos períodos mais contraditórios da vida política brasileira: p o r u m lado, a

18 màM
V o lu m e 7 A Ü A I ) n.i v o x (lo s SOLIS f’ re s iilc n tc s

perspectiva de retom ada pelo eleitorado brasileiro, seu verdadeiro detentor, do


p o d er de escolher o seu governante m áxim o; p o r o utro, a decepção com as
m edidas arbitrárias adotadas pelo presidente Collor logo após a sua posse, em
m arço de 1990. C o m o nos conta o dr. O phir Cavalcante, a via jurídica, através
do uso do instituto da Ação D ireta de Inconstitucionalidade (Adin), foi a form a
escolhida pela O rd e m p a ra reagir aos abusos flagrantes p e rp e tra d o s pelo
cham ado Plano Collor.
A perplexidade inicial com o furacão Collor foi sendo su bstitu íd a pela
indignação com as denúncias de corrupção contra o governo, em especial contra
o cham ado esquem a PC Farias. A possibilidade de decretação do im peachm ent
do presidente, vista até m esm o por influentes jornalistas políticos com o “u m
sonho de u m a noite de verão”, foi se to rn an d o cada dia m ais plausível n a m edida
em que crescia a m obilização política e social. O depoim ento d o dr. M arcelo
Lavenère, então presidente da O rdem , é fonte fundam ental para a com preensão
desse processo “por den tro ”. É o relato de quem viveu os sobressaltos do dia-a-
dia de u m processo que todos sabiam com o havia com eçado, m as cujo fim era
u m a incógnita.
O fortalecim ento das instituições dem ocráticas do país, depois do difícil
teste de resistência a que foram subm etidas, abriu cam inho para u m a série de
m edidas o riundas do Executivo com o objetivo de d ar u m novo form ato ao
tradicional aparato estatal brasileiro. Iniciadas no governo de Itam ar Franco
(1993-4), e aceleradas ao longo dos dois m an d ato s de F ernando H enrique
C ardoso (1995-2002), as cham adas “reformas” foram com batidas pela OAB,
especialm ente as que visavam a privatizar algum as atividades e serviços antes
controlados/m onopolizados pelo Estado. Por ou tro lado, o uso das m edidas
provisórias com o form a de “agilizar” o processo legislativo m ereceu m ais do
que críticas severas. As entrevistas de R oberto Batochio, E rn an d o U choa e
Reginaldo de C astro são ricas n a análise dos eventos que levaram a O rdem a
constantes choques com o Executivo.
Hoje, com o se poderá ver na entrevista de seu atual presidente, dr. Rubens
A pprobate, a OAB se coloca n o centro d o debate de duas questões, intim am ente
ligadas, que particularm ente m obilizam o país: a reform a do Poder Judiciário e
a luta contra o crim e organizado. Novas bandeiras de luta, n o entanto, não
deverão abalar o firme propósito de, para além da dim ensão particular de órgão
representativo dos advogados, m anter-se a O rdem com o u m a das principais
instituições da sociedade civil no Brasil.

•A B 79
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Feitas as devidas apresentações, cabe-nos ainda algum as considerações de


ordem teórica e metodológica, sem as quais não terá o leitor a m edida da relação
com plexa que se estabelece entre entrevistador e entrevistado, ante o “contrato”
prévio acertado entre as partes. A parentem ente sim ples e objetivo, este prevê,
no çntanto, limites m ais o u menos rígidos que têm em conta a procedência e a
sensibilidade do en trevistado r n a abordagem dos tem as, a ressonância da
participação do entrevistado nos eventos históricos a serem tratados, a possível
repercussão e o destino futuro do depoim ento e, fundam entalm ente, o grau de
cum plicidade criado ou de estranham ento m an tid o entre u m e outro.
Toda “fala” constrói o seu sentido n a troca, n o diálogo, entre interlocutores
que p o d em estar em pé de igualdade ou dispostos em degraus hierárquicos
distintos. No tipo de diálogo que caracteriza u m a entrevista ocorre u m aparente
paradoxo: o entrevistado, que detém a prim azia da palavra, “fala” circunscrito
ao recorte tem p o ral e tem ático definido pelo entrevistador. N o en tan to , o
paradoxo é aparente porque esta tensão constitui-se m u ito m ais em um processo
de constante negociação do que propriam ente n u m a contradição. N em sempre
o entrevistado diz o que o entrevistador q u er ouvir, co m o nem sem pre o
entrevistador perg u n ta o que o entrevistado quer responder.
Esta relação de po d er a todo tem p o m ed id a e testada estabelece entre
entrevistador e entrevistado u m a hierarquia cam biante, que ora pende para
u m lado e ora pende para o outro, m antendo sem pre algum nível de equilíbrio.
Isto nos perm ite tirar duas conclusões: a) o entrevistado, ainda que necessite de
estím ulo para pro n u n ciar a sua “fala”, não atua, necessariam ente, com o mero
“rebatedor” das questões do entrevistador, podendo interferir na definição dos
ru m o s da entrevista ou até m esm o alterá-los integralm ente; b) o entrevistador,
na m edida em que encam inha, direciona e burila a “conversa” e o form ato final
do depoim ento, exerce um papel de co-autoria n a reconstrução das m em órias
revisitadas pelo entrevistado.
Nesse ponto, é válido que aprofundem os u m pouco a definição do conceito
de m em ória, dentro do cam po das Ciências Sociais, para que não a reduzam os
a u m a m era faculdade m ental, aleatória, casual, desprovida de determ inações
externas ao indivíduo. Foi em 1925 que o sociólogo francês Maurice Halbwachs,
em trabalho que se to rn o u referência fundam ental para o estudo do tem a (A
memória coletiva), elevou a memória ao status de fenôm eno social. Desde então
foi se consolidando a noção de que para além do m ero registro individual do
passado, toda m em ória se caracteriza por ser coletiva, na m edida em que as

20
V o lu n tc , A O A B n<i V O / d o s s eus P rc s ic lc n tc s

lem branças dos eventos históricos carecem de algum a ressonância social para
que se to rn em representativos. Isto é, o indivíduo, ainda que único, constrói o
seu passado inserido em vários contextos grupais, sociais, a u m só tem po, que
vão desde a família até a nação. Com as palavras do p ró p rio autor, diríam os
que qu an d o lem bram os “n u n ca estamos sós”.
Assim considerada, po d em o s afirm ar que a m em ó ria coletiva o u social
encontra-se em constante reconstrução. Q uando lem bram os, lem bram os no
presente, de acordo com as condicionantes históricas que no s a p o n ta m as
questões a serem buscadas no passado. É dessa m aneira que se to rn a possível
entender a existência de várias memórias em disputa, de acordo com os interesses,
visões de m u n d o e posicionam entos dos grupos que as preservam o u com batem
em todos os âm bitos d a vida em sociedade.
O ofício do historiador, p o r seu tu rn o , ao m esm o tem p o em que se presta
à desconstrução de m e m ó ria s - p ro b le m a tiz a n d o -a s , re la tiv iz a n d o -a s e
precisando-as no tem p o - , ratifica parte das já existentes e inventa o u tras novas.
Em suma, história e m em ória são categorias através das quais o acesso ao passado
nos é facultado. Reside nessa problem ática, justam ente, o laço da relação entre
entrevistador e entrevistado. Assim, u m a das tarefas da história é abalar as
estruturas totalizantes e generalizadoras d a m em ória, provocando a lem brança
daquilo que a m em ó ria gostaria de “silenciar”, “apagar” o u “in terd itar”.
Todas essas questões estão presentes p o r trás d a form a final do texto que o
leitor tem agora em m ãos. Além destas, do prim eiro ao ú ltim o m ovim ento,
para que u m a entrevista chegue a b o m term o, são necessárias várias etapas de
trabalho, das quais tratarem os a seguir.
De início, u m levantamento o mais minucioso possível do contexto político,
da biografia e da atuação dos entrevistados no período a ser estudado é a prim eira
tarefa do pesquisador/entrevistador. De posse dessas inform ações, o passo
seguinte é a preparação de u m roteiro e a elaboração de questões que funcionarão
co m o a esp in h a dorsal das entrevistas. No caso do presente projeto, nossa
principal fonte foram as atas das sessões do C onselho Federal, de 1969 a 2003.
D aí em diante inicia-se o processo de negociação que vai desde a marcação
das datas e locais das entrevistas até a edição final d o texto. A entrevista,
o b v ia m e n te , é o p o n t o alto d e to d o o p ro c e s s o d e tr a b a lh o . É n ela,
fundam entalm ente, onde se define o to m de todo o trabalho fu tu ro de edição
do texto. É nela onde o pesquisador/entrevistador tem a chance de captar o
significado dos silêncios, das emoções, das indignações e das indiferenças, de

• á l 21
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

form a a estar apto, posteriorm ente, a transportá-los para o texto escrito da forma
m ais fidedigna possível.
Finda a entrevista, faz-se necessária a passagem do m aterial gravado para
a form a escrita. O trabalho de transcrição, conjugado à sua posterior conferência
de fidelidade, talvez seja, entre todos, o m ais delicado. Se ao escrivão cabe a
atenção redobrada com a vírgula que pode incrim inar ou inocentar u m acusado,
ao transcritor e ao conferente cabem, em outros term os e escala, tarefa similar.
N ão é p o r o u tro m otivo que a transcrição deve ser realizada p o r profissional
especializado e a conferência, de preferência, pelo p ró p rio entrevistador.
Tem-se então, nessa altura do trabalho, u m material b ru to que contém ,
em geral, tod o s os excessos da inform alidade que caracteriza u m a conversa,
q u an to m ais quand o a relação de confiança entre entrevistador e entrevistado
perm ite a franqueza e a descontração. A tarefa do trabalho de edição, portanto,
é justam ente estabelecer um m eio term o entre o to m coloquial da linguagem
falada e o sentido mais formal do texto escrito, en q u ad ran do o depoim ento
n u m form ato que possa ser agradável e inteligível para o leitor. >feturalmente,
com o já dissemos, este processo de “limpeza” e “en q u ad ram en to ” não é objetivo
e fi"io, m as concentra u m significativo grau de “escolhas” nas m ãos de quem
edita. Evidentemente, com o se trata dos term os finais que perpetuarão a “fala”
do entrevistado, o próprio, claro, é cham ado a opinar, tendo a prerrogativa da
palavra final.
H á u m a relação d ireta en tre o g rau de d e s p re n d im e n to co m que o
d epoim ento é concedido e a intensidade da posterior negociação em to rn o de
sua form a final. N orm alm ente, as entrevistas m arcadas pela rigidez e pelo
laconismo, onde o entrevistado, por razões que p o d em estar relacionadas desde
à sua p ouca disponibilidade de tem p o até ao seu pouco interesse ou disposição
em se expor, não carecem de m uito investimento para alcançarem o seu form ato
definitivo. Ao co n trário , nas entrevistas em q u e o to m d a fala p e rm ite a
transpiração das emoções, envolvendo impressões, nom es, críticas vigorosas e
p o r vezes denúncias, o material tende a ser mais vigoroso e passível de constantes
idas e vindas das m ãos do editor para as do entrevistado, e vice-versa. Nesse
m o m en to , então, cabe ao entrevistado o direito de su p rim ir falas que n o seu
julgam ento n ão deverão se to rn ar públicas e acrescentar o que a m em ória não
foi capaz de recordar n o m o m en to da entrevista.
Incorporadas as m udanças prom ovidas pelo entrevistado, o ato final do
trabalho de edição consiste n a pesquisa e elaboração de notas explicativas acerca

22 #à#
V 'tilu r n c r A ( ) A i i n ,i VO/ (Jos s f 'ii'’ r r ( " . i ( j r i ‘)l('s

de eventos históricos citados na entrevista, que não sejam, no julgam ento do


editor, de dom ínio público ou sobre os quais pairem divergências interpretativas.
É função das notas, ainda, inform ar referências completas de obras citadas e
fazer a rem issão interna entre as entrevistas.
O resultado de to d o esse trabalho, de m em ória, deve ser agora usufruído
da m aneira que o leitor julgar m ais proveitosa. As 14 entrevistas, ainda que
perfaçam u m conjunto coerente, onde será possível ac o m p an h ar a trajetória da
instituição ao longo de m ais de 30 anos, po d erão ser. lidas fora da o rd em
proposta, posto que guardam tam bém , cada um a, u m certo grau de au to n o m ia
entre si. O ptam os, no entanto, p o r não repetir notas explicativas sobre assuntos
o u episódios históricos já abordados em entrevistas anteriores, segundo a ordem
estab elecid a n a p u b licação . P o rém , será possível p a r a o le ito r localizar
rapidam ente, através de notas remissivas, a entrevista e o p o n to exato onde
determ inado assunto ten ha sido tratado originalm ente.
N o mais, cabe aos leitores de agora e aos do futuro tom arem essa obra como
um a fonte consistente para que novos trabalhos possam ser produzidos e outras
m em órias possam vingar. Para u m a instituição que congrega profissionais que
por excelência têm sua formação fundada no contraditório, com o a OAB, este
conjunto de depoim entos não pode ser senão uma verdade possível dos fatos.
A elaboração desse livro só foi possível p o rq u e pu d em o s co ntar com a
disposição de nossos entrevistados em reviver m om entos de extrem o significado
em suas vidas. Por isso, nosso prim eiro agradecim ento é dirigido a eles: pelo
tem p o que nos concederam , pela coragem de to rn ar público o balanço de suas
gestões à frente da O rdem , pelas em oções que dividiram conosco em gesto de
confiança e cum plicidade, e, sobretudo, pelo em penho daqueles que lutaram
bravam ente para d erro tar as peças que a m em ória costum a pregar.
C om o historiadores, agradecem os ao dr. Rubens A pprobato, presidente
do C onselho Federal da O rdem , pela iniciativa da publicação de u m a coleção
de livros sobre a história da OAB, cobrindo um a área d a historiografia até então
pou co visitada p o r estudiosos e pesquisadores de ofício.
A decisão de colocar nas m ãos do dr. H erm an n Baeta a responsabilidade
pela coordenação geral da coleção significou que m etade do cam in h o já estava
percorrido. A Baeta, agradecem os a delicadeza em nos facilitar o cam inho de
reconstrução da história d a O rdem , em dem onstração de confiança intelectual
e profissional, conferindo-nos autonom ia n a condução deste trabalho.
Este livro não teria sido realizado se não contássem os com a participação

23
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

inestimável dos funcionários e das funcionárias da sede da O rdem em Brasília,


em especial Lígia M aria Barreto Jurema e Emilia dos Santos Costa. Q uerem os
agradecer a Gabriela Nepomuceno, que participou conosco de várias entrevistas,
e ainda Lilian Menezes e C ristina Brito.
Nossos agradecim entos se estendem a Luiz Carlos M aroclo e a Nelcir
Antoniazzi, da Gerência de Docum entação e Informação, pelo acesso ao material
iconográfico.
P o r fim , Â n g ela M o re ira R ib e iro e A le x a n d e r T o rre s G o n çalv es,
bib lio tecário s do In s titu to dos A dvogados B rasileiros (lA B ), em diversas
o p o rtu n id ad es no s facilitaram o acesso à d o cu m en tação necessária. A eles
tam b ém o nosso m uito obrigado.

M arly M o tta e A ndré Dantas

24
Volum e 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

ENTREVISTAS DOS PRESIDENTES

25
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

No final da deiçao para a ftesidência do Conselho Federal da OAB, Laudo de


Almeida C am argo recebe, n o plenário, os cum prim entos de Joaquim Gomes
Norões e Souza - PA (novo Vice-Presidente de Raul Souza Silveira - Acre) (Novo
Secretário Geral).

26 «ái
V o k in ic A ( )Al-i n a \ o / d o s s c i r I ' t c ' ^ i d r n t r s

Laudo de Almeida Camargo'

' P o r desejo d o p r ó p r io d e p o e n te , as in fo rm a çõ e s a q u i co n tid a s fo ra m fo rn ec id a s so b a fo r m a d e q u e stio n á rio ,


sem a gravação d e entrevista. Em q u e pese o esforço d e adequação, tpiaisquer discrep âncias q u e p o rv e n tu ra
h o u v e r e m relação ao f o r m a to d a p u blicação , dev er-se-ão a este fato (N . do E.).

•41 27
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Meu mandato à frente da Ordem se pautou pelo respeito à lei e à


ordem pública.

Quando e em qual faculdade o senhor se formou?

Formei-me em dezembro de 1945, na Faculdade Naciortal de Direito, da


Universidade do BrasH, pouco após o término da II Grande Guerra, tendo
como patrono Franklin Roosevelt. Era excelente o curso, bem como seus
professores: San Tiago Dantas, Madureira de Pinho, Haroldo Valladão, Pedro
Calmon, Bilac Pinto, Benjam im Moraes Filho, M attos Peixoto, Ferreira de
Souza e Linneu de Albuquerque Melo, dentre outros.

Quando o senhor ingressou no Conselho Federal da Ordem?

Ingressei como membro do Conselho Federal da OAB, representando meu estado


natal, São Paulo, em 1962. Mais tarde, em 1966, representei o estado de Mato
Grosso. Retomei para a bancada de São Paulo no biênio 1967-69, tendo saído
em seguida para assumira presidência da Ordem no biênio 1969-71.

Em termos numéricos, a sua eleição para a presidência da Ordem,


em abril de 1969, foi tranqüila: 19 votos contra apenas 2 do seu
concorrente, o d r. Luiz Lyra. Agora, o episódio da renúncia do d r.
Sobral Pinto ao cargo de conselheiro, sob a alegação de que teria
sido pressionado a votar no senhor por membros da seccional do
Distrito Federal, da qual era representante, gerou alguma tensão
nos momentos iniciais do seu mandato?

O episódio do Sobral Pinto, ao que m e lembre, se restringiu à visita prévia


que lhe fizeram os colegas integrantes da seção do Distrito Federal, Antônio
Carlos Osório, que era o presidente, Caldas Brito e Jayme Mesquita, para lhe
externar a disposição de apoiar o meu nom e para a disputa da presidência.
Parece que o saudoso dr. Sobral não entendeu essa visita com a singeleza de
que se teria revestido. Em princípio, tinha-m e por m uito moço para o cargo.
N ão houve, como não podia haver, qualquer tipo de pressão por parte dos

28 9àM
V o lim ii' 7 / \ O / M i n .i v o z ckis s e u s I ' r c s i d r n k ' s

jovens visitantes, tais as qualidades pessoais de que eram portadores, nem


m uito menos da parte do venerando dr. Sobral, insuscetível a tal tipo de
aceitação. A rigor, o episódio nada representou de m aior gravidade para que
meu m andato não viesse a se exercer normalmente até o seu fin a l - aliás,
com a instituição da Medalha Ruy Barbosa e a indicação do d r Sobral como
0 seu primeiro laureado.

No mesmo dia de sua eleição, deliberou-se que os ex-presidentes


não teriam direito a voto nas eleições para a presidência da Ordem.
Por que acabou prevalecendo esta tese?

Certa feita, fo i distribuída uma indicação - esqueço a autoria - ao conselheiro


Ivo d 'Aquino, da seccional de Santa Catarina, excluindo os antigos presidentes
do Conselho Federal, membros natos do Colégio Eleitoral, para que não se
quebrasse a paridade das representações estaduais. Tal indicação fo i logo
aceita, unanimem ente, sem considerações maiores. N ão creio que este fator
tenha influído na m inha eleição, não obstante a convicção de que muitos ex-
presidentes me honrariam com seus votos. Aliás, contra a m inha candidatura,
votaram apenas as delegações do Rio Grande do Norte, pela candidatura
L uiz Lyra, e a do Rio de Janeiro, pela candidatura Agenor Magalhães à
secretaria geral.

Em seu discurso de posse, o senhor destacou alguns pontos que


vieram a ter importância durante o seu mandato à frente da OAB.
Um deles foi sobre a relação entre as seccionais e o Conselho
Federa!. Foi durante a sua gestão que se criou o Colégio de
Presidentes, que reunia os presidentes das seccionais?^

Foi a form a de obter melhor coordenação entre as seccionais e o Conselho


Federal. A primeira reunião do Colégio aconteceu em Belo Horizonte, entre

^ O fidíilinente, o Colégio d e Presidentes foi criado n o dia 16 de n o v e m b ro de 1987, d u ra n te a gestão d o presidente


M árcio T h o m a z Bastos. N o e ntanto, segundo in form ações colhidas ju n to ao C o n se lh o Federal da OAB. a
p rim eira re u n iã o d o Colégio d a qual se te m registro em ata data de 2 de abril de 1971, sob a presid ên cia de
José Cavalcanti Neves. A respeito da re u niã o de 1969, citada pelo en trevistad o e q u e teria sido a prim eira,
co nsta ap en a s u m a referência na ata da sessão d o Co nselh o Federal d e 9 d e d e z e m b ro d o m e sm o ano.

• à l 29
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

2 7 e 29 de novembro de 1969, congregando praticam ente a totalidade dos


presidentes das seccionais, em ambiente de cordialidade e recíproco apreço.
A té hoje as reuniões ocorrem periodicamente.

Um outro ponto de seu discurso referiu-se a uma maior integração


dos advogados enquanto classe e também com a sociedade. Essa
intenção terminou por se traduzir em um fortalecimento da OAB
como entidade representativa?

Sem dúvida alguma essa integração importou em novo fortalecimento da


O AB como entidade representativa da classe e sua conseqüente integração
com a sociedade brasileira.

O seu discurso também se refere à necessidade de sintonia da


OAB com entidades congêneres estrangeiras. Isto se deu
efetivamente?

Sem dúvida que sim. Fizemos contatos diretos com os batônniers de Roma,
Lausanne, Genebra, Paris, M adri e Lisboa, com as Organizações das Nações
Unidas, com a Comissão Internacional de Juristas de Genebra, com a Law
Society, a General Council o f the Bar o f England and W alks, em Londres. Na
consecução do mesmo objetivo, participamos ainda do Primeiro Congresso
da Federação Nacional das Uniões de Jovens Advogados de França, das
reuniões preparatórias da X X V I Conferência da Union Internationale des
Avocats e da Conferência da Inter American Bar Association, em Caracas,
em novembro de 1969. A estas duas últim as entidades citadas, a OAB filiou-
se oficialmente - situação que permanece até hoje. Vale arrem atar que, em
documento assinado pela OAB epela Ordre des Avocats, de Paris, fo i firm ado
u m convênio que instituiu um a comissão p erm a n en te de ligação e de
informação, com o intuito de promover o intercâmbio técnico e científico
entre advogados do Brasil e da França. Ao que sei, não fo i avante.

30
V o lu m e / / \ ( ). \ R na (l o s s c - l i s P r c s i d r n t c s

O início do seu mandato na presidência da Ordem coincidiu com


um período de intenso fechamento do regime politico, que culminou
com a suspensão, pelo Ato Institucional n° 5, em dezembro de 1968,
das atividades do Congresso Nacional, por tempo indeterminado,
e com a cassação e prisão de inúmeros políticos, advogados e
parlamentares/ Qual era o perfil da atuação da Ordem dentro de
um ambiente político pouco propício ao debate?

Respeito à lei e à ordem pública, junto da preservação plena da classe e da


sobrevivência intocada da instituição.

Ainda assim, na reunião de 24 de junho de 1969, a Ordem deliberou


que os magistrados do STF cassados - dentre os quais, Evandro Lins
e Silva, Victor Nunes Leal e Hermes Lima - não precisariam aguardar
o prazo de dois anos para se inscreverem na OAB. Houve alguma
reação do governo diante dessa postura assumida pela Ordem em
relação aos cassados?

Ao que m e consta, pelo m enos oficialmente, não houve q ualquer reação


p ú b lica, até p o rq u e a decisão do C onselho Federal foi to m a d a p o r
u n an im id ad e, em term os incontroversos e inquestionáveis. Relatou a
m atéria o ex-presidente Nehem ias Gueiros, p o r m eio de substancioso
trabalho.

A participação da Ordem no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa


Humana (CDDPH) foi um prolongamento lógico de sua atuação.

^ O A I-5 , baixado pelo presidente A r tu r da Costa e Silva em 13 d e d ezem b ro de 1968, consistiu n u m co n jun to de
m edidas q u e s u p rim ia m as g arantias constitucionais individuais, com o o habeas-corpus, e o autorizava a
in tervir nos estados e m unicípios, cassar m andatos, suspender direitos políticos e d ecretar o estado d e sítio
sem a a n uên cia do Congresso. Pelo A to C om plem entar n .”38 fo i decretado a inda o fe c h a m e n to do Congresso
N acional p o r tem po indeterm inado. Ver D icionário Histórico-Biográfico Brasileiro: pós-30, coord. p o r Alzira
Alves de Abreu, Israel Beloch, Fernando L a ttm a n -W e ltm a n e Sérgio L a m a rã o (R io d e Janeiro, E ditora FCV,
2001, 2 “ ed„ versão C d - r o m j , designado d aqui e m d ia n te pelas iniciais D H BB.

31
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Nos dias 2 e 16 de dezembro de 1969, o senhor participou da


reunião do CDDPH no gabinete do ministro da Justiça, Cama e
Silva." Como o senhor avaliou a reabertura deste Conselho, que
veio acompanhada pelo retorno das atividades do Congresso e pela
eleição do general Emílio Médici para a presidência da República?

Logo que foi instalado, o Conselho, presidido pelo m inistro da Justiça, tinha a
seguinte representação: pelo Congresso Nacional, o presidente do Senado,
Filinto Müller, e 0 presidente da Câmara, deputado R aim undo Padilha;pela
Associação Brasileira de Imprensa (ABI), seu presidente, D anton Johim; pela
Associação Brasileira de Educação (ABE), Benjamin Albagli; o professor Pedro
Calmon, como constitucionalista, eeu, como presidente da OAB, que sempre
participei das reuniões. A participação da Ordem no Conselho constituiu,
p o r assim dizer, um prolongamento lógico de sua atuação como entidade
dedicada tam bém ao aperfeiçoam ento da ordem jurídica. Esta só tem
expressão real por meio da prática de um sistema de garantias e de preservação
dos direitos civis epolíticos de todos os cidadãos, sem discriminação. Estivemos
presentes a todas as reuniões do Conselho, relatando processos eparticipando
ativam ente dos debates e deliberações. N ão foram poucas as representações
que formalizamos, objetivando a adoção, pelo Conselho, de medidas coibitivas
de atentados e lesões a direitos da pessoa hum ana, envolvendo, inclusive,
profissionais da advocacia. Um dia, quando vierem a lum e as atas das sessões,
se poderá ver a medida de nossa atuação.

Na ata de 28 de julho de 1970, o senhor reiterou os esforços que


vinha fazendo para que o CDDPH voltasse a se reunir. Nessa mesma
reunião, vários conselheiros, como Heleno Fragoso e Sussekind de
Moraes, denunciaram dificuldades enfrentadas pelos advogados de
presos políticos. Carlos Araújo Lima sugeriu que o Conselho Federal
fizesse um desagravo aos advogados ofendidos no exercício de sua
profissão. Na qualidade de presidente do Conselho, o senhor foi
pressionado pessoalmente pelos órgãos de segurança para tentar
conter os conselheiros considerados mais radicais?

* Sobre a criação d o C D D P H , ver e n trevista d e José C avalcan ti Neves, neste volum e.

32 •â b
V o lu m e , A O A B n.) V O / d o s suits P i c s ic i c n t c s

N ao fu i pressionado a título algum, seja por parte de qualquer colega, seja


por parte de qualquer autoridade constituída.

Sua eleição para a vice-presidência do CDDPH, em setembro de


1970, foi uma manifestação de apoio do novo ministro da Justiça,
Alfredo Buzaid?

Fui distinguido na eleição para a vice-presidência do referido órgão, a primeira


nele ocorrida, por unanim idade de votos. No entanto, essa vice-presidência
fo i extinta, em termos regimentais, na sessão plenária de 10 de março de
1971, quando então fu i substituído pelo professor Pedro Calmon.

É sabido que a OAB recebia muitos apelos de familiares e amigos


de presos políticos para que atuasse em favor deles. Qual era sua
posição, como presidente da Ordem, em relação a estas solicitações?

Todos os pedidos eram encaminhados imediatamente às seccionais da Ordem


nos estados onde haviam ocorrido as arbitrariedades.

Na ata de 3 de março de 1970, há referências ao apelo telegráfico


feito pelo advogado José Manoel de Ferreira, que se dizia "preso e
incomunicável" em Belém. Em abril, foi a vez do presidente da
seccional do Espírito Santo, Manoel Moreira Camargo, denunciar
violências por parte do juiz federal Romário Rangel. Enfim, qual foi
o padrão de ação adotado pela OAB em relação à prisão e aos
maus-tratos sofridos por advogados?

Todas as medidas possíveis foram encetadas perante as autoridades coatoras


em prol da liberdade, segundo os recursos de que se podia dispor em cada caso.

De 26 a 30 de outubro de 1970, foi realizada a IV Conferência


Nacional, em São Paulo, cujo tema foi "A colaboração do advogado

•ál
______________ Historia da.
Ordem dos Advogados do Brasil

no desenvolvimento nacional." O presidente Médici, que havia sido


convidado para presidir o evento, não compareceu, mas mandou o
ministro Buzaid como seu representante. Em seu discurso, o senhor
fez referência "à tensa atmosfera do nosso tempo." Logo depois, no
dia 1° de novembro, foram efetuadas as prisões, entre outros, de
Heleno Fragoso, Augusto Sussekind de Moraes Rêgo e George Tavares.
Como disseram alguns conselheiros, mais do que as pessoas se atingiu
o exercício da advocacia. O senhor se recorda deste episódio?

Em primeiro lugar, fiz o convite ao presidente M édici em um a audiência no


Palácio da Alvorada, de natureza protocolar, a que compareci em companhia
do colega Antonio Carlos Osório, então presidente da seccional do Distrito
Federal. A conversa fo i rápida, em a m b ien te de fo r m a l cordialidade,
estendendo-se 0 presidente acerca da construção das estradas Belém-Brasília
ou Transamazônica, não me lembro. Já no que concerne às tais prisões, ao
término dos trabalhos da Conferência, por m im presididos e que transcorreram
na mais perfeita ordem, houve um a sessão inform al de despedida das
delegações, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, na qual foi
orador, por indicação minha, de momento, o saudoso Heleno Fragoso. A seguir,
retom ei ao Rio, via Petrópolis, para breve repouso, onde fu i localizado pelo
Arnaldo Sussekind, distinto jurista ainda vivo, que fora m inistro do Trabalho
do governo Castelo Branco, participando-m e o desaparecimento do Augusto
Sussekind de Moraes Rêgo, seu parente, de Heleno Fragoso e de George Tavares,
além do músico Erlon Chaves.

Que tipo de auxílio lhe foi solicitado pelo dr. Arnaldo Sussekind?

Pediu-m e as medidas que mais de imediato pudesse encetar. Cancelei meu


repouso e fu i imediatamente hipotecar solidariedade às fam ílias apreensivas.
Reuni, informalmente, os demais membros da diretoria do Conselho Federal,
já todos no Rio, além dos presidentes da seccional do Rio de Janeiro, dr.
Edm undo de Alm eida Rêgo, e do Instituto dos Advogados Brasileiros, dr.
Miguel Seabra Fagundes - estes dois últimos já falecidos. Entrementes, chegou-
m e ligação telefônica d e São Paulo, do dr. José C arlos M oreira Alves,
posteriorm ente m inistro do Suprem o Tribunal Federal e então assessor

34
\ olum e 7 A OAB na voz cios seus Presidentes

imediato do m inistro da Justiça, dr. Alfredo Buzaid, transm itindo-m e, em


nome do titular, a surpresa pela situação surgida.

Foram feitos contatos com autoridades do governo?

Stm. Fui, ato contínuo, encontrar-me com o }osé Carlos no aeroporto Santos
D um ont, aguardando-lhe a chegada de São Paulo, para conversarmos sobre
0 assunto. Convenci-m e, então, que ele nada sabia sobre o ocorrido, e,
possivelmente, nem o ministro.

Como efetivamente atuou a OAB na defesa dos advogados presos?

Em face das insistências várias, minutamos, eu e o dr. M iguel Seabra, um


pedido de habeas-corpus, deixando-o em mãos do dr. Edm undo Rêgo, para
apresentá-lo a quem de direito, se, nas horas seguintes, não obtivéssemos um a
perspectiva concreta de recuperação da liberdade dos colegas desaparecidos.
Fui, então, com alguns membros da diretoria do Conselho Federal, e com o
dr. Edm undo, ao Palácio do Exército à procura das patentes militares que lá
nos pudessem dar o m elhor atendim ento face à gravidade da situação.
Recebidos, creio que p o r um coronel, que se dizia integrante do Estado-Maior
do C om ando do I Exército, desde logo fo i p o r ele descartada qualquer
participação militar, direta ou indireta, no evento. Prontamente, requeri-lhe
fo r m a lm e n te q u e diligenciasse e operasse a recuperação dos colegas
desaparecidos, deixando de lado, no momento, a identificação dos responsáveis
ante a prim azia da liberdade dos mesmos. De lá saímos, eu com a íntim a
convicção de que, naquela mesma noite, nossos colegas reapareceriam, o que
realmente aconteceu, dispensando-se, assim, a apresentação do habeas-corpus
m inutado. A situação convalesceu e assim pôde ser transposto esse obstáculo
à estabilização da posição da OAB, sempre indôm ita e altiva, mas tam bém
cautelosa ante os m uitos interessados em se valer da conjuntura para atingir
objetivos mais imediatos, em desconformidade com os elevados interesses da
entidade na m anutenção da ordem pública ainda democrática.

•41 35
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

Mesa que presidiu, na I^culdade de Direito de São Paulo, a instalação da IV Conferência


Nacional da OAB de 26 a 30 de outubro de 1970. Ao centro, o Presidente da OAB, Laudo
de Almeida Camargo, que tem à direita o representante do Presidente da República,
M inistro Alfredo Buzaid, da Justiça; à esquerda, o representante do G overnador do Estado,
D r. Ely Lopes M eirelles,da Justiça e o Prof. Miguel Reale, D iretor da Faculdade de Direito.

36
Volume 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

Missões cumpridas, páginas viradas.

Com a volta de Sobral Pinto ao Conselho Federal na representação


do estado da Guanabara, foi eleito josé Cavalcanti Neves com 22
votos e apenas um em branco. Essa unanimidade em torno do d r.
José Neves significou uma recomposição interna da OAB?

M inha eleição teve dois votos contrários, como disse. M eu sucessor, José Neves,
candidato único, contou com apenas um voto em branco. N ão acho que o
Conselho tenha se composto ou recomposto por isso ou com isso, pois que
foram eleições tranqüilas, democraticamente normais.

Que comparação o senhor faria entre a OAB de hoje e aquela que


o senhor dirigiu há mais de 30 anos?

É m uito tempo, fa z mais de um quarto de século. M inha m em ória não deu


atenção especial a muitos fatos e às suas implicações. Missões cumpridas, as
páginas fo ra m se virando. Os tempos m udaram , são outros. Impossível
compará-los com um cuidado maior, que talvez de m im necessitassem. M uita
coisa se passou n um a vida cheia, que já vai longa. Mas, como o tempo já está
em butido na eternidade, continuo contemporâneo de meus dias. De resto,
um m au freqüentador dos escaninhos da memória.

m áB 37
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

José Cavalcanti Neves. Presidente do Conselho Federal no Período de 1971 - 1973.


Fonte; Livro 70 anos da CAB.

38 9àM
\ () Iu In f ■ \ ( ) \ l 1 n a \ ( ) / ( l i )•. - - ( ' L ; ' ■

José Cavalcanti Neves

Entrevistadora: M arly Motta


D ata da entrevista; 7/jul/2003
Local da Entrevista: Instituto dos Advogados Brasileiros (Rj)
D ura ção: 2h. e 45 min.

# & # 39
______________ H istoria da
Ordem dos Advogados do Brasil

Sucessivas reeleições à frente da seccional de Pernambuco me


fizeram largamente conhecido.

Em que ano e instituição o senhor se formou?

Sou bacharel pela Faculdade de Direito do Recife, tendo colado grau em 2 de


dezembro de 1944.

E quando ingressou na Ordem dos Advogados do Brasil?

Em dezembro de 1944, no próprio mês em que me diplomei, já estava inscrito


na seccional de Pernambuco. Em 1951, fu i eleito membro do conselho seccional.
Em 1953, com 31 anos, já havia me tomado presidente da seccional Fui reeleito
oito vezes, tendo exercido o mandato durante 17 anos e dez meses. De lá saí
diretamente para a presidência do Conselho Federal, em abril de 1971.

O senhor não cumpriu nenhum percurso intermediário antes de


ocupar a presidência do Conselho Federal?

Não. A m inha candidatura surgiu no Encontro de Presidentes, realizado em


Belo H orizonte em 1969, durante a gestão de Laudo Camargo. Lá, os
presidentes de várias seccionais, reunidos informalmente, deliberaram que o
próxim o presidente do Conselho Federal deveria ser escolhido entre os
presidentes das seccionais, e o meu nome fo i o indicado.

Já havia então uma tendência de valorização das seccionais?

Sim. Nós nos sentíamos praticamente alijados das discussões do Conselho


Federal. N orm alm ente éramos informados das eleições do Conselho por
telegrama. As seccionais não tomavam conhecimento preciso do que se passava
no plano federal da Ordem.

40
V o k in x ' , A ( )/M'i n d \'()x d o s s eu s I ’ r e s i d c n f c s

O senhor acha que a situação política do país influenciou essa


tendência de valorização das seccionais?

Era um a questão interna da OAB. N ão havia qualquer associação com a


questão política do país.

A que o senhor atribui a escolha do seu nome para a disputa pela


presidência do Conselho Federal da OAB?

Talvez pelo fato d eq u e eu fosse largamente conhecido, em função das m inhas


sucessivas reeleições. Eu já tinha um canal de relacionamento estabelecido
com os conselhos seccionais e, também, com o Conselho Federal. Fui eleito
por unanimidade.

Que aspectos o senhor destacaria das suas sucessivas gestões à frente


da seccional de Pernambuco?

Seria impossível, no pequeno espaço destinado a essa entrevista, dar conta da


atuação da seccional de Pernambuco ao longo de tantos anos, mas eu poderia
destacar, por exemplo, a nossa importante participação na elaboração do
anteprojeto que viria redundar no Estatuto do Advogado de 1963.
Ao assumir a presidência da seccional, em março de 1953, indiquei Nehemias
Gueiros, em inente mestre da Faculdade de Direito do Recife, então advogado
no Rio de Janeiro, para integrar a representação de Pernambuco no Conselho
Federal da OAB. Ele se distinguiu entre os seus pares, sendo logo indicado, pelo
en tão presiden te Miguel Seabra Fagundes, para relator da comissão encarregada
de elaborar o referido anteprojeto do Estatuto do Advogado. Foi em 1956,
durante a posse de Nehemias Gueiros na presidência da OAB, que o presidente
Juscelino, na própria sede da entidade, assinou mensagem encaminhando ao
Congresso Nacional, sem qualquer modificação, o projeto de lei que havia sido
aprovado pelo Conselho Federal. A tramitação do projeto fo i longa, sendo
sancionado somente em 1963, pelo presidente João Goulart. Acompanhamos
atentamente todas as fases desse processo, tendo sido eu, inclusive, o autor de
um memorial intitulado “Um veto inconstitucional e discriminatório”, no qual

•àB 41
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

m e opunha ao veto aposto pelo presidente Goulart ao artigo 149 do texto


aprovado pelo Congresso, e quefoi de grande valia, segundo reconheceu o próprio
Nehemias Gueiros, para que esse veto acabasse sendo rejeitado.
Poderia tratar ainda da nossa ação enérgica quando da d^esa da legitimidade
do mesmo João Goulart, então vice-presidente da República, no episódio da
renúncia de Jânio Quadros,' ou da realização do I V Ckíngresso Nacional de
Direito Penal e Ciências Afins, realizado em Recife, em agosto de 1970, no
qual tivemos um a participação destacada na luta pelo restabelecimento do
habeas-corpus.

O senhor considera que sua pa rticipação destacada na ill


Conferência Nacional de Advogados, ocorrida em Recife, em
dezembro de 1968, sob a presidência do d r. Samuel Duarte, influiu
na sua indicação para concorrer à presidência do Conselho Federal
da Ordem?

N a ocasião eu era ainda presidente da seccional de Pernambuco. N o meu


discurso, enfatizei que a nossa atuação deveria concentrar-se na defesa da
legalidade democrática, em detrimento, parcial, das questões específicas da
profissão. Textualmente eu disse: “O exercício de nossa profissão está vinculado
à sobrevivência dos ideaisjurídicos, amadurecidos no curso da história, do Estado
Constitucional de Direito e da garantia dos direitos fundam entais da pessoa
humana. Tanto é assim que o reconhecimento e o valor social do advogado
estão estreitamente condicionados à efetiva atuação histórica desses dados
fundam entais no ordenamento jurídico positivo. Por isso, os regimes de fato, ao
obscurecerem esses lineamentos essenciais de um a autêntica ordem jurídica,
logo tentarão afetar o prestígio social da profissão. M as em contrapartida, o
' Jânio Q u a d ro s elegeu-se p re sid en te d a R ep ública n o p le ito d e o u tu b r o d e 1960, te n d o c o m o vice-presiden te
eleito João G o u la rt. A ss u m in d o o g ov e rn o e m 3 1 d e ja n e iro d e 1961, Jânio im p le m e n to u , a u m só te m p o ,
u m a p o lític a e co n ô m ica re stritiv a e c o n se rv a d o ra , q u e teve o a p lauso d o s c re d o re s in te rn a c io n a is, e u m a
política ex te rn a in d e p e n d e n te , sem levar e m c o n ta as áreas d e in fluência n o rte -a m e ric a n a e soviética, o
q u e g e ro u d e sc o n te n ta m e n to s in te rn a e e x te rn a m e n te . Sem m a io ria n o C o n g re sso . J ân io te n cionava
p ro m o v e r u m a re fo rm a c o n stitu cio n al q u e fortalecesse o Executivo, c o m a d e cretaç ã o , p o r conseguin te,
d e u m e s ta d o d e exceção. Tais intenções, c o m u n ic a d a s p o r se u m in is tro d a Justiça. P e d ro so H o rta , ao
e n tã o g o v e rn a d o r d o e sta d o da G u a n ab a ra , C arlos L a c e r d a - a té e n tà o u m a lia d o d o go v e rn o - to rn a ra m -
se o b je to d e feroz d e n ú n c ia p o r p a rte deste ú ltim o , p ro v o c a n d o u m a crise in s titu c io n a l n o país. D iante
d a situação, a 25 d e ago sto d e 1961, depo is d e sete m eses d e g o v e rn o , J ân io resolveu re n u n c ia r ao carg o
d e p re s id e n te d a R epública. Ver D H D B, o p . cit.

42
\ ( ) \ l> [ l . i \ ( ) / ( I o - - r U ' - T' r - , (

atuante, dinâmico, tenaz exercido da profissão, significa, promove e restaura a


plenitude da ordem jurídica, pela efetivação e d^esa dos seus valores” E vale
lembrar que tudo isso fo i dito na presença do ministro da Justiça de então, o
professor Gama e Silva, que presidiu a sessão de abertura da Conferência.

Há também um outro discurso do senhor, pronunciado durante a


IV Conferência Nacional da OAB, realizada em São Paulo, em agosto
de 1970; que alcançou certa repercussão, não?

Ê verdade. O temário dessa Conferência fo i “A colaboração do advogado no


desenvolvimento nacional” Na oportunidade falei em nome das delegações
visitantes e, entre outras coisas, disse: “Não há legitimidade no desenvolvimento
econôm ico que não esteja condicionado pelas lin h a s de u m Estado
Constitucional de Direito, este condicionado, por sua vez, pelo resguardo
perm anente dos direitos e garantias individuais. N ão há hum anidade no
desenvolvimento econômico cujo contexto social seja carente dos instrumentos
jurídicos adequados à plena realização desses direitos e garantias, ou esteja
privado do préstimo de institutos e sistemas dotados de todo o potencial de
atuação com que foram concebidos, nas lídimas inspirações das lutas e das
conquistas do direito, através da história. Não há justiça no desenvolvimento
econômico se recusa o primado da lei, e na lei a pureza da aplicação, a substância
ética e a preocupação do equilíbrio e da tranqüilidade social”.^ Transcrevendo
trechos deste meu discurso, tempos depois, Raym undo Faoro afirmou: “Um
rumo se abriu na Ordem dos Advogados com estas palavras de José Cavalcanti
Neves, palavras que iniciaram um a cruzada nacional em consonância com o
notável discurso pronunciado no Instituto dos Advogados por outro filho da
Faculdade de Direito do Recife, Miguel Seabra FagundesV

Recorri da decisão, e foi deferido o pedido de vista do processo


referente ao desaparecimento do deputado Rubens Paiva.

^ A ín te g ra deste d is c u rso p o d e ser e n c o n tra d a nos A n a is da I V Conferência N a cio na l da O A B , p. 60-64.


' Ver Revista do C onselho Federal da O A B , n ° 22, p. 307.

43
______________ História dA
Ordem dos Advogados do Brasil

Em seu discurso de posse, sob a delicada conjuntura de 1971, o


senhor apontou, mais uma vez, para a necessidade de a Ordem
marcar uma presença "permanente e eficaz", ressaltando o papel
da advocacia na constituição do Estado de direito e a importância
da participação da OAB no Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana (CDDPH). Qual era a sua expectativa em relação à
ressonância que essa declaração poderia alcançar ju n to ao
Ministério da justiça e ao governo como um todo?

Em abril de 1971, fu i eleito presidente do Conselho Federal da OAB, num


momento grave da vida nacional, quando pesavam sérias ameaças ao exercício
da nossa atividade postulante, com as restrições impostas por um regime de
exceção. No meu discurso de posse, tracei o rumo a ser seguido, afirmando: “A
Ordem dos Advogados do Brasil, diante das contingências históricas, políticas e
jurídicas que marcam a vida nacional, só cabe um a atividade, que é de presença,
um a presença permanente e eficaz. Cabe-nos, decerto, pugnar pela defesa da
classe, aperfeiçoar a sua disciplina e seleção, aprimorar o seu nível cultural e
disputar a garantia do exercício da profissão. M as nada disso teria sentido e
razão se, acima e além, não fizéssemos tema de nossa corporação o que é tema
dos nossos pleitos como advogados, isto é, o resguardo dos direitos fundamentais
do homem, as garantias da liberdade, da igualdade e da justiça'. Fiel a este
propósito, enviei, neste mesmo mês, ao presidente da República, Emílio M édid,
e ao ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, ofícios onde expunha, entre mais alguns
pontos, a preocupação da Ordem com a violência e o cerceamertto da liberdade
profissional sofridos pelos advogados, e reivindicava o restabelecimento do
habeas-corpus e das garantias do Poder Judiciário, além da necessidade do
fun cio n a m ento “pleno e eficiente” do CDDPH. Tais docum entos foram
am plamente divulgados pela imprensa com destaque e louvor.

E qual foi a repercussão que esses documentos alcançaram dentro


do governo?

A revista Veja, em sua edição de 5 de abril de 1971, publicou um a notícia com


os seguintes dizeres sobre este assunto: “N o I^lácio do Planalto o documento de
Cavalcanti Neves ao presidente da República fo i considerado 'sóbrio, inteligente

44
V n lu n x ' , A O A B n,i \ ' ( ) / d o s sc-us l ' r ( ‘>ick‘ nlc‘s

e altivo’. Esses adjetivosjam ais foram usados anteriormente para justificar outras
reinvidicações. E seguramente dão ao calmo presidente da OAB a certeza de
que pelo menos por enquanto portas e ouvidos continuam abertos”Anos depois,
em um a conversa, o ministro Leitão de Abreu, que havia sido chefe da Casa
Civil deM édici, confirmou que o presidente havia tido um a impressão positiva
dos ofícios a ele enviados por mim. Quando me reportei aos termos da citada
revista ele se limitou a responder: “O repórter estava bem informado.”

As reuniões do CDDPH foram retomadas a partir de então?

A tendendo ao pleito da OAB, aquele Conselho passou a reunir-se novamente


a partir de 13 de julho de 1971. Como resumo breve do desempenho da OAB
neste Conselho, durante os dois anos de m inha gestão, eu destacaria a nossa
atuação no julgam ento dos processos referentes ao desaparecimento do ex-
deputado Rubens Paiva,* e às mortes dos estudantes Stuart Angel e Odijas
Carvalho de Souza.^ Para além disso, vale ainda lembrar a luta da Ordem
para evitar a alteração da Lei 4.319/64, que instituiu o CDDPH, a reação ao
anteprojeto da Lei Orgânica das Profissões Liberais e a impugnação à tentativa
de vinculação da Ordem ao Ministério do Trabalho.

* R u b en s Paiva (1929-1971), e n g e n h e iro e jorn a lista , foi d e p u ta d o federal p o r São Paulo, pela legend a d o
P artid o T rab alhista B rasileiro (P TB ), de fevereiro de 1963 até a s u a cassação p e lo re g im e m ilitar, e m 10 d e
abril d e 1964. Em 20 d e ja n e iro de 1971 foi p re so e levado p a ra as d e p en d ê n c ia s d a III Z o n a A érea,
s itu a d a ju n t o a o a e r o p o r to S a n to s D u m o n t, n o R io de Janeiro, à é p oca s o b o c o m a n d o d o b rig a d e iro
J oão P au lo P e n id o B u rn ie r, o n d e foi in te n s a m e n te to rtu ra d o . T ra n s fe rid o p a ra o D e p a r ta m e n to d e
O p e ra ç õ e s In te rn a s (D O I) , situ a d o à ru a B arão d e M esquita, m o r r e u e m co n se q ü ê n cia d o s m a u s -trato s.
D e clarado até e n tã o c o m o fo rag id o , ap en a s e m 1996 o seu d e sa p a re c im e n to e ó b ito fo r a m re c o n h ec id o s
p e lo Estad o brasileiro. Ver D H B B , op. cit.
’ S tu a rt E d g a rd A ngel Jones (19 4 6 -1 9 7 1 ), m ilita n te d o M o v im e n to R ev o lu c io n á rio 8 d e o u t u b r o (M R -8),
foi pre so n o R io d e Jan e iro e m 14 d e ju lh o d e 1971, p o r agentes d o C e n tro d e In fo rm a çõ e s d a A ero n á u tic a
(C isa), s u b o r d in a d o à III Z o n a A érea, q u e era c o m a n d a d a pe lo b rig a d e iro Jo ão P a u lo P e n id o B u rnier.
D e po is d e to r t u r a d o , c o n sta q u e foi a m a r r a d o ao c a n o d e de sc a rga d e u m jip e m ilitar, pela b o c a , e
a r r a s ta d o p e lo p á tio d o C isa, o q u e o c a s io n o u a s u a m o r t e p o r asfixia. A re p e rc u ss ã o in te r n a c io n a l d o
caso p ro v o c o u , n o fim d o m e s m o a n o , o p e d id o d e d e m is sã o d o m in is tr o d a A e ro n á u tic a , M árcio
S o u s a M e lo , e o c o n s e q ü e n t e a f a s t a m e n t o d o b r i g a d e i r o B u r n i e r , q u e fo i p a r a a r e s e r v a .
O d ija s C a rv a lh o d e Souza (19 4 5 -1 9 7 1 ), m ilita n te d o P a rtid o C o m u n is ta B ra sileiro R e v o lu c io n á rio
(P C B R ), foi p re s o e m Paulista (P E ) n o d ia 30 d e ja n e iro d e 1971, p o r a g entes d o D e p a r ta m e n to de
O rd e m Política e Social (D o p s ) d e P e rn a m b u c o . Levado p a ra as d e p en d ê n c ia s d o órg ã o , foi in te n s a m e n te
t o r t u r a d o p e lo p e r ío d o d e u m a s e m a n a . L evado às pre ssa s p a r a o H o s p ita l d a P o lícia M ilita r d e
P e rn a m b u c o n o d ia 6 d e feve re iro d e 1971, m o r r e u d o is d ia s d e p o is e m c o n s e q ü ê n c ia d a s t o r t u r a s
sofridas. D is p o n ív e l e m h ttp ://w w w .to r tu r a n u n c a m a is .o r g .b r .

•ài 45
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Embora só tenha iniciado suas atividades, de fato, no limiar dos


anos 1970, o CDDPH foi criado em 1964 e regulamentado em
1968. A Ordem teve papel de destaque nestes dois momentos iniciais
do Conselho?

Sim, 0 CDDPH foi criado pela Lei 4.319, de 16 de março de 1964, por projeto
do deputado Olavo Bilac Pinto, ilustre jurista mineiro, e sancionado pelo
presidente João Goulart, sendo ministro de Justiça, à época, o advogado Abelardo
Jurema. Mas a regulamentação desse diploma legal somente ocorreu por força
do Decreto 63.681, de 22 de novembro de 1968, sob a presidência do marechal
A rtu r da Costa e Silva. A edição deste decreto resultou de u m trabalho da OAB,
por meio de seu presidente, SamuelDuarte, e de outros líderes da nossa entidade,
entre os quais Sobral Pinto. Todos acreditavam que a presença do professor
Pedro Aleixo na vice-presidência da República, levando em conta os seus
compromissos com a democracia, revelados durante brilhante carreira
parlamentar, poderia conduzir o governo àquela, sempre prometida, “abertura
lenta e graduaVl Depois de entendimentos com Pedro Aleixo e com a ajuda do
dr. Adroaldo Mesquita da Costa, consültor-geral da República e tio do presidente
Costa e Silva, fo i possível a assinatura do questionado Regulamento, cujo texto,
segundo comentava-se na época, teria sido redigido pelo próprio Samuel Duarte.
O Regulamento fo i assinado, em solenidade realizada no Palácio Guanabara,
com a presença de membros do governo e de líderes da classe dos advogados,
entre os quais, além do próprio Samuel Duarte, inúmeros conselheiros federais
e presidentes de conselhos seccionais. N ão obstante o Regulamento estabelecer
que 0 CDDPH deveria reunir-se “ordinariamente, duas vezes por mês”, somente
foram realizadas, até 1970, sete sessões. E vale salientar que o Regulamento foi
assinado poucos dias antes da realização da IIJ Conferência Nacional da OAB,
em Recife, já aqui referida, cujos trabalhos, iniciados e desenvolvidos em clima
de euforia, terminaram com a notícia da edição do Ato Institucional n®5.

Na ata de 23 de m aio de 1972, consta o debate sobre as


modificações sofridas pelo CDDPH em seu funcionam ento e
estrutura, em função da polêmica criada durante a apreciação do
processo de Rubens Paiva. O que motivou, de fato, as mudanças no
CDDPH promovidas pelo governo?

46
\ ( » \!> i\; \ n / (l( j- - r . i v

N a primeira reunião do CDDPH a que compareci, realizada em 13 de julho de


1971, entrou em julgam ento o processo referente ao desaparecimento do
deputado Rubens Paiva. Depois do voto do relator, senador Eurico de Resende,
no sentido do arquivamento do processo, requereu vistas do mesmo o deputado
Pedroso Horta, sendo indeferido o pedido pelo presidente do órgão, ministro
Alfredo Buzaid. Ponderei que o Regulamento estabelecia, no artigo 19, que
“enquanto não proclamada a decisão, qualquer conselheiro poderá solicitar
vista do processo” Mas o ministro manteve o ind^erim ento. Recorri da decisão
para o plenário, sendo deferido o pedido de vista. Votaram a favor: Danton
Jobim, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Benjamin Albagli,
presidente da Associação Brasileira de Educação (ABE), o senador Nelson
Carneiro, o deputado Pedroso Horta e eu. Votaram contra: o senador Eurico de
Resende, o deputado Geraldo Freire e o professor Pedro Calmon. O placar da
votação foi, portanto, cinco a três a nosso favor. N a sessão seguinte^ em função
da mudança de lado do Benjamin Albagli, o processo fo i arquivado. O voto de
desempate, no sentido do arquivamento, foi dado pelo ministro Buzaid. Mais
tarde, já depois da revogação do A I-5 e do processo de anistia, o professor
Benjamin Albagli disse, num a entrevista ao lornal do Brasil, que havia votado
pelo arquivamento porque tinha sido advertido, por um coronel do Exército, de
que se o processo do Rubens Paiva não fosse arquivado seria decretado u m ato
institucional pior do que o A I-5 - versão que lhe teria sido confirmada pelo
professor Pedro Calmon. A respeito do assunto quero lembrar que ao receber a
Medalha Ruy Barbosa tive a honra de ser saudado por Barbosa Lim a Sobrinho,
que, no seu discurso, depois de ressaltar a m inha atuação na OAB como
presidente da seccional de Pernambuco e como presidente do Conselho Federal,
disse 0 seguinte: “Advogado, os vossos serviços vão sendo multiplicados pelos
anos vividos e pelos cargos exercidos. Mas vos peço licença para destacar um,
um apenas, entre todos os de vossa vida, a meu ver o maior e o mais importante,
aquele que, no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa H um ana, discordava
do arquivamento do processo instaurado para apurar o desaparecimento do
deputado Rubens Paiva. No ambiente que então se estabelecera, era um a atitude
de conseqüências imprevisíveis. E ao votar contra o arquivam ento não
precisarieis de nenhum outro ato para merecer a M edalha R uy B arbosa^

* Ver O p e n sa m e n to v iv o de R u y Barbosa. Recife: O A B/PE, 1982, p. 38.

•ài 47
_______________ H istória da ^
O rdem dos Advogados do B r a s il_____________________________________________

As mudanças no CDDPH foram motivadas, então, pelo receio de


novos enfrentamentos dessa natureza?

N ão resta dúvida. Depois do julgam ento do processo do Rubens Paiva, a Lei


4.319/64 fo i alterada pela Lei 5.763, de 15 de dezembro de 1971, dispondo
sobre a composição do Conselho, que passou a ser integrado, também , por
representantes de órgãos vinculados ao Poder Executivo, estabelecendo o sigilo
das reuniões e reduzindo o número de sessões ordinárias para seis por ano.^
Depois de várias alterações, abandonaram o C D D PH os líderes da oposição
na Câmara e no Senado, respectivamente Pedroso H orta e Nelson Carneiro,
além do presidente da A B I, D anton Jobim. A seccional do estado da
Guanabara sugeriu que a OAB também se retirasse do CDDPH, mas eu me
opus à proposição alegando que a presença da OAB no referido Conselho
resultava de dispositivo de lei e nós estávamos jungidos ao princípio da
legalidade. O Conselho Federal decidiu, então, pela perm anência do seu
presidente.^

O novo perfil assumido pelo CDDPH dificultou a averiguação dos


processos, não?

Sim. Quando passaram a vigorar as modificações adotadas pela lei, os processos


mais importantes foram os relativos às mortes de Stuart Angel Jones e Odijas
Carvalho de Souza. Ambos foram arquivados, contra apenas o meu voto.

^Em sua c o m p o siçã o orig in al, pela Lei 4.319, d e 16 d e m a rç o d e 1964, o C D D P H e ra in te g ra d o pelos seguintes
m e m b ro s : m in is tr o d a Justiça, p re s id e n te d a OAB, p ro fe s so r c a te d r á tic o d e d ire ito c o n stitu c io n a l,
presid en te d a Associação B ra sile ira d e lm p re n s a , presidente d a Associação Brasileira d e E du cação e líderes
d a m a io ria e d a m in o r ia da C â m a ra F ederal e d o S enado. C o m as tra n s fo rm a ç õ e s im p o s ta s peta Lei
5.763, d e 15 d e d e z e m b ro d e 1971, o C on se lh o pa sso u a s e r c o m p o s to p e lo s s e g u in tes m e m b ro s : m in istro
d a Justiça, re p re s e n ta n te d o M in istério das Relações E xteriores, re p re s e n ta n te d o C o n se lh o Federal de
C u ltu ra , re p re sen ta n te d o M inistério P ú b lico Federal, presid en te d a OAB, p ro fesso r c a ted rático d e direito
c o n stitu c io n a l, p ro fessor c a ted rático de d ire ito penal, p re sid en te d a A ssociação B rasileira d e Im prensa,
p re sid en te d a A ssociação Brasileira d e Educação e líd eres d a m a io ria e d a m in o r ia d a C â m a r a F ederal e
d o S e nado. D isponível e m h ttp ://w w w .m j.g o v .b r/s e d h /c d d p h ,
* N essa o p o r tu n id a d e , o C o n se lh o Federal p u b lic o u no ta oficial e x p o n d o os m o tiv o s d a s u a decisão. Este
d o c u m e n to , a lé m d a expo sição d o e n tre v istad o acerca d o assu n to , p o d e m s e r e n c o n tra d o s na R evista do
C onselho Federal, n® 9, agosto/1972, p, J 73-181.

48 màM
V olu m e \ 0 \H na \ ( ) / (l o s x ' u - I’ l c - i i l c i i t c - '

Raymundo Faoro também integrou o Conselho após as modificações


em sua estrutura, não é isso?

Realmente, Faoro foi indicado para representara Conselho Federal de Cultura


no CDDPH. N a sessão em que fo i julgado o caso Stuart Angel ele compareceu
e assinou o livro de presença, mas se retirou antes do término da sessão, não
participando da decisão pelo arquivamento do caso. D aí por que as notícias
divulgadas na imprensa, no sentido de que o único voto contra o arquivamento
teria sido o meu, deram margem à dúvida quanto ao com portamento de
Faoro no episódio. No dia seguinte à reunião, Faoro renunciou ao seu lugar
no C D D PH e m e telefonou dizendo que havia se retirado da reunião porque
logo entendeu que tudo aquilo era uma farsa. Esclareceu que a m inha situação
era diferente da dele, pois eu participava do CD D PH por imposição da lei,
enquanto ele não estava obrigado a aceitar a indicação.

Não tenho dúvidas em proclamar que a OAB aplaudiu o Golpe de


1964 .

O VI Encontro da Diretoria do Conselho Federal, em 1972, redundou


na Declaração de Curitiba, que teve um peso importante também
na confirmação do papel da Ordem na luta pela redemocratização
do país. Como foram os debates?

Nascidos sob a inspiração do congraçamento de todas as seções da OAB, bem


como sob 0 imperativo da troca de experiências, os encontros entre a diretoria
do Conselho Federal com os presidentes das seccionais datam , inicialmente, de
1966, quando, no Rio de Janeiro, foi realizado o primeiro deles, sob a presidência
do dr. Alberto Barreto de Mello. Seguiram-se-lhe o segundo, em 1967, na mesma
cidade, presidido pelo Dr. Samuel Duarte, o terceiro, em novembro de 1969,
quando presidente o dr. Laudo Camargo, ífetuado em Belo Horizonte, e o quarto
e 0 quinto, em abril e setembro de 1971, novamente no Rio de Janeiro. O VI
Encontro, a que refere a pergunta, realizou-se em Curitiba, entre os dias 31 de
maio a 2 de junho de 1972, abrangendo o exame dos seguintes temas: processo
disciplinar, estágio profissional e exame de Ordem, sendo todos amplamente

•à » 49
______________ H istória da
O rdem dos Advogados do Brasil

debatidos e votadas as respectivas conclusões. Era praxe, após tais Encontros, a


divulgação de um a nota informando à classe dos advogados e ao público em
geral quais as deliberações tomadas. No final da reunião de Curitiba, quando
eu cogitava de nomear a comissão de redação da nota, o saudoso Heleno Fragoso,
ponderando que a situação do Brasil, do ponto de vista institucional, era
gravíssima, sugeriu que os assuntos objetos do temário fossem excluídos da
Declaração, a q u a l deveria concentrar-se no problem a da legalidade
democrática. D aí por que propôs que as palavras finais do meu discurso de
abertura do conclave fossem transformadas, sem qualquer alteração, na
Declaração de Curitiba, sendo a proposta aprovada por unanimidade. O
documento foi publicado, na íntegra, em quase todos os jornais do país. Foi
transcrito ainda no Diário do Congresso Nacional, de 9 de ju n h o de 1972, e o
Boletim da Arquidiocese de São Paulo chegou a afirmar que o documento estava
em consonância com o que recomendava a doutrina social da Igreja. Diante
disso, eu não entendo por que todos os noticiários da OAB, quando tratam da
chamada Declaração de Curitiba, informam que o documento não pôde ser
divulgado em virtude da censura imposta à imprensa.^

’ “O Presidente do C o n se lh o Federal e os presidentes dos conselhos seccionais d a O rd e m dos Advogados d o Brasil,em


sua sua VI Reunião, realizada e m Curitiba, estado d o Paraná, considerando q u e aos advogados com pete a defesa
da ordem jurídica e d a C onstituição da Repübiica, entendem d e seu dever reafirm arprincípiose reiterar posições,
advogando a causa d e m aior im portância para o nosso País. que é a causa d o p rim a d o d o Direito. N ão se
venücam a condição primordial para o exercício dos direitos individuais e o norm al funcionam ento das instituições
democráticas, sem o restabelecimento das garantias d o Poder Judiciário e da plenitude d o habeas-corpus, sendo
esta m edida imprescindível à harm onia entre asegurança d o Estado e os direitos d o indivíduo, n a conform idade
dos princípios superiores da Justiça. A repressão à criminalidade - m esm o q u a n d o exercida contra os inimigos
politi(X )s-devefazer-sesoboim píriodalei, oom respeito à integridade Rsica e m oral dos presos e co m observância
das regrasessenciaisdodireito dedefesa, notadam enteacom unicação d a prisãoà autoridadejudiciária competente,
0 cum p rim e n to d o s prazos legais d e incomunicabilidade e sem qualquer restrição d o livre exercício da atividade
profissional d o advogado. N ão há a m ínim a razão em que se tenha co m o necessário o sacrifício dos princípios
jurídicos n o altar d o desenvolvimento, pois o le ^ tim o progresso econôm ico e social só se fará c m consonância
c o m os princípios d o Estado de direito e o respeito aos direitos fundam entais d o h o m e m . Se c verdade que para
o desenvolvimento são indispensáveis paz e segurança, não é m enos verdade q u e não existem tranqüilidade e
paz q u a n d o não há liberdade e justiça. Toda a dinâmica da vida nacional e o fu n c io nam ento das instituições
deve processar-se sob o crivo d o respeito à pessoa hum ana, e, tanto nas leis c o m o n a c o n d u ta dos respons.1veis, é
im perativo que se te n h a m em conta os princípios da Declaração Universal dos Direitos d o H o m e m , prim ado
que os Lstados-M embros da Organização da.s Nações Unidas, inclusive o Brasil, se com prom eteram a observar,
reconhecendo que ‘a dignidade inerente a todos os m em bros d a família h u m a n a e de seus direitos, iguais e
inalienáveis, é o fu ndam ento d a libe rd a d e , d a Justiça e da Paz n o M u n d o ’”. Tanto a Declaração dc Curitiba
qu a n to o discurso d o entre\'istado proferido na abertura do Encontro p o d e m ser encontrados, na íntegra, na
Rct’ism âo Conselho Federal du OAB, n° 9,op. cit.

50 #4»
V o lu m e ' - A ( )Ai'j 11,1 \ ( ) 7 (l os s('ii< i ' i ( ‘' i ( l c n t c s

Ao que parece, o senhor aponta uma virada no posicionamento da


OAB, no início dos anos 1970, em relação ao governo militar

Não tenho dúvidas em proclamar que o Conselho Federal da OAB aplaudiu


0 chamado “golpe de 64”, bastando ler, na ata da sessão realizada em 7 de
abril de 1964, as palavras do presidente Povina Cavalcanti, no sentido de que
“mercê de Deus, sem sairmos da órbita constitucional, podem os, hoje,
erradicado o m a l das conjuras com uno-sindicalistas, proclam ar que a
sobrevivência da nação brasileira se processou sob a égide intocável do Estado
de direito”. O presidente Povina Cavalcanti participou também , logo em
seguida, da conhecida Comissão Geral de Investigações,"^ na condição de
vice-presidente, sem que tenha havido qualquer protesto do Conselho." Vale
ressaltar que ao fa zer o presente registro, m ove-m e somente o desejo de dizer
a verdade, não importando em qualquer censura à conduta do referido ex-
presidente, aprovada pela maioria dos advogados brasileiros. Como ele, muitos
outros podem ser citados: M ilton Campos, que presidiu a seccional de M inas
Gerais e sempre fo i considerado um símbolo da democracia no Brasil, foi
ministro da Justiça do governo Castelo Branco; Nehem ias Gueiros, outro ex-
presidente do Conselho Federal da OAB, se vangloriava em afirm ar que fora
0 autor do A to Institucional n ° 2 (A I-2)f^ eAlcino de Paula Salazar, também

ex-presidente do Conselho Federal, exerceu o cargo de procurador-geral da


República nesse período. Quando o número de ministros do Supremo Tribunal
Federal foi aum entado de 11 para 15, o presidente Castelo Branco preencheu
as novas vagas com integrantes da chamada “Banda de M úsica” da União
D emocrática N acional (U D N ): Prado Kelly, ex-presidente do Conselho
Federal, A liom ar Baleeiro, Adauto Lucio Cardoso, Osvaldo Trigueiro. Se

"’ A C o m issã o G e ra l d e Investigações foi c ria da pe lo D ecrcto-lei n.® 359, d c 17 d e se te m b ro d e 1968, c o m a


in c u m b ê n c ia d c p r o m o v e r investigações s u m á r ia s p a ra o confisco d e bens q u e tivessem sid o p r o d u to de
atos ilícitos n o exercício de carg o o u fu n ç ã o p ú b lic a nas esferas e stadual, federal e m unic ip a l. A C o m issão
era c o m p o s ta p o r cinco m e m b ro s , n o m e a d o s, e n tre servid ores civis e m ilitares, o u p ro fissionais liberais,
pe lo p re sid en te d a R ep ublica, m e d ia n te in dicação d o m in is tro da Justiça, q u e a p re sidia . D isponível em
h ttps://w w w .p lanalto .g o v .b r/cc iv il_ 0 3 /d ec re to -lei/d el0 3 5 9 .h tm .
" Em artig o p u b lic a d o n o Correio B ra zilieiise.em 2 d e ju lh o de 2001, R a y m u n d o F ao ro c o n firm a o episód io,
p a rtilh a n d o das im p ressõ e s d o e n tre v is ta d o so b re a a tu ação d a O r d e m n o p e río d o e m q u e stão.
O Ato In stitu c io n a l n .“ 2, e n tre o u tra s m ed idas, pôs fim à vigência d a C o n s titu iç ã o d e 1946, e x tingu iu
to d o s os p a rtid o s p o lítico s existentes, estabeleceu eleições in d ireta s p a ra a pre sid ên c ia d a R epúb lica e
re a b riu o p roc e sso d e cassação e s u sp e n sã o d e direitos políticos. A lém disso, c o n c e n tr o u m ais p o d e re s
nas m ã os d o pre sid en te, a u to riz a n d o -o , p o r exem plo, a o rd e n a r o fe c h a m e n to d o C o n g re ss o e legislar
atrav és d e decretos. Ver D H B B , op. cit.

57
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

quisermos sair da classe dos advogados, tam bém há nomes a ser citados, como
por exemplo os dos senadores Teotônio Vilela e Severo Gomes, que exerceram
m andatos pela Aliança Renovadora Nacional (Arena) até os últimos anos do
governo Ernesto Geisel Eu mesmo, quando eclodiu o golpe, estava licenciado
da presidência da OAB-PE, ocupando o cargo, em comissão, de procurador-
geral da Fa:xnãa Nacional, nomeado pelo presidente João Goulart, do qual
me dem iti quando da edição do AI-2.

Na sua avaliação, essa adesão inicial ao regime se deu somente no


plano federal da Ordem?

Nao, absolutamente. Vários presidentes de seccionais integraram também


subcomissões de investigações nos seus respectivos estados. Aliás, o que estou
afirmando não é novidade, pois durante a VI Conferência Nacional da OAB,
realizada em Salvador, em 1976, sob a presidência do em inente Caio Mário
da Silva Pereira, o ilustre advogado paulista }. B. Viana de Moraes, falando
em nome das delegações visitantes, disse textualm ente o seguinte: “Quando
explodiu 0 grande m ovim ento em 1964, para impedir o prosseguimento do
caos, 0 povo acolheu a providência com radiosa expectativa. ^ época, a classe
dos advogados não vacilou um só instante. Colocou-se ao lado da nova
autoridade que buscava, com patriotismo, o concerto da p a z social, do império
da lei e, notadamente, da ordem coletiva. A deriu afetiva e ávicam ente à
transmutação ocorrida, hipotecando toda a energia de sua inteligência às
novas perspectivas que se abriam, acreditando nos novos horizontes que se
descortinavam para a democracia brasileiraV^

O senhor considera a edição do AI-5, em 1968, como o ponto de


ruptura da Ordem com o governo dos militares?

Desde então o descontentam ento tornou-se evidente. M as desconheço


qualquer manifestação do nosso órgão de classe sobre o assunto. Concluo a
resposta com as palavras de Raym undo Faoro quando, referindo-se ao período
em que presidi a OAB, disse: “Foi nesse momento conturbado que o presidente
A ín te g ra deste d o c u m e n to p o d e ser e n c o n tra d a n o s A n a is da V I Conferência da O A B , p. 32-33.

52 •àl
V olum e 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

nacional da OAB, com serenidade e firm eza, teve a coragem de romper com
0 A to n °5, de 1968, até então tolerado ou simplesmente ignorado pela cúpula

de nossa instituiçãoV*

A praxe da instituição inviabilizou a minha reeleição.

O que o motivou a tentar o segundo mandato?’ ^

M ais um a vez fo i um movimento das bases da entidade. Das 23 seccionais, 14


lançaram a m inha candidatura e nove apoiaram o José Ribeiro de Castro Filho,
então presidente da seccional da Guanabara. Assim, o resultado da eleição deveria
sera meu favor. M as no dia da eleição os delegados do Piauí, de São Paulo, Mato
Grosso e Santa Catarina, resolveram não cumprir os compromissos assumidos,
em favor da m inha candidatura, pelas secáonais que representavam - é bom que
fique claro: as seccionais mantiveram os seus compromissos, que não foram
honrados pelos seus delegados. Tive Raymundo Faoro como companháro de
chapa, disputando a vice-presidência. Ao final, fo i eleito Ribeiro de Castro por 13
votos contra dez dados a mim. Ele foi muito firm e nas posições que assumiu. Foi
um grande presidente.

A que O senhor atribui esta mudança de opção por parte dos


delegados dessas seccionais? Havia algum tipo de restrição à sua
reeleição ou à reeleição de um modo geral?

O problema era exclusivamente m anter a praxe da não-reeleição. N a data


da últim a sessão que presidi, 14 de dezembro de 1972, consta um voto unânim e
de aplausos à m inha atuação na presidência. D ez anos depois, em 1982, mais

Ver Correio B raziliense, o p . cit.


Levi C a r n e iro (1 882 -19 71), q u e já havia p re s id id o o In s titu to d a O r d e m d o s A d vog ad os B rasileiros, e m 9
d e m a rç o d e 1933, to r n o u - s e , p o r a cla m a ç ã o , o p rim e ir o p re s id e n te d a re c é m - c r ia d a O r d e m d o s
A dvogados d o Brasil. Seus trê s m a n d a to s c o nsecutivos d e v eram -se à n e ce ssid a d e d e se p r o m o v e r u m a
e s tr u tu ra ç ã o básica d a in s titu iç ã o , p o r m e io d a ela b oração d e u m C ó d ig o d e Ética, d a o rg a n iz a ç ã o das
seções e sta d u a is e d a so lu ç ã o d e p ro b le m a s referentes à in te rp reta ç ã o d o E statu to. D isponível e m h ttp :/
/v w w .o a b .o rg .b r /h is t_ o a b /p rim e iro s _ a n o s .h tm .

•ài 53
______________ História d&
Ordem dos Advogados do Brasil

José Cavalcanti Neves na XV Conferência Nacional da OAB (Foz d o Iguaçu - setem bro de
1994).

54
•àM
Volume 7 A OAB na voz cios seus Presidentes

de dois terços das delegações, junto ao Conselho Federal, indicaram o meu


nom e para ser agraciado com a M edalha R uy Barbosa - indicação esta
aprovada pelo Colégio de ex-presidentes, unanim em ente. Recordo-me que
Ribeiro de Castro, gravemente enfermo, compareceu à reunião para referendar
a homenagem que me prestavam. A M edalha R uy Barbosa é definida no
nosso Regulamento como a “com enda m áxim a conferida pelo Conselho
Federal às grandes personalidades da advocacia brasileira”. Portanto, posso
tranqüilam ente reafirmar que o problema único era m anter o critério da
não-reeleição.

Qual a comparação que o senhor faria entre a OAB do seu tempo e


a OAB de hoje?

Creio que não seja possível estabelecer comparações entre a OAB do meu
tempo e a OAB de hoje. São tão distintas as circunstâncias sociais, políticas e
jurídicas, que não se pode dizer que exista um critério único ou um parâmetro
indispensável para a comparação. Por isso é que tam bém se pode dizer que as
épocas históricas, por serem distintas, condicionaram a missão que tem a
OAB, em cada um a delas. Assim como a OAB soube apreender o contexto em
que atuou, na m inha época, também a OAB de hoje deve entender a realidade
atual e a ela aplicar os princípios e os valores pelos quais se bate, que são
permanentes, hoje os mesmos de então, apenas flexibilizados pelas novas
realidades.

•àl 55
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

C aio M ário com Sobral Pinto, H eleno Fragosc^ AJfio Ponzi e Sepúlveda Pertence.

56
V olu n u ' ' \ O A H ii<i \ < ) / d o s s c ii s l ’ rr > ic l ( ‘ [i t( '‘'

Caio Mário da Silva Pereira

Entrevistadores: M a rly Motta e André Dantas


D ata da entrevista: 28/ago/2002
Local da Entrevista: Residência do entrevistado (Rj)
D ura ção: 1 h.

57
______________ História da
O rd e m dos A dvogados d o Brasil

A OAB começou a se constituir em um problema para o governo

Quando e em qual faculdade o senhor se formou?

Eu me form ei em 1935, pela Faculdade de Direito da Universidade de


M inas Gerais.

O seu ingresso no Conselho Federal se deu somente em 1970.


Essa demora se deveu às suas m ú ltip la s atividades com o
consuftor-geraí da R epública no governo Jânio Quadros,
secretário de Segurança Pública de Minas Gerais no governo
Magalhães Pinto, chefe de Gabinete do M ilto n Campos no
Ministério da Justiça e novamente chefe de Gabinete do Pedro
A leixo no Ministério da Educação?

N ão fo i propriamente isto. Certamente essas atividades concorreram para


0 retardamento do meu ingresso no Conselho Federal, mas desde que eu

me form ei e que comecei a exercer a advocacia estive sempre à disposição


da OAB. Tanto que, logo depois deformado, lá me inscrevi como advogado.

Quais foram as circunstâncias da sua candidatura à presidência


da Ordem, em 1975?

Eu não pensava em assumir a presidência da OAB. Era u m advogado e


exercia a profissão livremente. Mas, em um determinado momento, alguns
colegas acharam que a m inha candidatura seria interessante. Quando
me procuraram ftz apenas um a exigência: que o Conselho do meu estado,
M inas Gerais, não fizesse restrição ao meu nome. Seria um absurdo eu
representar a Ordem dos Advogados tendo o m eupróprio Conselho contra

' Jânio Q u a d ro s exerceu a presidência d a R epública de janeiro a ag osto d e 1961. M agalhães P info foi governador
d o e sta d o d e M in as G erais d e 1961 a 1966. M ilto n C a m p o s foi m in is tro d a Justiça d o go v e rn o C astelo
B ra n co d e 14 d e a b ril d e 1964 a 11 d e o u tu b r o d e 1965. P e dro A leixo foi m in is tro d a E d uc a ç ão d o
g o v e rn o C astelo B ra n co d e 10 d e ja n e iro a 1° d e ju lh o d e 1966. V e rD H B B , o p .c it.

58
Volume- , A ( ) \ R na \ o / d o s s riis r i i ' s i d i ' i i k ' s

m im . Para meu conforto, isto não só não ocorreu, como dele recebi plena
liberdade para continuar agindo na Ordem.

O senhor poderia traçar um perfil do seu antecessor na presidência


da Ordem, o dr. Ribeiro de Castro?

Era um grande colega, muito distinto, m uito corajoso, e que exerceu um a


presidência m uito ativa na OAB. O período do Ribeiro de Castro, entre 1973
e 1975, eu posso afirmar, marcou o despertar da atenção do governo dos
militares pela atuação da Ordem dos Advogados. O próprio Ribeiro de Castro
fo i chamado, inclusive, ao M inistério da Justiça para depor.

A que o senhor atribui o interesse do governo m ilitar em tomar


conhecimento das atividades da OAB?

Como um a entidade com orientação democrática, completamente autônoma


e independente, a OAB começou a se constituir em u m problema para o
governo. D aí o interesse em observar a atuação da Ordem, talvez em função
de suspeitas infundadas de ligações mantidas pela entidade com m ovim entos
revolucionários e subversivos da época.

Eo senhor considera que o seu propósito fundamentai na presidência


da Ordem era o de permanecer na luta pela democracia?

Sempre foi. Eu sempre considerei que a OAB havia nascido livre, e, portanto,
deveria permanecer livre ao longo de sua existência. Nesse sentido, estive
sempre disposto, durante a m inha gestão, a responder a todo e qualquer
questionamento do governo m ilitar em relação à atuação da Ordem, mas
m antendo um a posição dc absoluta independência.

Em algum momento o senhor foi convocado para depor, como


aconteceu com o dr. Ribeiro de Castro?

59
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Fui convocado sim, porque logo após o início da m inha presidência começaram
a ocorrer uns certos desentendimentos, uns certos conflitos, entre a OAB e o
governo, em função das criticas severas da Ordem ao regime.

E como eram esses depoimentos que o senhor prestava?

O 5 militares foram sempre um pouco indiscretos, queriam saber de muita


coisa sohre as a tivid a d es da O rdem . Q u eria m , p o r exem plo, to m a r
conhecimento da atuação da Ordem junto aos presos políticos e desaparecidos.
E u respondia, sem medo, m as cheguei a tom ar conhecimento de alguns
advogados que foram, não digo agredidos, mas entrevistados de maneira
tam bém um pouco indiscreta pelos órgãos de repressão. Perguntavam-me
coisas do tipo: “O que 0 senhor acha da atividade dos advogados?” Eu
respondia que a Ordem era um a entidade livre. Ora, se os advogados são
livres no exercício da sua atividade, a entidade que os congrega deve também
ser livre para agir de acordo com 0 que entender que seja a sua posição mais
adequada, diante de qualquer regime. Nesse m om ento é que surge a idéia de
vincular, subordinar a Ordem a um órgão público.

Inicialmente a vínculação seria ao Ministério do Trabalho, correto?

Sim, a princípio seria ao Ministério do Trabalho, 0 que nós, em absoluto, não


queríamos. A Ordem dos Advogados nada tem a ver com 0 Ministério do
Trabalho. O Ministério do Trabalho disciplina a atividade do profissional e
não a atividade da Ordem dos Advogados. A Ordem dos Advogados é livre
para ser o que ela deve ser. Eu partia do princípio de que a Ordem deveria
permanecer independente por todo 0 tempo, durante e depois da m inha gestão.

O senhor chegou a ser comunicado, formal ou informalmente, desta


intenção do governo de subordinar a OAB?

Sim. Em certa ocasião eu recebi um convite para um a entrevista com 0

ministro do Trabalho, Arnaldo Prieto. Ele queria um a conversa particular, e

60 «4B
V o lu m e , \ ( ).\B n,i V O / do '-

então nos encontramos no hotel cm que ele estava hospedado, na Barra da


Tijuca, se não m e engano. Ele demorou um pouco a chegar, mas foi direto ao
assunto, dizendo-se incumbido pelo presidente Geisel de conversar comigo a
respeito das atividades da Ordem dos Advogados. Inform ou-m e então da
intenção do governo e quis saber a minha opinião a respeito. Eu disse, claro,
prontamente, que era contra. Ele então insistiu me perguntando se eu estaria
interessado em fazer um acordo com o Tribunal de Contas. Eu mais um a vez
fu i enfático posicionando-me contra qualquer tipo de subordinação da Ordem
a qualquer entidade ou órgão público que fosse.

Ele então se deu por satisfeito?

Não. Quis saber por que razão eu era contra à subordinação da Ordem. Eu
novamente respondi, cordialmente, dizendo que no momento em que a Ordem
se subordinasse financeiramente ao Tribunal de Contas ela perderia a sua
independência. “Mas e se a independência financeira da Ordem fo r mantida?']
insistiu ele de novo. Eu me m antive inflexível. Por fim , ele me disse que o
presidente da República tinha m uita admiração por mim. Eu agradeci e lhe
respondi que isso em nada alteraria o meu comportamento na qualidade de
presidente da Ordem, posto que a admiração estaria no plano pessoal ou
profissional.

O regime militar foi mais duro com os advogados do que o Estado


Novo de Vargas.

O senhor poderia nos falar um pouco do caso do O rlando Bonfim,^


que era advogado, seu amigo, e um dos líderes do F^rtido Comunista
em Minas Gerais?

^ O r la n d o B on fim (19 15-1975), jorn alista e m ilita n ie d o P a rü d o C o m u n is ta B rasileiro (P C B ), desapareceu


e m 8 d e o u t u b r o d e 1975. S e g u n d o as declarações d o ex -sargen to do D O I-C o d i/S P , M arival D ias Chaves
d o C a n to , à revista Veja de 18/11/92, O r la n d o Bonfim te ria sid o c a p tu ra d o n o Rio d e Jan e iro p o r agentes
d o DO I/SP, levad o p a r a 0 cárcere C astelo B ranco, m o r t o c o m “ injeção p a ra m a ta r c a v a lo ” e depois jogado
n o rio Avaré, n o tre c h o e n tre a c id a d e d e A varé/SP e a ro d o v ia C astelo B ranco. Seu c o rp o n u n c a foi
e n c o n tra d o . D ispo nível e m h ttp ://w w w .to rtu ra n u n c a m a is.o rg .b r.

•ál 61
História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Ckro, nós éramos amigos. Em certa ocasião, m e perguntaram sobre a atividade


do Orlando Bonfim. Eu disse que ele era um advogado m uito correto, livre,
independente e que tinha um a certa tendência para a esquerda. Mais tarde o
Orlando desapareceu, eu nunca mais o vi. O que eu sei é que ele era o segundo
homem do Partido Comunista, em Minas. O primeiro era A rm ando Ziller.^
A esposa do Orlando chegou a me procurar para dizer que ele estava sendo
m uito vigiado e para me perguntar se eu sabia de alguma coisa que pudesse
estar sendo arquitetada contra ele. Eu disse que não sabia de nada, como não
sabia mesmo. Confirmei apenas o que ela já deveria saber: que ele desagradava
0 regime em função das suas posições políticas. Em verdade, nunca foi

esclarecida a verdadeira razão de sua prisão.

Em função do desaparecimento do Orlando Bonfim, o senhor não


teve medo de ser preso ou sofrer algum tipo de violência?

Não. Nunca me senti ameaçado e nem perseguido. Desde o inicio eu me impus


aos militares no que tangia ao respeito e à independência da Ordem. Em
certa ocasião eu cheguei a dizer-lhes que mesmo nunca tendo sido comunista,
os respeitava pelo direito que tinham da livre manifestação de idéias.

O senhor tinha o apoio dos conselheiros da OAB para atuar dessa forma?

Os conselheiros federais me deixavam absolutamente livre para atuar como


advogado e como presidente da OAB. O que eu sei é que, em um certo
momento, m inha atividade como presidente da Ordem começou a desagradar
os militares, porque eles estavam querendo impor ao país um regime de direita,
um regime de constrangimento, e eu era contra isso.

^ A rm a n d o Ziller (1908-1992) filiou-se a o P C B , e m M in as G erais, n o a n o d e 1933. M ilita n te a tu a n te , foi


secretário d o C o m itê R egional e m e m b ro d o C o m itê C en tra l. T a m b é m c o m o im p o r ta n t e líd e r sindical,
p re sid iu o S in d ica to d o s Bancário s e m C u ritib a e Belo H o riz o n te . Foi ain d a p re s id e n te d a Federação dos
B an c á rio s d e M in a s G erais c G oiás, sec re tá rio-g eral da C o n fe d e ra ç ã o N a c io n a l d o s B anc á rio s e da
C o n fe d eraç ã o In te rn a c io n a l dos Bancários. Em 1946, elegeu-se d e p u ta d o federal p o r M in as G erais, tendo
0 m a n d a to cassado d o is an os m ais ta rd e e m função d e o seu p a r tid o te r sid o p o s to n a ilegalidade. Em

1964, estava na T ch ecoslo váq u ia, p a rtic ip a n d o d o C o ng resso da Fe de ra çã o Sindical M u n d ial, q u a n d o os


militares to m a r a m o p o d e r n o Brasil. P erm a n e c eu no exílio até o a n o d e 1980, q u a n d o , anistiado , re to rn o u
a o país. D isponível e m http ://w w w . 2ille r.c o m .b r/h tm l/fo c o /fo c o .h tm .

62 «àl
\ U A B n,5 V I ) / í l o s ' - s n i s I ’ u - s i i i c n t c ' '

Considerando o fato de o senhor também ter sido advogado durante


o Estado Novo, seria possível fazer uma comparação entre o regime
militar e a ditadura de Vargas?

Eu acho que a ditadura mais severa fo i a dos militares. Foi pior do que a do
G etúlio/ Os militares foram mais rigidos em relação aos advogados. Eles
queriam nos subordinar ao regime. E como os advogados, de um modo geral,
eram independentes, sofriam essas restrições: eram presos, transferidos para
outros locais e tudo mais. Alguns permaneceram presos e outros saíram, foram
postos em liberdade. M as a notícia que eu tinha era que os advogados presos
eram m uito duram ente interrogados a respeito das suas atividades.

Com o Getúlio não foi tanto assim?

Getúlio era um homem m uito inteligente e queria figurar como um presidente


que não perseguia ninguém. Mas, claro, perseguia. M uitos advogados foram
presos entre 1937 e 1945, e alguns sofreram tam bém constrangimentos
desagradáveis, tendo sido até levados para fora do Rio. D izia-se que havia
advogados torturados, mas eu nunca soube nem assisti, é claro.

Na Conferência Nacional de Salvador, durante a sua gestão, o d r F^ulo


Brossard fez um discurso muitíssimo fone contra o regime. O senhor
teve algum problema com os militares em função deste episódio?

N ão tive nenhum problema.

A década d e \9 3 0 foi m a rc a d a p o r u m pioccsso de crescente centralização d o poder. N o Brasil, essa tendência


d esem bo caria na d ita d u ra d o Estado Novo. em 1937. C o u b e à OAB, d esde 1935, d ia n te da utilização d e
in s tru m e n to s coercitivos, c o m o a Lei de Segurança N acional (LSN), e a forte repressão q u e se seg uiu à
tentativa d o s co m u n istas d e p ro m o v e r u m a revolução socialista n o B ra s il- m o v im e n to q u e fic o u c o nh ec id o
c o m o “ln te n to n a C o m u n is ta ” - , a intensificação da luta em defesa das liberdades dem o cráticas e d o s direitos
h u m a n o s. Juristas c o m o (oâo M angabeira, Sobral P into e Evandro U n s e Silva foram presen ças c onstantes
nas d e n ú n cias c o n tra os arbítrio s d o regime. Ver d e p o im e n to d e E vandro Lins e Silva ao C P D O C -F G V
p u b lic a d o n o livro O salão dos passos perdidos. Rio d e Janeiro; Nova Fronteira: E ditora FVG, 1997.

m àB 63
______________ Históría_da
O rdem dos Advogados do Brasil

E a OAB hoje em dia, continua livre e independente?

N ada mudou. O ponto de vista da O AB fo i sempre o mesmo: nunca adm itiu


qualquer subordinação de sua atividade.

Depois da sua presidência o senhor se afastou um pouco da OAB,


não?

Sim, m e afastei. O que aconteceu fo i que o meu sucessor na presidência da


Ordem , o dr. Eduardo Seabra Fagundes, começou a receber u m a certa
influência de organismos estranhos à Ordem, com tendências de esquerda, o
que m e incomodou.

No seu entendimento, de que forma isto aconteceu?

Era mesmo um a tendência à esquerda que vinha se manifestando. Eu, que


nào tinha essa tendência e achava que a Ordem devia ser livre, deixei de
comparecer às reuniões e acabei me afastando totalmente. N ão ia mais à
Ordem dos Advogados, porque eu ficava n u m a situação m uito desagradável:
ou eu me tom ava “do contra'] me opondo a toda e qualquer proposta, ou eu
aceitava. Eu não podia aceitar, então, para não figurar como a ovelha negra,
m e afastei.

O senhor chegou a cogitar a possibilidade de concorrer à reeleição?

Alguns colegas chegaram a m e consultar um a vez sobre essa possibilidade. Eu


disse que não. A Ordem só teve um presidente que se reelegeu,^ ainda numa
fase inicial de organização. Depois nunca mais houve advogado nenhum que
tivesse aceitado concorrer à reeleição.

’ S o bre o ass u n to , ver e n tre v ista d e José C avalcanti Neves, neste volum e.

64 •àM
Volume 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

Ao lado do busto de Ruy Barbosa, com Nehemias G ueiros, M. Iranchini-N etto


e 0 em baixador.
Fonte: Rui Barbosa, Dois M om entos na Haia

•àB 65
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

A palavra é sua para as considerações finais.

Eu queria agradecer m uito a vocês pela condução descontraída da entrevista


e dizer que se há u m principio que sempre norteou a atuação da Ordem, ao
longo da sua história, é o d a independência, da autonom ia e da liberdade de
ação e pensamento. Nesse ponto, eu m e orgulho de ter podido contribuir,
humildemente, para a manutenção e fortalecimento desses ideais.

66 «▲B
Volum e 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

•ái 67
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Na presidência do I Congresso Regional dos Advogados (C am po G rande/ M ato Grosso do


Sul - O utubro de 1979). Entre outros, vê-se Wilson M artins, prim eiro presidente da seccional
de M ato Grosso do Sul (1® à esquerda); os conselheiros federais p o r M ato G rosso do Sul,
Sebastião Pinto Costa (6“), Celso Passos (7“) e Calheiros Bonfim (8“); e o conselheiro federal
por Alagoas, H erm ann Assis Baeta (9^).

68
V o lu m e / \ O M ? n .i VO/ (lo s (.('IIS I’ K 's ir k 'n t c s

Eduardo Seabra Fagundes

E n trevista do re s: M a rly M o tta e A n d ré Dantas


D atas das e ntrevista s: 11 e 2 0 / ju n / 2002
L o c a l da E n trevista : Escritório d o entrevistado (RJ)
D u r a ç ã o : 4h.

69
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Na minha gestão o lAB era mais combativo que a Ordem.

Em qual instituição o senhor se formou?

Eu m e form ei na Faculdade Nacional de Direito, depois Faculdade de Direito


da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1959, no ano do centenário
do jurista Clóvis BevilacquaJ

Quando o senhor entrou para o Conselho Federal da Ordem?

Entrei em 1967, quando o Conselho era presidido pelo advogado Samuel


Duarte. Fui eleito pelo meu estado, o Rio Grande do Norte. Naquela época, a
sede da Ordem era ainda no Rio de Janeiro e os estados recrutavam os seus
conselheiros entre advogados que militavam na cidade, ao invés de enviarem
representantes diretamente dos estados. H avia alguns grandes nomes da
advocacia brasileira, como o meu próprio pai, Miguel Seabra Fagundes -
digo sem modéstia - Victor N unes Leal, Sobral Pinto, José Paulo Sepúlveda
Pertence, o ministro Evandro Lins e Silva, enfim, pessoas que tornavam o
Conselho Federal um órgão muito vibrante, m uito respeitado. A circunstância
de serem advogados radicados todos na mesma cidade criava um ambiente
um pouco diferente do que é hoje, quando os encontros ocorrem apenas por
ocasião das reuniões formais da Ordem.

Antes de presidir a Ordem o senhor presidiu o Instituto dos


Advogados Brasileiros, correto?

' Clóvis B evilacqua (1859-1944) fo r m o u -s e n a F a c u ld a d e de D ire ito d e Recife, o n d e se fa m iliarizo u c o m o


p e n s a m e n to de Littré e s o fre u a influência d e Tobias B arreto, to r n a n d o - s e d e sd e e n tã o u m d o s principais
re p re s e n ta n te s d a c h a m a d a Escola d o Recife. Em 1897, in g re sso u n a A c ad e m ia Brasileira de Letras, c o m o
u m d e seus fu n d a d o re s . Em 1899, a p e d id o d o go v e rn o d e C a m p o s Sales, foi e n c a rre g a d o d e red ig ir o
a n te p ro je to d o C ó d ig o Civil Brasileiro. D u ra n te a sua vid a d e ju rista , p u b lic o u diversas o b ra s , d e n tre as
quais: Filosofia positiva tio Brasil (1883), D ireito das sucessões (1898) e Teoria geral do direito civil (1908).
Ver G rande Enciclopédia Larousse C ultural, op. cit.

70 •41
V o lu m e , \ O A l ' j II.I VO/ clos s r u s I ' r c s n l c i i t u s

Em 1976, três anos antes de assumir a presidência da Ordem, eu me tomei


presidente do lAB, lá permanecendo até 1978. Foi um processo que decorreu da
inconformidade de um grupo de advogados com o ambiente do Instituto. Eu,
de certa forma, fu i levado a concorrer à presidência por absoluta divergência
com 0 quadro eleitoral que se desenhava naquela ocasião. Como era um período
de grande ebulição, terminei sendo envolvido em discussões políticas, já que a
categoria dos advogados estava se mobilizando também, intensamente, naquela
ocasião, por uma reformulação da situação política do Brasil

A reforma do Poder Judiciário, todos sabemos, acabou sendo feita


de m odo arbitrário pelo Pacote de Abril, em 7 9 7 7 / O lAB chegou
a encam inhar propostas de reforma do Judiciário para o Congresso
Nacional?

Um pouco antes do Pacote de Abril nós criamos um a comissão, da qual


participei, e fizem os um a série de sugestões, muitas das quais vieram a ser
acolhidas pela Constituição de 1988, como a criação do Superior Tribunal de
Justiça e a descentralização do Tribunal Federal de Recursos, que teve a sua
competência distribuída entre vários tribunais regionais federais - um no
Rio, um em São Paulo, u m no Rio Grande do Sul e assim por diante. M as eu
não quero superdimensionar essas sugestões do lAB, porque aquelas eram
idéias, no geral, que muitos advogados, muitas instituições, tinham na cabeça.

A descentralização era uma bandeira do Judiciário ou era uma


tendência geral rumo à democracia?

Acho que era predominantemente uma questão técnica do Poder Judiciário. A


justiça federal, que é um a justiça relativamente nova ~ fo i criada há menos de

^ o Paco te de Abril, b a ix a d o p elo p re s id e n te E rnesto Geisel, a 1® dc ab ril de 1977, a p ó s d e c re ta r o fe c h am en to


d o C o n g re ss o N acio nal, c o n sis tiu e m u m c o n ju n to de m edidas q u e visav a m e sp e c ia lm e n te a preserv ação
da m a io ria g ov ernista no Legislativo e o co n tro le so b re os cargos executivos em to d o s os níveis. C o m tais
objetivos, ficou d e te rm in a d o , e n tre o u tra s coisas, o fini das eleições d ire ta s p a r a os gov ern os dos estados,
a eleição d a terça p a rte d o s sen a d o re s p o r via in direta e a am plia ç ão d o m a n d a to p resid en cial d e cinco
p a ra seis anos. Ver M arly Silva d a M o tta, Teotôiiio V'i7e/a (coleção G ra n d e s V ultos q u e H o n r a r a m o Senado),
Brasília: S enad o Federal; R io de Janeiro; C P D O C /F G V , 1996.

•Al 77
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

trinta anos - não foi dotada dos meios e mecanismos adequados para prestar
um bom serviço à comunidade. Evidentemente que não se podem culpar os
juizes, eles estão simplesmente sob uma carga avassaladora de serviço, não podem
prestar o que se espera deles. Então, peca o poder político, peca o presidente da
República, peca o Congresso, porque não dotam a justiça federal de meios
suficientes para prestar um serviço pelo menos razoável. Naquela época, a
situação era incomparavelmente pior, porque havia um único Tribunal de
Segundo Grau responsável pelo julgamento das causas em grau de recurso,
recurso ordinário. Para causas em que a União e suas autarquias fossem parte,
no Brasil inteiro, havia apenas um tribunal, que era o Tribunal Federal de
Recursos, na capital da República. Era simplesmente inviável, com ou sem regime
autoritário. É evidente que o Poder Judiciário pode proteger muito melhor o
cidadão contra o regime autoritário se houver descentralização. Mas antes
mesmo do regime militar já havia essa demanda superior à capacidade de
julgar da justiça federal.

A OAB encampou as propostas do lAB?

A Ordem tinha suas próprias idéias sobre a reforma do Judiciário. Acho que
ela deveria ter exigido a convocação de um a Constituinte. Senão a convocação
da Constituinte, um a reforma bastante profunda da Emenda Constitucional
de 1969.^ A lém de um a reforma do Judiciário m uito mais am pla do que
aquela que fo i feita. Deveria ainda ter pedido a anistia, o desmantelamento
dos órgãos de repressão, enfim, podia ter aproveitado aquela oportunidade
para obter um avanço muito maior do que se obteve. Evidentemente jam ais

^ Na con se c u çã o d o AI-5, o vice-presidente. P edro Aleixo, foi in c u m b id o d e c o o rd e n a r os tra b a lh o s d e reform a


d o te x to c o n stitu cio n al d e 1967. C o n stitu iu -s e e n tã o , n o â m b ito d o g o v e rn o , u m a c o m issã o fo rm a d a
pelos m in is tro s G a m a e Silva (Justiça) e R o n d o n Pach eco (C asa Civil), e pelos ju ris ta s Tem ístocles
C avalcanti, C arlo s M ed e iro s e M iguel Reale. Já n a fase d e con clu sã o das ativ id a d e s da co m issão , Costa e
Silva foi a c o m e tid o d e grave en fe rm id a d e . Em 31 d e ago sto de 1969, a p ó s c o m u n ic a r e m à n a ção so b re a
g ra v id a d e d o e sta d o d e saú d e d o presid ente, os m in is tro s d a M a rin h a , d o E xército e d a A ero náu tica
in s titu ír a m o A I-12, p o r m e io d o qu a l g a r a n tia m p a r a si a p re rr o g a tiv a d e g o v e rn a r o p a ís até o
re s ta b e le c im e n to d o presid en te, im p e d in d o assim a p o sse d e P ed ro Aleixo. D ois m eses m ais ta rd e , p o r
m e io d o AI-16, a m e sm a Ju n ta M ilitar, c o n s ta ta n d o a im p o ssib ilid a d e d e r e to r n o d e C o sta e Silva ao
go v e rn o , d e claro u vagas a p residên cia e a vice-presidência. Três dias d e p o is, em 17 d e o u t u b r o de 1969,
o s m in is tro s miU taies p ro m u lg a r a m a E m e n d a C o n s titu c io n a l n.° 1 q u e , e m sín tese, c o n c e n tr o u o p o d e r
nas m ã o s d o Executivo, e m d e trim e n to dos p o d e re s Legislativo e Judiciário e d a a u to n o m ia d e esta d os e
m u n ic íp io s. Ver D H B B , o p . cit.

72 •▲B
V o lu m e / A ( ) / \ R n.\ VO/ (lo s s e n s I ’ r c - 'id e n le s

fiz criticas ao presidente que me antecedeu, acho que esses assuntos só podem
ser tratados historicamente, posto que ele não podia ter a sua posição erodida
por divergências internas. Mas eu divergi internamente.

O senhor se identificava com uma linha de atuação mais combativa,


então?

Sim. A postura do Instituto durante a m inha presidência era m uito mais


combativa do que a da Ordem na mesma ocasião. Isso me leva a crer que fu i
eleito presidente contra o pensamento conservador, ou melhor, moderado, da
Ordem. Tanto que o Raym undo Faoro, que fo i meu amigo durante muito
tempo, a p a rtir de um certo m om ento passou a receber m a l a m in ha
candidatura, chegando a tomar certas atitudes que, depois, interpretando-
as, percebi que decorriam dessa divergência ideológica.

O senhor entende como divergência ideológica?

Sim, porque o Faoro, duas semanas após a outorga, pela Junta Militar, da
Emenda Constitucional de 1969, extremamente autoritária e violenta, que
nos envergonhou perante o mundo, escreveu um artigo de página inteira no
Correio da M anhã dizendo, entre outras coisas, que se tratava de um
docum ento dem ocrático.^ Então, para ele ficaria m u ito difícil fa zer as
reivindicações que eu vim a fazer durante o meu mandato. O ex-presidente
Caio M ário da Silva Pereira, um jurista excepcional, m uito afinado com o
Faoro, e cuja administração fo i muito conservadora, num a época em que
havia advogados presos e torturados, publicou um livro de reminiscências
em que diz que quando a m inha candidatura fo i lançada ele se retirou porque
não m e achava em condições de assumir a presidência da Ordem.^ Passados
20 anos, não se sentiu obrigado a dizer se a m inha atuação na presidência
havia confirmado, ou não, sua impressão pessimista.

' o a rtig o ao q u a l o e n tre v is ta d o se refere foi p u b lic a d o na edição d e 19-20 d e o u t u b r o de 1969.


^ Em suas m em órias, à p. 159, o dr. Caio M ário da Silva Pereira fez a seguinte afirmação: “E m abril de 1979 realizou-
se o pleito para n ovo período presidencial na OAB. Elegeu-se Eduardo Seabra Fagundes, que e u considerava não
ter as condições adequadas p a ra 'B a tto m ie r \ razão pela qual m e afastei totalm ente nos prim eiros tem pos d o seu
m andato” % r C aio M ário da Silva P e r e i r a , R i o d e Janeiro: Forense, 200!.

•Al 73
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Na sua visão, os dois representariam o pensamento conservador da


Ordem contra o quai o senhor se elegeu?

Acho que realm ente os quatro anos dos dois m andatos anteriores ao m eu
foram u m período bastante distinto dos precedentes e dos que se lhes
sucederam. Representavam o pensam ento mais conform ado com aquele
estado de coisas. Já no regime militar, a O rdem tinha tido, antes d o Caio
M ário e do Faoro, alguns presidentes m uito combativos: Samuel D uarte,
José Cavalcanti Neves, Ribeiro de Castro, que eram h om ens extrem am ente
afirmativos e combativos, inclusive n o Conselho de Defesa dos Direitos
d a P esso a H u m a n a ( C D D P H ) / D epo is, ach o q u e o p e n s a m e n to
conservador foi reentronizado com o Bernardo Cabral, que foi senador
pelo Partido da Frente Liberal (PFL). É m eu am igo e um hom em cujas
qualidades com o político todos reconhecemos, m as que tam b ém é m uito
m o d era d o , m u ito p o n d e ra d o nas atitudes. E n tã o foi n o v am e n te um
período de retraim ento. Daí em diante foram eleitos sem pre presidentes
afinados com o pensam ento progressista da Ordem .

Afirmavam que eu era um candidato natural à presidência da


Ordem.

O momento de extrema pol itização e a atuação à frente do Instituto,


portanto, impulsionaram a sua candidatura à presidência da Ordem?

Quando terminou o meu período no Instituto, muitos advogados, muitos


amigos, diziam que eu era candidato natural à presidência da Ordem. A
projeção que m e fo i proporcionada pela presidência do Instituto fe z com que
a m inha candidatura surgisse quase que naturalmente, sem que eu tivesse
tido propriam ente uma iniciativa nesse sentido. Alguns advogados da maior
expressão, como o presidente da seccional do Rio Grande do Sul, Justino
Vasconcellos, e o presidente da seção do Rio de laneiro, Eugênio Haddock
Lobo, tiveram a iniciativa de deflagrar a m inha candidatura. N a Conferência
Nacional de Curitiba, em 1978, meu nome surgiu com m uita força, com o
'' S ob re a p a rtic ip a ç ã o da OAB n o C D D P H , ver a en tre v ista de José C av alcan ti Neves, neste volum e.

74 «àl
V o liim r , •\ O A I'. 11,1 v t ) / (Ills s e n s I ’ l x - K k ' n t r s

apoio, entre outras, das seções do Rio Grande do N orte e de Pernambuco.


M inha candidatura não enfrentou grandes percalços, tanto que terminei eleito
por um a maioria m uito expressiva - foram 23 votos contra dois - enquanto
meu antecessor, o Faoro, havia sido eleito pela diferença de apenas um voto.

O senhor atribui a tranqüilidade da sua eleição a um desejo claro


da Ordem de se manter num caminho mais politizado?

N a verdade, entre a m inha presidência e a d o Faoro há um a diferença muito


grande. Épossível que alguns colegas entendessem que era preciso continuar
mais ou menos nos mesmos rumos. Mas, na verdade, a m inha atuação à
frente do Instituto, participando intensamente da vida política, falando em
nom e dos advogados, lançou-m e nessa disputa. Com o Faoro, a Ordem
adquiriu uma projeção m uito grande em função da estratégia que o governo
adotou para fa zer o processo de distensão política. O período do Faoro não
fo i um período de confrontação com o governo, que estava m uito desgastado
e isolado. Acho que o Petrônio Portela imaginou que era preciso dialogar com
entidades da sociedade civil, como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).^ M as a OAB, até
pelas suas tradições, pela luta que desenvolvera na ditadura do Getúlio,
apresentava-se como interlocutora natural.

Como o senhor avalia o desempenho da Ordem nesse papel de


interlocutora de um governo que prometia a abertura política?

Acho que a Ordem se limitou a reivindicar dois pontos básicos de qualquer


abertura política: o habeas-corpus para acusados de crimes políticos e a

' E rnesto Geisel a ss u m iu a presid ência d a R epública e m 15 d e m a rç o de 1974, c o m o p ro p ó s ito d e liberalizar


o regim e, b u s c a n d o m itig a r a u tilização d o s in s tru m e n to s d e exceção disponíveis, e n tre os quais o AI-5
era o p rin c ip a l. U m a “d isten são lenta, g ra d ua l e s e g u ra ”, nas suas p ró p r ia s p alavras, fo ra a fó rm u la
con ceb ida p ara a realização d o seu p ro je to - d o qual u m dos principais art iculad ores foi o general G o lb ery
d o C o u to e Silva, m in is tro -c h e fe da Casa Civil. Nesse con tex to, a “ M issão P o rtela ”, assim a p e lid a d a pela
im p r e n s a p o r q u e c o n f ia d a a o m in is tr o d a lu s tiç a, P e trô n io P o rte la , c o n s is tiu n a a rtic u la ç ã o d o s
e n te n à im e n to s c o m as lid e ra n ç as o po sicio n ista s e re p re s e n ta n te s da s o c ie d a d e civil, c o m o fo r m a dc
te n ta r reativar, g ra d a tiv a m e n te , os canais d e m o c rá tic o s de negociação e d is p u ta p o lític a e n tre g ru p o s
divergentes e a n ta g ô n ico s. Ver D H B B , op. cit., e M arly Silva da M o tta , op. cit.

75
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

restituição das prerrogativas da magistratura - sem o que a abertura política


teria sido uma coisa risível O entendimento com o governo deu m uita projeção
à Ordem, porque a imprensa deu uma cobertura muito grande, como, aliás, o
governo desejava. No entanto, eu tinha divergências relativamente a esse
processo, porque achava que a Ordem estava sendo usada em troca daqueles
pontos básicos que há pouco referi. Além da Constituinte, ela deveria ter
reivindicado uma série de outras medidas que tornassem mais rigoroso e mais
rápido 0 processo de democratização. Os órgãos de repressão política
continuaram agindo. Eram bolsões de resistência ao processo de democratização
que, em momento algum, foram tocados naquele período anterior à minha
presidência. A té mesmo porque o governo não tinha interesse em enfrentá-los;
ao contrário, tinha interesse em não criar arestas com esses grupos. Á Ordem,
por seu lado, também não criou, digamos assim, um a janela por onde se tivesse
a visão do que se passava nos porões da ditadura militar.

Além da questão do desmonte do aparato de segurança, marcou


muito o seu período à frente da Ordem a ênfase na questão dos
direitos humanos. Qual foi a estratégia adotada para se tocar em
pontos tão delicados como esses?

Na m in h a interpretação a ab e rtu ra que o presidente Geisel engendrou


foi u m recuo. O governo m ilitar foi perd end o sustentação e, se ele não
procedesse à abertura, fatalmente enfrentaria u m p eríodo extrem am ente
to rm e n to s o e delicado. A grad u alid ad e q u e o pre sid e n te G eisel e o
G olbery im aginaram foi u m a form a de prolo ngar o regim e m ilitar, pelo
m aior p eríod o de tem po possível, po rque eles tin h a m u m a concepção
de que era preciso haver u m a saída ordenada. O governo teve pleno
sucesso nessa estratégia, lançando m ão de algum as poucas m edidas que
estavam à vista de todos. No entanto, não se restabeleceu a eleição direta
para presidente, a anistia foi lim itada e, sobretudo, n ão houve a cobrança
pelos excessos com etidos p o r elem entos de d e n tro d o governo, que
c o n tin u a ra m d e s fru ta n d o de posições de força. Eu achava, desde a
presidência do lAB, q u e era preciso aproveitar aquele m o m e n to para
exigir u m avanço m a io r e m ais ráp id o. T anto q u e as re u n iõ e s dos
defensores da anistia se faziam lá no Instituto, e n ão na O rdem . Sob esse

76 «4t
V o lu m e / A Ü A B n a v o / clcjs sun s I ’ lc s i c i c n l c s

aspecto, o In stitu to se expôs m ais até do que a O rd em , que assum iu,


exatam ente pelo desejo de ter u m diálogo am eno com o governo, u m a
posição “m ais bem co m p o rta d a”.

Mais institucional, talvez?

Exatam ente. E vitando um a ruptura e, conseqüentem ente, perdendo a


oportunidade de aprofundar o diálogo para acelerar o processo de retorno ao
regime democrático. Q uando assumi a presidência, essa etapa já estava
vencida e achei que era necessário investir na questão dos direitos humanos,
porque havia ainda muitos presos, muitos exilados, muitos perseguidos. O
aparato de segurança se fazia presente e trazia angústia para m uitas pessoas,
inclusive para nós mesmos que atuávamos na Ordem.

O CDDPH só teve o seu funcionamento restabelecido após a minha


posse.

O senhor assumiu a presidência da OAB em 1979, no momento


em que se iniciava o governo Figueiredo, com Petrônio Fbrtela no
Ministério da Justiça. Como a Ordem viu a indicação de Portela
para este posto do governo?

De maneira m uito positiva, porque ele fo i um excelente interlocutor. Era um


homem m uito inteligente, m uito sagaz, um político preparado para a função.
O diálogo era m uito fácil pois Petrônio era um líder realmente talhado para
aquela posição. Ele tinha as condições pessoais para ser ministro da Justiça
naquele período. Era um homem maneiroso, extremamente elegante no trato.
Jamais manifestou desagrado por qualquer posicionamento mais combativo
da Ordem, como instituição, contra o governo ou coisa que o valha.

O senhor considerava que haveria progressos no que tangia à


questão dos direitos humanos?

77
______________ Historia da
Ordem dos Advogados do Brasil

Petrônio Portela tratou de reativar o CDDPH, que fora criado anos antes e
havia parado de funcionar. Era um fórum muito importante porque permitia
que tivessem assento, em torno da mesma mesa, o ministro da Justiça, os lideres
do governo e da minoria nas duas casas do Congresso, o procurador-geral da
República-que naquele tempo era de livre nomeação do presidente da República
- e três instituições que eram absolutamente independentes: a OAB, a A B I e a
Associação Brasileira de Educação (ABE), que naquele tempo era presidida
pelo professor Benjam in A lba ^i, além de dois professores - um de direito
constitucional e um de direito penal - indicados pelo próprio Conselho.

Como era o processo de indicação desses dois professores?

Este fo i um ponto de conflito no interior do Conselho. Logo na primeira sessão


eu havia m e preparado para indicar membros independentes, o que serviria
como um a espécie de teste para verificar se o governo estava sendo sincero no
propósito de instalar um Conselho realmente autônomo. Já no avião, encontrei
0 m eu velho professor, Pedro Calmon, que, embora ainda não tivesse sido
eleito, já estava indo a Brasília para participar da reunião do Conselho. Ele e
0 professor de direito penal, B enjam im de Moraes, viriam a ser indicados por
Petrônio Portela. Foi um a situação constrangedora: a sessão fo i aberta e o
ministro comunicou que os dois já estavam na ante-sala aguardando as
respectivas “eleições”. Eu pedi a palavra e disse que gostaria de sugerir dois
outros nomes: o professor Caldas, de direito penal, da Bahia, e a professora
Russomano, de direito constitucional, do Rio Grande do Sul. Eu aigüi que o
m eu velho professor não tinha condições de ser eleito porque já estava
aposentado. A discussão se estendeu por umas duas horas, e os dois lá fora
não entendendo o que se passava. Em seguida, a indicação fo i submetida a
votos e, evidentemente, ganharam os candidatos do governo, que foram então
introduzidos na sala.

Os membros do Conselho não temiam pela própria segurança?

Eles tin h am um a certa im unidade, até pela projeção internacional do


Conselho. Seria um escândalo se um de seus membros sofresse um a violência

78 «41
V o liin ir A ( ) A l i ii<i \,i)X (lu> sc'Lis l ’ r(,'--i(k'iit('s

física. Poderiam sofrer - como a Ordem sofreu, como a A B I sofreu - um


atentado; m as dentro das form as institucionais de atuação do Estado,
dificilmente aquelas pessoas seriam alvo de violência. O C D D PH só teve o
seu funcionam ento restabelecido após a m inha posse. Aliás, sem necessidade
de exigência, de um a requisição form al da OAB. Como eu disse, o próprio
Petrônio Portela teve a iniciativa de reativá-lo.

E como era a dinâmica de funcionamento do CDDPH?

Acho que nos reuníamos mensalmente, quando então tínhamos ocasião de


colocar algum as questões de m aneira extrem a m en te incisiva para as
autoridades presentes, que não podiam deixar de enfrentá-las. O primeiro
problem a que id en tifiq u ei fo i que as reuniões eram secretas. Eu e os
representantes da A B I e da ABE, desde o primeiro dia, propusemos que as
reuniões fossem tornadas públicas. Petrônio resistiu até o fim a essa proposta.
Com base no regimento do Conselho eu preparava e apresentava no início de
todas as sessões um texto requerendo que a reunião fosse tornada pública. E o
Petrônio reagia fortem ente: “O presidente da O rdem está querendo um
palanque perante a opinião pública. Isso aqui não épalanque”, dizia ele. M as
eu renovava o pedido, assim mesmo, em todas as sessões.

O exercício pleno da advocacia só é possível em um clima de


normalidade constitucional.

Os conselheiros federais apoiavam essa participação ativa do


presidente da instituição no CDDPH?

Acho que a homogeneidade que havia na Ordem se esfacelou quando o projeto


do presidente Geisel fo i implantado, porque, até então, não havia advogados
capazes de apoiar as restrições impostas ao habeas-corpus, a tortura como
meio de atuação política, as prisões indiscriminadas por motivos políticos e a
redução das garantias da magistratura. Havia praticam ente unanim idade
dos advogados sobre esses pontos. Algum advogado que fosse contra essas

•àM 79
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

posições certamente calaria por constrangimento. Portanto, era m uito fácil


naquela ocasião conduzir a Ordem, porque o caminho era claro, evidente.
Quando essas conquistas foram alcançadas, deixou de haver terreno para
aquela unanimidade, porque já não havia tantas pessoas a favor, por exemplo,
da anistia - alguns ou quase todos eram a favor da anistia, mas muitos
levantavam restrições à anistia de terroristas, pessoas que haviam praticado
crimes de sangue. Eu assumi logo um a posição m uito combativa e talvez um
pouco à frente da média dos advogados, porque acho que quando o regime
político é excessivamente fechado e não perm ite a participação das pessoas
no processo político, especialmente dos dissidentes, precisam-se ver com um a
certa indulgência aqueles que, por falta de caminhos, resolvem pegarem armas
para se opor ao governo. Eu disse isso num a entrevista à Veja, para ser
publicada nas páginas amarelas, o que não ocorreu. M ais tarde eu soube que
a revista entendeu que tal posição causaria um choque na opinião pública.
D e todo modo, devo dizer que o Conselho Federal fo i irrepreensível no apoio
à m inha atuação naquele período.

Em momento algum o senhor foi alvo de críticas?

N o Conselho, por essa atuação, não. N o foro, era. Eu sabia que alguns colegas,
nos corredores, diziam: “M as como é possível um presidente da Ordem que
defende terroristas, que não condena 05 autores de crime de sangue, não os
reprova de maneira incisiva?" E isso chegava aos meus ouvidos. Recebi cartas
anônimas ameaçadoras de pessoas que absolutamente não concordavam com
as posições da Ordem.

Na sessão de 24 de julho de 1979, que contou com a presença do


senador Teotônio Vilela, presidente da Comissão Mista da Anistia,
houve um debate muito interessante em torno do parecer do
conselheiro Sepulveda Pertence sobre este projeto. Foi possível notar
uma divisão entre os conselheiros que identificaram no parecer de
Pertence uma forte coloração política, anti-regimental portanto, e
os que entenderam como dever da OAB não só apoiar o parecer
como fornecer subsídios para o substitutivo preparado por Vilela.

80
V o lu m e / A O A B na v o z (!ob seus Presid entes

O senhor estava no meio dessa discussão e chegou a enviar,


inclusive, uma carta ao ministro Petrônio Portela com fortes críticas
ao projeto do governo. Como foi esse debate sobre a posição da
OAB em relação à questão da anistia?

N a verdade, o problema do revanchismo contra a OAB surgiu ali, porque a


Ordem se posicionou com m uita firm eza contra a anistia dada aos repressores.
Entendíamos que a anistia deveria alcançar exclusivamente os dissidentes
políticos. Os que estavam dentro do governo, se haviam cometido excessos,
deveriam ser julgados. Esse fo i o pomo da discórdia. E, afinal, triunfou na
OAB a corrente que achava que deveria ser excluído o dispositivo do projeto
de lei da anistia que beneficiava os torturadores e os agentes do poder público
envolvidos na repressão política em geral.

Desde a fundação do Instituto dos Advogados Brasileiros^, em


meados do século XIX, existe essa tensão interna entre a busca por
uma atuação mais voltada para o aspecto profissional e o
entendimento de que a luta poiftíca deve estar implícita no exercício
da advocacia, não?

Sim. Acho que esta tradição existe em função do engajamento na luta pela
lib erta çã o dos escravos, p ela R ep ú blica , p ela s red em o cra tiza çõ es.
Tradicionalmente, os advogados que participavam dessa associação tinham
posições políticas avançadas. O que caracterizou a Ordem fo i ela ter sido
criada pelos advogados. Porque, na verdade, o Instituto fo i um instrumento
de batalha pela criação da Ordem. A Ordem fo i criada pelo governo, mas por
um pedido, uma exigência, um a solicitação perm anente dos advogados, que
tiveram, assim, a oportunidade de moldá-la, dando-lhe dupla característica
- de defesa profissional e luta pelo aperfeiçoamento das instituições políticas
- que absolutamente não é contraditória, mas complementar.

* o In s titu to d o s A d vo gad os B rasileiros foi c ria d o em 7 d e ago sto dc 1843. Pa ra u m a análise d a c ria ç ã o e
a tu a çã o do In.stituto d u r a n te o Im p é rio ver o v o lu m e 1 dessa coleção, O lAB e os A dvogados n o Im p é rio ,
dc Lúcia M aria Paschoal G u im a rã e s & T â n ia M , T. Bessone da C ru z Ferreira, Rio tie Janeiro, O AB, 2003.

•ái 81
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

É uma constante, portanto, a combinação dessas posturas ao longo


da história da Ordem?

Se os advogados não tiverem um mínimo de garantias não podem exercitar


eficazmente a sua profissão, e issoficou evidente em vários momentos. Na ditadura
do Getúlio, por exemplo, Sobral Pinto e Evandro Lins e Silva mostraram como
era importante que advogados desassombrados pudessem exercitar sua atividade
sem temores. ^ Eu tive o privilégio de conviver com o Sobral. Ele fo i um bravo, e
por isso se tomou intocável. Diante de um homem público corajoso o governo
pensa duas vezes antes de recorrer à violência. N a ditadura militar houve
advogados presos e torturados. Isto demonstra que para defender o exercício pleno
da advocacia épreciso defender concomitantemente a normalidade constitucional;
e nada impede que a Ordem se bata pela democracia e também defenda as
prerrogativas dos advogados no seu dia-a-dia, no desacato que às vezes sofrem no
exercício profissional nas dificuldades que enfrentam em sua atividade diutuma.
Realmente a Ordem durante algum tempo viveu esse dilema: deveria dedicar-se
exclusivamente à defesa dos interesses dos advogados ou deveria ter participação
política, no alto sentido do termo? Sempre que o Brasil atravessou períodos de
anormalidade constitucional, triunfou aposição de que a Ordem deveria se bater
pela volta da normalidade democrática.

O presidente, pela sua projeção, dá a tônica da posição da Ordem.

Qual é o peso do presidente na definição de uma postura política


mais ou menos aguerrida por parte da Ordem?

De fato, 0 presidente, afinado com pelo menos grande parte da categoria,


contribui para que a ação se dê mais intensamente n u m ou noutro sentido.
D urante o período em que exerci a presidência recebi de alguns colegas a
m ensagem de que sentiam orgulho de ser advogados porque, naquele
momento, a sociedade admirava a categoria. Eu diria que no Conselho Federal
daquela época havia três ou quatro pessoas que discordavam muito da m inha

®Sobre a participação d a OAB n a resistência à d ita d u ra \^ rg a s ve ro de poim ento d e E vandro Lins e Silva ao C P D O C -
FGV publicado n o livro O saião dos passos perdidos. Rio d e laneiro: Nova Fronteira: Editora. FVG, 1997.

82 •àl
V o lu m e r A ( )A Pj 11,1 v o x ( I d s s t u'- P r c s i d r n t r s

linha de atuação - entre os quais o conselheiro Godoy Bezerra, que era um


hom em m uito conservador, mas com quem eu m antinha um a boa relação.
Havia um grupo u m pouco m aior que às vezes me apoiava e às vezes não.
Acho, entretanto, que a grande maioria apoiava com bastante entusiasmo a
atuação da Ordem naquele período.

Pela sua fala, então, fica evidente que o senhor identifica a Ordem
como uma instituição que assume a feição dos seus presidentes.
Isso é uma característica que perpassa toda a sua história?

É, a Ordem se caracteriza por u m acentuado presidencialismo. O presidente,


pela sua projeção, dá a tônica da posição da Ordem, o que não quer dizer que
0 Conselho Federal não seja também extremamente atuante e que não tome

as deliberações de sua competência. Penso, aliás, que nenhum presidente


sobreviveria se o Conselho lhe negasse inteiramente o apoio. Sempre ouvi
m uito os companheiros do Conselho Federal, isso talvez tenha sido u m dos
segredos da m inha presidência. Agora, pode ter certeza que a Ordem é dessas
instituições em que o presidente aparece perante a opinião pública como o
retrato da instituição.

Os conselheiros federais sabiam da importância de se promover a


integração das seccionais no contexto da Ordem.

Como se dava a relação entre o Conselho Federal e os conselhos


seccionais?

N a m inha época os conselhos seccionais procuravam entre os advogados do Rio


de Janeiro pessoas que tivessem ligações com os seus estados. Eu, por exemplo,
embora advogando no Rio de Janeiro, era natural do Rio Grande do Norte,
onde vivi durante um a parte da m inha vida: meu pai viveu m uito tempo no
Rio Grande do Norte, e lá fe z sua carreira na advocacia e na magistratura. Os
conselheiros federais tinham a consciência de que era preciso fazer um trabalho
de ligação: conversar com o presidente da seccional que o havia elegido para

•àl 83
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

coíher a opinião dos colegas dos estados. Mais tarde, com o desenvolvimento do
transporte aéreo e da telefonia no Brasil, passou a haver uma participação
maior dos presidentes das seccionais em reuniões. Periodicamente, o presidente
do Conselho Federal convocava - e até hoje é assim - todos os presidentes das
seccionais a se reunirem em determinado estado para discutir, trocar idéias,
impressões. N o meu período, o diálogo com as seccionais fo i m uito intenso, eu
visitei quase todas elas - inclusive Roraima, que fiz instalar durante a minha
gestão. Sempre recebido com m uita cordialidade, com m uita consideração, pelos
colegas dos estados, sentávamos com os advogados, discutíamos os assuntos,
inclusive a própria orientação da Ordem. Eu participava de encontros regionais
de advogados: fu i a um em Garanhuns (PE); outro em Londrina (PR). Dessas
reuniões, participavam, sobretudo, os advogados mais atuantes, porque o
advogado que é contra a participação da Ordem em questões políticas não
comparece, dificilmente disputa u m cargo eletivo. Eu diria então que a Ordem
é conduzida, em grande medida, por advogados que entendem que essa deve
ser a postura da instituição. Havia um grupo de presidentes extremamente
afinados comigo e com a minha administração^ de sorte que eu falava muito
freqüentemente com vários deles por telefone e nos reuníamos de dois em dois
meses no Colégio de Presidentes.'^

Na ata da reunião da OAB do dia 29 de maio de 1979 há uma


discussão em torno da representação feita pelo advogado Nélio
Machado contra o juiz auditor da Terceira Auditoria do Exército. A
questão era se a competência para encaminhar essa representação
seria da seccional do Rio de Janeiro ou se do Conselho Federal.
Esse tipo de questão era freqüente?

Era rarissima. Em geral os estados tratavam dos assuntos com m uita


propriedade, com muita correção, e o Conselho Federal os respaldava. Lembro-
me, por exemplo, de um episódio ocorrido em Goiás, onde foram descobertas
ossadas pertencentes a dissidentes políticos mortos em confronto com as forças
de segurança. Quando isso chegou aos ouvidos dos ativistas dos direitos
hum anos e das fam ílias de desaparecidos, eles vieram à Ordem. Sabia-se que
havia m uitas testemunhas daqueles fatos, m as temia-se por elas, posto que os
Sobre a ctia<;ão d o C olégio d o s Pvesidentes, vei a e n tre v ista de L a u d o C a m a r g o , n e ste v o lu m e .

84 •Al
V o lu m e - A (')AB na v o z (los scu> l ^ ii’s id c n lc s

Órgãos de repressão ainda estavam m uito ativos. Então, designei o m eu vice-


presidente, Sepúlveda Pertence, para ir a Goiás tomar o depoimento de todas
elas, 0 que por si só já os protegeria contra a “queim a de arquivo"'.

Havia distinção entre as seccionais mais dotadas de recursos e as


mais pobres?

Na verdade, havia as seções mais e menos participantes. Por exemplo, a seccional


do Amapá tinha 23 advogados inscritos naquela época. O Conselho se compunha
de 12. Então, quem formasse uma chapa de 12já ganhava a eleição com maioria
de pelo menos um voto. Agora, havia seccionais mais participantes, que tinham
a iniciativa de procurar o Conselho Federal. São Paulo, por exemplo, era uma
potência, um a seção extremamente participante, muito afinada com o Conselho
Federal e presidida de form a excepcional pelo Mário Sérgio Duarte Garcia,
que depois fo i presidente do Conselho Federal A seção do Paraná também era
extremamente afinada com o Conselho, presidida pelo New ton de Sisti. A
seccional do Rio Grande do Sul era excepcional também, sob a presidência do
Justino Vasconcellos, um homem atuante, muito equilibrado - eu diria até que
bem mais equilibrado do que eu, que sempre fu i mais impulsivo. N o Rio havia
0 Haddock Lobo, outro expoente.

A atuação dos conselheiros federais era pautada pela orientação


vinda das seccionais ou eles atuavam com liberdade?

Os conselheiros federais atuavam com inteira liberdade. Eventualmente, em


função de um entendimento nas questõespolítico-eleitorais, m uitos se sentiam
no dever de seguir as instruções das suas seccionais, mas no dia-a-dia do
Conselho atuavam com inteira autonomia.

O perfil da Ordem era traçado naquela ocasião por advogados


militantes forenses.

85
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Esses advogados que não se mobilizavam pelas questões políticas


talvez se preocupassem mais com a questão do mercado de trabalho.
Havia alguma cobrança dirigida à OAB por uma atuação mais efetiva
na questão da reformulação do ensino, por exemplo?

H avia demandas. Mas acontece que no Brasil m uitas pessoas se fo rm a m em


direito não necessariamente para advogar ou para ingressar na magistratura
e no Ministério Público. Formam-se e tiram a carteira da Ordem em função
do prestígio que a instituição tem. Esse quadro fa z com que nossas eleições
gerais, no fundo, sejam decididas pelos advogados não-militantes.

O que são as eleições gerais da Ordem?

N o meu tempo elas serviam para eleger exclusivamente os conselhos seccionais


e as diretorias das subseções. Os conselhos seccionais elegiam suas próprias
diretorias e os representantes do Conselho Federal. Os eleitores eram advogados
m uitas vezes não-militantes, mas os eleitos eram quase sempre advogados
militantes. Hoje em dia essas eleições se tornaram mais amplas: os advogados
votam não apenas para a escolha dos conselheiros seccionais, mas também
dos dirigentes das seções e dos conselheiros federais. A 5 eleições da Ordem
cam inharam no sentido de se tornarem cada vez mais diretas.

Há alguma outra distinção entre advogados militantes e não-militantes?

Entre espécies de m ilitânáa, sim. Os advogados que exercem exclusivamente


consultoria, que são muitos, raramente participam das atividades da Ordem.
Eu diria que 0 perfil da Ordem era traçado naquela época - hoje em dia um
pouco menos - por advogados com militância forense.

E quais são as demandas dos advogados militantes?

N o dia-a-dia, 0 que preocupa mais é 0 funcionam ento do Poder Judiciário.


Esse tipo de dem anda dos advogados desaguava nas seccionais e era trazido

86 màM
V o liiiiic , A OAI-) n,i VO/ (los si'U'-- I’ rc'-idi'Htc's

até nós, possibilitando à Ordem alguma atuação pela melhoria da Justiça.


Tanto que a Ordem esteve presente na reforma do Poder Judiciário, na
cobrança ao Ministério da Educação pelo aprimoramento do ensino jurídico,
etc. M as a verdade é que a atuação da Ordem nesse campo é menos poderosa
do que precisaria ser,porque enfrenta muitas resistências, tanto do Judiciário
quanto das instituições de ensino jurídico, que transform aram o ensino
superior, de um a maneira geral, no Brasil, em comércio. De todo modo,
conquistou-se a obrigatoriedade dos exames de Ordem, que resulta em um
m ínim o controle de qualidade dos profissionais do direito."

O teor das atas das reuniões da OAB versa, habitualmente, sobre as


reclamações de advogados contra juizes, em função de descaso,
desatenção, desacatos e etc. A O rdem encam inhava essas
reclamações para os juízes?

As seccionais encam inhavam . N o Conselho Federal havia m u ito pouca


atuação nesse plano, até porque ele não se relaciona diretamente com nenhum
órgão local do Poder Judiciário, o que fica a cargo das seccionais. Algum a
coisa ia para o Supremo Tribunal, que, m uito cioso dos seus poderes, das suas
prerrogativas, era pouco permeável às reivindicações da Ordem. Naquela
época inexistia o Superior Tribunal de Justiça.

O que o senhor quis dizer com "pouco permeável"?

Por exemplo: a Ordem se insurgiu contra a instalação do sistema de relevância


da questão federal como requisito de cabimento do recurso extraordinário.
N ão adiantou. O Supremo decidia as argüições de relevância em sessão secreta,
sem acórdão, sem fundamentação; seu acolhimento ficava inteiramente sujeito
à discrição dos ministros. Ninguém sabia as razões que tinham levado o
Supremo a descartar um a determinada causa e julgar outra. Em função disso,
os advogados se mobilizaram e conseguiram que na Constituição de 1988
fossem incluídos dois dispositivos: um, vetando o caráter sigiloso das reuniões,

“ 0 Ex a m e d e O r d e m foi in s titu íd o pelo E sta tu to de 1963. N o e n ta n to , s o m e n te em 1994, c o m a su a refo rm a,


o E x a m e pa sso u a s e r ob rig a tó rio .

•àl 87
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

salvo q u a n d o o interesse público o exigisse, e outro estabelecendo a


obrigatoriedade de fundamentação de todas as decisões judiciais, o que é uma
garantia da cidadania. Eu diria que esse avanço fo i fr u to da luta dos
advogados, da influência que conseguiram ter ju n to aos constituintes.

E a Defensoria Pública?

Naquela época, estava ainda em organização. Ela sempre sofreu m uito por
fa lta de meios. A pobreza no Brasil é tão disseminada que sobrecarrega os
órgãos de defesa dos economicamente necessitados. Em um a cidade como o
Rio de Janeiro, por exemplo, cerca de 70 a 80% das causas são provavelmente
patrocinadas por defensores públicos. Pode ser até que eu esteja enganado
quanto à exatidão desses números, mas, de todo modo, é bastante expressivo.
Obviam ente, a Defensoria não pode dar conta dessa massa de trabalho.
Embora tenha melhorado muito, ainda assim continua sendo um serviço
extrem am ente deficiente e que terá de ser aperfeiçoado com o tempo.

Entendi como um dever a atuação da Ordem no período da repressão.

O senhor imaginou que a atuação combativa da Ordem pudesse


atiçar os órgãos de segurança contra ela?

Eu não imaginava tanta violência, mas não podia ignorar que alguma reação
haveria, como freqüentem ente ocorre em períodos de quebra de garantias
constitucionais. Agora, acho que a Ordem não podia faltar, naquela ocasião,
aos perseguidos, aos desaparecidos e suasfamílias. Eles não tinham para quem
apelar - havia diálogo com a ABI, mas menos do que com a OAB. A verdade
é que vinham ao meu gabinete trazer denúncias, queixas e reclamações, sendo
inadmissível um a atitude pusilânime.

O senhor lembra do caso de algum desaparecido, em especial?

88 «41
V olum e / A C)AI5 na v o / (lo'4 scus IVcsidtMilfS

Eu me lembro de um a moça que me causou forte impressão. O pai dela era


m ilitante político e estava desaparecido há anos. Ela dizia: “Doutor, todo dia
quando alguém bate em m inha porta, eu acho que é o meu p a i voltando.”
Como eu poderia ficar num a posição comodista? Essa moça ficaria descrente
da hum anidade, das instituições, da OAB, se eu nada fizesse, se me limitasse
a escutar e fechasse os olhos. Entendi como um dever dar repercussão a tudo
que era levado à O rdem . C riei um a assessoria de direitos h u m a n o s
exclusivamente para tratar desses assuntos, com advogados contratados, sob
a coordenação do Nilo Batista.

E qual era o procedimento para o encaminhamento dessas questões


de desaparecidos?

Eu as encaminhava a essa assessoria e lá eram preparadas as matérias que eu


levaria para o CDDPH. À s vezes eu expedia algum oficio ou prestava
declarações à imprensa. M as normalmente esses assuntos eram levados ao
Conselho. Era um a form a de dar publicidade aos casos.

A OAB tinha facilidade para obter espaço nos jornais para a denúncia
desses casos de desaparecidos?

Enorme facilidade, mesmo em órgãos como o jornal O Globo, que um a vez


me desancou em editorial porque defendi a convocação da Constituinte num
mom ento em que ainda não se falava nessa questão. N aturalm ente que a
tonalidade da notícia em cada jornal era diferente. Só para ilustrar, um a vez
u m jornalista me disse que eu era a única pessoa que estava p au tad a
diariamente. Ou seja, diariamente eles tinham que vir ao meu gabinete colher
informações. H avia por parte dos jornalistas a preocupação em não ''levar
fu r o ’'. À5 vezes um jornalista dizia: “Doutor, tem alguma coisa que vai sair
n '0 Globo que não vai sair no Jornal do Brasil?” Eu diria que os jornalistas
eram absolutamente abertos a qualquer tipo de denúncia; as restrições que
havia partiam das direções dos jornais. M esmo na televisão, onde o controle
era maior, concedi inúmeras entrevistas e, senão todas, pelo menos a maior
parte fo i veiculada. Lembro-m e de ter participado de programas, mesas-

•à B 89
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

redondas, na T V Bandeirantes, na T V Globo, sem jam ais sofrer restrições.


H avia certa prudência nos programas de televisão, inclusive da m inha parte.

O Abi-Ackel era um homem mais duro na presidência do CDDPH.

Com a morte de Petrônio Portela, em janeiro de 1980, foi nomeado


para o Ministério da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel. Na sua avaliação, a
mudança do clima político pode ter favorecido os atentados que
ocorreram ao longo daquele ano?

Houve mudanças, mas eu não acho que tenha havido um a ligação direta
com os atentados. O Abi-Ackel era um homem mais duro na presidência do
CDDPH, e isso se manifestou logo, mas nada além disso.

Ele chamou o senhor para conversar?

Não, ele era m uito formal. Todos os entendimentos com ele foram no âmbito
do Conselho. Aliás, tanto com ele quanto com o Petrônio. Eu nunca tive uma
reunião com os dois em que não houvesse outras pessoas presentes. Os dois
foram sempre m uito elegantes, jam ais tiveram qualquer manifestação que
pudesse ser interpretada como um a interferência ou como um a ameaça.

Em maio de 1980 foi realizada a Conferência Nacional de Manaus,


cujo tema principal foi a liberdade. Pode-se notar no seu discurso,
na ocasião, uma ênfase muito grande nas questões sociais: a dívida
externa, a pobreza, a desigualdade de renda. Por que esse foi o tom
escolhido?

Porque eu achava que a abertura era um a etapa vencida, e que era preciso
aprofundar a luta, inclusive para convocação da Constituinte. A Constituição
estabelece m ecanism os para que a sociedade possa reivindicar m elhor
distribuição da riqueza. Eu achava que já estava no m om ento de a OAB sair

90
V o lu m e 7 A O A i) na \o / dos s o l i s I’ r c ^ i c k ' n l L ' s

daquela unanim idade em torno de uma agenda m ínim a de redemocratização


e começar a fa zer reivindicações de caráter social. O déficit social era brutal,
mas era impossível aprofundar essas questões antes que alguns instrumentos
de garantia fossem concedidos.

Na pauta da Conferência pouco se tocou na questão da reforma


agrária. Como este assunto era visto pela OAB?

£ra uma questão espinhosa e não havia unanimidade em torno dela, isso porque
há um contingente muito grande de advogados conservadores-porformação até,
0 advogado tende a ser conservador mesmo. Mas no tocante à Conferência, acho
que no momento em que ela foi organizada - quase um ano antes - ainda havia
uma ênfase maior nas garantias das liberdades. Por isso este foi o tom dominante.

Seu discurso foi bastante crítico ao governo, tendo na platéia o


ministro Abi-Ackel. Ele se manifestou em defesa do governo?

M anifestou-se m uito duramente em relação ao m eu discurso.

Mas isso estava previsto?

No protocolo, não. Assim que eu terminei o meu discurso, um elemento provocador,


num a das galerias do Teatro Amazonas, gritou: “Queremos ouvir o ministro
Abi-Ackel” Isso me levou a lhe oferecer a palavra. Como ele fala muito bem e é
m uito combativo, jêz um pronunciamento veemente, dizendo que a Ordem
criticava em demasia mas não apresentava sugestões, o que causou até certa reação
dos advogados presentes. Alguns colegas acharam que eu devia ter respondido,
mas eu me restringi a dizer que o ministro seria devidamente atendido, posto que
durante a Conferência seriam apresentadas as nossas sugestões.

91
______________ História da
O rd e m d os A dvogados d o Brasil

A violência da criminalidade comum ainda estava muito distante.

Em abril de 1980, a Ordem organizou um sem inário sobre


criminalidade.'^ Qual era a pertinência de um tema como este
naquele momento?

Foi um seminário mais técnico do que qualquer outra coisa. Foi uma discussão
m u ltid iscip lin a r, m u ito bem organizada, vo lta d a p a ra a análise da
criminalidade comum, especialmente da criminalidade urbana.

À época, qual a sua percepção acerca da violência?

A violência ligada à criminalidade comum ainda não tinha a intensidade dos dias
atuais, ao contrário da violência política, muito presente e intensa. Havia, de fato,
crimes violentos, mas eu diria que na medida do que se podia suportar. Depois é
que a criminalidade sofreu um crescimento espan^so, que, naquda ocasião, ninguém
seria capaz de prever. De todo modo, era um assunto que já preocupava.

Havia um certo receio em acionar a polícia contra a criminalidade


urbana, em função da possibilidade de reforçar, por tabela, os
instrumentos de repressão política?

N a verdade, a repressão aos dissidentes políticos era controlada por órgãos de


fora da polícia, como o Cenimar, o DOI-Codi, entre outros.'^ A polícia era
usada como instrumento auxiliar, e, por isso, não se fa zia m uita associação

o Se m in ário sobre C rim inalidade Violenta acon tec e u n a cid a d e d o Rio d e Jan eiro, e n tr e os dias 23 e 25 d e
ab ril d e 1980.
” O Serviço N acion al de In f o rm a çõ e s (S N I) foi cria d o em 13 d e ju n h o d e 1964. E n tre o s vários órg ã o s q u e o
inte g ra v a m , e n c o n tra v a m -se os c en tro s d e in fo rm a çõ e s das Forças A rm a d a s: Ciex, Cisa e o C e n tro d e
In f o rm a ç õ e s d a M a r i n h a (C e n im a r). O D e s ta c a m e n to d e O p e ra ç õ e s d e In f o rm a ç õ e s - C e n t r o de
O p e ra çõ e s d e D efesa In te rn a (D O I- C o d i) foi c ria d o e m ja n e iro d e 1970, c o m o fo r m a d e centralizar, a
p a r tir d o Exército, as ações repressivas d o Estado. P resentes n a s esferas region ais e respo nsáv eis pelo
c o m a n d o de to d o s os o rg a n is m o s existentes e m c ada área, to rn a ra m - s e d e sd e e n tã o a p rin c ip a l e s tr u tu ra
p o r m e io d a q u a l os gov ern os m ilitares a rtic u la ra m a repressão. Ver D H B B , op. cit.

92 •41
V o lu m o / A Ü ' \ Í 3 n a v o z cios sclis I're s ic lo n fc s

entre as duas coisas. Nós sabíamos que aqueles mecanismos jam ais poderiam
ser utilizados para reprimir a criminalidade comum, que estava crescendo
muito. Achávamos que havia a necessidade de se estudar as causas, sobretudo
as causas da violência, e as maneiras de combate inteligente através de
m ecanism os democráticos. Realm ente não se pensava no uso de força
extrapolicial para reprimir aquele tipo de criminalidade.

Então havia uma certa aposta no enfrentamento efetivo das causas


da criminalidade comum com a volta da democracia?

È, nós tínhamos o exemplo da Itália, que tinha combatido a criminalidade


co m u m com in stru m en to s democráticos, de m aneira m u ito eficiente,
desmantelando a Máfia.

Não esperávamos tanto quanto houve, mas nos sentíamos


ameaçados pelo "terror".

Fazendo um breve histórico dos atentados contra advogados militantes


e contra a OAB, em março de 1980 o alvo foi o escritório do dr
Sobral Pinto; em abril, a OAB do Rio Grande do Sul; emJunho, houve
ameaças à seção da OAB de Uberlândia e o atentado contra o dr.
Dalmo Dallarl; em Julho, foram atingidas as bancas que vendiam
Jornais alternativos. Finalmente, no dia 21 de agosto, o atentado à
Ordem, e, no seguinte, a bomba no escritório do vereador Antônio
Carlos da Carvalho. Vocês nunca se sentiram ameaçados p o r esses
eventos anteriores à bomba que matou a dona Lyda Monteiro?

Embora alguns desses fatos tenham sido considerados incidentes menos


preocupantes, nós nos sentíam os ameaçados sim. N ão im aginávam os, no
entanto, o que viria pela frente. O atentado à sede da O rdem , no Rio, fo i
de um a audácia extraordinária. Teve repercussão internacional, saiu nos
jornais do m u n d o inteiro. Eu acredito que as pessoas m ais equilibradas
do governo ja m a is im aginariam um a coisa daquelas para in tim id a r a

•àM 93
História da
I Ordem dosAdvogados do Brasil___________________________________________

Ordem. Era inim aginável que houvesse u m aparelho tão fora de controle
a pon to de chegar àquele excesso. Particularm ente, m eu p a i tinha m uito
tem or pela m in h a segurança, vivia m e dando conselhos. Ele lam entava
que eu morasse em lugar ermo, distante. N aquela época, eu residia em
São Conrado, em u m a casa - da qual eu me m udei no dia do atentado -
n u m a rua bastante deserta, extrem am ente vulnerável: era em fren te a
um morro coberto p o r um a floresta, de m odo que se alguém entrasse ali
não seria visto e veria todo o m ovim ento da casa. H ouve u m fa to que me
preocupou m u ito e que m e fe z im aginar que algum a represália poderia
haver, só não fa zia idéia de que seria tão trágica. Por ocasião do atentado
ao professor D alm o Dallari,'"^ que até hoje não ftcou bem esclarecido, eu
reivindiquei que lhe fossem mostradas as fotografias dos agentes do D O I-
Codi de São Paulo, para ver se ele identificava alguém. Eu dizia que ele
tinha 0 direito de ver essas fotos, porque esses agentes não poderiam ser
im unes à ação do Estado e da Justiça. Era preciso identificá-los. Aquilo
rea lm en te causou u m a reação e x tre m a m e n te vio le n ta p o r p a rte do
governo, o A b i-A c k e l reagiu de m a n eira m u ito in ten sa . E u fiq u e i
preocupado e, de fato, pouco tem po depois explodiu a bom ba na Ordem.

O senhor recebeu alguma proteção da Polícia Federal ou da policia


do estado do Rio de Janeiro?

Não, nada, proteção nenhuma. Pus minha fam ília no carro e fu i para um hotel
na avenida Atlântica, com nome falso. O atentado teve efeitos muito sérios na
m inha fam ília. M eu p a i temia m uito que eu fosse alvo de um atentado
simulando um aádente. E realmente era isso que eu achava que podia acontecer.
De vez em quando eu me preocupava, principalmente diante de certos episódios,
como quando recebi cartas ameaçadoras de um advogado do interior do estado,
mentalmente perturbado. Ou então, quando eu estava no escritório e recebia
um telefonema de minhas filhas, ainda pequenas, dizendo: “Olha, tem um
hom em nos seguindo.” Possivelmente era um a fantasia, mas o que eu havia de
fazer? Eu até achava que com aquele escândalo que se form ou não haveria
mais nada contra m im nem contra a m inha família.
" N o dia 2 d e ju lh o de 1980, o jurista D alm o Dallarl foi preso e agredido e m São Paulo, ao q u e tu d o indica, p o r
agentes d o D O I-C o d i. A despeito de to d o o esforço da OAB, à época, pa ra q u e t u d o fosse devidam ente
a p u ra d o , o caso foi arquivado p o r d eterm inação da lustiça. Ver DHBBy op. c i t e M arly Silva d a M otta, op. cit.

94
V o k in ie , A ( ).\ H n a \ o / d o s s c lis I'rc'sick'H tcs

Como o senhor soube da explosão da bomba na OAB?

Eu estava em meu escritório, passava um pouco da hora do almoço, quando


me telefonou um funcionário, dizendo: “Dr. Seabra, venha imediatamente
que a Ordem sofreu um atentado e a dona Lyda está m uito m a V ’ Eu fu i o
mais rapidamente que pude e quando cheguei já encontrei aquele quadro
constrangedor: o socorro estava chegando, a polícia a caminho, salvo engano,
e havia já alguns advogados que tinham escritório nas proximidades. Uma
coisa interessante é que a notícia correu, e dali a 40 minutos o m eu gabinete
estava repleto de um a multidão de advogados.

Dona Lyda ainda estava viva quando o senhor chegou?

Estava viva e foi removida em seguida. Uma parte da mão dela caiu na marquise
do andar de baixo, umfunáonárioarecolheuparaversenoHospitalSouzaAguiar,
para onde ela havia sido levada, seria possível fazer um reimplante. Telefonei para
0 secretário de Saúde e pedi para que me mantivesse a par de tudo. Dali a algum

tempo ele me telefonou dizendo que dona Lyda tinha falecido. Foi tudo muito
traumático. Naquela ocasião eu tinha uma filha muito pequena, com uns seis ou
sete anos, e no colégio onde estudava ela tinha por tarefa fazer um a redação diária
sobre um fato que tivesse lhe chamado a atenção. E até hc^e ao falar nisso eu me
emociono um pouco, porque naquele turbilhão eu não pude nem me preocupar
com a família, só liguei para dizer que estava vivo. A redação que ela fez no dia
seguinte foi um a coisa comovedora: ela contou a história toda, inclusive que a mão
da Dona Lyda havia caído na marquise do andar de baixo, coisa que eu não pensava
que um a criança daquele tamanho pudesse tomar conhecimento. Umjornalista da
revista Manchete soube dessa redação e a publicou por aqueles dias.

Como a OAB reagiu à notícia da morte de Dona Lyda?

A notícia causou um a comoção muito grande em todos nós. Naquele momento


eu estava redigindo um a mensagem ao presidente da República e tinha
acabado de lançar um “Atenciosamente” no fecho. Q uando recebi a notícia
da morte, cancelei o “A tenciosam ente” e expedi sem fecho n en h u m de

•àl 95
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

saudação. Foi um gesto talvez injusto^ porque o presidente da República


seguramente não tinha nada a ver com aquilo.

Como foi o enterro da dona Lyda?

Eu estava tão atingido que sequer p ude acompanhá-lo pelas ruas. O corpo
dela fo i levado a p é num a passeata até o Cemitério São }oão Batista, mas eu
não tive condições psicológicas de acompanhar o cortejo. Fui direto para o
cemitério, onde havia uma multidão, um a coisa espantosa. Foi a demonstração
de que o povo havia sido atingido tam bém p o r aquela agressão terrível A
passeata fo i um a coisa realmente impressionante.

Dona Lyda acabou virando um símbolo, não é?

Isso mesmo. A missa de sétimo dia, celebrada pelo cardeal dom Eugênio Salles,
fo i um espetáculo emocionante. A Igreja da Candelária cheia, a pregação,
tudo fo i m uito tocante. Se ela não tivesse morrido talvez a opinião pública
recebesse com menos emoção o ocorrido. Mas a morte de dona Lyda contribuiu
para m axim izar o episódio e, de certa form a, proteger a Ordem. Ela era uma
senhora afável, que não tinha nada a ver com as atitudes da Ordem, uma
funcionária com 42 anos de serviço. Ela abria toda a correspondência, salvo
as que tinham as notas de “pessoal” e “confidencial”. Foi essa circunstância
que a matou e que me preservou.

O governo foi politicamente responsável pelos atentados.

As atas das reuniões mostram que a Ordem ficou dividida entre a


solicitação ou não de ajuda ao governo para esclarecer o atentado.
Como foi essa discussão?

Prestei declarações à imprensa, publicadas inclusive no New York Times, afirmando


que 0 atentado vinha dos quintais do governo. Acho que o presidente da República,

96 9ÁI
V o iu iix - r A O A B n.) \ ' ( ) / <I()s s e u - , P r u s i d c n t o

OS ministros, enfim, a cúpula do governo, não queriam um ato assim tresloucado,


mas acabou sendo politicamente responsável, porque perm itiu que houvesse um
aparelho fora de controle no interior do Estado, capaz de praticar u m ato daqueles.
No entanto, houve um a circunstância que me chamou a atenção: no dia do
atentado, algumas horas depois, o presidente João Figueiredo tomou o avião
presidencial em Brasília, foi a São Paulo, do aeroporto fo i de automóvel ao
comando do IIExército, permaneceu em conferência durante umas três ou quatro
horas, voltou do Comando para o aeroporto, tomou o avião presidencial e voltou
à Brasília. A agenda dessa reunião jamais chegou ao conhecimento de quem quer
que fosse. Seria alguma coisa ligada ao atentado? Possivelmente. Todos diziam
que lá era o foco de maior reação. O fato é que o governo como um todo foi
responsável Eu diria até que foi um a imprudênáa realizar a abertura sem que
aqueles órgãos tivessem sido antes desativados. Daí a crítica que sempre fiz à
posição anterior da Ordem. Isso deveria ter sido a primeira coisa a ser reclamada
do governo nos entendimentos mantidos com o Petrônio Portela. Eu batia tanto
nesseponto no CDDPH que, por ocasião do atentado sofrido pelo professor Dallari,
fiquei encarregado de ir ao DOPS de São Paulo - à época chefiado pelo atual
senador Romeu Tuma - tratar do assunto em nome do Conselho.

Quais as providências imediatas tomadas pela Ordem após o atentado?

Fui ao CDDPH, onde apresentei um a manifestação bastante incisiva sobre o


episódio e pedi providências enérgicas. Cheguei a prestar depoimento perante
uma comissão do Congresso Nacional, onde debati o assunto durante horas.
O senador M u rilo Badaró, que era líder do governo, desancou m eu
depoimento, fe z críticas m uito violentas. N o entanto, logo depois, procurou-
m e dizendo: “Olha, isso fa z parte da nossa obrigação.”

Houve algum tipo de mudança na rotina interna da OAB, em função


do atentado?

Houve. Durante algum tempo houve muitas ameaças e o prédio foi evacuado por
mais de uma vez. Eu era procurador do estado do Rio de Janeiro naquela época,
e na minha mesa, na Procuradoria, foi colocado um embrulho extremamente

9àM 97
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

suspeito. Evacuaram o prédio e chamaram a polícia. O Esquadrão Antibombas


abriu o pacote com todo o cuidado e encontrou um a caixa cheia de jornais velhos;
quer dizer, era realmente para intimidar. Sòdepois de um mês voltei para minha
casa em São Conrado; houve um certo retorno da tranqüilidade para w
funcionários, meu gabinete foi reconstruído e a vida foi voltando à rotina.

Ali teve início a derrocada do regime.

Como a Ordem acompanhou o inquérito sobre o atentado que


matou dona Lyda?

Havia alguns advogados encarregados do acompanhamento do inquérito, e que


me davam as piores informações. Tanto que contratei um perito para fazer uma
verdadeira perícia, já que a que fora feita tratou o atentado como um a explosão
num forno de padaria. Não deram a menor importância, ou pelo menos fingiram
não se dar conta de que aquilo era um a coisa gravíssima, de fundo político.
Contratei então um perito que, apartirdo meugabinete, que mantive preservado,
recolheu resíduos da bomba e fe z um a réplica: era u m artefato altamente
sofisticado, que só poderia ter sido produzido por um especialista muitíssimo
bem preparado em matéria de explosivos. Era um pedaço de carpete cortado no
tamanho do envelope, com espaços abertos para as pilhas - de relógio -, um
detonador que era a metade de um a caneta, um fio finíssimo que passava em
toda a borda, de tal sorte que qualquer lugar em que o envelope fosse aberto ele
explodiria. Se isso não tivesse sido feito, não se saberia nem como era a bomba.

Chegou a ser preso um suspeito, não foi?

Sim . O inquérito andava sem n en h u m a seriedade, até que recebi um


telefonema anônim o no m eugabinete, dizendo que havia u m suspeito preso.

S up õe-se q u e R o n ald W atters seja u m ex-ag en te da C e n tra l Intelligence A gency (C IA ). Sua ficha crim in a l
n o Brasil é extensa. W atters foi p re s o p e la p rim e ir a vez e m 1962, a c u s a d o d e te r p o s to u m a b o m b a -
relógio - q u e a ca b o u n ã o e x p lo d in d o - na E xposição Soviética d o C a m p o d e São C ristó v ã o , n o Rio de
Janeiro. D ispo nível e m h ttp ://w w w .o a b .o rg .b r/h is t_ o a b .

98 •41
V o k im c . A ( )AH n,i \ ( ) / lios I 'u - 'id c t iK ’s

0 Ronald WattersJ^ A Polícia Federal, que vinha divulgando várias coisas,


esta notícia não divulgou. Eu então achei que eles queriam que eu divulgasse
para legitimar a investigação. Decidi não me manifestar, e daí a uns dois ou
três dias eles próprios divulgaram. Acho que o Ronald Watters, que era um
homem com um passado perfeitamente compatível com aquele tipo de atitude,
fo i preso como bode expiatório, para dar satisfação à opinião pública. É possível
que ele estivesse envolvido, mas ja m a is se coletou qualquer prova que
confirmasse a suspeita, de modo que, se envolvido estava, recebeu de presente
um a absolvição que o pôs a salvo de qualquer perseguição penal depois.

£ correto afirmar então que em relação ao atentado que vitimou


dona Lyda não houve o mesmo tipo de reação por parte do governo
como quando das mortes de Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho.''^

Sim, é correto. Houve um inquérito puram ente burocrático. Quer dizer, foram
tomados os depoimentos dos porteiros, dos ascensoristas e dos funcionários,
fo i feito um retrato falado de uma pessoa vista por u m a faxineira, mas não
houve trabalho de inteligência, de investigação. Repito: fizeram inquérito para
dar um a satisfação à opinião pública. O Comando de Caça aos Comunistas
(C C C ),'^ chegou a assum ir a autoria do atentado, dizendo que eu era
comunista e que estava pregando o credo de Moscou. M as a nossa convicção
é de que havia sido um desses bolsões de resistência à distensão política que
tinha resolvido mostrar do que era capaz.

T e n d o c o m o p a n o d e f u n d o u m ex plícito c o n fro n to e n tre a p ro p o s ta lib eralizante d o g o v e rn o Geisel e a


reação da “lin h a - d u r a ” a essa política, em o u tu b r o de 1975, o jorn alista V la d im ir H e rz o g , d ir e to r da T V
C u ltu ra , dep o is d e in tim a d o a c o m p a re c e r a o D O I-C o d i d e São Pa u lo p o r su sp eitas d e ligação c o m o
P a rtid o C o m u n is ta B rasileiro (P C B ), foi m o r t o p o r e n fo rc a m e n to d e p o is d e te r sid o to r t u r a d o . Sua
m o rte , n o e n ta n to , foi o fic ia lm e n te de clarad a c o m o suicídio. Poucos m eses d e p o is, em ja n e iro de 1976,
o o p e rá rio M a n u e l Fiel Filho foi m o r t o nas m e sm as d e p en d ê n c ia s d o D O I-C o d i e c m c ircun stâncias
s em elh antes. Esses fatos d e se n c a d e a ra m a reação d e Geisel a o p o d e r p a ra le lo q u e se in s ta la ra e m São
Paulo. O e n tã o c o m a n d a n te d o II Exército, E d n a rd o D ’Avila M elo, foi su b stitu íd o p o r D ile rm a n d o G o m e s
M o n teiro . Ver D H B B , o p . cit.
O rgan ização p a ra m ilita r d e e x tre m a d ireita, o C C C foi c ria d o em 1964, e m São Pa u lo , c o m o in tu ito d e
c o m b a te r os m o v im e n to s d e esqu e rd a . A g in d o s em p re d e fo rm a v io le n ta , e m m an ife staç õ e s d e rua,
teatros, veículos d a im p r e n s a c o n trá rio s ao regim e e p rin c ip a lm e n te c o n tra en tid a d e s e s tu d a n tis , o C C C
a tu o u até fm s d a d é c a d a d e 1970. A d e sp e ito d o s vário s in q u é rito s a b e r to s p a r a investigar as ações d a
orga n iz a çã o , n u n c a o c o r r e u a prisão d e n e n h u m d o s seus inte g ra n te s. Ver D H B B , op. cit.

#Á# 99
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

Passados mais de 20 anos podemos avaliar que o atentado e a morte


de Dona Lyda significaram um ponto de não-retorno no processo
de abertura?

Sim, sem sombra de dúvida. Aquilo ali foi o início da derrocada do regime.
Tudo 0 que aconteceu depois, até a Constituinte, começou naquele dia. Foi
uma coisa chocante demais, o mundo ficou com a atenção voltada para o Brasil
ainda mais intensamente do que antes. A Ordem era um a instituição respeitada
internacionalmente. Eu me lembro que um a vez fu i convidado a participar, já
no fim do meu mandato, de um seminário em Genebra acerca da situação dos
países latino-americanos. Eu fiquei surpreso com o conhecimento que as pessoas
tinham a respeito do papel da Ordem no processo de redemocratização do Brasil.
N ão só da Ordem, mas da A B I e da Igreja também. O atentado, portanto,
projetou ainda mais a Ordem internacionalmente e tornou irreversível o processo
de abertura. Meses depois, veio o atentado do Riocentro,'^ que fo i a pá de cal
que faltava sobre o regime. Ali, como dois militaresforam vitimados em “aciden te
de trabalho”, veio à tona toda a verdade.

Após O atentado e a morte de dona Lyda houve um acirramento da


posição da OAB contra o governo Figueiredo ou se adotou um tom
mais moderado?

Naturalmente, houve as duas atitudes: alguns pediam mais moderação, mas


a verdade é que as lideranças se fecharam em torno do presidente pedindo
um a reação extrem am ente forte e combativa. A fig u r a da dona Lyda e o
ataque à instituição feriram o orgulho da Ordem, todos se sentiram atingidos.
As vozes que havia no sentido de um recuo não chegaram nem a se fazer
ouvir. Todos tivemos a noção de que aquele era u m ponto sem retorno e que,
a partir dali, a Ordem ficaria nu m a posição m uito mais segura. Em função
do atentado, a Ordem e eu mesmo aparecíamos diariam ente na primeira
página dos principais jornais do Brasil. Eu andava na rua e as pessoas me
abordavam. Tornei-me de repente um a figura conhecidissima, entrevistado
freqüentem ente pela televisão.

'* Sob re o episód io, ver e n tre v ista d e B ern a rd o C ab ral, neste volum e.

100 •Al
V o k im c / A O A B nu voz do s seus Presid entes

O impacto político da bomba não se fez sentir na sucessão da


presidência da Ordem.

A escolha de Bernardo Cabral para a sua sucessão, um homem


mais "moderado", segundo o seu próprio julgamento, foi reflexo
direto do impacto político do atentado?

Eu acho q u e o a ten ta d o não pesou a b so lu ta m en te n ada na questão


sucessória. Primeiro, porque o quadro sucessório na Ordem, quando a
explosão ocorreu, já estava delineado. Os dois candidatos já estavam
lançados e os apoios obtidos. A s eleições na O rd em com eçavam na
Conferência Nacional. Eu diria, portanto, que desde m aio as forças já
estavam se posicionando. E diria mais: o Bernardo ganhou a eleição não só
porque fosse mais moderado, mas porque fo i mais hábil, soube conquistar
as pessoas dizendo o que elas queriam ouvir. O Sepúlveda Pertence perdeu
a eleição porque não tinha a mesm a habilidade. N in g u ém era capaz de
a d m itir que a Ordem mudasse o tipo de atuação com a m in ha saída, nem
que estivesse refluindo para um a posição conservadora. Achava-se que com
qualquer dos candidatos o rum o, em linhas gerais, seria m antido. A
influência do atentado fo i zero; o que contou fo i a habilidade do Bernardo
para agrupar forças, internamente.

Como se faz campanha para a presidência da Ordem?

Como eu disse, nas conferências nacionais o processo se alinhavava. A minha


candidatura, por exemplo, foi praticamente assentada na Conferência de Curitiba.
As candidaturas de Sepúlveda Pertence, meu vice, e de Bernardo Cabral, meu
secretário-geral, já saíram embaladas de Manaus. No entanto, a partir da minha
sucessão as eleições da Ordem passaram a se definir por meio de campanhas que
os candidatos faziam em visitas às seccionais. No meu tempo isso estava apenas
começando, tanto que eu visitei algumas poucas seccionais durante a campanha.
No mais era o telefone que funcionava. No dia da eleição, os presidentes dos
conselhos estaduais vinham para o Rio de Janeiro e aqui havia uma forte
articulação, especialmente em tomo da formação da chapa. Bernardo tinha uma

101
______________ História da.
O rd e m d os A dvogados d o Brasil

penetração muito grande nas seccionais, sobretudo as do Norte e do Nordeste. Ele


já vinha construindo sua candidatura há muito tempo e visitou praticamente
todas as seccionais. Pertence, porque é tímido - ainda que um homem de extremo
valor intelectual - teve u m a certa dificuldade de vencer a barreira do
relacionamento com pessoas que ele conhecia muito pouco.

O senhor se recorda de algum episódio interessante da campanha?

Sim. A seção de Mato Grosso construiu a sua sede, em grande parte com um
auxílio que eu criei e distribuí para as seccionais que não tinham sede. Quando
fom os convidados para a inauguração, eu levei os dois, Cabral e Pertence.
Chegando ao hotel, em Cuiabá, encontrei em cima da mesa da sala um livro de
poesias, da lavra de um conselheiro do estado, o dr. Silva Freire, com uma
dedicatória muito amável. Eu folheei, guardei e à tardefui, com todos, à solenidade.
Após 0 meu discurso, o locutor passou apalavra ao Bernardo, que, no meio do
pronunciamento, recitou um poema do livro de Silva Freire. Não era uma
quadrinha não, era um soneto, era um poema - um belo poema, por sinal - de
umas quatro ou cinco páginas, que ele havia memorizado. Eu olhava para o
autor do poema - um ilustre conselheiro e um advogado muito bem sucedido,
que tinha feito política estudantil - e via que ele estava verdadeiramente encantado
com a homenagem. E não apenas ele. Daí a dois ou três dias, a seccional de Mato
Grosso se reuniu e deliberou apoiar o Bernardo na eleição.

Qual foi a sua participação na questão sucessória?

Eu não escondia que achava o Pertence o candidato mais indicado para aquele
momento. Alguns amigos, e algumas seções, como a do meu estado, o Rio Grande
do Norte, votaram com ele. Eu fiquei isento. A não ser quando um amigo me
perguntava é que eu externava a m inha preferência. Sem prejuízo da amizade
que tenho com o Bernardo, ainda que sejamos pessoas bastante diferentes.

Por que o senhor não entrou na política?

102 9ÀB
V o lu m e / -A ( M l ; tt.t VO/ (lo s M 'u s I’rc 's ic k -n tc 's

Q uando eu era procurador-geral do Estado do Rio de Janeiro, o governador


Leonel Brizola me perguntou se eu não queria ser candidato à Constituinte.
Evidente que ele estava sendo gentil, mas também épossível que ele quisesse
que seu partido tivesse u m advogado conhecido na chapa. Eu pedi u m tempo
para pensar, me reuni com alguns amigos, conselheiros, e resolvi não aceitar
0 convite. Eu gostaria de ter sido constituinte, mas, candidato, eu detestaria.

O senhor achou que precisaria de muito dinheiro para a campanha?

As eleições no Brasiljá erarn então - agora estão muito piores - muito influenciadas
pelo poder econômico. Eu teria que dispor de bastante dinheiro para divulgar o
meu nome, e este dinheiro teria que ser captado em empresas, com amigos etc.
Além do mais, eu sou tímido. Quando fu i lançado candidato a presidente da
OAB, um dos conselheiros me contou que ao pedir voto para m im ouvira o seguinte
comentário: ''Mas como? Aquele antipático que entra, senta lá no canto, não fala
com ninguém?”. E realmente era o meu modo de ser: eu chegava naquele salão
cheio, geralmente atrasado, sentava-me na primeira cadeira que estivesse vaga e
ficava ali participando da sessão, sem cumprimentar ninguém, até porque já
estavam todos trabalhando. Quando acabava a sessão, cumprimentava apenas
um ou outro. Outro dia, Sérgio Bermudes, meu amigo querido, advogado
brilhante, publicou um livro revelando uma coisa que eu havia lhe dito: que se- eu
fosse escrever umas memórias - e não vou - o título seria “A qui por engano”.
Porque eu fu i presidente da Ordem um pouco por força das circunstâncias.

Depois da Constituinte, era natural o refluxo da Ordem para a sua


posição tradicional.

Comparando-se os seus discursos de posse e de despedida, percebe-


se claramente uma diferença de enfoque: em 1979, a preocupação
era com a consolidação da ordem democrática; já em 1981, a
questão da hora era a Constituinte. Seria possível avaliar naquele
momento a trajetória que tinha se percorrido da consolidação da
ordem democrática à definição de que democracia se queria?

703
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil ]
Eu avaliei que aquilo era um processo no sentido da abertura democrática,
quer dizer, era necessário enfrentar um ou alguns problemas de cada vez e ir
aprofundando. Eu achava que a Constituinte era o marco zero. A partir dali,
0 povo brasileiro construiria o seu destino como achasse que deveria fazê-lo.
M as antes, eu achava que a Ordem precisava atuar até chegar à Constituinte.
Em lá chegando, ocorreria, como ocorreu, um refluxo para a sua posição
tradicional de u m órgão de expressão nacional, mas não um órgão de proa,
como durante muitos anos ela foi. Em seu lugar, ou ju n to dela, atuariam os
partidos, associações, confederações, enfim, entidades da sociedade civil.

Mas no impeachment do presidente Fernando Collar a OAB voltou


com força total, nâo?'®

É verdade, mas ali a sociedade estava pedindo um a atuação brava da Ordem.


O presidente Marcelo Lavenèrefoi, naquele momento, um líder extraordinário.
Nesses momentos, a Ordem sai dos seus gabinetes e assume o papel que tem
de assumir.

Ficou um sentimento de perda do lugar de destaque da Ordem na


política nacional?

À s vezes encontro alguns advogados - agora menos - que dizem: “A Ordem


agora já não é a mesma." E eu sempre respondo que é um erro de percepção.
A Ordem é a mesma e está no mesmo ponto em que ela sempre esteve. Agora,
outras instituições chegaram ao ponto em que ela estava. Então, ela caiu de
importância relativamente. Hoje em dia os partidos têm um a expressão que
não tinham naquela época. Foi um processo natural. Todos sabíamos que no
m om ento em que a normalidade constitucional se restabelecesse, que os
partidos voltassem a ter a importância que norm alm ente têm, a OAB seria
alcançada, em termos de prestígio, por outras instituições, que recuperariam
sua tradicional posição. O conceito dos advogados e da Ordem, naquele
período, tornou-se m uito elevado. Uma vez, no exercício da presidência, fu i
procurado por um scholar americano que viera fazer um a pesquisa para
Sobre o im p e a ch m e n t e a p osição da OAB, ver en trevista de M arcelo Lavenère, n este volum e.

104 •Ál
Volume 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

entender por que a American Bar Association era tão exclusivamente voltada
para os assuntos profissionais e a Ordem dos Advogados do Brasil era um a
instituição que prestava relevante serviço público. Se, naquela oportunidade,
a Ordem não houvesse exercido aquela atuação em defesa da sociedade, teria
ficado desmoralizada, em vista do seu passado, em vista do que a sociedade
dela esperava.

Qual a comparação que o senhor faria entre a OAB de hoje e aquela


da virada dos anos 1970 para os 1980?

A Ordem, naquele período, tinha um a atuação um pouco mais ostensivamente


política, ocupando os espaços que outras instituições não podiam ocupar. Isto
não quer dizer que os interesses dos advogados tenham sido descurados, porque
enquanto o presidente do Conselho Federal está atuando no plano nacional,
as seccionais estão atuando, quando preciso, nas comissões de prerrogativas,
direitos etc. Hoje em dia, no entanto, a Ordem atua mais tecnicamente,
argüindo inconstitucionalidades - direito que conquistou na Constituição
de 1988 - , exercendo um a função de fiscalização da vida pública, bradando
pela ética na política, criticando algumas atitudes que considera negativas
do governo - como na questão das medidas provisórias, p or exemplo. Em
suma, a Ordem permaneceu vigilante e se tornou atuante no plano mais
técnico. A atuação m udou qualitativamente e não quantitativam ente.

A palavra é sua para as considerações finais.

Do período em que fu i presidente da OAB guardo a recordação de um gabinete


sempre cheio de pessoas perseguidas, desassistidas e desesperançadas, pessoas
que não tinham em que portas bater. Uma vez eu estava no gabinete e tocou
um telefone, a cobrar. Eu atendi e era um advogado, humilde, de São Paulo,
perguntando se podia tomar um avião e vir ao meu gabinete. Em pouco tempo
ele chegou, e era para abrir o coração, para se queixar de um a situação horrorosa
que o a t i n ja pessoalmente p or determinadas circunstâncias. O gabinete do
presidente da Ordem naquele momento era uma espécie de canal para onde
convergiam os anseios de pessoas absolutamente perdidas num a sociedade

•Al 105
_____________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

Presidente do Conselho Federal no período de 1979 - 1981.

106
Volume 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

autoritária, e cujos canais estavam fechados. De volta ao Brasil, os exilados


visitavam a Ordem para agradecer o trabalho que tínhamos feito. Aquilo me
encheu de orgulho. Foi um período muito duro na m inha vida porque eu tive
que reduzir drasticamente o exercício da advocacia, além da falta de tempo
que as constantes viagens me impunham. Isso tudo fo i u m ônus m uito grande,
mas eu acho que fo i o período mais rico da m inha vida. Pude participar
intensamente da vida política do país, alargar o meu relacionamento com
advogados do Brasil inteiro. Se voltasse no tempo, começaria tudo outra vez.

107
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Na reunião do Conselho Federal, Bernardo Cabral, tendo ao lado, losé Cavalcanti Neves
( M em bro H onorário Vitalício), H erm ann Assis Baeta (secretário-geral), e Barbosa Lima
Sobrinho ( presidente da ABI).

108
V o lu m e / A ( X \ B na v o z d o s s o lis I’ ri'sick'ntcs

Bernardo Cabral

Entrevistadores: M arly Motta e André Dantas


Data da entrevista: 11/j'un/2003
Local da Entrevista: Escritório do entrevistado (RJ)
D ura ção: Ih . e 40 min.

•àl 109
______________ Historia da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Restabelecida a normalidade democrática, a Ordem deveria ter


outras bandeiras.

Quando e em que faculdade o senhor se formou?

Concluí 0 meu curso de direito no dia 18 de dezembro de 1954, na Faculdade


de Direito do Amazonas, tendo conquistado o primeiro lugar e sido o orador
da turma.

Quando ingressou no Conselho Federal da Ordem dos Advogados


do Brasil?

Ingressei no Conselho Federal da Ordem por volta de 1973 ou 1974.

Poucos presidentes da OAB tiveram uma trajetória política como a


sua; desde a chefia de Gabinete do governador Gilberto Mestrinho
até os mandatos de deputado estadual, federal e a cassaçãoJ O
senhor avalia que esse passado teve algum peso na sua eleição
para a presidência da Ordem, em 1981 ?

Penso que a cassação do meu mandato de deputado federal e a suspensão dos


meus direitos políticos por dez anos, pelo AI-5, em fevereiro de 1969, devam
realmente ter exercido alguma influência. Eu era vice-líder da oposição ao
governo m ilitar e a idéia que poderia transmitir a meus companheiros era de
' E n tre 1955 e 1959, o e n tre v is ta d o foi secretário de In te rio r e Justiça d o go v e rn o d e Plín io C o elh o , n o estad o
d o A m a zo n a s. E m seguida, d e 1959 a 1960 fo i chefe d o G a b in ete Civil d o go v e rn o G ilb e rto M estrin h o .
E m 1962, p elo P a rtid o T rabalhista Brasileiro (PTB ), elegeu-se d e p u ta d o e sta d u a l, te n d o sid o o m ais
v o ta d o n o s e u e stad o. Em 1966, pelo M o v im e n to D e m o c rá tic o B rasileiro (M D B ), elegeu-se d e p u ta d o
federal pe lo A m a zo n a s, te n d o sid o cassado pelo A l-5 e m 1969. De 1983 a 1986 fo i assessor especial d o
g o v e rn a d o r d o A m azon as, G ilb e rto M e s trin h o , em se u seg u n d o m a n d a to . A in da e m 1986, pe lo Pa rtid o
d o M o v im e n to D e m o c rá tic o Brasileiro (P M D B ), foi eleito, p o r seu e stad o, d e p u ta d o federal à Assembléia
N acio n al C o n stitu in te . D e m a rç o a o u t u b r o d e 1990, já desligado d o P M D B , exerceu o carg o d e m in is tro
d a Justiça d o g o v e rn o d e F e rn a n d o C o llo r d e M elo, te n d o e m seguida re a ss u m id o a sua cad e ira n a C â m a ra
Federal, e x erce n d o -a até o fim d a leg islatura, e m ja n e iro d e 1991. Em o u t u b r o d e 1994, já filiado ao
P a rtid o Progressista (P P ), foi eleito s e n a d o r p e lo seu estado. E m 2002, filiado a o P a rtid o d a Frente Liberal
(PFL), te n to u a reeleição p a ra o S e n ado , sem te r o b tid o êxito. Ver D H B B , o p . cit.

770 •ál
V o k in n ,' , A OAB v o x (U)s sinis

que haveria, num a gestão liderada por m im , um a independência em relaçao


ao governo repressivo de então.

Como o senhor avalia a escolha de uma pessoa com o seu perfil


para dirigir a Ordem naquele início da década de 1980? A intenção
da Ordem foi privilegiar uma atuação mais calcada na negociação,
e menos militante, como havia sido a gestão do seu antecessor, o
d r. Seabra Fagundes?

Eu acho que o meu perfil atendia satisfatoriamente às circunstâncias. O


problema é que o país estava saindo de um período de excepcionalidade
institucional para um reordenamento constitucional. Àquela altura, o arbítrio
ainda se fazia presente, por meio, p or exemplo, da Lei de Segurança Nacional
(LSN), da Lei Falcão^ e da falta de liberdade e autonom ia sindicais. Agora,
acho que tanto eu quanto o m eu concorrente à presidência da OAB, o
S ep ú lved a Pertence - u m h o m e m de q u a lid a d e p o lític a p e r fe ita -
preenchíamos o que a OAB demandava naquele momento.^ É verdade que o
destaque nacional que eu tive na cassação me deu m uita independência para
postular a presidência da OAB. Tanto que foi comigo que se inauguraram as
candidaturas avulsas, fora de qualquer arranjo prévio. H erm ann Baeta, que
fo i meu secretário-geral, poderá dizer algo tam bém sobre isso. Ele fo i uma
das peças valiosas para que nós conseguíssemos romper essa barreira para o
advogado sem tradição jurídica fam iliar

No seu discurso de posse, o senhor afirmou a intenção de atuar em


duas esferas distintas: na defesa dos interesses específicos da classe
e nas questões institucionais. Sobre este último aspecto, a Ordem
^ o Decreto-lei n.° 314, de 13 de m arço de 1967, in stituiu a prim eira Lei d e Segurança N acional (LSN) d o regime
militar, que definia os crim es c o n tra a segurança nacional e estabelecia regras p a ra o seu processo e julgam ento.
Em 29 de setem b ro de 1969, c o m a reform a d a C onstituição de 1967, u m a n o v a LSN, “draco n iana”, segundo
0 jurista H eleno Fragoso, foi instituída. A LSN e m vigor é p ro d u to da Lei 6.620, d e 17 de d e ze m b ro de 1978. A
Lei Falcão, que alterou o Código Eleitoral em vigor, à época, foi aprovada pelo Congresso e m 25 d e ju lh o de
1976 c o m o u m a tentativa de neutralizar o p o d e r de fogo d a oposição, que havia im p o sto a o governo, dois
anos antes, u m a fragorosa derrota nas urnas. Pela lei, en tre outras m edidas, ficavam proibidos os d ebates livres
p o r interm édio dos m eios de com unicação eletrônica. Ver D H BB, op. cit.
’ Sobre a q u e stã o sucessória, ver e n tre v ista d e E d u a rd o Seabra Fagundes, neste volum e.

111
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

vinha mantendo uma regularidade de atuação desde a presidência


de Raymundo Faoro, no final da década de 1970. No entanto, no
que tange aos interesses específicos da classe dos advogados, o seu
discurso parece denunciar que teria havido uma certa negligência
em relação a este ponto em favor de uma atuação mais política da
Ordem. E isso mesmo?

Eu não diria que estivesse sendo negligenciado, m as p o r certo estava


adormecido. Por isso é que nessa m inha manifestação eu dizia que, a par da
luta pelo lado institucional, eu não poderia me descurar do problema da
valorização profissional, da previdência e assistência social do advogado, do
salário m ín im o profissional, da a u to n o m ia da O A B e da defesa das
prerrogativas do advogado. O advogado começava a se to m a r um empregado
das empresas, saindo daquele escritório tradicional e isso precisava ser
acompanhado de perto pela Ordem.

Essa disposição em dar mais ênfase aos aspectos profissionais ocorria


em função de uma percepção de que, vencido o período de
transição, o papel da Ordem deveria necessariamente refluir para
as questões mais ligadas à corporação, em detrimento de sua atuação
política?

A OAB cresce m uito no conceito popular quando a repressão é aguda, quando


você tem o Estado de direito adorm ecido, q u a n d o as prerrogativas
constitucionais começam a desaparecer. Q uando impera a normalidade
democrática, no entanto, ela necessita de outras bandeiras. Naquela altura,
começava a cessar a chamada indisponibilidade institucional, nós então
começamos a atuarem outros campos. Eu, inclusive, briguei m uito pelo ensino
jurídico que estava sendo deformado. Você encontrava faculdades de fin s de
semana e a cada seis meses estavam sendo catapultados inúmeros bacharéis
de direito. A OAB começou a encontrar então este outro veio.

No que diz respeito à questão do ensino jurídico, quais os resultados


alcançados por sua gestão à frente da OAB?

772
V o lu tn c 7 A OA13 n a v o / d o s sclis P ic s id e n le s

Consegui fechar um a faculdade de fim de semana. N ã o consegui que se


tornasse obrigatório o exam e de Ordem, à época, em bora hoje seja.^
C onsegui acabar com algo danoso, que eram un s estágios q u e não
recomendavam nada ao estudante que chegasse ao quarto ano, m as lhe
fra n q u e a v a m a inscrição na O rdem . Acho qu e m elhorei ta m b é m a
adequação curricular. Mas, de qualquer form a, é preciso que se diga que
isto não partiu da m in ha gestão. San Tiago Dantas, n u m a conferência que
ficou fam osa, já dizia que um dos males da sociedade era a distorção do
nosso ensino jurídico. E continua hoje, tendo se transformado n u m a questão
séria. Hoje, em todo o Brasil, avulta um número enorm e de faculdades
particulares sem a m enor estrutura e condição de estarem fo rm a n d o
bacharéis em direito. Nós conseguimos, atualmente, que a OAB se pronuncie
quando da criação de novas faculdades. Este fo i u m ganho cuja sem ente fo i
p lantada lá na m inha gestão. Se eu tivesse de fa zer um balanço da época
em que a dirigi, diria que fo i favorável.

Em que pese os atentados, a transição política era inexorável.

O atentado contra a sede da OAB, que vitimou dona Lyda/ não


tinha completado um ano quando ocorreu o episódio do Riocentro.^
O senhor considera que a fragilidade dos inquéritos abertos possa
ter encorajado os terroristas a continuarem agindo?

N o caso do atentado que vitim ou a Dona Lyda, a fragilidade do inquérito


por parte daqueles que o comandaram ficou flagrante. Eu diria que se essa

' Sob re a o b rig a to rie d a d e d o E xam e de O rd e m , ver no ta 1 1 da en tre v ista de E d u a rd o Seabra F ag un des, neste
volum e.
- Sobre o ep isó d io , ver en trev ista d e E d u a rd o Seabra Fagundes, neste volum e.
" O a te n ta d o d o R io c en tro o c o r r e u na n o ite d o dia 30 d e abril d e 1981, d u ra n te a realização d e u m show dc
m úsica p o p u la r , p ro m o v i d o p e lo C e n tro Brasil D e m o crático (C e b ra d e), em c o m e m o ra ç ã o d o 1“ de
M aio. N a ocasião, c m q u e estav am p re sen te s mais de 20 mil pessoas, u m a b o m b a e x p lo d iu no in te r io r de
u m v eículo p a r a d o n o e s ta c io n a m e n to d o c en tro d e con vençõ es, m a ta n d o o s a r g e n to d o Exército,
G u ilh e rm e P ereira d o R osário, d e 35 anos, e o cap itão W ilso n Luis C h aves M ac h a d o , de 33 ano s e q u e
servia n o D O I - C o d i d o 1 Exército. A c o n tra d iç ã o e n tre a c on clu sã o d o in q u é rito , q u e a p o n to u p a ra a
o c o rrê n c ia d e u m a te n ta d o c o n tr a os m ilitares citados, e a suspeita de q u e o o c o r r id o teria sido u m a ação
te rrorista fr u stra d a c o n tra as pessoas q u e ali estavam reun id as, fez d o caso u m d o s m ais co n tro v e rs o s do
p e río d o . Ver D H B B , o p . cit.

•ál 113
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

fragilidade nao incentivou a execução de atentados posteriores, como o do


Riocentro, ao menos contribuiu para isso.

O que o senhor fez assim que soube da bomba no Riocentro?

A primeira coisa que eu f i z - era um domingo, se não m e engano - f o i reunir


0 Sobral Pinto, o Barbosa Lima Sobrinho, o Benjamin Albagli e o Victor Nunes

Leal. Fomos para a OAB e redigimos um a nota, que fo i publicada, não me


recordo, agora, onde. Eu tenho até hoje esse documento. Foi um a nota dura,
de denúncia, em função da gravidade do acontecimento.

O atentado do Riocentro não fez crescer o medo de que a OAB


também pudesse vir a ser alvo de um outro ataque? O senhor chegou
a ser ameaçado?

Sim, eu recebi m uitas ameaças, pela madrugada, via telefone. M inha m ulher
ficava bastante assustada. Nós tínhamos um a neta de dois anos e as ameaças
recaiam sobre ela. D iziam que iriam estuprá-la e seqüestrá-la. Eu recebia
tam bém ameaças por escrito, assinadas por um tal “Comando Delta” Quando
eu m e queixei à autoridade competente, a única coisa que eu ouvi fo i a
recomendação para andar sempre em carro de praça e nunca fazer o mesmo
percurso. D urante os dois anos que fu i presidente da OAB, só andei em tá xie
nunca fiz o mesmo trajeto.

As autoridades chegaram a lhe oferecer proteção?

Em dado momento o ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackél, quis pôr a Polícia


Federal à m inha disposição, mas eu recusei. Aliás, devo dizer que elefo i sempre
m uito correto comigo. Nas nossas reuniões do Conselho de Defesa dos Direitos
da Pessoa H u m a n a , o C D D P H ,^ em Brasília, ele sem pre fo i m u ito
democrático, o que era um caso raro em se tratando das autoridades que
serviam ao governo Figueiredo.
' Sob re a cria ç ão d o C D D P H , ver entrevista d e losé C avalcanti Neves, neste volum e.

114 #à#
V o lu m e , \ ( > \ 1 ! I I , ) \ ( 1/ d o s s( ‘us M t r s i d c t i l c s

Mas essa cordialidade se traduziu, em algum momento, em


apuração efetiva das ameaças que a OAB sofria?

N o meu caso, sim. Certa vez, num a reunião com o ministro Abi-Ackel, eu
denunciei a existência de um a célula da Polícia, em M inas, que estava
torturando presos. E ele m andou apurar. A cordialidade não ficava apenas
no gesto, pelo menos comigo. No CDDPH acontecia a mesma coisa. Todas as
denúncias que eu, o Barbosa Lim a Sobrinho, representando a Associação
Brasileira de Im prensa (ABI), ou o Benjam in Albagli, representando a
Associação Brasileira de Educação (ABE), fazíamos, ele m andava apurar.

Além do senhor, algum conselheiro federal recebeu ameaças?

N ão sei. Eu nunca revelei isso publicamente. Eu poderia ter revelado para alguns
colegas as ameaças do “Comando Delta”, mas nunca dei entrevistas para que
não pudessem pensar que havia ali uma exploração política do episódio. Eu
sempre tive o cuidado de não transformar isso num palco iluminado.

Na nota oficial que a Ordem emitiu em função da bomba do


Riocentro, afirmando que "nem a história tolerará manobras de
escamoteamento da verdade", os termos que nela foram empregados
causaram um certo debate dentro da OAB. Era significativo o grupo
de conselheiros federais que achava que a Ordem deveria moderar
o seu discurso em relação ao regime militar?

Significativo era o grupo de conselheiros que entendia que o discurso em


relação ao regime m ilita r deveria ser altivo, duro, independente. N ós
entendíamos que, para a restauração das liberdades democráticas, somente a
cidadania política reorganizaria a sociedade. E, para chegar a este intento,
nós reivindicávamos a restauração do habeas-corpus, a revogação do A I-5 e
de toda aquela legislação que atentava contra a soberania do país.

•At 115
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Alguma autoridade do governo chegou a lhe procurar para tratar


do teor da nota?

Não, nunca. Como também nunca tiveram a audácia de me chamar para


coisa alguma. Porque sabiam que eu era u m deputado federal cassado, eles
não tinham como fazer comigo mais nenhum outro mal. Eu já tinha perdido
dez anos de direitos políticos, a anistia não me beneficiou, eu purguei toda a
m inha punição.

O senhor chegou a ir ao Congresso Nacional em companhia dos


representantes da ABI, da ABE e da Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), para protestar contra a explosão no
Riocentro. Houve receptividade por parte dos congressistas?

O Congresso foi plenam ente solidário com a nossa posição.

O senhor considerava, naquele momento, que os atentados


pudessem afetar o processo de transição política?

Naquela época eu já julgava que o processo de transição política era inexorável.


Eu acreditava nisso porque há muito a OAB já vinha lutatidopela substituição
do controle repressivo pelo controle político. Q uem primeiro lançou as bases
de um a Assembléia Nacional Constituinte fo i a OAB/

No que diz respeito à legislação de exceção, a OAB teve sempre


um posicionamento explícito a favor de sua completa extinção. No
entanto, havia uma proposta do dr Sobrai Pinto de acabar com a
Lei de Segurança Nacional (LSN) e introduzi-la no Código Penal.
Esse era um ponto consensual dentro do Conselho ou havia
dissensão em torno do tema?

" So bre o a ss u n to , ver en trevistas de M á r io Sérgio D u a rte G arcia e H e r m a n n Assis B aeta, neste vo lu m e.

776 •Al
V o lu m e / A O A B n .i v o z d o s s e u s P re s id e n te s

Nós tínhamos dois especialistas no campo do direito penal: Sobral Pinto e


Heleno Fragoso. Ambos defendiam que a L S N deveria ficar em um capítulo
do Código Penal, da mesma form a que a legislação de crime de imprensa.
M as no fu n d o o que todos queriam mesmo era a revogação pura e simples da
Lei. Esse outro caminho proposto pelo dr. Sobral era alternativo, caso a Lei
continuasse vigendo.

Havia alguma espécie de diálogo entre a OAB e juristas do governo,


como por exemplo, o dr. Leitão de Abreu, que vero a ser chefe da
Casa Civil do governo Figueiredo?

Um belo dia, durante a m inha gestão, eu cheguei em Brasília e o Leitão de


Abreu, que era então ministro do STF - tião havia assumido ainda a chefia
da Casa Civil - veio conversar comigo. Conversamos sobre assuntos jurídicos,
mas em nenhum m om ento ele pronunciou algum tipo de advertência sobre a
atuação da Ordem ou sugeriu que nós devêssemos adotar este ou aquele tipo
de postura diante do governo.

Em respeito ao uso constante da LSN contra a imprensa, vocês


recebiam e atendiam às solicitações de órgãos do setor que sofriam
com a censura ou a iniciativa da denúncia das arbitrariedades partia
da própria OAB?

As iniciativas partiram sempre da OAB, mas, claro, nós contávamos também


com a colaboração dos próprios solicitantes, como o Pasquim e o Estado de
S. Paulo, além de outros segmentos da sociedade.

E em relação às pessoas físicas, também havia muita demanda?

Havia. M as a procura pela OAB fo i maior durante a gestão do meu antecessor,


0 Seabra Fagundes. Eu fu i secretário-geral na diretoria liderada por ele e

presenciei. A época dele fo i um pouco mais tum ultuada do que a minha.

màB 117
______________ H istória da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Quando se quebram estruturas as reações são sempre ferozes.

Durante a sua gestão houve assassinatos de advogados.^ Parece-


nos que, para além das questões políticas, eram as questões sociais,
especialmente os conflitos agrários, o foco gerador de tensões. A
Ordem ficou unida quanto ao tipo de postura que deveria adotar
no debate sobre a questão agrária?

Eu, sinceramente, não me recordo de nenhum a divisão interna em função


disso. Se houve descontentamentos - e, inclusive, nós tínham os dentro da
Ordem advogados proprietários de terras ou ligados a proprietários rurais -
não se manifestaram no Conselho.

Isso se deve ao fato de a Ordem, como instituição, constranger


posicionamentos que privilegiem interesses individuais em favor
do seu senso de comprometimento social?

Sim , eu acho que essas questões não fo ra m levadas para o centro dos
acontecimentos. A OAB, eu sempre disse, e acho que continua sendo assim,
era a única instituição que não tinha conotação político-partidária, apesar
de muitos serem de partidos políticos diferentes. Q uando a OAB tomava um a
posição, a posição era da OAB e era sempre voltada para o Estado de direito.
Então, se havia um a voz discordante ela não se manifestava por ser deste ou
daquele partido político. A s bandeiras da instituição eram o principal, o resto
era acessório. Isso é rigorosamente verdadeiro, embora, evidentem ente,
conflitos internos tenham sempre havido.

’ D u r a n te o p e r ío d o em q u e o e n tre v istad o exerceu a presid ên cia d o C o n se lh o F ederal d a OA B, os seguintes


a dv og ad os fo ra m assassinados; Alziro da M o ta S a n to s (S an ta C a ta r in a ) , C arlos A lb e rto de A lb u q u e rq u e
M elo (Alagoas), D e rm a rtin Bezerra d a Silva (G oiás), Franco D u a rte (M in as G erais), G abriel Sales P im en ta
(P ará), Jo aq u im das N eves N o rte (M a to G ro sso d o Sul), L e o p o ld o Freire d o s S a n to s (R io d c Janeiro),
O d a ir C a rm e lo F u g ê n io P a u lm ich e l (Santa C a ta rin a ), Tobias G ra n ja (A lagoas) e T y r o n B u en o d e San tana
(G oiás). Ver C o n se lh o Federal d a OAB, Violência no cam p o, 1986. S ob re o ass u n to , ver, a in d a , en trev ista
de H e r m a n n Assis Baeta, n e ste volum e.

118 •41
V oiuiD i' T A ( ) A i; 11,1 \ ( ) / ( i o s M ' ti s r r c ^ i d c n U ' ^

O senhor diria que um símbolo desse peso institucional é, por


exemplo, o fato de os presidentes quase nunca tentarem a reeleição,
ainda que não haja qualquer restrição estatutária para tal?

O ]osé Neves até que tentou, mas o Sobral Pinto se insurgiu contra ele e a
intenção não vingou. A lguns presidentes costum am ser indagados se
gostariam ou não de continuar. Comigo mesmo isto ocorreu, mas recusei. Eu
acho que esta é um a bela posição assumida internam ente pela OAB. Tem
sido a sua grande firmeza.

As atas das sessões da OAB mostram que o senhor sofreu uma


constante oposição de alguns conselheiros com grande influência
na instituição, como os drs. Miguel Seabra Fagundes e Eduardo
Seabra Fagundes, para citar apenas dois. Por que isso ocorreu?

Eu não sei a que atribuir a posição do saudoso Seabra Fagundes e a do dr.


Eduardo, ambos ex-presidentes, pai e filho. Eu fu i eleito secretário-geral num a
chapa de oposição aos dois. Em seguida, venci as eleições contra o candidato
que eles apoiaram para a presidência da Ordem, o Sepúlveda Pertence. Eu
infligi aos dois um a derrota atrás da outra e talvez isso tenha impedido que
eles m e vissem com bons olhos. Mas eu devo dizer, e faço isso com m uita
sinceridade, que ambos merecem o meu respeito, sobretudo o M iguel Seabra
Fagundes, que fo i um a legenda e já é falecido.

Em função de seu interesse pela questão do ensino jurídico, o senhor


entabulou negociações com o então ministro da Educação, o coronel
Rubem Ludwig. Na ata de 3 de março de 1982, consta que os
conselheiros Hermann Baeta, então seu secretário-geral, e Sérgio
Ferraz, pediram que seus nomes não constassem como co-autores
de propostas de reforma do ensino jurídico, as quais o senhor faria
chegar ao ministro. Houve algum tipo de mal-estar?

So bre o assu nto, ver e n tre v is ta de José C avalcanti Neves, n este volum e.

•41 779
,_______________ H istóda.da
[ Ordem dos Advogados do Brasil

Em primeiro lugar, o Rubem Ludwig fo i um dos homens mais competentes


que eu conheci. Quando eu combinei um encontro com ele, a idéia era pôr
um ponto fin a l nas faculdades de fim de semana. A quem eu poderia recorrer
para pôr um cobro a essa situação senão ao ministro da Educação? Foi o que
eu fiz e ele agiu. Agora, quanto ao fato de o H erm ann Baeta e o Sérgio Ferraz
terem tomado essa atitude, eu só posso entender que quisessem deixar todo o
brilho comigo, que era o presidente da Ordem. N ão havia nenhum desdouro
em lutar pela melhoria do ensino jurídico.

Por que a visita do ministro Ludwig à Ordem, no mesmo mês de


março de 1982, causou tanta celeuma?

Há um equívoco na história do Ludwig. Ele declarou que sua visita à Ordem


era um a form a de demonstrar o seu respeito pela instituição. Nós não fomos ao
Ministério, eJe é quem veio à Ordem e fe z uma espécie de prestação de contas
sobre a questão do ensino jurídico. O dr Miguel Seabra Fagundes entendeu isto
como homenagem indevida. Eu não fiz homenagem nenhuma, nem muito
menos a OAB. A Ordem não ficou dividida em função deste episódio.

Não houve em nenhum momento algum tipo de suspeiçâo de que


o senhor estivesse tirando o chapéu de presidente da Ordem e
botando de novo o chapéu de político?

O meu mandato terminava em abril de 1983. Em 1982, as eleições para o


governo, para o Senado e Câmara dos Deputados, estavam sendo realizadas.
Em julho desse ano eu recebi todas as propostas possíveis e imagináveis para
ser candidato a deputado federal pela m inha terra. E eu disse que não faria
da OAB trampolim político. M as as pessoas não acreditavam, achavam que
eu não ia até o fim do meu mandato, para aproveitar o panoram a favorável
da OAB. E eu fu i até o fim e não saí candidato. Candidatei-m e em 1986,
somente. A dignidade desta m inha atitude é que eles não reconhecem.

120 «ái
V o lu m e / A 0 / \ l ) n,i VO/ (l o s sc'us P rc's ic lc ntcs

O episódio de sua viagem aos Estados Unidos e a Israel, em outubro


de 1982, gerou outra polêmica com o d r. Miguel Seabra Fagundes.
Como se deu o fato?

Fui aos Estados Unidos como também à União Soviética. E aos dois países fu i
convidado por entidades ligadas aos direitos humanos, a fim de que visse qual
era a diferença de tratamento entre os dois países a respeito da questão. A Israel
fu i também em função da proposta pela paz, que até hoje ainda não teve
desfecho. Q uando fu i à União Soviética, os convidados fom os eu e o Barbosa
Lima Sobrinho, que acabou não podendo embarcar por problemas de saúde. O
saudoso Miguel Seabra Fagundes se apressou em censurar a m inha ida aos
Estados Unidos, esquecendo-se que também tinha eu ido à União Soviética.

Que tipo de repercussão interna gerou esse debate acirrado entre o


presidente da Ordem e um conselheiro com o prestígio do d r. Miguel
Seabra Fagundes?

Quando você quebra estruturas as reações são sempre ferozes. Eu cheguei ao


Conselho Federal como um advogado vindo do Norte, sem o respaldo da
tradição de um a fa m ília de juristas. Só que eles desconheciam que eu tinha
sido 0 primeiro aluno da turma, professor da Faculdade de Direito de Brasília
(CEUB), e falava, como falo, quatro idiomas. Portanto, não chegava aqui de
graça, alguma coisa tinha para dizer.

Ter sido presidente da Ordem foi o que mais me honrou na vida.

Qual a sua opinião a respeito da transferência da sede da Ordem


para Brasília?

Eu era contra a transferência da sedepara Brasília por considerar que a repercussão


da atuação da Ordem em Brasília seria muito menor do que se continuasse no
Rio. “ Aqui, e em São Paulo, você tinha, e tem, os jornais de maior circulação do
" Sobre o a ss u n to , ver, s o b re tu d o , e n tre v ista d e H e r m a n n Assis Baeta, n este v olum e.

121
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

país e grandes juristas e advogados. A deposição de Getúlio, por exemplo, se deu


em função também do trabalho da Ordem. Se fosse em Brasília talvez não tivesse
ocorrido. Quando a Câmara dos Deputados funríonava no Palácio Tiradentes,
circulavam por aqui uma plêiade de jornalistas, entre os quais, Carlos Lacerda,
Hélio Fernandes, Carlos Castelo Branco, Villas-Bôas Corrêa e muitos outros. Isso
fazia com que a repercussão fosse m uito grande. É verdade, porém, que a
transferência da sede para Brasília significou um ganho em representatividade
regional dentro do Conselho Federal, já que os advogados dos próprios estados
passaram a exercer, efetivamente, a representação de suas seccionais. Hoje a
situação é outra. Os meios de comunicação transmitem a$ informações quase
que instantaneamente. A facilidade de recursos e transportes, atualmente, também
são outros fatores com os quais, à época, não podíamos contar. Àquela altura,
portanto, o raciocínio era válido e hoje está superado.

Um outro ponto que gerou polêmica durante a sua gestão, já em pleno


processo sucessório, foi a indicação do conselheiro Silvio Curado para
que não se publicasse em ata a fala do conselheiro George Tavares -
ao que o senhor se opôs - que acusava o candidato Alcides Munhoz
Neto de estar tentando conquistar votos por meio da promessa de
custeio de passagens dos conselheiros. O receio de que a Ordem ficasse
exposta em demasia é o que justifica a atitude do conselheiro Curado?

Só posso falar da m inha decisão: mandei im ediatam ente que se publicasse. A


discussão era pública e a ata reflete o instante de um a discussão. Como eu
poderia m andar que se escamoteasse um acontecimento dessa natureza? E
eu não via po r que isto resultasse num prejuízo para a Ordem, posto que ela
sempre funcionou de portas abertas. H avia um a unanim idade quando nos
expúnhamos. Eu nunca dei um a declaração que não refletisse o que já houvesse
sido decidido, para que a nossa imagem fosse sempre preservada.

A difícil relação da Ordem com o STF é uma questão que sempre


volta à tona. D urante o seu mandato, a OAB não enviou
representante à solenidade que homenageou o ministro Antonio
Néder. Fbr que a Ordem não se fez presente dessa vez?

122
V olum e 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

Porque ninguém quis ir. Eu estava impossibilitado e, portanto, não poderia estar
presente. Mas até o final da minha gestãofomos sempre convidados para todos os
eventos, sendo então presidente do STF o ministro Xavier de Albuquerque. Ele,
inclusive, havia sido meu professor na Faculdade de Direito do Amazonas.

No que diz respeito à sua sucessão, o senhor apoiou o d r. Mário


Sérgio Duarte Garcia, que venceu Alcides Munhoz Neto por uma
margem pequeníssima de votos, em uma disputa acirradissima.
Como se deu esse processo?

M ário Sérgio era o candidato natural, mas o fa to é que ele não desejava a
presidência, porque tinha um escritório m uito m ovim entado em São Paulo,
como tem até hoje. Só na última hora resolveu aceitar, tendo sido difícil reverter
a situação. O Sobral Pinto escreveu um a carta, eu f i z alguns pedidos e o Baeta
trabalhou bastanteJ^ A sucessão do M ário Sérgio fo i mais fácil, porque logo
começamos a trabalhar o nom e do Baeta como candidato natural e ele se
tornou vitorioso pelos seus próprios méritos.

Qual a comparação que o senhor faria entre a OAB do início da


década de 1980 e a OAB de hoje?

São épocas que não podem ser comparadas. Na minha gestão havia uma repressão
aguda, que estava quasefindando, mas ainda sefazia presente. E o que nós vemos
hoje? Queiram ou não queiram, gostem ou não gostem do Lula, a eleição dele
serviu para mostrar que um torneiro mecânico pode chegar à presidência da
República sem fazer nenhuma revolução. Hoje nós vivemos concretamente sob
um Estado democrático de direito. Repito, são épocas distintas que não podem
ser comparadas. Mas no que diz respeito à OAB, posso garantir que de qualquer
sorte, qualquer que seja a época, ela sempre estará à frente de qualquer outra
entidade. Não há nenhuma entidade que seja tão forte quanto a OAB.

Em que medida a força da OAB depende do perfil de seu presidente?


Sobre a q u e stã o sucessória, ver entre v istas d e M á rio Sérgio D u a rte G arcia e H e r m a n n A ssis B aeta, neste
volum e.

•Al 123
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Presidente d o Conselho Federal n o Período de 1981 - 1983.

124
Volume 7 A O A B n a v o z d o s s e u s P re s id e n te s

O perfil contribui apenas. Yocè não pode imaginar a O AB sendo conduzida


por uma pessoa fraca, no sentido técnico, moral e ético. Você não pode imaginar
ter um presidente da OAB sendo subordinado a qualquer m inistro de Estado.
Isso não existe. Agora, é claro que acima do perfil do presidente está a
instituição. Ele contribui para o brilho dela, mas não é ele quem dá o brilho,
mas sim toda a tradição que está por trás. Se você me perguntar qual o cargo
que mais me honrou ter exercido, ao longo da m inha intensa vida pública, eu
lhe respondo, com convicção plena, de que fo i o de presidente do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

•àl 125
_____________ História_da
Ordem dos Advogados do Brasil

Na cam panha das EXretas Já, M ário Sérgio ao lado de Ulysses G uimarães.

126 •ÁM
VdlutiK' r A ( ).\H n,t \ ( ) / dos seus I’ rc'-'idi.iitcs

M ário Sérgio Duarte Garcia

Entrevistadora: Marly Motta


Data da entrevista: 24/mar/2003
Local da Entrevista: Residência do entrevistado (SP)
Duração: 3h.

727
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Entrei na disputa pela presidência da O rdem praticam ente


derrotado.

Quando e em que faculdade o senhor se formou?

Eu me form ei na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, aqui


conhecida como Faculdade do Largo de São Francisco. Lá ingressei em 1950,
tendo colado grau em 1954, na turm a do I V Centenário da Cidade de São
Paulo.

E quando o senhor ingressou no Conselho Federal da Ordem?

Em 1981, ao término de meu m andato como presidente do conselho seccional


de São Paulo. Nesse mesmo ano fu i eleito vice-presidente do Conselho Federal,
na gestão do Bernardo Cabral.

O fato de ocupar a vice-presidência ou a secretaria-geral credencia


uma candidatura à presidência da Ordem, não?

N ão necessariamente, mas é evidente que um cargo de destaque na diretoria


da Ordem, de alguma forma, habilita o indivíduo para a disputa de um
fu tu ro cargo, até mesmo de presidente. M as não era o meu objetivo, tanto
que na Conferência Nacional da Ordem, realizada em Florianópolis, na gestão
do Bernardo Cabral, algumas seccionais insistiram m uito para que eu saísse
candidato à presidência, e talvez até como candidato único, mas não aceitei,
porque não tinha nenhum a pretensão de presidir o Conselho Federal quando
fu i eleito vice-presidente. O que ocorreu é que o Bernardo disputava a eleição
com o Sepúlveda Pertence, que fo i o vice-presidente da gestão do Eduardo
Seabra Fagundes, e ambos, na campanha que realizaram, me convidaram
para ser o vice-presidente deles. Eu lhes disse que seria daquele que São Paulo
viesse a apoiar. E São Paulo acabou deliberando, sob a liderança do então
presidente José de Castro Bigi, que deveria apoiar o Bernardo Cabral.

128 9AU
V o lu n u ' 7 A ( ).\li n.i v o / dos <rus I'lvsidcntcs

A sua eleição, pelo que pudemos averiguar, foi muitíssimo disputada,


mais até do que a do dr. Raymundo Faoro, em 1977. Por quê?

É verdade. Na realidade a m inha eleição se deu no segundo escrutínio. O que


ocorreu é que eu entrei na eleição praticamente derrotado.' O meu opositor,
0 professor Alcides M unhoz, nas vésperas da eleição, no Rio de Janeiro, me

m andou um recado perguntando se eu não iria cum prim entá-lo porque ele
já tinha os 14 votos necessários à sua vitória eleitoral. 'E eu disse que não, que
iria aguardar o resultado porque eleição se decide na hora do voto. Sucede
que no prim eiro escrutínio houve u m em pate de 13 a 13, e no segundo
escrutínio eu obtive u m voto a mais e ganhei por 14 a 12. O dr. Sobral Pinto
escreveu cartas a vários conselheiros que questionavam a m inha eleição,
defendendo-a. Ele mostrou bem as razões pelas quais houve esta reviravolta e
eu terminei sendo eleito.

E por que houve a reviravolta?

O dr. Alcides M u n h o z havia prom etido pagar a passagem de todos os


conselheiros que viessem dos seus estados, e com isso, aos poucos, chegou aos
14 votos que lhe seriam favoráveis. Nessa ocasião, o candidato que m s
apoiávamos era o Herm ann Baeta. Mas quando o M un h o z declarou, antes
da hora, por ocasião da entrega da Medalha R uy Barbosa ao dr. José Ribeiro
de Castro Filho, que já tinha os votos necessários, eu fu i forçado pelos meus
companheiros a lançar a m inha candidatura. Comecei então a m e locomover
por todo o Brasil em busca dos 12 votos que ele não havia conseguido. Ocorre
que, em alguns dos estados que haviam decidido votar em favor do Alcides
M unhoz, havia conselheiros que gostariam de votar em m im . E como pelo
sistema eleitoral antigo votavam em bloco os três conselheiros federais de cada
estado, prevalecendo a vontade da maioria, eu alim entei esperanças de vir a
conseguir o apoio de parte dos estados comprometidos com o m eu adversário.

E de fato conseguiu. Mas como?

' Sobre a q u e stã o su cessó ria, ver en trevistas d e H e rm a n n Assis B aeta e B e rn a rd o C ab ral, n este volum e.

129
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Alcides M unhoz havia convidado para concorrer à vice-presidência na sua


chapa 0 dr. Dorany Sá Barreto Sampaio, de PernambucOy um grande advogado
e um a figura excepcional Naturalmente, Pernambuco declarou apoiou à
candidatura de Alcides M unhoz. Mas, como no estado do Am apá, um dos
três conselheiros me apoiava, o M unhoz, para garantir o voto do Amapá,
voltou atrás e deu a vaga da vice-presidência ao dr. Ferro Costa, um ilustre
ex-deputado dos quadros da antiga UDN, certo de que o voto de Pernambuco
já esta va g a ra n tid o . N o en ta n to , P ern a m b u co , d e sc o n te n te com o
comportamento de M unhoz, resolveu não votar no Ferro Costa para a vice-
presidência, 0 que provocou um a modificação do voto deste, que fazia parte
da delegação do Amapá. E o que aconteceu? Ao ser divulgado o resultado do
primeiro escrutínio, houve um empate de 13 a 13, o que para m im fo i um a
surpresa. A essa altura, Pará e Sergipe, onde eu tinha, igualmente, um voto
de cada estado, m udaram de lado, e, embora A m apá tivesse cedido à pressão
para modificar seu voto, eu acabei vencendo a eleição que parecia perdida.

O dr. Munhoz cantou a vitória antes do tempo?

Em encontro realizado no Rio de Janeiro, em dezembro de 1982, estávamos


eu, Faoroe o Márcio Thom az Bastos, tomando um aperitivo, quando o Alcides
M unhoz chegou e disse que já havia vencido a eleição. N o dia seguinte eu
almocei na casa do Eduardo Seabra Fagundes, o candidato ainda era o Baeta,
e todos m e disseram: “Você tem que sair candidato, é o único que pode vencer
a eleição contra o Alcides M unhoz.” Neste mesmo dia, à noite, o Baeta me
procurou no hotel em que eu estava hospedado para me comunicar que já
havia retirado a sua candidatura, para que eu pudesse m e lançar na disputa.
Fui praticamente forçado a sair candidato. Para se ter um a idéia, o M unhoz
publicou u m anúncio n u m jo rn al de C uritiba, às vésperas da eleição,
convidando os advogados paranaenses para comparecerem à sua posse. Ele
levou a senhora sua mãe para assistir à eleição, contratou um buffet para
dar um a festa depois da eleição. A decepção dos seus partidários, em seguida
à derrota, provocou um a reação absolutamente injustificada, haja vista que
a eleição fo i a mais democrática possível.

130
V o lu n x ' - A 0 . \ i ’> no v ( ) / d o s s r i i s P ic ’s i d i ’ n lt's

O Sobral Pinto foi um batalhador pela minha candidatura, um


grande eleitor

Por que o dr. Sobral Pinto escreveu cartas em sua defesa?

O Sobral escrevia cartas e não julgava que elas devessem ser privadas, em se
tratando da Ordem. Eu fu i vítim a de um a campanha difamatória logo em
seguida à m inha eleição, em função da publicação de um a fotografia do Seabra
Fagundes - ou minha, não me recordo bem - num grande jornal do Rio de
Janeiro, com a manchete: “Candidato de Seabra Fagundes derrota candidato
de Faoro”. Isso gerou um a manifestação do dr. Faoro, afirm ando que a m inha
eleição dividiria a Ordem dos Advogados, já que de um lado estariam os
estados que haviam me apoiado e do outro os que tinham votado contra
m im . O Sobral, então, escreveu a todos os jornais que reportaram essa
divergência momentânea, esclarecendo o episódio, ao mesmo tempo em que
eu comecei a receber, de todos os estados, manifestações de seus Conselhos,
com a mais absoluta solidariedade, desagravando-me e fortalecendo a união
da instituição em prol dos seus ideais.

Um outro ponto a se destacar na sua eleição é a disputa entre grandes


eleitores da Ordem, figuras com imensa projeção na sociedade.
Além de Sobral Pinto, havia o Faoro e Victor Nunes Leal, para citar
alguns.

Eu avalio positivamente, no sentido de que alguns eleitores tinham realmente


u m peso m uito grande. O Sobral Pinto, por exemplo, fo i um batalhador pela
m inha candidatura, um grande eleitor. Antes e depois da eleição ele escreveu
estas cartas que eu já citei a vários advogados, e inclusive ao próprio Alcides
Munhoz, justificando a sua opção pelo voto na m inha candidatura. Ele criticou
0 M unhoz quando ele prometeu pagar as passagens dos conselheiros federais,

pois considerou aquilo até u m a afronta. Eu tive o apoio do Eduardo Seabra


Fagundes, que tinha sido presidente dois anos antes, com m uita notoriedade;
tive 0 apoio tam bém do Ribeiro de Castro, que era m uito meu amigo e desde
0 início me incentivou a sair candidato. O Faoro, a quem eu respeito muito.

131
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

já havia se comprometido com o Alcides M unhoz. O Victor N unes Leal, que


nem teve um envolvimento maior, era representante do estado do Am apá, de
onde eu acabei recebendo o voto, ainda que ele, pessoalmente, por um a questão
de coerência, não tivesse abandonado a sua opção pela candidatura do Alcides
M unhoz. O btive ainda os votos do Ferro Costa e do dr. M iguel Seabra
Fagundes, pai do Eduardo, que também fo i um importante incentivador da
m inha candidatura. Em suma, essas divergências entre figuras ilustres da
Ordem, evidentemente, implicaram num a certa politização, mas dentro do
contexto da Ordem, sem reflexos externos.

A crescente politização da OAB foi conseqüência dos fortes embates


políticos que marcaram o país no início da década de 80?

Eu não digo que tenha havido um a divergência fu n d am enta l em termos de


política nacional por ocasião dessa eleição. O que houve fo i um a preferência
po r um ou outro candidato. Verificou-se um a fidelidade aos compromissos
assumidos p or cada um desses líderes. Eu diria que os apoios a um ou outro
candidato surgiram da identidade com um a determ inada linha de atuação.
Eu não sei se terá sido conseqüência do mom ento político do país, mas o fato
é que desde 1964 a Ordem vinha se manifestando, nu m a atuação política
intensa, com o objetivo de contribuir, trabalhar para a redemocratização do
país.^ Houve, portanto, um direcionamento da O rdem no sentido de se
envolver politicamente nessa batalha pela redemocratização. Isto exigiu de
vários presidentes da Ordem, ao longo dos anos, u m com portam ento
intimorato —para citar alguns, lembro-me do José Ribeiro de Castro, do José
Cavalcanti Neves, do próprio Faoro e do Eduardo Seabra Fagundes. Tudo
isso, certamente, constituiu-se n u m elemento integrante desse movim ento
que talvez tenha refluído ou se manifestado por ocasião da eleição. Mas eu
não acredito que essa politização do país é que tenha determ inado a disputa
acalorada dentro da Ordem . O que em verdade houve fo i mesm o um
acontecimento inusitado, posto que a m inha vitória não era esperada, ep or
isso causou natural estupefação.

^ A b o rd a g e m distin ta so b re a a tu a çã o d a O rd e m n o p e río d o c ita d o p o d e ser e n c o n tra d a n a e n tre v ista d e José


C avalcanti Neves, neste volum e.

132 9AI
V o lu m e , / \ O A B n a v o z d o s s e u s l ^ i c 's i c k ' n t c s

Na sua avaliação, quais os efeitos para a Ordem do vazamento


para a imprensa desse embate interno?

Houve um a reação imediata a essa divulgação deturpada da eleição, que foi


a p ro veita d a , in fe lizm e n te , p ela im prensa. A s m a n c h etes e as fo to s
evidentemente devem ter acirrado ainda mais os ânimos daqueles que não
votaram em m im e que perderam a eleição. E por certo essas informações
deturpadas devem ter sido transmitidas à imprensa. Isso tudo fo i fruto,
certamente, do inconformismo dos que perderam a eleição, alimentados,
possivelmente, pelo próprio Alcides Munhoz.

Antes de ser eleito para a presidência da Ordem o senhor presidiu


a seccional de São Paulo e foi vice-presidente do Conselho Federal
na gestão do Bernardo Cabral. A experiência adquirida nesses cargos
pôde ser aproveitada durante a sua gestão à frente da OAB?

N ão resta dúvida, é a bagagem acumulada por um a trajetória dentro de


um a instituição. A partir de 1972 eu me tornei conselheiro seccional em São
Paulo. Quatro anos mais tarde eu fu i eleito presidente da Associação dos
Advogados de São Paulo, que é um a associação m uito im portante no estado,
haja vista que hoje ela tem mais de 60 m il associados. Evidentemente eu fu i
amoldando a m inha participação num a vivência dos problemas nas mais
distintas esferas de atuação, o que, por certo, me ajudou m uito no exercício
do m andato à frente do Conselho Federal. Eram tempos difíceis, eu residia
em São Paulo e precisava me deslocar para o Rio de Janeiro com bastante
constância. A O rdem era pobre, não tin h a sequer u m carro, m u ito
diferentemente do que é hoje, em função do crescimento da advocacia. Em
suma, este “treino”, entre m uitas aspas, que eu tive ao longo dos anos de
atuação dentro da Ordem, fo i de enorme valia para u m exercício seguro da
presidência do Conselho Federal.

Como presidente, batalhei pela efetiva democratização do país.

•Al 133
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Comparando o discurso de despedida do d r. Bernardo Cabral e o


da sua posse, é nítida a diferença em relação à atuação da OAB.
Enquanto Bernardo Cabral enfatizou as questões específicas da
classe, ainda que não tivesse se descurado das questões conjunturais,
o senhor centrou o seu discurso no desafio de fazer da OAB "o
grupo de pressão para desestabilizar o poder técnico-burocrático"
- que era uma demanda geral da sociedade - defendendo a
Constituinte e as eleições diretas. A diferença entre as falas era a
representação clara da disputa entre dois grupos que defendiam
linhas de atuação distintas para a Ordem?

Não, eu não diria que houvesse dois grupos distintos. O que havia era a
manifestação central de dois presidentes, o Bernardo de um lado e e u d e outro.
Bernardo Cabral como presidente não se descurou também desses problemas
institucionais, mas talvez não lhe tivesse dado a importância que eu julgava
que devesse ser dada. O meu comportamento como presidente fo i no sentido de
batalhar pela efetiva democratização do país. Ê claro que nós não nos descuramos
da defesa dos interesses da classe, mas isso era algo mais voltado à atuação dos
conselhos seccionais. O Conselho Federal, evidentemente, tinha que dar todo o
apoio aos conselhos seccionais nesse sentido, mas ele tinha um a posição de
liderança perante a sociedade civil que não podia ser desprezada. D aí a razão
dos realces do meu discurso em relação a esta questão. Tanta era a nossa
preocupação que nós promovemos, aqui em São Paulo, o Primeiro Congresso
Nacional Pró-Constituinte,^ logo em seguida à m inha eleição. Fizemos questão
de convidar também pessoas desvinculadas da advocacia, justam ente porque
considerávamos a questão de modo amplo e abrangente. Contamos com a
participação de sociólogos, historiadores, psicólogos, enftm, profissionais de
outras áreas que trouxeram a sua contribuição no sentido de caminharmos
para um modelo de Constituição que todos almejávamos.

Durante muito tempo a OAB se bateu contra o regime militar e a


favor da volta do Estado de direito. Qual seria a pauta de luta da

•' o P r im e iro C ongresso N a cion al P ró -C o n stitu in te o c o rre u e m ago sto d e 1983, n a F a c u ldade d e D ireito do
Largo d e São Francisco, e m São Paulo, re u n in d o advogados d e to d o o Brasil. Sobre o assu n to , ver tam b é m ,
en trev ista d e H e r m a n n Assis Baeta, neste volum e.

134 •áB
V o lu m i' / A O ,A li n a v o / d o s >cu> l-’i f s i c k ' H l e ^

OAB no início de 1983, com a abertura razoavelmente consolidada,


a vitória de vários governadores da oposição nas eleições de 1982
e o vislumbre do fim próximo do regime militar?

H avia um a expectativa de que pudéssemos atingir bons resultados, mas havia


um a preocupação de im por aos esforços cada vez mais vigor para que
pudéssemos atingi-los. Lutamos muito por eleições diretas, mas não sabíamos
se iriamos conseguir. A despeito da abertura iniciada no governo Geisel,
tínham os ainda, no Figueiredo, a imagem de um governo forte, pouco
permeável ao estabelecimento de um diálogo com a Ordem e que não se
mostrava sensível a um a abertura, o que fazia com que nós não pudéssemos
nos descuidar da luta pela redemocratização.

Havia ainda as constantes ameaças, em vários casos concretizadas,


à vida de advogados. Acompanhado de Marcello Lavenère, o senhor
chegou a ir ao m inistro Abi-Ackel para denunciar esses atos
violentos. De que maneira ele recebeu as denúncias?

O Ahi-Ackel era um político muito hábil. Ele recebia, registrava, dizia que
tom aria providências, m as pouco fa zia . N ós tivem os m uitos em bates
principalmente nas reuniões do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
H u m an a (CDDPH ). Sobre esta reunião em especial, eu não tenho uma
lembrança exata de como ela se deu, mas fomos lá e fizem os um protesto
veemente. Ele nos ouviu com m uita atenção e prometeu tom ar providências,
mas eu me recordo de não ter saído de lá com m uita esperança de que aquelas
promessas viessem a se efetivar, o que acabou se confirmando.

Qual era a freqüência das reuniões do CDDPH na época da sua


presidência?

N ão eram m uito freqüentes não. Eu não sei precisar a quantas reuniões


compareci, mas posso garantir que estive presente em todas as que foram
convocadas. O que ocorria é que em várias ocasiões nós é que tínhamos que
provocar a convocação do Conselho.

135
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

O Abi-Ackel comparecia a essas reuniões?

Ele sempre presidia as reuniões, com m uita habilidade, procurando colocar


panos quentes nas situações que lhe chegavam ao conhecimento. O governo
tam bém tinha componentes a ele ligados, que m uitas vezes im pediam que
nós pudéssem os fazer, ou pelo menos dar seqüência, às denúncias que
apresentávamos. Eu tinha um companheiro destemido também , o Barbosa
Lim a Sobrinho, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), com
quem eu ia m uitas vezes a Brasília para participar das reuniões. Em verdade,
pelo que me recordo, ele era o único que apoiava, absolutamente, todas as
proposições da Ordem nas reuniões do CDDPH.

Foi preciso uma grande coragem cívica para defender os postulados


perseguidos pela Ordem.

Não havia o receio de que vocês viessem novamente a ser alvo de


atentados, não só como instituição, mas na pessoa física de seus
representantes?

Eu não sei, talvez hoje a gente até possa encarar de um a outra form a, mas na
ocasião havia um a coragem m uito grande por parte dos dirigentes da Ordem
e, a despeito dos riscos que se corria, havia de outra sorte um a chama, uma
obrigação de defesa intransigente de certos valores da democracia, da vida
dos advogados, que nos levava a afrontar as situações com m uita disposição.

O senhor considera que o período do d r. Eduardo Seabra Fagundes


foi mais difícil do que o seu?

Eu acho que de uma certa forma foi, embora nós sentíssemos também a mesma
dureza aqui em São Paulo, onde eu exerci a presidência da OAB local, no mesmo
biênio. O regime provocava uma abertura gradativa, o que fazia com que a situação
fosse mais rigorosa do que durante a minha gestão à frente da Ordem Federal.
Mas, de qualquerforma, restrições nós tínhamos de toda espécie, tanto no período

136 «41
V o lu m e A (JAH tt.i v o x (los sens I're -'ide n tcs

dele quanto no men. Nós precisamos de um a grande coragem cívicapara defender


os postulados perseguidos pela Ordem. E o fizemos, tanto no CDDPH quanto
nas manifestações de que participamos no exercício da presidência.

Além dos receios em relação às ameaças dos grupos da extrema-direita,


havia a Lei de Segurança Nacional, que poderia ser utilizada contra a
Ordem. À época tramitava na Câmara um projeto do deputado Jorge
Carone, que propunha alguns retoques no texto dessa lei. Consta que
a OAB se recusou a participar das discussões. Por quê?

Em primeiro lugar, a Ordem queria a revogação, por completo, da L SN .“*


Dessa form a, ela não poderia colaborar com um a modificação, que sob a
promessa de am enizar os efeitos da Lei, m antinha disposições legais com as
quais a Ordem não concordava. Daí o porquê da recusa.

A conquista da normalidade democrática tinha muitas pedras no


caminho, como a invasão do prédio da Ordem, em Brasília, no
mês de outubro de 1983, comandada pelo general Newton Cruz,
com o ot^etivo de proibir a realização do I Encontro de Advogados
do Distrito Federal, que iria discutir as medidas de emergência por
causa da votação do decreto-lei da política salarial.^ Essa invasão à
OAB de Brasília soou como uma segunda bomba, depois daquela
que havia matado dona Lyda?

■' Sobre a LSN d u r a n t e o reg im e m ilitar, ver n o ta 3 d a e n trevista de B e rn a rd o C ab ral, n este v olum e.
^Em fins d e 1982, e m m e io a u m a grave crise e co n ô m ica , o go v e rn o b ra sile iro d e c la ro u a im p o ssib ilid a d e de
a rc a r c o m os ju r o s d a d ívida n o a n o segu inte- A c o n tra p a rtid a im e d ia ta foi a a ss in a tu ra d e u m a c a rta de
in tenções c o m o F u n d o M o n e tá rio In te rn a c io n a l (F M I), selan do c o m p ro m is s o s d e estabilização da
e co n o m ia. U m d o s p o n to s d o a c o r d o passava ju s ta m e n te pe la re d u ç ão d a s taxas d e re a juste salarial da
classe tra b a lh a d o ra b rasileira. D esd e e n tã o o go v e rn o te n to u a p ro v a r n o C o n g re ss o u m a n o v a política
salarial q u e a tend esse às exigências d o FM I, a m a rg a n d o , e m c o nse qüê ncia, u m a u m e n to a ce le ra d o d o
d e sc o n te n ta m e n to po pu la r. D epois d e q u a tro d e rrotas consecutivas, Figueiredo e seus m in is tro s busca ra m
cercar-se d e g a ra n tia s e x tia o rd in á ria s p a ra o b te re m êxito n a ap ro v ação d o D e c re to n.® 2.045, referente à
política salarial. Sob fo rte p ressão p o p u la r, e m Brasília, c o n tra a a p ro vação d o d e c re to . F ig ueiredo, pela
p rim e ira vez d e p o is da revogação d o A I-5, em 1979, recorreu à s u sp e n sã o p arcial das lib e rd a d e s públicas,
p o n d o a capital federal e m e sta d o d e em erg ên cia e e n c a rre g a n d o o gen eral N e w to n C ruz, c o m a n d a n te
m ilitar d o P la n alto, d a aplicação das m e d id a s coercitivas q u e julgasse necessárias p a ra a m a n u te n ç ã o da
o rd e m . V e rD H B B , op. cit.

137
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

A invasão causou um a estupefação m uito grande, até porque o presidente


da seccional de Brasília, à época, que era o a tu a l m in istro do STF,
M aurício Correia, recebeu tam bém m u ita s ameaças. L em b ro -m e que
h avia a té program ado u m a palestra n u m a subseção d e M in a s Gerais e
cancelei a m in h a ida para po d er estar em Brasília ju n to ao presidente
M aurício. A com pa n hei-o no depoim ento que prestou a u m coronel do
Exército, no Inquérito Policial M ilita r (IP M ) que havia sido instaurado.
F ica m o s lá p r a tic a m e n te o d ia in te iro e ele f o i d e u m a coragem
excepcional, confirm ando todas as acusações que tinha, inclusive em
relação ao general N ew ton Cruz. A força, p o rta n to , da nossa presença,
f e z com q u e cessasse, ou dim inuísse, o clim a de am eaça e tudo voltasse à
norm alidade. A Ordem como um todo fo i m u ito corajosa. Os conselheiros
seccio n ais q u e se v ira m a tin g id o s sa íra m à ru a de braços dados,
en fren ta n do a reação da polícia, o que teve u m a enorm e divulgação e
dem o nstro u que a O rdem tin h a a coragem necessária p ara enfrentar o
governo d ita to rial que persistia.

Apesar da desinterdiçâo da OAB de Brasília, Sepulveda Pertence e


f\/laurfcio Correia foram indiciados por desobediência às medidas
de emergência. Como a Ordem reagiu a esta posição dúbia do
governo?

A O rdem deu apoio à defesa de am bos no sen tid o de liberá-los do


indiciam ento que, afmal, não teve conseqüência maior. A desinterdição da
Ordem, de certa form a, acabou acomodando a situação e o episódio foi
suplantado.

As idas e vindas do processo de abertura eram m uito evidentes,


o que c o n trib u ía para m anter aceso um ce rto c lim a de
insegurança. Como este fator influenciava na sua atuação como
presidente da Ordem, sabendo ainda dos riscos que a instituição
poderia estar correndo num momento tão indefinido da transição
política?

138 •àB
V o lu m e / A { ) , \ l i n ,i V O / ( l ( h s('Lis l ’ i(.‘s i ( k ‘ n tc s

Eu acho que, de certa form a, isto até fortalecia o em bate que a Ordem
vinha travando naquela ocasião. O país caminhava sim para um a abertura
política definitiva. Era como dizia o general Golbery, com a sua célebre
imagem da sístole e da diastole: enquanto endurecia de u m lado, am enizava
do outro. N ós tínham os que conviver naquele am biente agindo d efo rm a
rigorosa em determ inadas situações, prezando pela cautela em outras, mas
sempre na perseguição do ideal que norteava o com portam ento da Ordem.
Isto é, nós não nos furtávam os de tomar a frente desses m ovim entos, mas
agíamos de acordo com o que as circunstâncias perm itia m , até o lim ite das
possibilidades.

O episódio do incêndio no prédio da OAB de Brasília, em julho de


1984, foi uma reação dos grupos militares inconformados com o
processo de abertura?

Eu não sei. Era e v id e n te q u e os g rup o s m ilita re s, p r in c ip a lm e n te


centralizados lá em Brasília, não se conform avam com a atuação da
O rdem . Então, esses atos talvez ten ha m tido o in tu ito de in tim id a r a
O rdem . M as se assim foi, não logrou o resultado que esperavam.

Novamente não houve qualquer contato da Ordem com o governo


Figueiredo em função do ocorrido?

N ão houve qualquer contato. Em verdade, os únicos contatos que eu tive


com 0 governo Figueiredo, além do m inistro da Justiça, fo i com o seu
m inistro-chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu, que sempre m e recebeu
m uito bem.

Segundo as atas, em agosto de 1984, um J u iz promoveu


representação penai contra a diretoria da seccional de Roraima, e

* S obre os casos d e am eaças e assassinatos d e advogados, ver, so b re tu d o , en trev ista d e H e r m a n n Assis Baeta,
neste volum e.

739
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

O advogado Tobias Granja foi assassinado em Alagoas.^ As


providências tomadas pela OAB para enfrentar esses ataques
seguiram o rumo da via poKtica ouJurídica?

Quanto ao caso do Tobias Granja, a seccional de Alagoas, que então era presidida
pelo Marcelo Lavenère, tomou providêndas locais e nós levamos os fatos ao
conhecimento do CDDPH como antes referido. Do ponto de vista jurídico,
recordo-me que um processo fo i aberto e que os acusados foram condenados.

No Conselho, havia os mais prudentes, os de direita, os de esquerda,


e uma maioria nitidamente democrática

Ê possível perceber pelas atas das sessões do Conselho uma


crescente preocupação com os temas econômicos, em função
também do agravamento da crise social que o país vivia. A Ordem
receava que o clima de profunda insatisfação social e econômica
pudesse atrapalhar a transição democrática?

Eu não entendo que pudesse atrapalhar a transição democrática, mas até servir
como ingrediente para que, politicamente, se caminhasse para um regime
letivam ente democrático, que pudesse centrar sua preocupação também na solução
do problema social que afetava o povo brasileiro. Essas manifestações populares
talvez refletissem exatamente um anseio popular por mais liberdade, por mais
conquistas, pela defesa de interesses mais imediatos do povo de um modo geral.

Na ata da sessão de 4 de julho de 1983, consta uma denúncia feita


pelo dr. Miguel Seabra Fagundes sobre um acordo firmado pelo
Banco Central com banqueiros estrangeiros. Surge então um debate
sobre se a OAB deveria colocar em pauta um assunto da área
econôm ica. A Ordem tinha com o projeto se coloca r com o
vanguarda na defesa da ordem jurídica, qualquer que fosse o
assunto?

140
V o lu m e / -A 0 / \ H lilt \ ( i x cios s('U ‘' l ’ ifs ic !(.'n !c s

Sim, claro. Este assunto, por exemplo, foi bastante debatido no Conselho, por
iniciativa do próprio dr Miguel Seahra Fagundes. H á inclusive no OAB Federal,
que era um jornal que nós então publicávamos, de um a form a m uito simples,
sem fotografias e sem personalismos, em sua décima primeira edição, publicada
em setembro do mesmo ano, uma referência a esse assunto. Nós nos posicionamos
contrariamente a esse acordo, que feria a soberania brasileira.

São muitos os episódios que, ao longo da história, mostram que a


Ordem não é uma instituição homogênea. Naquele momento, como
se po sicio n a va a O rdem sobre o seu papel na luta pela
redemocratizaçâo, bem como sobre os riscos que deveria correr
em busca deste objetivo?

De u m a maneira geral, a tendência majoritária do Conselho era no sentido


de um a atitude mais firm e, corajosa e atuante na busca desse objetivo. É
claro que, em um Conselho com 78 membros, havia os mais prudentes,
havia os de direita, os de esquerda, e havia um a maioria que era nitidam ente
democrática, que emprestava um peso m aior a essas deliberações da Ordem
e que, enfim , sobrepujava eventuais posições mais débeis.

Era possível perceber alguma tentativa de retaliação profissional


contra os advogados que tinham uma participação política mais
visível contra o governo?

É possível que tenha havido, m as eu pessoalm ente não f u i atingido e


acredito que não tenha sido nada ostensivo, em fu n çã o de não ter havido
qualq uer repercussão em relação a esse assunto, pelo m enos que eu me
recorde.

Por unanimidade, fui eleito presidente do comitê que organizou a


campanha por eleições diretas.

#à# 141
______________ Historia da
O rd e m dos A dvogados d o Brasil

Como foi a participação da Ordem na campanha das Diretas-Jâ?^

Foi 0 período mais empolgante e rico da m inha gestão. Eu me recordo que


recebi, no Conselho Federal da Ordem, a visita do senador Teotônio Vilela,
que m e convidou para participar da campanha. Cogitava-se criar um comitê
suprapartidário, e ele vinha, em nome dos políticos, convidar o presidente da
Ordem para integrar esse comitê, ao lado de presidentes de outras entidades
importantes, como a ABI, a Associação dos Docentes Universitários (Andes),
a Sociedade Brasileira de Educação (SBE), etc. Eu, naturalmente, sub m etia
matéria ao Conselho, que aprovou a participação da Ordem e a m inha
participação pessoal. Tivemos um a reunião em Brasília, no Congresso
Nacional, com a presença dos presidentes de todos os partidos políticos e os
presidentes dessas entidades da sociedade civil Ulysses Guimarães, muito
experiente, e sabendo, possivelmente, das disputas que surgiriam até mesmo
em relação a quem deveria presidir esse comitê, fo i m uito hábil e homenageou
a nossa instituição dizendo aos presentes que quem deveria presidir o comitê
deveria ser o presidente da entidade m ais representativa na luta pela
democratização do país, a OAB. E daí, por unanim idade, eu acabei eleito
presidente do comitê que organizou a campanha po r eleições diretas.

Paralelamente às manifestações públicas, houve alguma iniciativa


da Ordem no sentido de fazer um trabalho de convencimentoJunto
aos deputados para que aprovassem a emenda das Diretas?

H ouve mais em função da pressão política do próprio m ovim ento, já que, no


meu modo de entender, pesa politicamente m uito mais do que um a conversa
ou um a pressão pessoal em relação aos deputados. Infelizmente a conjunção
de todos os fatores, de toda a mobilização, não deu o resultado esperado.

' E m m a rç o d e 1983. o d e p u ta d o federal D a n te d e O liveira (P M D B -M T ) a p re s e n to u ao C o n g re ss o u m a


e m e n d a c o n stitu c io n a l q u e p ro p u n h a o fim d o C olégio Eleitoral e o r e to r n o das eleições d iretas p a ra a
p resid ência d a R epúb lica, já a p a r tir d o pleito seguinte, p re v isto p a ra 1985. A p a r tir d o m ês d e m a io teve
in ício u m a fo rte m o b iliza ç ão p o p u la r e m to rn o d o te m a , q u e c u lm in a ria n a realização d e u m a série de
com ícios, n o s p rim e iro s m eses d e 1984, nas p rin c ip a is cidades d o Brasil. O m o v im e n to pelas Diretas-Já
g a n h o u as ru a s , m as e m 25 d e abril, p o r falta d e 22 votos, a e m e n d a D a n te d e O liveira foi re je ita d a pela
C â m a ra . V e rD H B B , op. d t .

142
V o lu m e , A OAi '5n a \ o / do'- s ( 'ii\ P i c ^ id c n t c s

É correto afirm ar que o senhor se posicionava contrariamente


à idéia de a oposição pa rticip a r do processo das eleições
indiretas?

De um a certa form a, sim. Teria sido um a atitude de coerência.

Nesse ponto o senhor se aproximava então do Partido dos


Trabalhadores (PT), que defendia esta posição?

Sim, realmente, nesse ponto, eu me aproximava.

Mas esta não era uma posição da Ordem?

Não, não era. Seria u m a a titu d e de coerência, m as que se m ostraria


equivocada, porque se a oposição não tivesse p a rticip a d o da eleição
indireta, que resultou na vitória de Tancredo Neves, então, possivelmente,
teria sido eleito Paulo M a lu f o que se configuraria n u m a lástim a para o
pais.^

já que estamos falando de eleições diretas, como foi recebida a


proposta feita pelo conselheiro Calheiros Bonfim para que a OAB
implantasse, internamente, um sistema de eleições diretas?

A proposta acabou não sendo aprovada, mas, em últim a análise, elafrutificou


com 0 novo Estatuto da Ordem, de 1994, porque a eleição praticamente passou
a ser direta, na medida em que os conselhos seccionais passaram a votar para
a eleição do Conselho Federal. O Calheiros Bonfim, que apresentou sempre
propostas no sentido de democratizar esse processo de escolha, foi responsável,
inclusive, p o r um a proposta apoiada na m inha gestão, que infelizmente levou

* Em 15 d e ja n e iro de 1985, T an c re d o Neves, re p re s e n ta n d o a A liança D e m o crática , q u e a g lu tin a v a a o p o sição


e setores d e sc o n te n te s d a base governista, recebeu 480 vo to s d o s m e m b ro s d o C o lé g io E leitoral, e n q u a n to
P a u lo M aluf, c a n d id a to d a s itu a çã o , pe lo P a rtid o D e m o c rá tic o Social (P D S ), o b te v e 180 votos. H o u v e
a in d a 17 ab ste n ç õ e s e n o v e ausências. Ver D H B B , op. cit.

•ài 143
_____________ História da
O rd e m dos A dvogados d o Brasil

a um desgaste em relação ao dr. Sobral Pinto, a respeito da legitimidade do


Colégio de ex-Presidentes para a escolha do agraciado com a M edalha Ruy
Barbosa. Calheiros, apoiado por Baeta, considerando o Colégio m uito restrito,
defendeu que o Conselho Federal fosse a assembléia legitima para este fim .

Como se deu o episódio da devolução da medalha pelo d r Sobral


Pinto?

Dr. Sobral considerou viciada a outorga da venera p or terem pairado dúvidas


em relação à legitimidade dos então integrantes do Colégio de ex-Presidentes,
que deliberaram homenageá-lo. Em solidariedade. Ribeiro de Castro, que
era m uitíssimo amigo do dr. Sobral, e que tam bém havia sido agraciado com
a medalha pelo mesmo Colégio, igualmente a devolveu. Eu escrevi a ambos,
implorando para que não fizessem isso logo na m inha gestão, mas não houve
jeito de convencê-los do contrário. Depois do falecim ento do Sobral eu
encaminhei à fam ília a medalha, mas não sei dizer se fo i recebida. Dr. Sobral
era u m hom em que tom ava posições de absoluta coerência com a sua
consciência. Eu me lembro que o conheci num a Conferência Nacional da
Ordem, no Rio de Janeiro, sob a presidência do Ribeiro de Castro. Nessa
oportunidade, quando se discutiu a instituição de divórcio no país, o Sobral
fe z um discurso infiamado, bravo, e se retirou da conferência, porque ele não
adm itia nem cogitar o assunto.

N o episódio da Fepasa o objetivo único era desm oralizar


politicamente a OAB.

O senhor já foi filiado a algum partido político?

Não, nunca fu i filiado. Depois de ter sido secretário de Justiça aqui de São
Paulo, de 1987 a 1990>fui convidado pelo governador Orestes Quérciapara
ingressar no PMDB, mas não aceitei o convite.

144 màB
V o lu m e / A ( ) / \ B na v o / d o s seus P reside ntes

Qual a sua relação com o ex-governador Orestes Quércia?

Eu conheci o Quércia quando ele presidia a União Nacional Municipalista, que


reunia os m unicípios de todo pais. Ele pretendia participar do comitê
suprapartidário em prol das eleições diretas. Nós havíamos tomado um a
deliberação de não admitir nenhuma outra entidade da sociedade civil além
daquelas que de início fizeram parte do comitê. Mas houve um a insistênáa muito
grande, dele e de outros próceres da União Municipalista. Aquilo me sensibilizou
e eu batalhei para que pudéssemos admiti-los, pois seria uma força do país inteiro
a partir de cada célula municipal, e ele acabou participando. Viajamos juntos
algumas vezes, indo ou voltando de Brasília, porque ele era vice-govemador aqui
de São Paulo. Dessa relativa proximidade resultou o convite quando de sua eleição
para o governo do estado de São Riulo. Impus apenas a condição de não me filiar
a nenhum partido político. Participei do governo dele até 1990, quando me demiti
para voltar ao meu escritório de advocacia.

O senhor foi acusado de ter sido favorecido num contrato


profissional que assinou com a Ferrovias Paulistas Sociedade
Anônima (Fepasa), em função de sua posição política favorável às
eleições diretas. O Sepúlveda Pertence chegou até a redigir uma
nota de desagravo ao senhor Como se deu este caso?

A origem desse episódio é lastimável, de motivação estritamente política. Foi


obra de um deputado do antigo Partido Democrático Social (PDS), chamado
Walter Lemes Soares. Tudo começou com a desapropriação da Companhia
Paulista de Estradas de Ferro, pelo governador Carvalho Pinto. M ais tarde
criou-se um a empresa pública no lugar, a Fepasa, que passou a administrar
a malha ferroviária de São Paulo. O problema é que, depois da desapropriação,
houve um a discussão durante muitos anos no tocante ao valor da indenização
devida aos acionistas, que chegou a ser estimado em 300 bilhões de cruzeiros
de então. N a impossibilidade de pagar indenização tão vultosa. Franco
Montoro, quando assumiu o governo de São Paulo, resolveu desistir da
desapropriação da antiga companhia. Essa desistência fo i manifestada pela
Procuradoria-geral, que é a legítima titular da defesa dos interesses do estado.
Como estava havendo um a série de dificuldades, o governador M ontoro me

145
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

chamou, já que me conhecia desde o tempo em que eu fu i presidente da Ordem


de São Paulo, para pedir m inha colaboração profissional. Houve então um a
discussão em torno da possibilidade de m inha contratação, mas eu mesmo
disse ao governador que, legalmente, o estado só poderia se defender através
da Procuradoria-geral. Depois de examinarmos bem a questão, vimos que eu
só poderia ser contratado pela Fepasa, em função dos prejuízos que ela iria
sofrer. Fui contratado e, logo em seguida, este deputado, ligado ao M a lu f foi
à tribuna da Câmara e me acusou de receber honorários milionários para
defender os interesses da Fepasa, como um a retribuição ao trabalho que eu
havia feito pelas eleições diretas.

Como o senhor reagiu?

Eu fiz várias manifestações, inclusive junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo,


demonstrando que esses honorários, que eu iria receber se tivesse sucesso na causa
- e acabei não tendo representavam um percentual inferior a um por cento do
valor envolvido na demanda. Inclusive, o Tarso de Castro escreveu um artigo na
Folha de S. Paulo de 1'^de junho de 1984, na página 40 do caderno Folha Ilustrada,
em que ele relata este episódio: “..i55o seria um grande escândalo, pelo fato de
contratar o escritório do advogado Mário Sérgio Duarte Garcia, justamente o
presidente da OAB, que por acaso é uma entidade profundamente ligada à luta
pelas liberdades democráticas, coisa da qual o grupo de Paulo Salim M a lu f não
pode ouvir falar sem ter profundas crises de desinteria”. E continua: '‘Mas o pior
é 0 seguinte: trata-se de uma denúncia falsa, uma vez que o escritório só será
beneficiado com a importância caso vença a causa. Caso contrário terá apenas a
compensação de custos. A t surge uma coisa estranha: do outro lado, o lado dos
acionistas, os advogados levarão com a causa ganha contra o estado e w interesses
da população, nada menos do que 60 bilhões de cruzeiros”.

O artigo falava sobre o deputado Walter Lemes Soares?

Falava sim. Abro aspas novamente: “Vejamos a história do deputado. Ele é,


desde que eleito, em 1968, presidente da Comissão de Transportes da
Assembléia Legislativa ~ um a grande dedicação à causa dos transportes

146
V o lu n u * \ ( >AI-'> iKi \ u / (los s(,'Lis l ’ n ' s i ( k ‘n trs

coletivos estaduais que não se vê, apenas com u m senão: ele é tam bém dono
da empresa Andorinha, um a das forças maiores que este país tem em matéria
de transporte rodoviário. A lém do mais, responsável p o r u m lo b b y de
empresas em São Paulo. Vai daí que não gosta de trens, é u m direito que lhe
cabe. Querem m ais coincidência? Pois aí vai outra: sendo representante da
região de Presidente Prudente, Walter conversou m uito com M a lu f sobre as
inconveniências do transporte ferroviário na A lta Sorocabana. M ais acasos?
É ele, Walter, que detém o monopólio das linhas rodoviárias da região. E
para dar aos estranhos casos, p or hoje, findos, fo i então que M a lu f que
hoje conta com 0 apoio de Walter para a presidência, desativou praticam ente
todos os trens que serviam à região a custos rentáveis. N ão são uns amores?
E depois 0 Chico A nísio acha que o ‘Justo Veríssimo' é caricatura.” Por fim ,
isso ficou suplantado. O objetivo único era desmoralizar politicam ente a
OAB.

De uma maneira geral o relacionamento da Ordem com o Judiciário


é muito bom.

No tocante ao relacionamento da Ordem com o Poder Judiciário,


qual a tônica prevalecente: a da harmonia ou a do conflito?

Com raríssimas exceções, o relacionamento da Ordem com o Judiciário é


m uito bom. Eu diria até que a Ordem fez mais pelo Judiciário do que o
Judiciário pela Ordem. No m om ento em que nós vivemos aquele período
negro do regime ditatorial, mais do que os próprios juizes, os advogados
defenderam aposição deles no tocante, por exemplo, à absoluta independência
que deveriam ter nas suas decisões, e jam ais tivemos, nesse aspecto, por parte
do Judiciário, um a reciprocidade em relação à Ordem.

E qual seria a reciprocidade que vocês poderiam esperar do Poder


judiciário?

A té mesmo na manifestação, de alguma forma, simpática ou favorável a essas

147
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

posições que a Ordem adotou desde então. Talvez seja p ed ir m u ito ao


Judiciário, que é um poder m uito neutro. Quando o ju iz coloca a toga em
cima dos ombros, parece que se torna insensível aos problemas, a não ser
àqueles que estão nos processos. Ele não se envolve de um a maneira mais
ativa ou efetiva em relação a problemas sociais e a problemas que sempre
preocuparam a Ordem.

Em setembro de 1984 estourou uma crise entre a OAB e o STF, em


função da Ordem não ter comparecido a uma solenidade em
homenagem ao ex-ministro da justiça, Alfredo Buzaid. Como se
deu o episódio?

O Supremo iria realizar um a solenidade para homenagear o Alfredo Buzaid,


que se aposentara. Nós estávamos às vésperas da realização da X Conferência
Nacional da OAB, em Recife. Quando chegou o convite do STF, eu o submeti
ao Conselho que unanim em ente recomendou que eu não comparecesse à
cerim ônia, um a vez que o Buzaid, quando m inistro da Justiça, tentou
submeter a Ordem à fiscalização do Ministério do Trabalho,^ além de ter
exercido o cargo de ministro da Justiça n u m dos governos mais despóticos do
regime militar. Eu mandei um ofício ao presidente do Supremo, dizendo que
não poderia estar presente.

É comum o presidente ter que consultar o Conselho da Ordem para


aceitar o convite para uma solenidade no STF ou esse encaminhamento
foi dado exclusivamente porque se tratava do Buzaid?

N ão é normal que isto ocorra. O presidente tem a representação da instituição,


ele recebe um convite e aceita se achar que tem que aceitar. Como se tratava
de um a homenagem a Alfredo Buzaid, que era m uito criticado pela classe
advocatícia, epelo Conselho Federal principalmente, achei que era meu dever
subm etera matéria ao conhecimento do Conselho.

" S o bre o a ss u n to , ver, so b re tu d o , e n trevista d e C aio M ário d a Silva P ereira, neste volum e.

148
V o lu m e / A () /\ 1 5 n . i V O / d o s s e n s I ' i c s i d e n l e s

E quais foram os termos do ofício que o senhor enviou para o STF?

Eu mandei um ofício dizendo que não podia comparecer porque estava em


Recife, p o r conta da realização da Conferência Nacional da Ordem. A rigor
haveria tempo para eu passar por Brasília, assistir à solenidade e ir a
Pernambuco, mas eu não fu i. O ministro Cordeiro Guerra ficou irado com a
m inha ausência, epropôs um a modificação do cerimonial do STF, excluindo
a Ordem do direito de falar em suas sessões cerimoniais. Isso criou um vácuo
nesse relacionamento. O ministro Cordeiro Guerra tinha sido prom otor
público, era um homem de direita, m uito ligado ao regime militar, então eu
compreendi o comportamento dele, embora não concordasse. Durante a minha
gestão não compareci mais ao Supremo, a não ser na posse do ministro que o
sucedeu na presidência, o Moreira Alves.

E como foi o seu retorno ao STF depois deste incidente?

Foi gratificante, porque Tancredo Neves havia sido eleito presidente pelo Colégio
Eleitoral, e ele quis conversar comigo em Brasília. Fui à sede do governo provisório,
acompanhado do dr. Ulysses Guimarães e do Márcio Thom az Bastos, então
presidente da OAB/SP. Quando nós saímos do encontro o Tancredo perguntou se
eu iria à posse do presidente do STF e eu respondi afirmativamente. Fomos, então,
juntos. Quando chegamos à Praça dos Três Poderes ele me pegou pelo braço e
entrou comigo no Supremo. Assisti à posse, e, quando cumprimentei o Moreira
Alves, expus um certo descontentamento por não ter podido me manifestar Ele
então me disse: “Se você tivesse pedido a palavra eu teria lhe dado.”

Mas isso seria uma afronta ao Cordeiro Guerra, não?

Seria, mas essafo i um a form a de demonstrar que ele, o ministro Moreira Alves,
possivelmente não concordava com aquela situação criada pelo Cordeiro Guerra.

Qual foi o teor da conversa informal que o senhor teve com Tancredo
Neves?

#àm 149
_______________ História da_______________________________________
O rdem dos Advogados do Brasil ________________________________________

De modo m uito sutil, bem de acordo com a sua habilidade política, ele queria
sondar a posição da Ordem a respeito do governo, as expectativas que
tínhamos. Recordo-me bem de um a particularidade que somente mais tarde
fo i fazer sentido para m im , mas que me chamou a atenção: ele apalpava
m uito a região do estômago, porque certamente já sentia m uitas dores, que
prenunciavam a sua morte}^

Foi a frustração com a morte do d r. Tancredo que fez com que o


senhor não tivesse comparecido à posse do Sarney?

Não. Eu simplesmente não fu i convidado e, portanto, não compareci.

Mas por que o presidente Sarney não convidou a OAB?

N ão sei. Eu não me recordo de ter sido convidado. E também , em função do


clima de consternação, não houve um a posse solene.

Possivelmente eu fui um presidente melhor do que teria sido o


meu concorrente.

Qual a sua opinião sobre a mudança da sede da Ordem para Brasília?

Eu acho que há prós e há contras. Eu talvez possa vir a ser m uito criticado no
futuro, mas entendo que a mudança da sede da Ordem enfraqueceu-a um

E m 14 d e m a rç o d e 1985, vésp era da posse, o p re sid en te eleito foi a c o m e tid o d e fortes d o re s n a região do
a b d ô m e n . D iag n o stica d a u m a apend icite, T an credo foi o p e ra d o n o m e s m o dia. Após a o p e ra ç ã o a d m itiu -
se u m n o v o dia g nó stico: d iv erticu lite - d o e n ç a q u e g e ra u m q u a d r o a g u d o , p ro v o c a n d o d o re s parecidas
c o m as d a a p en d icite. A pós b reve im p asse s o b re q u e m deveria, d e fato, a s s u m ir p ro v is o ria m e n te a
p resid ên cia d a R epública: o vice, José Sarney, o u o p re sid en te da C â m a r a , Ulysses G u im a rã e s, con clu iu -
se, em n o m e da le g itim id a d e d o pro c e sso eleitoral, q u e o p rim e ir o deveria s e r e m p o ss a d o . Às 10 ho ras,
p o r ta n to , d o d ia 15 d e m a rç o d e 1985, José Sa rn e y a ss u m iu a pre sid ên c ia d a R ep úb lica . D esde e n tã o o
e sta d o d e s a ú d e d e T an cred o só p io ro u . S u b m e tid o a m ais seis ciru rg ias, em fu n ç ã o d e u m q u a d ro
infeccioso q u e n ã o apre se n ta va sinais d e m e lh o ra , n ã o resistiu e faleceu n a n o ite d o d ia 21 d e abril. Vér
D HBBy op. cit.

750 #Á#
V o lu m r r A ( ) \r> n a v t ) / (l()s I'u'sidctttcs

pouco.“ O Rio de Janeiro, par ter sido a capital da República, era o centro para
0 qual convergiam grandes nomes da intelectualidade e da advocacia, o que se

refletia, evidentemente, no cotidiano da política interna da Ordem. Durante a


m inha presidência, nós tínhamos grandes nomes da advocacia compondo o
Conselho. Ainda que tivesse se iniciado na m inha gestão um movimento mais
intenso de vinda, para as reuniões do Conselho Federal, de conselheiros de
seccionais de outros estados, o grande contingente dos advogados que compunha
0 Conselho era ainda do Rio de Janeiro. A presença de figuras como Victor Nunes

Leal, Evandro Lins e Silva, Miguel Seabra Fagundes, Sobral Pinto, José Ribeiro de
Castro, Eduardo Seabra Fagundes, Raymundo Faoro e outros, que compareciam
às sessões, abrilhantavam as deliberações do Conselho. Muitas vezes as deliberações
eram absolutamente inesperadas, surgiam através de um a proposição que
entusiasmava a assembléia. Eram reuniões memoráveis, porque agradavelmente
surpreendentes, e que nos alimentava essa coragem cívica de que falei.

A que o senhor atribui a mudança para Brasília?

Eu acho que o presidente que m e sucedeu, H erm ann Baeta, se viu forçado, de
alguma form a, a m udar a sede para Brasília, em função das circunstâncias
que foram transformando a capital federal em efetivo centro decisório do
país. Evidentemente isso representou um a democratização, ou melhor, um
fortalecimento dentro do sistema federativo do Brasil, mas eu acho que, em
termos de força política, jurídica, o Conselho no Rio de Janeiro fo i algo que
eu nunca mais vi.

Qual o balanço que o senhor faz de sua atuação à frente da Ordem?

Evidentemente houve pontos negativos, já que ninguém é perfeito. Mas o balanço


que faço é positivo, sob todos os aspectos, em função do que pude fazer na minha
gestão, atendendo a um a expectativa daqueles que votaram em m im , e mesmo
dos que não votaram em m im , mas que se uniram em prol da unidade da
instituição. N o meu modo de entender, o trabalho produziu resultados. Eu
destacaria três momentos da minha presidência: a realização dos congressos
' ‘ Sobre o ass u n to , ver, s o b re tu d o , entrevista d e H e r m a n n Assis B aeta, neste vo lum e.

•41 151
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

nacionais Pró-Constituinte, que contribuíram para a ^etiva democratização


do país; a participação da Ordem na campanha pelas eleições diretas e a
realização da Conferência Nacional da Ordem, em Recife. Em suma, eu acho
que a Ordem seguiu o seu destino histórico e deu oportunidade para que houvesse
um a seqüência das administrações que vieram depois de nós.

Seria possível dizer então que o senhor era o homem certo no


momento certo para dirigir a Ordem?

Eu diria, sem falsa modéstia, que possivelmente eu fu i um presidente melhor


do que teria sido o outro candidato, a despeito das suas qualidades intelectuais.

Qual a comparação que o senhor faria entre a OAB do início dos


anos 1980 e a OAB de hoje?

A redemocratização do país provocou m udanças de com portam ento da


Ordem. Nós até então tínhamos obrigação de batalhar intensamente para
atingirmos o objetivo então perseguido. Hoje o país se redemocratizou, nós
vivemos n um Estado de direito democrático. A s preocupações da Ordem têm
que estar hoje m uito mais ligadas à situação dos advogados, à proliferação
das faculdades de Direito, à melhoria do ensino jurídico, etc. A classe hoje é
um universo enorme, carente, há muitos advogados em situação difícil. A
conquista do mercado de trabalho é um problema m uito sério. M as ainda
que a motivação para o envolvimento da Ordem nas questões da política
nacional seja menor hoje em dia, ela não pode se descurar, e não se descura,
de tudo quanto diga respeito aos problemas que afetam o povo brasileiro.

O senhor acha que trará implicações para a Ordem o fato de o


atual ministro da Justiça, dr. MárcíoThomaz Bastos, ter sua imagem
tão colada à instituição?

Eu acho que não. O Márcio, creio, terá um comportamento absolutamente


independente. Acho que fo i uma escolha m uito feliz do Lula. E, de mais a

152 «ái
I

Volum e 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

Na posse de Márcio Thom az Bastos na presidência da QA.B (abril de 1987). Entre outros,
H erm ann Assis Baeta (M embro H onorário Vitalício), Mareio Thomaz Bastos, Paulo Brossard
(m inistro da justiça), Almir I^ z ia n o tto (m inistro do trabalho) e M ário Sérgio Duarte.

i- -
153
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

maisy 0 presidente Rubens Approbato tem tomado atitudes firmes, corajosas,


independentes, quando necessário, e tem falado coisas que precisam ser ditas.
Dessa form a, a Ordem continua na sua trajetória de absoluta coerência com
seus posicionamentos a respeito da mais absoluta fidelidade aos princípios
democráticos. O que ela quer é o Estado de direito pleno e, evidentemente,
aberrações como a edição exagerada de medidas provisórias, como tem sido
feito, não é nada bom. O ministro da Justiça, com sua notória formação
d e m o c rá tic a , e co erente com o p o s ic io n a m e n to da O A B con tra o
indiscriminado uso de MPs, pode contribuir para que cesse esse abuso.

Como de praxe, a palavra final é sua.

Eu queria apenas registrar m inha satisfação pela oportunidade de relembrar


alguns fatos da história da Ordem dos Advogados, principalmente por obra
de u m trabalho sério como este que está sendo feito, sob a coordenação de
H erm ann Baeta. Eu acho que a idéia fo i m uito boa e só tenho a agradecer a
chance de ter podido contribuir para isso.

154 •Al
Volume 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

755
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Posse de H erm ann Assis Baeta (abril de 1985). E ntre outros, Fernando Lyra (m inistro
da Justiça); M ário Sérgjo D uarte (M embro H onorário Vitalício); Barbosa Lima Sobrinho
(presidente da ABI) e Sepúlveda Pertence (procurador-geral da Repúplica).

156
Volume 7 A O A B n d V O / i l o s s ens I ’ n ' s i d c n t c s

Hermann Assis Baeta

E n tre vista do re s: M a rly M o tta e A n d ré Dantas


D a ta da e n tre v is ta : 7 e 8/m a i/2 0 0 3
L o c a l d a E n trevista : Escritório do entrevistado (RJ)
D u r a ç ã o : 6h. e 30 m in.

ttàB 7 57
_____________ Históiía da
Ordem dos Advogados do Brasil

A presidência da Ordem deveria estar acessível à média do


advogado brasileiro.

Quando e em que faculdade o senhor se formou?

Eu me form ei em 1962, pela Faculdade Nacional de Direito, aqui do Rio de


Janeiro, que tinha como centro acadêmico o CACOJ

E quando o senhor ingressou no Conselho Federal da Ordem?

Ingressei em 1975, como delegado da seccional de Alagoas.

Na ata de 8 de novembro de 1982, durante a gestão do seu


antecessor, consta a referência de uma fala do d r. Bernardo Cabral
a respeito de sua possível candidatura à sucessão dele. No entanto,
o eleito foi o dr. Mário Sérgio. Por que o senhor abriu mão de sua
candidatura?

Será preciso fazer um a pequena digressão para responder à indagação. Eu


fazia parte de um grupo de advogados chamado Renovação, que atuava tanto
dentro quanto fora do Conselho, aqui no Rio de Janeiro, e que queria
m udanças na Ordem. Nós examinávamos o processo eleitoral da OAB e
sentíamos que havia um a forte predominância, no exercício dos cargos de
diretoria, do que a gente cham ava de “medalhões da advocacia”. Eram
advogados antigos, advogados considerados juristas de sucesso, advogados
que tinham fam ílias de juristas. Nós achávamos que a presidência da Ordem
deveria estar acessível à m édia do advogado brasileiro, desde que ele

' o C e n tro A c ad ê m ic o C â n d id o de Oliveira, mais co n h ec id o c o m o C A C O , foi c ria d o e m 29 de m a io d e 1916,


q u a n d o a F a c u ld a d e Livre d e D ireito a in d a n ã o h a v ia s id o in c o rp o ra d a à U n iv e rsid ad e d o Rio d e Janeiro,
a tu a l U niversidade Federal d o Rio d e Janeiro (UFRJ). O s e u n o m e é u m a h o m e n a g e m ao p rofessor
C â n d i d o Luís M aria de Oliveira, qu e o c u p o u a dire ç ã o in te rin a da fa c u ld a d e e n tr e 1915 e 1919. A tu a n te
ju n t o a o m o v im e n to estu d a n til, o C e n tro c o n so lid o u a sua p re d o m in â n c ia e m a g o sto d e 1943, q u a n d o
se u n ific o u co m o d ire tó r io aca d ê m ic o da F a c u ld a d e N acio nal d e D ireito . F e c h ad o pe lo M E C e m 1969,
0 C A C O só ressurgiria, legalm ente, e m 1978. Ver D H B B , o p . cit.

7S8 •41
V 'o lu m r \ ( ) . \ l i ii.'i \ o / ( l o s s i ‘ U ‘- l ' [ ( , ' M < I c n l f s

apresentasse condições intelectuais e de liderança para tal. A própria eleição


do Bernardo Cabral, em 1979, para secretário-geral na chapa do Eduardo
Seahra Fagundes e, dois anos mais tarde, para a presidência da Ordem, causou
um certo rebuliço porque representou a quebra de um determ inado padrão
sucessório que imperava dentro da Ordem desde há muito. N a seccional do
Rio de Janeiro tam bém conseguimos eleger alguns nomes que não tinham
qualquer vinculo com essa tradição. N o m eu caso específico, que era o
secretário-geral da diretoria que o Bernardo encabeçava, o que ocorreu fo i
que ele, ao fin a l do seu mandato, manteve uma postura indefinida em relação
à questão sucessória. A qu i no Rio ele apontava o m eu nom e como o candidato
dele, da situação, mas em São Paulo, segundo alguns colegas de lá me diziam,
ele falava no nome do José de Castro Bigi.

Mas de que maneira o dr. Mário Sérgio entrou nas negociações?

M ário Sérgio era o vice-presidente da diretoria presidida pelo Bernardo. Nós


conversávamos m uito e eu externei a ele, em mais de um a oportunidade, a
m inha preocupação com o comportamento indefinido do Bernardo. Nessas
conversas, deixei m uito claro que não m e oporia ao seu nome para a sucessão
do Bernardo. Era importante que nós nos articulássemos logo. M as o problema
é que o M ário Sérgio tam bém não se definia. A princípio ele negou qualquer
intenção de se candidatar, o que fe z com que eu, então, continuasse a me
preparar para concorrer, mesmo sem confiar m uito na negativa dele. M as
houve um episódio que me ajudou, em definitivo, no convencimento de que
não era ainda o meu mom ento de concorrer àpresidência. N o casamento da
filha do M ário Sérgio, em São Paulo, onde toda a diretoria estava presente,
um advogado paulista chamado Filardi me disse, com todas as letras, que
São Paulo queria a presidência da Ordem. Eu, desde então, m e convenci de
que não só deveria abrir mão da m inha potencial candidatura, como também
de que 0 M ário Sérgio deveria ser, efetivamente, o candidato do nosso grupo.
Eu não iria quebrar a aliança com uma seccional como São Paulo, em função
somente de um interesse pessoal. Transigir naquele m omento, eu pensava,
seria fundam ental para consolidar uma articulação política nacional e futura,
em torno do meu nome, que pudesse me dar sustentação nas eleições seguintes.

•àl 159
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Mas além da sua estratégia havia também, nessa postura, um respeito


a um determinado padrão sucessório da Ordem, já que o Mário
Sérgio era o vice-presidente e, portanto, teria por tradição a primazia
da candidatura?

Não. A verdade é que eu havia realizado um trabalho para a Conferência


N a á o n a l de Recife sobre a advocacia brasileira, que tratava inclusive do
quantitativo de advogados militantes. A conclusão fo i que São Paulo abrigava
quase um terço da advocacia militante do país. Essa proporção aumentava
se, com São Paulo, somássemos o Rio de Janeiro e M inas Gerais. Do ponto de
vista de legitimidade, portanto, eu achava que São Paulo deveria estar sempre
presente na diretoria, não poderia ficar de fora desse processo.

Sua estratégia incluía o fato de vir a ser o vice do Mário Sérgio?

Sim, porque eu não queria sair da diretoria. Ficar de fora dificultaria a


m in ha estratégia de ser presidente da Ordem. M as eu tive o cuidado de não
tom ar esta iniciativa. O convite para que eu integrasse a chapa na vice-
presidência partiu do próprio M ário Sérgio. Foi um a condição que ele impôs
para aceitar ser candidato. Eu e meus aliados sabíamos que se tudo desse
certo, no p róxim o pleito eu seria eleito presidente da Ordem, com o apoio
de São Paulo.

Como foi a entrada do Alcides Munhoz Neto na disputa pela


presidência que acabou levando o Mário Sérgio a se candidatar?

O M unhoz Neto vinha com m uita força. Ele era u m aim inalista, do Paraná;
u m h o m e m m u ito bem relacionado, q u e tin h a o apo io de várias
personalidades da advocacia, dentre as quais o R aym undo Faoro, que viajou
o país todo pedindo votos para ele. Nós percebemos, quase tardiamente, que
se nos desuníssemos ele poderia ganhar e promover o cerceamento do espaço
que 0 nosso grupo vinha conquistando, contra o retomo da predominância
dos ditos '‘medalhões”.

160
V o k in t c ’ / \ CJAB tui \ ( ) / dos soLis I’ lesiclcntcs

E de que maneira vocês conseguiram reverter a desvantagem?

Nós começamos a reverter pelo Piauí. Havia lá um conselheiro importante,


que tinha presidido a seccional e que era m uito m eu amigo, o Reginaldo
Santos Furtado. Eu estive lá e expus toda a situação. C om entava-se que o
Alcides M u n h oz N eto era hom em da “segurança n ac io n al” e que tinha
feito um a palestra na Escola Superior de Guerra (ESG). Eu joguei então
com este argumento, que era um receio que todos'nós tínham os, já que
vivíam os um m om ento em que estávamos saindo de anos m u ito duros, de
violenta repressão. N ós tem íam os que a vitória do M u n h o z N eto pudesse
representar u m retrocesso ta m b ém neste sentido. N ó s q ueríam os um
candidato que mantivesse a linha de independência e democratização da
Ordem, de não-alinhamento, de insubmissão ao poder. Conversamos m uito
seriam ente e eu saí de lá praticam ente com o voto do Piauí. H ouve ainda
um a seção ou outra que se posicionou de modo mais intransigente, mas no
fim um a tím ida maioria acabou fechando em torno do nom e do Mário
Sérgio. Para se ter u m a idéia, a eleição da Diretoria teve seis escrutínios, de
tão apertada que foi, embora M ário Sérgio tenha sido eleito no segundo
escrutínio e eu no terceiro.

Que nomes compuseram a chapa vencedora?

A lém do M ário Sérgio e eu, respectivamente candidatos à presidência e vice-


presidência, Francisco Costa Neto para secretário-geral, J. M . O thon Sidou
para diretor-tesoureiro e o R aul Silveira para subsecretário.

Eu sentia que era a pessoa certa para presidir a Ordem naquele


momento.

O senhor concorda, portanto, com a avaliação de que a sua eleição


para a presidência da Ordem foi ganha no momento da vitória do
Mário Sérgio?

•41 161
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Certamente. Tanto que, diferentemente desta eleição, que fo i ganha com um


placar apertadissimo, eu venci o Francisco Costa Neto, que acabou sendo
meu opositor dois anos mais tarde, com um a vantagem de 20 votos.

Enquanto o dr. Mário Sérgio acumulou uma experiência como


presidente da seccional de São Paulo, o senhor, como secretário-
geral e vice-presidente, esteve mais perto do centro decisório
nacional. Esta diferença de atuação institucional se refletiu na forma
como os dois conduziram os rumos da Ordem?

Eu acho que há um a grande diferença sim, mas não na questão politico-


ideológica, e sim no que concerne à administração, propriamente, do Conselho.
Porque quando assum i a presidência, em 1985, eu já vin h a com um a
experiência acumulada como conselheiro federal desde 1975. Eu conhecia a
dinâmica do Conselho e os próprios conselheiros, até pelo avesso.

Mas em função da instável conjuntura política que o país atravessava,


foi necessário atuar no âmbito interno da Ordem para que sua aposta
de conquistar a presidência viesse a se concretizar, não?

Sim, claro. A questão da instabilidade política por que passava o pais poderia
ter posto a gestão do M ário Sérgio a perder e, por conseqüência, a m inha
candidatura também.^ Mas o fato é que essa m inha estratégia para alcançar
a presidência da Ordem era pensada em torno da democratização em um
sentido lato, tanto no âmbito da própria Ordem quanto tam bém no que dizia
respeito ao país, em primeiro plano. Em função disso, épossível compreender
por que, na m inha gestão, das duas grandes vertentes de atuação da Ordem,
a político-institucional e a técnico-jurídica, predominou a primeira. Eu partia
do princípio de que a advocacia só poderia ser exercida na sua plenitude dentro de
um Estado demoaático de direito. Não eram concebíveis as violências que vinham
sendo impostas a determinados setores da sociedade brasileira, inclusive contra os
próprios advogados. A prisão dos advogados Augusto Sussekind de Moraes Rêgo,
' Sobre a in s ta b ilid a d e p olítica q u e m a rc o u o fim d o re g im e m ilitar, ver en tre v ista d e M á r io Sérgio D u a rte
G arcia, n este volum e.

762
V o lu iin ; , \ O A I! I I . I v o / d o s s c L i s l ’ i L ' s i ( l i ' f i t c > '

George Tavares e Heleno Fragoso^ eram exemplos claros desse estado de coisas
contra o qual nós lutávamos e que deveria ter fim o quanto antes, através,
fundam entalm ente, de um a atuação enérgica da Ordem como defensora dos
postulados democráticos do estado de direito.

Não havia esta mesma disposição nos seus adversários?

Não. O Costa Neto e o grupo que ele representava não tinham essa visão
acerca da necessidade de um a atuação mais enérgica da Ordem, no sentido
da democratização da sociedade. Ele era um hom em honrado, considerado
de esquerda, u m bom adm inistrador, mas parecia que não tinha essa
disposição. Sinceramente acho que ele não estagnaria a Ordem, mas também
julgo que não contribuiria para que ela avançasse.

A sua aposta na democratização, para além de uma crença pessoal,


se manifestava também em decorrência de uma demanda social
mais ampla, que coincidia com o início da Nova República. Era
esse papel ativo que se esperava da Ordem?

Estou certo que sim, mas esse papel ativo da Ordem estava condicionado ao
perfil do presidente que a assumisse. Ainda que possamos afirm ar que até
hoje n en h u m presidente tenha conseguido retroceder a O rdem , houve
momentos em que ela vacilou na sua trajetória de lutas pela reconquista ou
manutenção das regras democráticas. Eu via que era preciso um a pessoa que
conhecesse a sociedade brasileira, que tivesse sido testada nas lutas progressistas
da sociedade brasileira. E eu me sentia preparado para a tarefa, porque há
m uito tempo eu vinha observando, estudando e discutindo a sociedade
brasileira, desde os bancos acadêmicos.

Sua vida política começou em Alagoas, não foi?

’ Sobre a prisão d o s a d v o g a d o s citado s, ver entrevista d e Laud o C am a rg o , neste vo lu m e.

163
______________ Historia da
O rdem dos Advogados do Brasil

Sim, desde lá. Eu passei seis anos em Maceió, vindo da m inha cidadezinha,
antes de m e transferir para o Rio. Foi u m aprendizado fantástico. Eu
participava dos movimentos estudantis, fu i u m líder estudantil em Alagoas,
enfrentando um a sociedade autoritária e altamente violenta, fu n da d a na
cultura do senhor de engenho, no trabuco, com u m passado terrível de
eliminação dos índios e dos pobres. Fui presidente do Centro Acadêmico da
Escola Técnica de Comércio de Alagoas. Marcelo Lavenère e eu fundam os o
Centro Cultural Pontes de M iranda. Iniciei o curso de direito e, logo no
primeiro ano, me tornei presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de
Direito. Fui secretário-geral da UNE (União Nacional dos Estudantes) no
período de 1960-61 epresidente também do Comitê Universitário pró-Lott.
Em Maceió, organizamos o Centro de Estudos de Problemas Nacionais, onde
nos reuníam os para estudar as questões do desenvolvim ento político e
socioeconômico do Brasil. Lia não só os jornais do Rio, de São Paulo, de
Pernambuco, como tam bém os periódicos nacionalistas. Sem anário, Novos
Rum os; acompanhava pelo rádio as discussões mais importantes do Congresso
Nacional. Em suma, f u i adquirindo ao longo da m inha vida de militância
uma formação sólida acerca dos problemas nacionais, que m e permitiram
consolidar um a visão sobre o Brasil.

A Constituinte tinha tudo para ser um jogo de cartas marcadas.

Logo no início do seu mandato o tema central dos debates nacionais


era a convocação de uma Constituinte. Na ata da sessão de 10 de
junho de 1985 constam alguns pontos que iriam pautar a posição
da Ordem em relação à questão. A OAB, por exemplo, não desejava
que a Constituição resultasse de um documento pronto, como o
anteprojeto que estava sendo elaborado por uma comissão do
governo. A entidade chegou a ser convidada para fazer parte desta
comissão?

Não, porque nós conhecíamos o S a m eye tínhamos dúvida sobre a sua posição,
e por princípio não aceitávamos nenhuma comissão constituída fora do âmbito
do Congresso Constituinte. Sabíamos que a Constituinte tinha tudo para ser

164 «ái
V o lu n u ' / A OAH n<t V O / d o s s r u s P r c s i d i u i l c s

um jogo de cartas marcadas. Nós éramos radicalmente contrários à chamada


''C om issão de N o tá v e is”, destina d a à elaboração de u m anteprojeto
constitucional. Como eu sabia que ia haver um a Constituinte, eu vinha já há
algum tempo estudando o assunto. Eu vivia estudando direito comparado,
exam inando os processos das revoluções burguesas espanhola, portuguesa,
italiana, alemã e francesa. Dois constitucionalistas estrangeiros e um brasileiro
me serviram de base: Ferdinand Lassalle, Jorge Vanossi e Paulo Bonavides."^
O Bonavides, inclusive, ainda hoje é meu conselheiro, ficou m uito meu amigo.
Eu me utilizei, até, por incrível que pareça, dos conceitos do próprio Afonso
Arinos que, por sinal, não são ruins, apenas ele é que tinha um a prática
diferente do que declarava pensar. A essa altura, eu já conhecia dois advogados
que influíram m uito na m inha vida, ambos mortos, infelizmente. Um era o
José L am artine Correa de Oliveira, paranaense, civilista e professor da
Universidade Federal do Paraná, e o outro era o Leônidas Rangel Xausa, um
gaúcho, mais voltado para a ciência política. Foi p or sugestão deles que eu
reuni a imprensa, em Brasília, para criticar o processo de convocação da
C onstituinte, que estava demorando e ninguém sabia como ia ser. Para
promover o debate, eu sugeri, em nome da Ordem, quatro precondições que
deveriam ser observadas para o encaminhamento do processo.

E quais eram essas quatro precondições?

A primeira era a revogação da legislação autoritária, o que nós chamávamos


de “entulho autoritário": Lei Falcão, Lei de Segurança Nacional, Lei de Imprensa

■ 'F e rd in a n d Lassalle (1 8 25-1864), a d v o g a d o alem ão, fo rte m e n te in flu en c ia d o p e lo p e n s a m e n to d e Hegel, era


p ró x im o d e P r o u d h o n c M arx. F u n d o u a A ssociação Geral dos O p e rá rio s A lem ães, n ú c le o d o fu turo
P a rtid o S o c ia l-D e m o c rá tic o . Ver Gratjde Enciclopédia Larousse Cultural, op. cit.
Jorge R einaldo Vanossi (1 939-), a d v o g ad o a rg entino , fo rm o u -se e m I96 0 pe la U n iv e rsid ad e d e B uenos
Aires. Ao lo n g o d e sua vida a ca d ê m ic a p u b lic o u diversos tra b a lh o s a cerca d a sua especialidade: d ireito
co n stitu cio nal. A tu a n d o ta m b é m na p olítica, foi re c entem e n te m in is tro d a Justiça n o g o v e rn o d e E d u a rd o
D u h a ld e , de ja n e iro a ju lh o d e 2002. D isponível em h ttp ://w w w .sa lv a d o r.e d u .a r/u i2 -3 5 -c v jrv .h tm .
Pa u lo B on av ides ( 1923-), ju rista e cien tista p o lítico brasileiro, fo r m o u -s e e m 1948, p e la F a cu ld ade N acional
d e D ire ito da U niversidad e d o Brasil. A lém d e p rofessor da U niv ersid ad e F ederal d o C e a rá d e sd e 1958,
teve intensa v id a a ca d ê m ic a ta m b é m e m un iv ersid ades do exterior. Foi m e m b r o d o C D D P H , de 1985 a
1989. É a u to r d e vários livros nas áreas d o d ire ito c o n stitu cio n al, ciência po lítica c te o ria d o Estado , e n tre
os quais, A crise política brasileira (1978), Política e Constituição: os cam inhos da dem ocracia (1985) e
C onstituinte e Constituição (1987). Ver H om en agem a Paulo Bonavides - M e d a lh a R u y Barbosa. Brasília:
O A B -C o n se lh o Federal, 1996.

165
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

e alguns outros vários dispositivos da Constituição que dificultavam a revisão


dos atos arbitrários dos governos militares, além de outras leis extravagantes
que impediam a livre manifestação do pensamento e o exercício do Parlamento
com liberdade e autonomia. A segunda pré-condição era a promoção de um
am plo diálogo nacional, que não ficasse restrito som ente ao âm bito da
Assembléia Nacional Constituinte, mas que se estendesse ao conjunto da
sociedade civil organizada. A terceira pré-condição era não se atribuir poder
constituinte originário ao Congresso Nacional, como aconteceu, m as sim
convocar uma assembléia livre e soberana, que, antes de constituir, tivesse
liberdade para desconstituir o que estivesse errado na sociedade brasileira, do
ponto de vista institucional. Isto porque nós acreditávamos que um Congresso
já eleito não teria a liberdade plena, nem a legitimidade para desconstituir
nada, já que eles não haviam sido convocados especialmente para isso. Nós
queríamos uma “Constituinte exclusiva”, como denominou Xausa.

Com essa terceira precondição vocês estavam querendo marcar a


ilegitimidade do governo Sarney, ou do próprio poder Executivo,
para a convocação da Constituinte?

O problema era quem convocaria e quem seria convocado para a Constituinte.


Nós queríamos marcar o caráter de transitoriedade do governo Sarney. O
poder perm anente deveria ser criado ainda pelo trabalho de um a Constituinte
livre e soberana, como toda Constituinte deve ser. Ao fim e ao cabo, nós não
tivemos um a "Assembléia Nacional Constituinte”, mas sim um "Congresso
C onstituinte”, ao qual se atribuiu poder constituinte originário.

Em função de uma certa desconfiança em relação aos poíftícos


profissionais, vocês chegaram a propor a idéia de candidatos avulsos,
oriundos da sociedade civil e que não fossem ligados a partidos
políticos. Isso faz lembrar a Constituinte de 1933, que teve bancadas
classistas. Qual o debate que havia nesse sentido?

A s propostas nesse sentido foram m uito tímidas, porque o grosso do Conselho


não aprovava a idéia. Eu, pessoalmente, não queria candidatos avulsos, mesmo

166 •41
V o lu m e / A O A B 11.1 V O / d o s st'Lis Pi ( ’s i d c t i t c s

achando os partidos políticos brasileiros fracos, sem fu n da m en to filosófico e


ideológico. Isso fo i testado em 1933 e não deu certo. O que nós queríamos
mesmo era que os partidos políticos participassem de um a eleição para uma
Assembléia Geral Constituinte '‘exclusiva", que teria como tarefa a elaboração
do texto constitucional e que depois se dissolveria automaticamente.

E qual era a quarta precondição?

Nós não queríamos ingerência de fora para dentro da Constituinte. Isto é,


nós não queríamos que nenhum grupo, especialmente designado ou nomeado
pelo governo, elaborasse um texto para encam inhará Constituinte. Em suma,
nós não queríamos “comissões de notáveis”.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Conferência Nacional


dos Bispos do Brasil (CNBB) mantiveram a aliança com a OAB em
torno da Constituinte?

A CNBB sim, mas a A B I não, porque o Barbosa Lim a fo i constituinte em


1946 e tra amigo deles todos.

E quais eram os argumentos contrários à form ação de uma


Assembléia Constituinte "exclusiva"?

O argumento era o custo elevado que isso poderia representar em função da


necessidade de duas eleições consecutivas, u m a para a composição da
Assembléia Constituinte e outra para a eleição do novo Congresso Nacional,
já depois da Constituição pronta.

Como foi a briga com o Afonso Arinos?

N a coletiva para a imprensa, em Brasília, respondendo a um jornalista que


não entendia o posicionamento da Ordem contra a “comissão de notáveis”, já

•41 767
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

que nela estava o Afonso Arinos, um constitucionalistoy eu disse que o àr. Afonso
Arinos estava na mesma posição do Dom Pedro /, que queria um a Constituição
digna dele e do Brasil, e não de todo o povo brasileiro. Ele se sentiu mordido e
m e alfinetou algum tempo depois, através da imprensa também.

Então a entrevista do Afonso Arinos à revista Veja foi uma resposta


ao senhor?

Sim, ele disse: “Quem é Herm ann Baeta?” É claro, ele não m e conhecia. Eu
não vivia no ambiente dele, tinha outra origem, eu conheci o país p o r outros
ângulos. D izem que ele aprendeu primeiro o francês para depois aprender o
português. O fato é que a polêmica estava instalada, até porque quase ninguém
o atacava. D iziam à época que apenas duas pessoas lhe haviam dirigido
críticas: Carlos Lacerda e eu - o primeiro pela direita e eu pela esquerda. Mas
0 caldo entornou mesmo quando um jornalista da revista Isto é Senhor,

depois de um a entrevista que fez comigo, publicou um a declaração que eu


havia feito em o ff e com a garantia dele de que não seria publicada. Quando
perguntado por ele a respeito da m inha opinião sobre o dr. Afonso Arinos, eu
disse que o achava um elitista, um “adorador do poder”

Quais eram os objetivos da Ordem com a realização dos congressos


pró-Constítuintes?

Essa fo i um a idéia m inha que começou na gestão do M ário Sérgio, com o


primeiro Congresso que nós realizamos, em São Paulo, e depois prosseguiu
com 0 Segundo Congresso pró-Constituinte, já na m inha gestão, realizado
em Brasília. O objetivo era m ovim entar a discussão em tom o da Constituinte
para m uniciar os prováveis constituintes. Foi aberto ao público e teve a
participação, além de advogados e juristas, de professores, sociólogos,
empresários e líderes sindicais.

Qual o impacto que esses dois congressos tiveram sobre o processo


da Constituinte?

168 9àM
V o lu m e / A O A B n .i v o z d o s I'lc s irlix ttc s

Promoveu a reflexão e o contraste, a partir da explicitação do pensamento da


Ordem. Para se ter um a idéia, a advocacia ficou inserida na Constituição, o
que não existe em qualquer outro lugar do mundo. Apesar de não ter sido fruto
de uma Assembléia Nacional Constituinte, como nós queríamos, houve avanços
importantes, em função também da forte pressão que ajudamos afazer.

Dentre os temas correlates à Constituinte, quais provocavam os


debates mais acirrados dentro da OAB: os ligados à ordem jurídico-
poiítico-institucional ou os mais diretamente ligados aos direitos
sociais?

Sem dúvida alguma os ligados aos direitos sociais, especialmente a questão


da terra. A lém deste, a questão dos militares e o processo eleitoral.

Qual foi o resultado do trabalho da "comissão de notáveis"?

O Sarney deu toda a força para a tal comissão, colocou lá o pessoal dele, e saiu
um projeto parlamentarista. Sarney era presidencialista por motivos óbvios.
Quando então $e começou a discutir a redução do seu mandato, que era de seis
anos - dizem que ele negociou politicamente votos para conseguir os cinco anos,
principalmente através da concessão de canais de televisão e de rádio.^ E depois,
quando recebeu da ''comissão de notáveis"’ o projeto de Constituição, não o
enviou ao Congresso Constituinte. Apenas publicou-o no D iário Oficial.

Os advogados não são um corpo estranho à sociedade nem


tampouco isentos politicamente.

Temas como a dívida externa, a reforma agrária e a privatização


favoreciam o afloramento de posições político-ideológicas. Seria
possível d ividir a Ordem, no que concerne a esses temas, em
posições de direita e de esquerda?
^ Sobre o a ss u n to , ver en tre v ista d e M árcio T h o m a z Bastos, n este volum e.

•41 169
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

N ão só havia, como há ainda. Um raciocínio que precisa serfeito para responder


a essa questão é que os advogados não são um corpo estranho à sociedade e,
como tal, defendem interesses ligados a determinados grupos sociaisy de acordo
com suas convicções, origens e visões de mundo. M as sobre essa questão, quem
primeiro a vislumbrou foi o Lamartine. Ele dizia que a nossa unidade duraria
0 tempo em que estivéssemos debruçados sobre as questõespolítico-institucionais,
que não afetavam diretamente interesses concretos, interesses materiais. Mas
quando as discussões começassem a tomar como tema central as questões sociais
e econômicas, nós nos dividiríamos. E assim foi.

O Estatuto da Ordem sempre vetou qualquer tipo de envolvimento


político da entidade que fosse além de um posicionamento sóbrio
e isento. Por obra ou a despeito dessa condição estatutária, uma
tensão interna parece perpassar toda a existência da Ordem, em
torno do grau de intensidade de seu papel político na sociedade. O
senhor concorda com esta avaliação?

Realmente, esta é uma questão que acompanha toda a vida da instituição e


sempre aflora nas nossas discussões. A Ordem fo i criada de soslaio, em surdina.
A época não se imaginava que a instituição pudesse vir a ter o envolvimento
político que tem hoje, nem esse fo i o objetivo que norteou a sua criação. No
velho regulamento, que normatizava a Ordem desde o seu nascimento, não
ficava muito explicita essa competência. N o entanto, no seu artigo 27, inciso
21, estavam previstas sanções disciplinares rigorosas aos advogados e conselheiros
que descumprissem os preceitos do Código de Ética Profissional. O Código de
Ética Profissional, por sua vez, dizia o seguinte, na seção I, inciso 1 “Os deveres
do advogado compreendem, além da d^esa dos direitos e interesses que lhe são
confiados, o zelo do prestígio de sua classe, da dignidade da magistratura, do
aperfeiçoamento das instituições do direito e em geral do que interesse à ordem
Jurídica” - entenda-se a i por “ordem jurídica" todo o processo instituáonal O
primeiro Estatuto, de 1963, diz o seguinte sobre essa questão, no artigo 18,
inciso 1°: “Compete à Ordem defender a ordem jurídica, a Constituição da
República, pugnar pela boa aplicação das leis e a rápida administração da
Justiça e contribuir para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas”. Já o novo
estatuto, de 1994, vai mais além, no seu artigo 44: “A Ordem dos Advogados do

170 «4B
V o lim ii' 7 A ( J / \ B lUi V O / (Id s s('Lt> P i'c 'si(k‘ n l c s

Brasil, a OAB - serviço público - dotada de personalidade jurídica em form a


federativa, tem por finalidade defender a Constituição, a ordem jurídica do
Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social e pugnar
pela boa administração das leis, pela rápida administração da Justiça e pelo
aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas". Isto engloba tudo e
compromete a Ordem com a luta pelo Estado democrático de direito e pelos
direitos humanos. Isso tudo é política. O grande problema é que não é fácil
distinguir o que é política, no sentido lato, e o que épolítica no sentido estrito,
partidário. Depois do Estatuto de 63, com a criação do Regimento Interno, se
instituiu um dispositivo que dizia: “Não épermitido que o Conselho Federal se
manifeste sobre questões político-partidárias”, promovendo pela primeira vez
a diferenciação. Todo partido político tem como objetivo a conquista, o exercício
e a manutenção do poder político. As instituições da sociedade civil, não-
partidárias, como a OAB, devem pretender não a conquista, o exercício e a
manutenção do poder, mas sim a sua democratização. Feita essa distinção é
possível ter clarividência sobre a questão e caminhar com tranqüilidade, mas o
problema é que a tensão se dá justamente em função da dificuldade de se definir
com clareza o que é ser político.

Este dispositivo impede, por exemplo, a manutenção de contato


com partidos políticos mais afinados com as posições da Ordem?

N ão há nenhum a proibição expressa. Contatos eventuais, em função de uma


questão específica, podem ser mantidos. O que não é eticamente aceitável é
um a ligação sistemática, institucional, com partidos políticos.

Toda instituição, por princípio, traz consigo o desejo de perenidade.


No caso da OAB, o envolvimento direto e intenso em lutas político-
partidárias, que refletem sempre as questões conjunturais de um
determinado período histórico, traz o risco do desgaste e da cisão
interna. Em algum momento o senhor se preocupou que uma
atuação mais enérgica e dinâmica da Ordem, por exemplo, em
relação à questão da reforma agrária, pudesse provocar o
esgarçamento de sua integridade institucional?

171
______________ História_da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

Em tese, não. No caso específico da reforma agrária, não é um a questão de


interesse partidário, mas de interesse de toda um a sociedade. Ora, seoproblema
existe e é crônico, não é concebível que uma instituição como a Ordem, que tem
um a característica de vanguarda, se isente da responsabilidade social que a ela
também compete. A té porque se, por receio de um a exposição desmedida, a
Ordem se intimida, a sociedade cobra. E a prova de que não havia o risco de
esgarçamento é exata m en te a constatação, hoje, da nossa integridade
institucional. Evidentemente, as polêmicas e eventuais dissensões devem ocorrer,
e ocorrem, mas não se transforma uma sociedade com unanim idade e sim com
divergência, com embate e com maioria. Dentro da Ordem, esse princípio do
debate democrático fo i sempre respeitado. Nós tínhamos, e temos por vezes,
divergências duras, mas quando a maioria decide todos cumprem. O Tancredo
Neves tinha um a frase interessante que cabe perfeitamentó no que estou dizendo:
''Quem briga não são os homens, quem briga são as idéias”

Na medida em que a redemocratização avançava e o Estado


democrático de direito dava sinais de consolidação, a atuação da
OAB se estendia para questões relacionadas à ordem social e
econômica. Como era de se esperar, a unanimidade sobre a atuação
da entidade ficava um pouco abalada, A OAB estava preparada
para essa nova situação?

Sím, nós vislumbrávamos isso. A té porque não é novidade para ninguém que a
mídia é conservadora. Ela só bate palmas na medida em que vocêfa z o jogo dela.
M as ofato é que nós não poderíamos ficar inertes em relação a questões cruciais
da sociedade brasileira. E há ainda uma outra coisa: a OAB nunca teve em tomo
de si essa unanimidade toda, nunca foi intocável. Mesmo no tempo da repressão
havia jornais que nos criticavam. Não foi surpresa para nós.

As atas das sessões da OAB mostram que durante a sua gestão o


conflito interno era bastante explícito. Havia claramente dois grupos
que divergiam em quase tudo e que disputavam os posicionamentos
do Conselho. Essa era uma divisão puramente Ideológica, entre
conselheiros com tendências de esquerda e de direita, ou estavam

772
V o lu m e , \ O.-M) n a ' . ( ) / (I(js s v iis P i c s i d c n t o

em jogo interpretações variadas sobre qual deveria ser o papel da


OAB na Nova República?

Eu acho que havia as duas coisas, sendo que predominava a questão ideológica.
O ponto crucial girava em torno de se a luta da O rdem em defesa das
instituições democráticas deveria arrefecer, em função do fim da ditadura,
ou manter-se atuante, para que não fôssemos pegos de surpresa com o retomo
inesperado da repressão. O choque veio daí, fundam entalm ente.

E qual era o peso dos conselheiros que propunham que a entidade


mudasse o tom contestatório da época da ditadura em favor de
uma postura mais conciliatória?

Eram poucos, m uito poucos. O grosso do Conselho fechava questão em torno


da permanência da Ordem num a posição de vanguarda e vigilância contra o
autoritarismo e a repressão, que poderiam apenas estar adormecidos. Esse é
um tem a recorrente e importantíssimo, porque desde que eu me entendo por
gente essa questão aflora. H á quem defenda, sempre houve, que a Ordem
deva ser um a instituição estritamente corporativa, atuando exclusivamente
como entidade organizadora da prática advocatícia. Essas mesmas pessoas
não se conformam quando a Ordem se põe em luta pelo aperfeiçoamento das
instituições. Elas só se calam um pouco durante os períodos autoritários porque
a í 0 que está em jogo é a própria advocacia. Mas em épocas de normalidade
elas voltam a reclamar, mesmo que poucos, mas renitentes. H á um a certa
confusão que alguns fazem em relação a esta questão, porque a ordem jurídica
não exclui as questões econômicas, culturais e sociais. O nde já se viu uma
democracia plena sem a democratização da economia, da cultura? N ão existe
isso. Eu entendo a Ordem como um reflexo da sociedade brasileira. Ora ela
contribui para abrir, oxigenar a sociedade e as estruturas sociais, ora é a
própria sociedade que exige da Ordem uma posição de vanguarda. O caráter
da atuação da Ordem deve ser permanente, não eventual. E isso não sou eu
quem diz, mas o Estatuto e os documentos normativos da Ordem.

màM 173
______________ História da_
O rd e m dos A dvogados d o Brasil □
Como se dava a relação entre o Colégio de Presidentes e o Conselho
Federai? Havia o receio de que o Colégio esvaziasse a representação
do Conselho?

O Colégio de Presidentes existe de fato desde 1971.^ D urante a m inha gestão,


ele ainda não havia sido reconhecido institucionalmente. Recordo-me que as
reuniões aconteciam semestralmente, em função da escassez de recursos.
A tu a lm en te nós nos reunimos trim estralm ente ou quadrim estralm ente.
Quanto à questão da relação com o Conselho, o Lamartine se mostrava receoso,
realmente, de um possível esvaziamento do poder do Conselho, mas de fato
isso nunca ocorreu. Mais tarde, com a sua oficialização, em 1987, na gestão
do Márcio T hom az Bastos, ele passou a ter peso político efetivo e a influir, em
certa medida, nas decisões do Conselho, mas sem nunca se sobrepor.

O senhor acha que a adoção das eleições diretas, que era uma
demanda de toda a sociedade brasileira no período, poderia
representar uma ameaça ao equilíbrio institucional da Ordem,
abalando, por exemplo, a representação federativa?

Em tese, eu defendia as eleições diretas na Ordem, mas em termos práticos é


absolutamente impraticável. Nós temos 2 7 seções, sendo que São Paulo, M inas
Gerais e Rio de Janeiro, como eu disse, detêm ju n ta s m ais de 80% dos
advogados militantes. Eleições diretas, na prática, vão significar a hegemonia
absoluta desses três estados na condução dos rumos da Ordem. Eu acho que a
eleição direta seria interessante se nós pudéssemos m anter u m certo equilíbrio
na questão federativa, investindo mais nas bases da advocacia, e tivéssemos
ainda condições de custear o processo eleitoral.

O que a Ordem quer é a democratização do Poder Judiciário.

®So bre a criação d o Colégio d e Presidentes, ver e n tre v ista de L a u d o C a m a rg o , n e ste v olum e.

174 •ài
V o lu n u ' / A na viy/. dos seus

A OAB não foi convidada para participar das homenagens a Victor


Nunes Leal, no Supremo Tribunal Federal, em agosto de 1985. Eram
ainda os efeitos do caso Buzaid?^

Eu tenho impressão que sim, mas isso começou a se desanuviar já em 1983,


quando, mesmo sem ter sido form alm ente convidado como presidente da
Ordem, o M ário Sérgio compareceu à posse do ministro Moreira Alves na
presidência do STF. Isto, depois eu soube, fo i observado positivam ente pelo
próprio Moreira Alves. Quando eu assumi a presidência da Ordem, em 1985,
na sucessão do M ário Sérgio, provoquei uma audiência com o Moreira Alves
para p ô r ftm a esta situação. Ele me recebeu m uito bem, disse que ainda
havia cicatrizes p o r causa do episódio com o Alfredo Buzaid, mas m e prometeu
que reataria as relações com a Ordem. A promessa veio a se confirmar algum
tempo depois, quando a Ordem fo i convidada para a posse do L uiz Rafael
M ayer na presidência do Supremo. Desde lá tudo voltou à normalidade.

Um outro ponto de atrito entre a Ordem e o STF é a questão da


reforma do Judiciário. Qual a posição da Ordem a esse respeito?

Há um amigo meu de Brasília, filósofo, que diz que o Bmsil tem três poderes: dois
republicanos, o Executivo e o Legislativo, e um monárquico, o Judiciário, que é
vitalício, não passa pela aprovação popular e, na prática, permanece como no tempo
do Império. E não há exügero nenhum nisso. O que nós queremos, o que a Ordem
quer, é democratizar o Poder Judiciário, somente. Para isso, é preciso aprovar o
projeto de reforma que já tramita no Congresso há vários anos. O controle externo
é uma necessidade. Nesse sentido, o presidente Approbato brilhou recentemente,
quando, através da imprensa,^ em resposta ao presidente do STJ, colocou as coisas
nos seus devidos lugares, afirmando com todas as letras que se o Poder Judiciário
não quiser 0 controle externo, que se submeta às eleiçõespopulares, da mesmaforma
que ocorre com os outros dois poderes. Com o Márcio, agora, no Ministério da
Justiça, eu acho que há grandes chances de a reforma do Judiciário sair. Para isso é
que foi criada, há algumas semanas, uma comissão encarregada de estudar o assunto,
0 que nunca havia ocorrido antes.
’ Sob re o ep isó d io , ver en tre v ista d e M á r io Sérgio D u a rte G arcia, neste volum e.
" A referida m a n ife staç ã o foi p u b lic a d a n o Jornal do Brasil^ e m 6 d e m a io d e 2003, n a c o lu n a “Coisas da
Política” (D o ra K ra m e r), so b o título: “O s adv o gad os c o n tra -a ta c a m ”.

•ài 775
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

E quem exerceria esse controle externo sobre o judiciário?

Além da própria comunidade jurídica, eu defendo que parcelas importantes


da sociedade civil integrem os grupos responsáveis por esse acompanhamento.
A ABI, a CMBB e as centrais sindicais poderiam atuar tam bém à frente desse
processo. Estaríamos fazendo justiça, em face do que representam socialmente,
e sendo mais transparentes. Repita-se que não pretendemos o controle da
atividade jurisdicional, mas tão somente da atividade adm inistrativa e
disciplinar.

Quando eu assumi a presidência da Ordem, havia uma verdadeira


ebulição no campo.

A Ordem chegou a traçar alguma estratégia para lidar com a delicada


questão das mortes no campo, de lavradores, padres, sindicalistas
e advogados, principalmente na região conhecida como Bico do
Papagaio, entre os estados do Maranhão e F^rá?

A época em que eu assumi a Ordem, havia um a ebulição no campo. Vez por


outra nos chegava a notícia do assassinato de um advogado. Em certa ocasião,
em conversa com o presidente da seccional do Maranhão, Sebastião Carlos
Nina, ele me convidou para um seminário sobre direitos hum anos que iria
promover na cidade de Imperatriz, um dos principais focos de tensão. Eu,
como não tinha um a noção exata dessa questão, em função da cobertura
precária que os jornais fa zia m sobre o assunto, prontam ente, aceitei. O
Prim eiro Encontro sobre Violência e Direitos H um anos, aconteceu então
naquela cidade, de 1 a 3 de agosto de 1985. O clima estava m uito tenso,
certam ente, em fu n çã o do evento, m as conseguim os reunir u m grupo
significativo de pessoas. Estavam presentes o presidente da subseção da OAB
de Imperatriz, Oscar Gudin, o delegado - que tinha envolvimento com a
criminalidade, depois viemos a saber o prefeito da cidade, losé Ribam ar
Fiquene, que se dizia amigo íntim o do presidente Sarney, o A rtu r Lavigne,
secretário-geral do Conselho Federal, e o dr. Sérgio Ferraz, conselheiro federal.

176
V o lL im c / A O A B na v o z cios suits Prc'sidentcs

além de diversos membros de comissões de direitos hum anos da Ordem em


outros estados, N a primeira noite, depois da abertura do Encontro, fomos
convidados pelo prefeito para jantar. Para se ter um a idéia da gravidade do
problema e da tensão do lugar, ele andava para todo lado acompanhado de
um capanga, nitidam ente um pistoleiro, que fazia a '"segurança" dele. Nos
dias seguintes aconteceram as conferências e intervenções. Foram feitas um
sem -núm ero de denúncias de crimes. Visitamos tam bém as delegacias,
precaríssimas, sem a menor condição de abrigar presos, que tam bém não
havia. D ocumentamos tudo e produzimos a Declaração de Imperatriz, que
fo i entregue, em audiência, ao presidente Sarney.

Como o presidente Sarney se posicionou em relação à questão?

Ele se disse surpreendido, e afirmou não ter conhecimento daqueles fatos.

Que tipos de crime eram cometidos na região?

Os mais bárbaros e banais. Assassinatos, muitos “por encomenda”, em função


de razões fúteis ou motivados pela questão fundiária, lesões corporais, crimes
passionais contra mulheres, e toda a sorte de outros tipos de violência. Segundo
os termos da Declaração que produzimos, as causas desse estado de coisas se
apoiavam "no ostensivo desequilíbrio socioeconômico e na injusta acum u­
lação da renda nacional na mão de pequena parcela da sociedade".

Esta iniciativa gerou desdobramentos?

Sim, claro. Nós encontramos em Imperatriz um advogado chamado losé


Carlos Dias Castro, que era o presidente da Comissão de Direitos H um anos
da OAB-Pará. Ele percebeu o nosso interesse pelo assunto e nos procurou
para conversar. Ele conhecia muito bem aquela região do Bico do Papagaio e
nos disse que, perto de Marabá, no Pará, e de Araguaina, em Goiás, Imperatriz
pouco representava em termos de violência. Se nós quiséssemos, ele propôs,
poderíamos fazer outros seminários como aquele nessas outras cidades, como

•àM 177
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

form a de promover novas denúncias, em caráter nacional. De volta ao Rio,


em pouco tempo programamos os outros dois seminários.

O Conselho Federal apoiava integralmente essas ações da Ordem?

O Conselho ficou reticente, apreensivo, porque era um assunto m uito delicado,


perigoso, mas eu não titubeei, tranqüilizei-o mostrando que a m inha tática
era provocar a discussão em torno da questão dos direitos humanos, como
fo rm a de pressionar as autoridades para que tomassem providências. Eu não
era louco para personalizar a questão, dando nomes aos bois. O Ministério
da Justiça também se alvoroçou. M andaram o secretário-geral, José Cavalcanti
Filho, conversar comigo, para me prevenir de que eu estava m e envolvendo
em um assunto explosivo, complicado e tudo mais.

Depois de Imperatriz, o seminário seguinte aconteceu em Marabá?

Sim. N a ocasião, o presidente da seccional do Pará era o O phir Cavalcanti.


Estiveram presentes o Evaristo de Moraes Filho, que era o coordenador-geral
da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal; Sérgio Ribeiro Correa,
presidente da subseção da OAB de Marabá; Frederico A lm eida Rocha,
conselheiro seccional e representante do presidente da OAB do Maranhão;
M anuel Valberto, coordenador da Comissão Pastoral da Terra, em Marabá,
além de A rtu r Lavigne, Oscar Gudin e Sebastião N ina, que já tinham estado
presentes no primeiro seminário. Nós chegamos em M arabá e constatamos
que lá a situação era realmente mais grave do que em Imperatriz. M orriam
em média duas pessoas por dia. Houve u m caso, que nos deixou chocados
pela brutalidade, de seis lavradores, chefes de fa m ília , que morreram
amarrados a formigueiros pelos capangas de um fazendeiro, por causa da
ocupação de umas terras que o próprio Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra) havia autorizado. Lá nós tam bém constatamos que
as delegacias não tinham qualquer infra-estrutura de instalações, pessoal e
viaturas. Como em Imperatriz, documentamos tudo.

178 «ái
V o k in u * 7 A OAI-) II.I \ ' ( ) / ( lo s si'LM i ^ r c s i d c i i l c s

Em Araguafna, o diagnóstico foi similar?

Lá tam bém o problema era grave. De todos, fo i o seminário que deu mais
trabalho, porque o presidente da subseção da Ordem, da própria cidade, fez
tudo para inviabilizar a realização do evento. A lém de latifundiário, ele era
advogado do prefeito, que tam bém era latifundiário, depois nós descobrimos.
Eles tentaram engrossar com a gente, fizeram discursos provocativos. Para
equilibrar e fazer com que percebessem que não estávamos brincando, eu
ta m b é m f u i incisivo. A m ea cei, no discurso de a b ertu ra , fa z e r um
levantamento, desde o período colonial, das terras griladas da região.

Vocês chegaram a sofrer algum tipo de intimidação em alguma


dessas oportunidades?

Justam ente em Araguaína aconteceu um fa to no m ín im o curioso. Como lá


não havia aeroporto, Im peratriz era a cidade mais p róxim a com aeroporto.
Tanto na ida qu a n to na volta haveria u m ônibus que nos levaria de
Im peratriz até Araguaína e depois de volta para Im peratriz. N a ida correu
tudo bem, sem qualquer problema. M as no dia da volta, o ônibus, que estava
marcado para as quatro horas da madrugada, sim plesm ente não apareceu.
Éramos um as oito ou dez pessoas e eu, por via das dúvidas, não pestanejei:
aluguei uns três ou quatro táxis e fom os embora em direção à Imperatriz.
M as fo i só.

E os seminários conseguiram movimentar a discussão em torno das


mortes no campo?

Sim, m ovim entaram . Quando nós fom os à Imperatriz lançar a publicação^


com as informações coletadas, reunidas e sistematizadas, a imprensa local e

* o e n tre v is ta d o se refere a o livro Violência no cam po, op. cit., e q u e c o ng reg a os d o c u m e n to s p ro d u z id o s


p elos três e n c o n tro s s o b re V iolência e D ireito s H u m a n o s, realizado s re s p ec tiv a m e n te e m Im p e ra tr iz
(M A ), M a ra b á (PA) e A rag uaína (G O ). S e g u nd o le v a n ta m e n to feito pelos au to re s, d e sd e fins da década
de 1970 até o a n o d a p u b lic a ç ã o , 47 a dv og ad os h a v ia m sido vítim as, e m to d o o te r r i tó r io nacion al, de
assassinatos, ten tativas d e h o m ic íd io , am e aç a s d e m o r t e e d e sa p a re c im e n to . Em to d o s esses casos, o
m o tiv o foi 0 exercício pro fissio n al, se n d o q u e b o a p a rte deles se relacion av a a co n flito s d e terra.

179
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

05 jornais de alcance nacional deram um a boa cobertura. Todos ficaram


chocados com o grau de violência dessa região.

A ida da Ordem para Brasília era uma obediência legal e uma


exigência política.

A transferência da sede da OAB para Brasília, ocorrida durante a


sua gestão, foi um processo conflituoso. Havia, por parte de um
grupo de conselheiros, um certo receio não só de que a Ordem
fosse pressionada pelo Executivo ou pelo Legislativo, como também
houvesse uma mudança no padrão de qualidade dos conselheiros.
Que razões o motivavam a promover a transferência, a despeito de
todas essas divergências?

Constitucionalmente, desde a República, na Constituição de 1891, já existia


a idéia de se transferir a capital do país para o Planalto Central. Passaram-se
os anos e esta determinação constitucional fo i sendo negligenciada. Somente
no governo de Juscelino Kubitschek, como sabemos, fo i que o projeto se
concretizou. O estatuto vigente da Ordem, à época, de 1963, no seu artigo
157, dizia 0 seguinte: “A transferência do Conselho Federal para Brasília será
efetuada logo que ali se achem funcionando todos os tribunais superiores e
seja posta à disposição do mesmo instalação condigna pelo Poder Executivo,
a quem caberá também custear o transporte de seus bens e utensílios”. Isto é,
legalmente não havia outra alternativa. Como todos os tribunais superiores
já estavam instalados em Brasília, só restava ao governo arcar com a mudança.

Essa era a argumentação de ordem legal, mas havia ainda


argumentos administrativos e políticos contra a transferência, certo?

A p r in c ip a l questão a d m in istra tiva era a destinação que teriam os


funcionários da Ordem, já que todos eram funcionários públicos e, portanto,
sob regime estatutário. A solução que conseguimos fo i a relotação deles no
Arquivo Nacional - que à época era presidido por Celina Vargas - sem

180 9ÁI
\A ik m ic , A (),\B i)<i V O / ( l o s ' - ( ■ u s

prejuízo s de salário e benefícios, com a anuência dos m in istério s da


Administração e Justiça. Direito administrativo é a m inha especialidade, até
hoje. N ão fo i esse o problema mais complicado. Um outro ponto, que mesmo
p a rec en d o ser e s tr ita m e n te de ordem a d m in is tr a tiv a fo i u tiliz a d o
politicamente como form a de tentar inviabilizar a transferência, fo i o custo
com 0 qual os conselheiros federais, a princípio, teriam que arcar para se
deslocar de seus estados até Brasília, mensalmente. Por fim , a Ordem acabou
assumindo esses custos.

E O S argumentos políticos?

Desfavoravelmente, falava-se, entre outras coisas de m enor relevo, que a


proxim idade com os poderes Executivo e Legislativo faria com que a Ordem
sofresse u m a pressão acachapante, que a poderia tornar caudatária do
governo. Ora, isto era um a falácia. Eu contra-argumentei com a crença que
sempre tive na independência dos advogados. N ão era possível imaginar que
os integrantes desses poderes não tivessem mais o que fazer para se ocuparem
do cotidiano do Conselho. E de mais a mais, sefosse mesmo o caso de sofrermos
algum tipo depressão, bastaria um grupo aguerrido dentro do Conselho para
devolvê-los aos seus lugares. Havia ainda um outro argumento forte que era
0 temor de que a transferência proporcionasse um a queda no padrão dos

conselheiros e que isso talvez pudesse abalar o brilhantismo das decisões do


Conselho Federal. Nesse ponto, eu admito que isso era algo que eu também
vislumbrava como provável. Mas o fato é que se houve um a queda no esplendor
das argumentações, a essência das decisões não sofreu abalo. D iziam que a
nata da advocacia estava no Rio de Janeiro, mas o problema, que talvez o
grupo que se opunha à mudança não percebesse, ou não quisesse perceber, é
que 0 Rio de Janeiro não é, nem nunca foi, o Brasil. Nos interessaria mais,
para m im epara o grupo do qual eu fazia parte, que mesmo eventualmente
não tendo brilho algum as decisões do Conselho, elas representassem a média
dos advogados brasileiros, inclusive em term os de u m a representação
federativa mais equilibrada.

•41 181
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Eram muitos os conselheiros contrários à transferência?

Sim, eram muitos. No Rio de Janeiro, de dentro efora do Conselho.

E quais eram os seus aliados nessa empreitada?

Os advogados de São Paulo, Goiás, M inas Gerais, Rio G m nde do Sul, quase
todos da região Nordeste e um a parte dos advogados do Espírito Santo e de
Brasília. Os advogados de Brasília, aliás, tinham um a posição ambígua.

Mas restavam as "condições condignas" para instalar o Conselho


em Brasília. Como isso foi resolvido?

De imediato, m eu objetivo fo i criar, em Brasília, um ponto de apoio logístico


que m e permitisse alavancar o processo de transferência da sede. Tão logo eu
to m e i posse, criei u m escritório na c a p ita l ch a m a d o E scritório de
Representação do Conselho Federal em Brasília. Contratei um a funcionária
e ia mensalmente despachar lá. A m a u ri Serralvo, que era o presidente da
OAB-Brasília, ofereceu-me um dos andares do prédio da seccional, em caráter
provisório. M as a m inha intenção era conseguir com o governo a doação de
um terreno onde nós pudéssemos construir um prédio próprio para a sede. E
para exigir isso eu me utilizaria do artigo 157 do Estatuto. O primeiro passo
fo i pedir um a audiência ao José Aparecido, que era o governador do Distrito
Federal. Fui acompanhado de Moacyr Belchior, subsecretário da diretoria do
Conselho Federal, e do dr. Guaracy Freitas, que era um conselheiro federal
residente em Brasília, representante do Amapá, e tomamos um chá de cadeira.
Q uando finalm ente nos atendeu, fo i seco, disse que não tinha autonom ia
para fazer a doação de um terreno, e nos propôs a compra do terreno por um
preço reduzido em 40% do valor original Eu respondi que lamentava muito,
mas que a Ordem não tinha condição de arcar com um investimento dessa
monta, e que, de acordo com o Estatuto, que é instituído por lei, competia ao
Poder Executivo arcar com as ''condições condignas”de instalação da Ordem.
Ele exam inou o Estatuto, disse que iria estudar o caso, mas não me deu
esperança nem se mostrou interessado em resolver.

182
V o lü llK ' , \ ( ) \l') ti.i \ ' ( ) / ( lo s scLis

O senhor voltou a se encontrar com o governador?

Sim, houve um segundo encontro. Eu telefonei epedi outra audiênáa. Ele me


concedeu, me deu outro chá de cadeira, e confirmou tudo o que havia dito na
reunião anterior, reforçando a proposta de nos vender o terreno a um preço
abaixo do valor de mercado. Eu também repeti o que havia dito no encontro
passado, alegando que a Ordem não tinha recursos, agradeci, cordialmente,
e fu i tentar resolver a questão por outros meios.

O senhor decidiu ír diretamente ao governo federal?

Sim, era o que m e restava. Liguei para o chefe da Casa Civil, que era o Marco
Maciel, e pedi u m a audiência. Ele foi muitíssimo cortês e m e atendeu no dia
seguinte. N a conversa eu expus toda a questão para ele, com base no Estatuto,
que ele exam inou com atenção. A o fim do encontro ele me deu toda a razão e
disse que iria levar o caso ao presidente Sarney. Pediu-me alguns dias e depois
me telefonou marcando um a audiência com o presidente, onde estaríamos
presentes eu, ele próprio, o presidente e o governador José Aparecido.

Como o senhor foi recebido pelo presidente Sarney?

M uitíssim o bem. O Sarney é o homem mais afável do m undo n u m contato


desses. Ele disse que estava de acordo com a doação e me pediu apenas que
apresentasse um a solução para o problema jurídico da doação de u m terreno
da União para um a entidade da sociedade civil com fin s públicos, como a
OAB. Por acaso, o consultor jurídico do Distrito Federal, que era quem deveria,
oficialmente, responder p or essa questão burocrática e jurídica, tinha sido
meu colega nos tempos de faculdade, no Rio, o dr. Humberto Gomes de Barros.
Nós então conversamos e chegamos rapidamente a um consenso sobre os
termos da doação. Fizemos o expediente e levamos para o Sarney despachar.
Lembro-m e até hoje do despacho, que historiava rapidamente a questão, mas
com certa malícia. A o final, antes da assinatura, ele lançou u m “Como pede"'.
Dali a algum tempo, em fevereiro de 1987, dois meses antes de terminar o
meu mandato, eu já estava com a escritura nas mãos. O próxim o passo, que

•àM 183
______________ H istória,da.
O rdem dos Advogados do Brasil

não mais estaria a meu cargo, seria construir nesse terreno um edifício que
simbolizasse a pujança da advocacia brasileira.

O Conselho tinha conhecimento das suas ações nesse sentido?

Não, como não havia unanim idade acerca da transferência, mas eu estava
apoiado na lei e convicto de que aquele deveria ser o mom ento da mudança
definitiva da sede para Brasília, trabalhei m uito com o elemento surpresa.
Tão logofo i oficializada a doação do terreno, ai sim, eu participei ao Conselho
Federal. Mas, em verdade, o Conselho já estava se reunindo em Brasília, em
local provisório, desde setembro de 1986.0 comunicado ao Conselho, quando
da oficialização da doação do terreno, serviu apenas para confirmar, em
definitivo, que não haveria possibilidade de retorno e dali em diante o
Conselho mudava irrevogavelmente de domicílio.

Mas o senhor chegou a lançar a pedra fundamental do novo edifício


antes de deixar a presidência da Ordem, não?

Sim. O lançamento da pedra fundam ental fo i no dia 16 de fevereiro de 1987,


porque eu deixaria o cargo em abril e só sobraria o mês de março para a
realização da mudança. Nesse dia, eu terminei o meu discurso nesses termos:
‘'A imagem da Ordem dos Advogados no seio da sociedade brasileira é imensa
epor isso necessitamos de espaço físico para a nossa organização, a fim de poder
desempenhar nossos encargos. Teremos de avançar administrativam ente,
abandonando velhos métodos burocráticos e artesanais e praticar um a
administração moderna, dinâmica e racional, à base dos recursos tecnológicos
da informática. Senhores, hoje iniciamos um capítulo novo de nossa história.
Esse espaço fisico abrirá, sem dúvida, novas perspectivas para a nossa categoria
profissional epara a sociedade. Esta pedra é um a semente que dentro de algum
tempo germinará. A qui nascerá um a grande árvore imponente, frondosa e
acolhedora. Essa árvore haverá de produzir bons frutos, que ao longo da vida e
enquanto necessária a advocacia, serão colhidos pelos advogados e cidadãos
brasileiros. A qui se erguerá a Casa do Advogado do Brasir.

184 màM
V olum e r A ( ).\I5 n a \ o / d o s s e u s r r c s i d i / n t c s

A OAB não quer o poder, nem deve querer.

Qual o balanço que o senhor faria da sua atuação à frente da Ordem


no biênio de 1985-87?

Se existia um a coisa que eu desejava era ocupar a presidência da Ordem. Eu


só comparo a satisfação de ter exercido este cargo à satisfação de quando eu
fu i aprovado no vestibular, quando eu reconheci em m im mesmo um a pessoa.
N ão fo i missão de sacrifício. Eu teria dado tudo para ser presidente da Ordem,
porque eu tinha u m projeto que não era pessoal, mas um projeto para a
categoria dos advogados e tam bém para o meu pais. Eu me preparei durante
toda a m inha vida, desde os bancos acadêmicos, e sabia que as instituições
civis tinham um papel importantíssimo na sociedade brasileira. Eu achava
que a Ordem já vinha dando um exemplo e construindo u m trabalho muito
interessante, e sentia que eu poderia impulsioná-la ainda mais adiante.
Evidentemente que p or vezes batia a insegurança, mas eu sabia enfrentar as
dificuldades. A lém de todos os autores que me ajudaram a consolidar um a
visão do m u nd o e do Brasil, superando as m inhas lacunas, os amigos
Lam artine Correa e Leonidas Rangel Xausa foram tam bém fundam entais.
M inha chegada à presidência da Ordem fo i fruto tam bém de um projeto, de
um a estratégia. Por tudo isso, por todas as lutas, percalços e conquistas, me
dá um a imensa satisfação ter presidido uma instituição que fa z parte da
história de homens maravilhosos que foram meus antecessores e sucessores.
M uitos que vieram depois de m im , mesmo que em outras situações, guardam
ainda, como ideais, as bandeiras históricas da Ordem, de contribuir para o
aperfeiçoamento das instituições jurídicas e avançar rumo à plena democracia.
Hoje, eu posso dizer que não teria mais possibilidade de fazer o que eu fiz, por
falta de condições físicas, mas me orgulho de ter trabalhado intensamente
nesses dois anos em prol da Ordem e da sociedade brasileira, contribuindo
para o seu reconhecimento nacional e internacional.

Esse reconhecimento internacional tem a ver com a sua visita à


Nicarágua, em 1986?

•ál 185
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

Sim, nós recebíamos muitos pedidos de fora, de solidariedade aos oprimidos,


pelo cumprimento dos direitos humanos, contra a colonização dos países e pela
independência das nações. Quando eu recebi o convite do Ministério da Justiça
da Nicarágua para as comemorações do sétimo aniversário da Revolução
Sandinista, julguei de fundam ental importância comparecer, porque aquele
era um movimento de reação à dominação estrangeira e local era uma esperança
que não podia ser destruída. Além de mim, foram também o Lamartine, o
Reginaldo Santos Furtado, do Piauí, e o Pinheiro Neto, que era o presidente da
Comissão da Terra da OAB-RS. Lá nós fom os muito bem tratados, recebidos
pelas autoridades com todas as honras, e aprendemos muito.

Qual a comparação que o senhor faria entre a OAB do tempo em


que o senhor a dirigiu e a OAB de hoje?

Eu acho que a grande diferença está no aspecto quantitativo de advogados que


se tem hoje e que se tinha na época ãa m inha gestão. Qualitativamente, porém,
eu não vejo avanço. Naquele tempo havia cerca de 200 m il advogados. Hoje
essa cifra supera a casa dos 600 mil. Hoje nós temos um a tecnologia sofisticada,
temos a informática. Naquele tempo nós sofríamos com o telex. Hoje nós temos
0 computador, temos o e-mail, fax, celulares. Identifico também um a diferença

muito grande em relação à situação geral do país. A sociedade brasileira se


abriu mais, se descomprimiu. Mas acredito que os presidentes da Ordem não
podem cair na falácia de que é hora de parar e de que não é preciso mais atuar
no campo político-institucional. O advogado que pensar assim não é advogado,
ele é um comerciante ou um tecnocrata do direito.

Mas o senhor não acha que a OAB nunca esteve tão perto do poder
como agora, quando um ex-presidente está à frente do Ministério
da Justiça?

Em tese sim, mas a OAB não quer o poder, nem deve querer. A questão é que
0 poder assimilou o discurso da Ordem, o que é ótimo. Agora, o inverso é que

não pode acontecer, nós não somos o poder. Eu vou repetir u m a frase que eu
uso muito: nós não queremos conquistar o poder. N ós queremos, tão-só e

186 «41
A'olume 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

N o lançam ento da pedra fundam ental da sede da OAB em Brasília, a ser construída
em terreno doado pela U nião (16/ 02/1987).Da direita para a esquerda, entre outros,
M unir Fegure (conselheiro federal por M ato Grosso), A m auri Serralvo (presidente
da seccional do D F ),e Pom peu de Souza (ABI).

•▲I 187
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

exclusivamente, a democratização do poder. O que nós não aceitamos é


ditadura e repressão. De modo que em função de tudo isso, a Ordem hoje é
m uito diferente, especialmente porque atualm ente a situação financeira é
m uito melhor do que na m inha época. Enquanto nós lutávamos para pagar
um a m eia dúzia de funcionários, hoje a Ordem tem u m patrim ônio enorme,
um prédio gigantesco, perto de 80 a 100 funcionários. A Ordem hoje pode
pagar passagens para isso epara aquilo, o que nós não podíamos fazer. Quanto
ao presidente atual, o dr. Approbato, tem se comportado dignamente, com
m uita clarividência nos seus pronunciamentos, m antendo no curso histórico
os rumos da Ordem. De modo que eu às vezes penso que está na hora de
descansar u m pouco, de me afastar u m pouco da frente, só que o meu
temperamento não permite. Se precisarem de m im , como às vezes acontece,
eu estarei disposto e pronto para ajudar. Eu m e orgulho de ter contribuído, e
estar ainda contribuindo, para fa zer da Ordem u m a instituição fo rte e
democrática na sociedade civil brasileira.

188
\ Illu m e 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

•àl 189
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

M árcio T hom az Bastos, Paulo Brossard (m inistro da Justiça) e A im ir Pazzianotto


(m inistro d o Trabalho).

190 •Al
V o lu m e A ( )/\l5 n j VO/ ( l o s P r r ' i i l i ’ ntc's

Márcio Thomaz Bastos

Entrevistadoras: M a rly M otta e Gabriela Nepom uceno


D ata da entrevista: 17/jul/2003
Local da Entrevista: G abinete do m inistro da justiça (Brasília-DF)
D u ração ; 1 h. e 45 min.

191
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

A mudança da sede para Brasília fez crescer a representatividade


do Conselho Federal.

Quando e em que faculdade o senhor se formou?

Eu m e form ei na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São


Paulo, em 1958.

Em que ano o senhor ingressou no Conselho Federal da Ordem?

N o conselho seccional de São Paulo eu ingressei em 1974, e no Conselho Federal


da Ordem em 1985.

No processo eleitora! que o conduziu à presidência, o seu


concorrente, o d r. Artur Lavigne, desistiu da candidatura na última
hora dizendo-se em favor da unidade da entidade. Por que isso
ocorreu? Havia alguma ameaça à unidade da OAB?

Eu e 0 d r A rtur Lavigne, que é um ilustre advogado e meu grande amigo,


fizem os parte da mesma diretoria do Conselho Federal. Ele era secretário-
geral e eu era vice-presidente. Saímos ambos candidatos, disputamos voto a
voto aquela eleição, viajamos o país inteiro e, quando chegamos no dia da
eleição, ele optou por não registrar a chapa, de modo que eu fu i candidato
único. Para ser bem sincero, e divergindo objetivamente dessa avaliação, eu
não acho que a unidade da OAB estivesse ameaçada. Foi um a questão
exclusivamente de conveniência política.

Em torno de que pontos giravam as divergências entre vocês?

F u n d a m e n ta lm e n te , nós d iv e rg ía m o s em m u ito p o u c a coisa. Eu


representava São Paulo, ele era do Rio de Janeiro. N ós m o n ta m o s nossas
chapas e começamos a disputa, os debates. A desistência dele m uito me

192 9àM
V o lu m e / A O A R n a v t ) / d o s sc'u s I ' l i ' s i d i ' i i l i ' s

honrou, inclusive porque fo i um a demonstração de confiança na m in h a


candidatura.

O momento da sua eleição é marcado também pela transferência


efetiva da sede do Conselho Federal do Rio para Brasília. Como o
senhor se posicionava em relação a esta questão?

Eu era a favor da transferência.^ Era necessário que a OAB estivesse sediada na


capitalfederal, um a vez que o Congresso Nacional, a presidência da República,
0 Supremo Tribunal Federal e todos os outros tribunais já estavam aqui.

Já o d r. George Tavares julgava prejudicial a proximidade da Ordem


com o centro decisório do governo, por receio deque isso implicasse
na perda de autonomia da instituição, deixando-a vulnerável às
pressões do Executivo e do Legislativo. O senhor concordava com
essa avaliação?

Eu não concordava com essa idéia. Permanecendo no Rio, o que talvez a


Ordem ganhasse em brilhantismo, certamente perderia em representatividade.
O próprio dr. George Tavares, que residia no Rio de Janeiro, não representava
0 estado no Conselho Federal. Q uando a Ordem veio para Brasília, a

representação das seccionais ficou a cargo de advogados residentes nos seus


próprios estados de origem, que então traziam para o Conselho Federal as
preocupações, as inquietações e as angústias específicas de suas realidades.
Em síntese, eu diria que a mudança da sede para Brasília teve a grande virtude
de aum entar a representatividade do Conselho Federal.

A mudança para Brasília significou o fim da era dos ''medalhões"?

Eu acho que pode ter significado, mas dá uma certa saudade daquele tempo.
Quando eu fu i vice-presidente do Conselho Federal, a sede ainda era no Rio de
Janeiro, e, realmente, era brilhante a plêiade de advogados que lá estavam. Eram
' Sobre o a ssu n to, ver, so b re tu d o , en trev ista d e H e rm a n n Assis Baeta, neste v olu m e.

193
______________ Historia da
Ordem dos Advogados do Brasil

''medalhões" não no sentido pejorativo, mas por serem grandes juristas, grandes
oradores, grandes pensadores. Essa virtude o Rio tinha, da mesma form a como
teria tido São Paulo ou qualquer outro grande centro. Já Brasília tem a virtude de
ser 0 ponto de confluência do Brasil, da federação, o que trouxe um ganho para a
autenticidade do Conselho Federal da Ordem, no sentido de representação efetiva
do que os advogados são, e não apenas do que é a elite dos advogados.

Nós lutamos muito por uma Assembléia Constituinte'^exclusiva" e


contra interesses particularistas e conservadores.

O que foi e como funcionava o Bureau de Acompanhamento


Constitucional?

O Bureau de Acompanhamento Constitucional foi algo que eu instalei logo no


meu primeiro dia de mandato, devido ao meu pavor intelectual de ter que
depor nas subcomissões temáticas do Congresso Constituinte. Logo que tomei
posse, deparei-me com cinco convocações dessa natureza, relacionadas a assuntos
dos mais variados. Como eu já tinha um grupo que me auxiliava nestes assuntos,
resolvi institucionalizar este Bureau, que era composto basicamente de pessoas
ligadas a mim, mas que tinham como característica com um um extraordinário
preparo, um grande brilho intelectual e m uita versatilidade. Faziam parte dele
0 dr Sérgio Sérvulo da Cunha, que hoje é meu chefe de Gabinete aqui no

Ministério da Justiça; o professor Lam artine Correa de Oliveira, falecido


tragicamente e talvez o homem de maior altitude intelectual e técnica deste
Bureau; o dr. Marcelo Lavenère, ex-presidente da Ordem; a talentosa dra.
Marília Muricy, e a dra. Olga Cavalheiro Araújo, também já falecida. Eles
funcionavam como um grupo de assessoria ligado às questões da Constituinte.
Nós discutíamos todos os temas, com toda a liberdade.

E como o grupo funcionava efetivamente?

N ós nos encontrávamos e fazíam os reuniões. Eram solicitados trabalhos


específicos para cada u m e então debatíamos os temas. Era um a organização

194
V o I luhi .' . A O A !) 11,1 VO/ (los sc'Lis I’ r c s i d f n t o

absolutamente informal para ser ágil A iniciativa correu maravilhosamente


bem e eu consegui atender a todas as convocações das subcomissões temáticas.
A té hoje tenho saudades desse grupo.

Em m aio de 1987 o d r. Ulysses Guimarães, que viria a ser


presidente da Constituinte, fez uma visita à OAB para pedir uma
colaboração. Que tipo de colaboração ele pretendia obter da
Ordem?

Ele p retendia u m a colaboração técnica, com apresentação de projetos


específicos sobre alguns temas. Uma colaboração m ais am pla em relação
a todo 0 processo constituinte que então se desenrolava - o que nós já
vínham os fazendo. Eu, particularm ente, tinha um a relação m uito próxim a
com 0 dr. Ulysses. Ele fo i deputado estadual constituinte ju n to com m eu
pa i, em São Paulo, em 1946. Eu cresci vendo-o na m in h a casa. Essa
a m izade nos aproxim ou e facilitou m uito nosso intercurso. Ele foi. um
am igo da OAB.

Ainda em maio de 1987, o conselheiro Lamartine Correa alertava


para "o mau andamento dos trabalhos constituintes". Essa opinião
era compartilhada por outros conselheiros?

Era, até porque nós julgávamos que havia nesse processo um pecado original. Nós
lutamos muito para que se convocasse uma Assembléia Constituinte “exclusiva”,
eleita exclusivamente para elaborar a nova Constituição, e não transformada de
Congresso em Congresso Constituinte. E achávamos, ainda, que naquele momento
havia uma predominância forte de interesses conservadores e particularistas -
representados pelo grupo de parlamentares que mais tardeficaria conhecido como
' G r u p o s u p r a p a r t i d á r i o , p o l i t i c a m e n t e a lin h a d o a o c e n t r o e à d ir e ita e c o m a n d a d o p o r lid e ra n ç a s
c o n se rv a d o ra s d o P a rtid o d a F ren te Libera] (PFL), d o P a rtid o d o M o v im e n to D e m o c r á tic o Brasileiro
(P M D B ), d o P a rtid o D e m o c r á tic o Social (PD S), d o P a rtido T rab alh ista B rasileiro (PTB ), d o P a rtid o
Libentl (PL) e d o P a rtid o D e m o c r a ta C ristão (P D C ). C ria d o ao final d o p r im e ir o a n o d a A ssembléia
N acional C o n stitu in te , co m o objetivo d e d a r sustentação política a o presidente José Sarney, foi responsável
pelas m u d a n ç a s na c o n d u ç ã o d o processo de e lab o ração co n stitu cio n al, a lte ra n d o as n o r m a s reg im en tais
q u e a té e n tã o n o rte a v a m o s tra b a lh o s c o n stitu in te s, p o s sib ilita n d o a o g o v e rn o a v itó r ia e m te m a s de s e u
interesse, c o m o o sistem a d e g o v e rn o presidencialista e o m a n d a to d e cin c o an o s. Ver D H B B , op. cit.

795
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

“Centrão^ - sohre os interesses da maioria. Portanto, a preocupação do Lamartine


r e ^ tia uma angústia coletiva dentro do Conselho. Ele era um homem muito
atento efèz, ao longo da vida, uma trajetória intelectual do centro para a esquerda.
Sem contar que era uma figura intelectualmente encantadora^ sedutora, mas ao
mesmo tempo desconfiada. H á um episódio que ilustra bem o espírito crítico
característico do Lamartine. Certa vez, estávamos eu, Lavenère e ele numa
discussão encarniçada. Em dado momento eu concordei com um argumento dele.
Ele então m e disse: “Está bom, você está concordando comigo, mas agora eu quero
saber por que você está concordando comigo?” Ou seja, não bastava concordar,
ele queria escrutinar até o limite.

E quando o d r. Lamartine Correa alertava para o mau andamento


dos trabalhos constituintes, ele se referia mais ao aspecto político-
ideológico ou aos procedimentos regimentais?

Nós pensávamos nessas coisas, inclusive o Lamartine, dentro de u m a escala.


O im portante mesmo era o político e o ideológico. O procedim ental era
instrum ental em relação a isso.

Que interesses o senhor apontaria como os que mais poderiam


prejudicar a atuação da Ordem naquele momento?

Basicamente, os interesses de frustrar a reforma do Poder Judiciário, que foi o


que acabou acontecendo. Nós tínhamos um projeto de reforma do Judiciário
que incluía algumas medidas que foram colocadas na Constituição e outras
que ficaram de fora. Dentre estas, um a em especial, na nossa opinião, seria a
chave da democratização desse Poder: era o estabelecimento do controle
externo, já em 1987.

Através do Conselho Nacional de Justiça?

Sim, através do Conselho Nacional de Justiça. E essafoi uma luta que agente travou
fortemente. A criação deste Conselho e a instituição do controle externo foram

196 màM
V o lu n u ' , A O A I ) ti.i v o / d o s scLis I ’ t f M c k ' n l c s

aprovadas tanto na subcomissão quanto na Comissão de Sistematização, mas


quando chegou ao plenário o “Centrão” não deixou passar. O relator, que era o
Bernardo Cabral, nosso colega, votou contra o controle externo e então nós perdemos.

A OAB teve alguma participação na indicação do d r. Bernardo


Cabral para a presidência da Comissão de Sistematização?

É claro que o Bernardo Cabral, que fo i presidente da Ordem, era m uito nosso
amigo, mas eu não me recordo de nenhum trabalho nosso nesse sentido. A
Ordem naquela época tinha muito pudor em fazerlóbhy.

Na ata da sessão de 14 de setembro de 1987, há queixas de que a


Ordem não estaria conseguindo estabelecer um canal de comunicação
eficiente com o d r. Bernardo Cabral. Houve isto, de fato?

Houve sim, até porque nossa relação com ele fo i marcada por m uitos vaivéns.
À s vezes nós brigávamos com ele, às vezes conseguíamos coisas com ele. Eu
m e lembro de que realmente havia essa queixa.

Que papei o deputado Nelson Jobim exercia nessa relação da Ordetv


com a Constituinte?

N ós trabalhamos estreitamente ligados ao deputado Nelson Jobim, que


pensava de modo parecido ao nosso. Ele nos ajudou muito, ele realmente
falava por nós. Na questão, por exemplo, do Conselho Nacional de Justiça, do
controle externo do Poder Judiciário, ele fo i o que mais trabalhou, dentro da
Constituinte, para que se concretizasse. Ele tinha um a ligação m uito forte
com a conselheira do Rio Grande do Sul, Olga Cavalheiro Araújo, que era do
nosso Bureau. O meu secretário, na época, Luís Carlos M adeira, tinha sido
presidente desta mesm a seccional quando o Nelson Jobim era vice. Nós
tínhamos realmente um a ligação m uito próxima.

Havia muito de respeito supersticioso pelo Poder Judiciário.

•AB 197
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

Não resta dúvida quanto à relevância do debate sobre a questão do


controle externo do Poder judiciário, mas o senhor considera que
esta fosse uma preocupação partilhada pela sociedade à época dos
trabalhos da Constituinte?

NãOy naquele m om ento eu não acredito que a sociedade enxergasse essa


questão com clareza. Os advogados sim, talvez a O AB também. H avia muito,
como eu disse, desse respeito supersticioso pelo Poder Judiciário. A resistência
era m u ito fo r te d en tro da m a g istra tu ra . O rep ú d io era u n â n im e ,
diferentemente de hoje. Essa não era realmente um a bandeira da sociedade.
N aquela época nós havíamos acabado de sair de um a ditadura militar. Havia
um a dificuldade m uito grande de se colocarem esses temas democráticos em
discussão. O Poder Judiciário era muito sacralizado. Falar em controle externo
soava como iconocíastia, como heresia. Hoje está m uito mais fácil. Eu acredito
que, se tivéssemos aprovado o controle externo naquela época, nós teríamos
m udado a história do Poder Judiciário brasileiro. Por certo, ele não estaria
precisando agora de um a reforma radical.

Além do Conselho Nacional de Justiça, a Ordem propunha também


a criação da Corte Constitucional, em substituição ao Supremo
Tribunal Federal. Na sessão de 16 de novembro, consta uma
intervenção do dr. Miguel Seabra Fagundes, avaliando como omissa
a atuação do STF durante os governos militares, reforçando assim
os argumentos favoráveis à criação dessa Corte. Essa era uma posição
majoritária no Conselho ou uma manifestação isolada do dr Miguel
Seabra Fagundes?

Esta não era uma posição majoritária, ainda que também não fosse isolada. Havia
adeptos. Nunca foi, por exemplo, a minha posição. Eu acho que o Supremo também
sofreu durante a ditadura, como todas as instituições republicanas sofreram, mas
ele não se derrocou, ele não se degradou, não se diminuiu. Eu considerava naquele
momento que a Corte Constitucional era um instrumento indispensávelpara efetivar
a nova Constituição no concreto da vida brasileira. A função dessa Corte
Constitucional com juizes não-vitalicios e com mandatos de sete anos renováveis
por mais sete, seria exclusivamente a de velar e guardar pela Constituição, como

198
V o lL im c . A ( )AH n.i \'()/ dos

aconteceu em pelo menos uma dezena de países que passaram de um regime


ditatorial para um regime democrático. Quando se elabora uma Constituição
democrática, depois de um regime militar, faz-se necessário um instrumento
operativo para tomar essa Constituição real, para colocá-la dentro dofluxo concreto
da história do povo. Este era o nosso objetivo, a exemplo do que aconteceu na Itália,
na França, na Grécia, em Portugal. Nós queríamos uma Corte que fosse afetiva e
ideologicamente comprometida com os princípios da Constituição.

Como estava prevista a constituição dessa Corte Constitucional?


Qual seria o método de indicação?

Naquele momento, a nossa proposta era de que cada terço dos juizes fosse
indicado por um dos poderes constituídos: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Todos passando pelo escrutínio do Senado, como acontece com os ministros
do Supremo. Mas eu m udei de opinião. Hoje eu acato a fo rm a republicana
desenhada por R u y Barbosa na Constituição de 1891, na qual o presidente
indica e o Senado aprova ou rejeita.

Em uma das sessões do Conselho, o d r. Artur Lavigne externou uma


certa preocupação em relação ao poderio que o novo texto
constitucional atribuía ao Ministério Público. Essa questão era
compartilhada por outros conselheiros?

Era uma preocupação compartilhada sim. Havia um a opinião de que o projeto


do Ministério Público era muito bem-feito, mas lhe conferia poderes excessivos
- poderes estes que depois foram ampliados na legislação complementar.
Paralelamente, havia tam bém a consciência de que era preciso um Ministério
Público forte no Brasil, já que antes nunca tinha havido. Hoje isso já vem
sendo testado há 15 anos. O Ministério Público exerce um papel importante
no Brasil, mas os excessos realmente existem.

Um outro ponto importante nas propostas da OAB em relação à


estrutura do Poder Judiciário era a extinção do Tribunal Superior do
Trabalho (TST). Quais eram as alegações?

199
______________ História da
O rd e m d os A dvogados d o Brasil

N ão é a m inha área, mas eu me recordo de que se considerava o T S T uma


instância supérflua. Bastariam os Tribunais Regionais do Trabalho, segundo
o que se argum entava. O TST, com essa fu n çã o de uniform ização da
jurisprudência acabava se tornando mais um a instância de delonga do
processo trabalhista. Em síntese, é do que me recordo acerca das discussões. E
ao fim e ao cabo essa proposta também não fo i aprovada pelo Congresso
Constituinte, por obra do lobby do Judiciário.

Como funcionava o lobby do Judiciário? Eles tinham aliados


preferenciais?

Eu acredito que sim, sendo que alguns, inclusive, entre os advogados. Mas na
Constituinte eles se aliaram claramente ao “Centrão”, se aliaram ao grupo
conservador coordenado, entre outros, pelo deputado Roberto Cardoso Alves,
0 Robertão, com o intuito óbvio de barrar tudo o que pudesse arranhar os

seus interesses. Tanto que, quando o nosso projeto da Corte Constitucional e


do Conselho Nacional de Justiça fo i derrotado, ficou um vazio. Eles não tinham
u m projeto para pôr no lugar, mas, evidentemente, não pelo fa to de serem
neutros. A ausência de um projeto era o próprio projeto.

O advogado precisa de uma espécie de imunidade, e isso foi alçado


à nobreza de uma norma constitucional.

A OAB acabou sendo beneficiada peía Constituição de 88 com um


tratamento privilegiado em relação a outras instituições da mesma
natureza. A citação expressa da entidade no texto constitucional
seria um dos exemplos desse tratamento diferenciado?

Eu acho que esta condição da Ordem obedece a um a conjugação de fatores, a


com eçar pelo artigo 133 da C onstituição, que a firm a ser o advogado
indispensável à administração da Justiça - o que de fato é - e inviolável no
exercício da sua função.

200 «ái
V o lu m e / A { ) A 1j 11,1 VO/ (los scLis ricsidcMitc'^

O senhor considera que esta garantia constitucional eleva o


advogado à condição de parte constituinte de um dos poderes?

Não. Acho que apenas o protege no exercício da função, pensando no seu


consumidor final, que é o cliente. Porque o advogado, para d^ender bem, precisa
ter uma plataforma de sustentação. Ele não pode correr riscos de ser processado,
no exercício da profissão, porque ofendeu o juiz. Ele precisa de um a espécie de
imunidade. E isto fo i alçado à nobreza de uma norma constitucional, o que
achei justo. Eu lutei por isso e ajudei a redigir o texto. Evidentemente, o tipo de
tratamento que a Ordem recebeu na elaboração da Constituição fo i um reflexo
do papel que ela representou no processo de redemocratização da sociedade
brasileira, ocupando espaços que ficaram vazios pela falta de atuação política.
Esse papel ascendente nos termos da relevância social de sua atuação contra a
ditadura culminou em alguns eventos de peso para a história brasileira recente,
como a campanha dasDiretas-]á, em 1984, a Constituinte, em 1987, e o processo
de im peachm ent do presidente Collor, em 1992. Aliás, um dos orgulhos da
m inha vida fo i terfalado no primeiro comício a favor das Diretas-Já, na Praça
da Sé, em São Paulo. Falei em nome da sociedade civil. Nessa mesma época, o
M ário Sérgio, que presidia o Conselho Federal, fo i eleito presidente do Comitê
que comandava a campanha das Diretas. Estas ações foram ajudando a Ordem
a angariar a legitimidade e o prestígio que ela tem hoje, e que está presente
tam bém no texto constitucional do Estado democrático que ela ajudou
fortemente a resgatar.

Quanto ao aparato legal referente à segurança nacional, que estava


distribuído em diversas leis, a OAB tinha propostas para que isso
fosse inserido na Constituição. Foi bom o resultado?

Eu acho que ficou bom. A luta contra a Lei de Segurança Nacional (LSN ) e
pelo restabelecimento das garantias constitucionais fo i árdua e importante.
Eu creio que grande parte do “entulho autoritário” fo i jogada fora. Hoje é
notório que vivemos sob um Estado democrático de direito no Brasil.

•àl 201
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

Em novembro de 1987, o senhor fez um balanço positivo do


andamento dos trabalhos constituintes, ao afirmar que grande parte
das emendas constitucionais propostas pela OAB haviam sido
aceitas. Dentre essas, quais o senhor considerou as mais
importantes?

A s que versavam sobre a necessidade de m otivação dos despachos, a


obrigatoriedade das sessões serem públicas nos tribunais e sobre a autonomia
orçamentária e financeira do Poder Judiciário, cuja contrapartida é o controle
externo. Para além dessas, considerei fu n d a m e n ta l ta m b ém a grande
contribuição que demos para a redação do artigo 5^* da Constituição, que
trata dos direitos e garantias.

Os ataques à Constituição de 1988 são devidos às suas qualidades


ou aos seus defeitos?

Às suas qualidades, com certeza. É um a Constituição analítica. Eu m e lembro de


que uma vez, depondo numa dessas comissões, eu pronunciei uma frase do Arthur
Koestler,^ que dizia o seguinte: “Quando se trata de direitos a gente tem que
deixar a elegância para o alfaiate” e trabalhar analiticamente, porque a síntese é
a aristocracia da lógica, enquanto a democracia da lógica é a análise.

A discussão em torno do tempo de mandato do presidente Sarney


se configurou num desmerecimento da Constituição.

A Ordem se empenhou no intuito de reduzir o mandato do


presidente Sarney, previsto para seis anos. O senhor chegou a manter
contatos com ele?

' E scritor h ú n g a r o de língua inglesa, n a tu ra liz a d o inglês, n ascid o n o a n o d e 1905, n a c id a d e d e B udapeste.


Escreveu diversos ro m a n c e s, e n tre os quais: O iogue e o comissário (1945), O zero e o in fin ito (1946) e 0
fa n ta s m a da m á q u in a (1967). Suicidou-se e m Londres, n o a n o d e 1983, j u n t o c o m a m u lh e r, C ynthia
Jefferies. Ver G rande Enciclopédia Larousse Cultural, o p . cit.

202 •àB
V o lL im f A { ) / \ H n .i V I ) / ( I n s sc'L is I ’ r c M d c ' n t c s

N ão era boa a relação da Ordetn com o presidente Sarney. D urante as


negociações para a fixação do período do m andato dele eu não o visitei
nenhum a vez. Os contatos institucionais que nós precisávamos fazer eram
com 0 ministro da Justiça, o Paulo Brossard, e algumas vezes com o Sepúlveda
Pertence, que era o procurador-geral da República.

Esse distanciamento em relação à presidência da República era bem


visto dentro da Ordem? Afinal, não se estava lidando mais com um
presidente militar.

M as 0 problema do tem po de m andato do presidente Sarney de algum a


m aneira se configurou em u m desmerecimento da Constituição por parte
do E xecutivo, a ntes m esm o de a C o n stitu içã o ser promulgada."* O
d istan cia m en to ocorreu em fu n çã o disso. Foi u m a batalha dentro da
C onstituinte, porque ele queria um m andato de seis ou cinco anos e nós
achávamos que quatro seria satisfatório para um governo de características
transitórias como o dele.

Um outro ponto de atrito da Ordem com o governo Sarney decorreu


do episódio da prisão do presidente da seccional da Paraíba, o d r.
Vital do Rego. Como se deu o fato?

O fa to é que ele estava fa zen d o um a m anifestação contra o m a n d a to de


seis a n o s q u a n d o f o i p reso p ela P o lícia F ederal e a m e a ç a d o de
en q u a d ra m en to na L SN . Eu m e recordo de que dei u m a entrevista onde
a firm a va que, se ele fosse processado, os advogados iam p a r tir p a ra a
d eso b ediên cia civil. T ivem os reuniões em B ra sília com o m in istro

■* Os d eb ates na C o n s titu in te e m t o r n o d a q u estão d o te m p o de m a n d a to d o p re s id e n te da R epública, José


Sarney, a p o n ta v a m p a ra a necessidade d e u m a re d u ç ão d o s seis a n o s q u e v ig o ra ra m d u r a n t e b o a parte
d o regim e militar. Nesse p o n to , ju s ta m e n te , residiam as divergências. G ru p o s q u e d e tin h a m representação
m in o r itá ria n a Assem bléia, e n tre os q u a is a OAB, d e fe n d ia m u m m a n d a to d e q u a t r o an o s, e m fu n ç ã o de
ju lg a re m tra n s itó rio o c a r á te r d o g o v e rn o Sarney. N a o u tra p o n ta , g ru p o s c o n se rv a d o re s a rtic u la d o s e m
t o r n o d o p re sid en te, e e m g ra n d e p a rte in te g ra n te s d o “C e n t r ã o ”, d e fe n d ia m u m m a n d a t o c o m cinco
an o s d e d u ra ç ã o . P or fim , v e n c e u a artic u la ç ão c o n se rv a d o ra , te n d o s id o o g o v e rn o a c u s a d o d e c o m p ra
de votos d e p a rla m e n ta re s através d a utilização d e re cursos públicos, c o m o c o n cessão d e canais de rádio
e televisão. Ver D H B B , op. cit.

•àl 203
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

Brossard, m as o inquérito chegou a ser instaurado, a té que no dia em


que estávam os na Paraíba, realizando u m a sessão do C onselho Federal
de desagravo para o nosso colega, o m in istro Brossard, p o r telefone,
co m u n ico u -m e que o processo havia sido arquivado.

Na sua avaliação, esse endurecimento partia dos setores militares?

N ão tenho m uitas dúvidas que sim. Considero até que o Vital do Rego tenha
agido de um a maneira um pouco temerária fazendo aquele comício no
m om ento em que, se não me engano, o presidente S a m ey passava pelo local,
mas a arbitrariedade é injustificável, a situação fo i radicalizada.

Eu sempre fui contra a eleição direta na Ordem.

Qual era a sua posição em relação à adoção de eleições diretas


para a escolha da diretoria da OAB?

Eu não achava que se devesse fazer eleições diretas para a presidência da


Ordem, p o r se tratar de uma eleição de corporação. Correríamos o risco de a
Ordem ser tomada de fora para dentro, sem contar que poderia ainda haver
m uita influência de poder econômico, desviando a questão dos interesses
primordiais que devem nortear um processo eleitoral.

Como seria uma eleição direta na Ordem? Quais seriam os eleitores?

Todos os advogados. N a época, um universo de 300 m il eleitores. Eu sempre


fu i contra a eleição direta na Ordem. Tanto que a parte referente às eleições,
no novo Estatuto, fo i sugestão minha.^ A eleição para o Conselho Federal é
realizada concomitantemente com as eleições das seccionais. Esse modelo,
que é 0 atual, tem recebido muitas críticas, porque parece que não vem dando
certo em alguns lugares. Mas, de toda forma, eu sempre julguei que a eleição
’ S ob re o p ro je to d o E s ta tu to de 1994, ver entrevistas d e M arcelo Lavenère M a c h a d o e losé R o b e r to B atochio,
neste v o lu m e.

204 •àM
V o lu m e / A O A H n.i VO/ (los si-us P rc s id rn k -s

devesse ser próxim a da base e não direta. Mesmo porque a representatividade


federativa ficaria comprometida, já que São Paulo e Rio de Janeiro, unidos,
seriam estados imhatíveis nas disputas internas da Ordem. A idéia das eleições
diretas dentro da Ordem sempre soou para m im como populista.

Houve muito debate dentro da Ordem sobre a eleição direta?

Não. Poucos defendiam a idéia e normalmente os que defendiam eram de fora


da OAB. Os poucos argumentos geralmente giravam em torno de um paralelismo
simplificador e deformante, que cobrava a adoção desse modelo pela via de uma
suposta coerência entre o discurso e a prática, já que a mesma Ordem defendia as
eleições diretas para a presidência da República. Eu achava isso uma bobagem.

Eventos como o da morte de operários em Volta Redonda geiavam


incertezas quanto ao processo de democratização do país.

Em novembro de 1988 ocorreram as mortes dos operários em


Volta Redonda.^ A OAB reagiu protocolando uma denúncia no
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH).
Mesmo depois da redemocratização este Conselho se mantinha
ainda como um instrumento importante na defesa dos direitos
humanos?

O Conselho era u m órgão im portante do Ministério da Justiça, u m foro que


nós tínham os, e que havíam os usado m uito durante a ditadura.^ Nós
acom panhamos o inquérito, mas não deu em nada.

E m n o v e m b ro d e 1988, o s tr a b a lh a d o re s d a C o m p a n h ia Sid erú rgica N a cio n a l (C S N ) d e Volta R e d o n d a (R!)


d e cid ira m e n t r a r e m greve, re iv in d ic a n d o o q u e até e n tã o havia s id o a tô n ic a d o m o v im e n to sindical na
d é c a d a d e 1980: re p o s iç ã o sala rial, re a d m is sã o d e tr a b a lh a d o re s d e m itid o s e m grev es a n te rio re s ,
p a g a m e n to de h o ra s extras e red u ção d a carga horária. D u ra n te o m o v im e n to , três mil o p e rá rio s o c u p a r a m
a e m p re sa e, c o m o t a m b é m já h a v ia o c o rrid o o u tr a s vezes, tro p a s d o Exército f o r a m e n v iad as a o local
s o b a alegação d a n e ce ssid a d e d e se p ro te g e r o p a trim ô n i o d a e m p re sa . N o p ro cesso d e re tir a d a dos
tra b a lh a d o re s das d e p e n d ê n c ia s d a c o m p a n h ia , n a n o ite d o d ia 9, a v io le n ta a çâo d o Exército d e ix o u o
sald o d e trê s tra b a lh a d o re s m o rto s p o r a r m a d e fogo e e s p a n c a m e n to . Ver D H B B , o p . cit.

205
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

Havia o receio de que o processo de redemocratizaçâo pudesse ser


ameaçado?

Hoje, lembrando retrospectivamente, acho que não. M as na época havia uma


certa incerteza, era um a incógnita, era um risco. Você não sabia de onde
vinha aquilo, você não sabia qual era o intuito estratégico daquilo.

O senhor chegou a sofrer algum tipo de ameaça?

N unca um a ameaça concreta. Houve algumas ligações, m as eu nunca levei


a sério.

A Ordem cumpriu e vai continuar cumprindo um importante papel


na sociedade brasileira.

O senhor acha que a eleição do seu sucessor, o d r. Ophir Cavalcante,


significou um lapso em uma tendência mais combativa da Ordem?
Quais os motivos que levaram à escolha do d r. O phir para a sua
sucessão?

Ele, como meu vice-presidente, e o Luís Carlos Madeira, que fo i meu secretário-
geral, tão logo teve início o processo sucessório, apresentaram suas candidaturas
à presidência do Conselho. Os dois trabalharam muito, viajando, cada um
ao seu modo. À medida que a eleição fo i se aproximando, eu percebi que a
candidatura do Ophir estava m uito mais forte que a candidatura do Madeira,
porque ele tinha angariado mais adesões. Eu, como presidente, procurei influir
o m ínim o possível. M ais tarde, quando da formação da chapa do Ophir, já
com 0 seu nome praticamente confirmado como novo presidente, ele colocou
0 Lavenère como secretário, o que para nós fo i bastante significativo, já que
era um a pessoa da nossa confiança, do nosso grupo.

Qual o balanço que o senhor faria de sua atuação à frente da Ordem?

' Sobre a cria ç ão d o C D D P H , ver en trev ista d e José Cavalcanti Neves, neste volum e.

206
I )lume 7 A OAB na voz d o s se u s Presidentes

Presidente do Ccnselho Federal n o período de 1987 - 1989

207
______________ História da
O rd e m dos A dvogados d o Brasil

Eu faço um a avaliação positiva do meu período na Ordem. Eu acho que foi


um m om ento importante da história do Brasil, fo i o m om ento do Congresso
Constituinte, no qual eu considero que fom os bem. A lém disso, tivemos um a
série de iniciativas: arquitetamos a construção da nova sede, trabalhamos
intransigentemente em relação a todas as questões atinentes aos direitos
humanos, trabalhamos tam bém pelas eleições diretas, pela diminuição do
m andato do presidente Samey, além de outras bandeiras que empunhamos.
Em suma, eu acho que a Ordem cumpriu o seu p a p el

E qual a comparação que o senhor faria entre a OAB que o senhor


dirigiu e a OAB de hoje?

Hoje, eu acho que a Ordem cresceu muito, cresceu na sua base. O Conselho
Federal atualmente, pelo que eu posso perceber, é m uito representativo. As
bandeiras tam bém são outras, talvez até outra identidade. M as o que
permanece é a confiança de que ela vai continuar a representar esse papel
im portante que sempre representou na sociedade brasileira, desde a sua
fundação.

208 9AI
VI lu m e 7 A OAB na voz d o s se u s Presidentes

•àl 209
_____________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

Eleição de O phir Cavalcanti para a presidência do Conselho Federal da OAB (atril de


1989). Entre outros, da esquerda para a direita, H erm ann Assis Baeta (1“), Marcello
Lavenère ( ^ ) , Mareio T hom az Bastos (5“), Nabor Bulhões, presidente da seccional de
Alagoas (6®) e O p h ir Cavalcante.

210 9ÂE
V o lu m e 7 A O A B n ü v u / cios s e u s P re s ic ie n te s

O phir Filgueiras Cavalcante^

' Po r desejo do p r ó p r io d e p o e n te , as in fo rm a çõ e s a q u i co ntidas fo ra m fornecidas sob a fo r m a de q u e stio n ário ,


sem a gravação d e entrevista. Em q u e pese o esforço de adequação, q u a isq u e r discrepâncias q u e p o rv e n tu ra
h o u v e r em relação ao fo r m a to d a p u blicação , dever-se-ão a este fato (N . üü E.).

6AI 211
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Para presidir o Conselho Federal é necessária uma larga experiência


de OAB, preferencialmente adquirida nas seccionais.

Quando e em que faculdade o senhor se formou?

Formei-me pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, no


dia 8 de dezembro de 1960, tendo obtido 05 títulos de doutor e livre-docente.

E quando o senhor ingressou no Conselho Federai da OAB?

Ingressei no Conselho Federal, como representante da seccional do Pará, em


1987, tendo sido eleito vice-presidente para o biênio 1987-89, na gestão do
presidente Márcio Thomaz Bastos. Entretanto, desde 1975participo da política
interna da Ordem. Neste ano fu i deito conselheiro seccional no meu estado,
de onde também fu i vice-presidente e presidente por dois períodos consecutivos,
1983-85 e 1985-87.

A vice-presidência e a secretaria-geral funcionam como uma espécie


de rota obrigatória para se chegar à presidência da OAB?

N ão necessariamente. Para ocupar a presidência do Conselho Federal é


necessário um a longa experiência de OAB, preferencialmente adquirida nas
seccionais, onde se toma conhecimento dos problemas dos advogados, graças
ao contato direto que se tem com eles. O Conselho Federal é o “Senado" da
Ordem, onde têm assento os cardeais, vindos das seccionais, embora nem
sempre tenha sido assim.

Como foi a sua campanha?

A m in h a ca m p a n h a fo i fe ita d efen d en d o o b in ô m io in stitu c io n a l-


corporativo, ou seja, além de defender as bandeiras da O rdem no campo
institucional, dem onstrava um a grande preocupação e conhecimento com

212
V o k in K ’ , A O A R n a v o / d o s s r u s f i c s i d i iitc s

OS p r o b l e m a s p a r a o liv r e e x e rc íc io d a a d v o c a c i a e a d e fe s a das
prerrogativas dos advogados.

Oumnte o governo Samey o processo de redemocratízação correu riscos

Logo no início de seu mandato, na sessão de 15 de maio de 1989, o


Conselho Federal aprovou uma nota oficial que tocava em dois pontos
muito sensíveis para a Ordem. O primeiro deles era o temor em relação
ao retorno do "terrorismo de direita", que poderia ameaçar as eleições
presidenciais marcadas para novembro próximo. O segundo ponto se
relacionava ao uso, pelo presidente Sarney, de medida provisória contra
movimentos grevistas - ato entendido pela OAB como "ameaça à
democraciaDiante da fragilidade política do governo Sarney, era
forte a preocupação com um possível abalo do processo de
redemocratização e. conseqüentemente, com o comprometimento das
eleições que se realizariam em novembro próximo?

M inha posse se deu com alguns meses de vigência da nova Constituição de


1988. O que, doutra parte, significa que ela ocorreu quando já se encontrava
em pleno desenvolvimento um a tenaz campanha para inviabilizá-la. Esse
intento nefando teve, a início, lastro num a série de declarações subalternas,
nas quais se sustentava a ingovernabilidade do país sob seupálio; de outra, se
iniciava a estratégia da multiplicação das medidas provisórias, divorciadas
de seus pressupostos constitucionais, e de suas inadmissíveis repetições
sucessivas e intermináveis. A par disso, a omissão na regulamentação dos
comandos constitucionais, pecado até hoje praticam ente sem remissão,
contribuía fortem ente para m inar a validade de um a Constituição que, não
obstante suas eventuais imperfeições, havia tido nascim ento legítimo,
merecendo por isso acatamento e boa fé em sua vivência. O recrudescimento
da violência p o r parte do governo Sarney, traduzido pela ação de tropas do
Exército no episódio da greve na Companhia Siderúrgica Nacional,^ a
represália contra líderes sindicais, a edição de medida provisória contra o
m ovim ento grevista, instalaram no país um clima de medo que ameaçava,

^ Sobre o episó dio , ver n o ta 6 d a en tre v ista d e M árcio T h o m a z Bastos, n este vo lu m e.

213
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

de fato, as eleições presidenciais. O temor da OAB era com a cidadania e com


0 processo de redemocratização, que corriam riscos.^

A Ordem chegou a encaminhar alguma ação de inconstitucionalidade


contra o instituto das medidas provisórias?

É conhecida de todos a nossa luta para o disciplinamento da edição de medidas


provisórias, com o encaminhamento, ao Congresso Nacional, de um Projeto de
Lei elaborado pela OAB e encampado pelo então deputado Nelson Jobim,
recentemente aprovado, mas com muitas alterações. Em verdade, desde o primeiro
momento das edições das medidas provisórias, a OAB tomou posição contrária
ao abuso das suas repetições sucessivas e à dissociação dos seus pressupostos
constitucionais. Assim é que com a edição da Medida Provisória n° 111, que
criava afigura da “Prisão Provisória”, editada pelo governo Samey, a OAB iniciou
sua cruzada de argüição, junto ao STF, da inconstitucionalidade das mesmas.
Fiz publicar na Folha de S. Paulo, em 22 de abril de 1990, um artigo que intitulei
“O festival das medidas provisórias”, em que denunciava mais uma vez o fato, e
dizia que em todas as reuniões do Conselho Federal surgiam reações da consciência
jurídica contra os descaminhos no uso das medidas provisórias.

Apesar de não ter ocorrido nenhum atentado contra a OAB, os


advogados continuavam a ser intimidados, como o presidente da
seccional de Roraima, Hesmone Granjeiro, e o advogado josé Sina
Rocha, que acabou assassinado em Alagoas, em novembro de 1989.
Como a OAB reagiu a essas ocorrências?

Face a sua corajosa atuação contra a corrupção e os desmandos em todos os


setores da vida pública, em Roraima, o presidente da seccional, Hesmone Saraiva
’ A p r o x im id a d e d a realização da p rim e ir a eleição dire ta p a ra a pre sid ên c ia da R e p ú b lica desd e a to m a d a do
p o d e r pelos m ilitares, e m 1964, c o n ju g a d a à grave crise e co n ô m ic a vivida pe lo país e à b aixa p o p u la rid a d e
d o p re sid en te Sarney, fez d o s ú ltim o s an o s d a d é c a d a d e 1980 u m p e r ío d o d e m u ita ag ita çã o p o pu lar,
re p re s en ta d a , e m g ra n d e pa rte , pela ação d o s sin d ic ato s e cen trais sindicais. A reação d o go v e rn o a esta
efervescência, e m vá rio s m o m e n to s , foi d u ra . A repressão v io le n ta a m o v im e n to s grevistas, a utilização
de in s tru m e n to s a rb itrá rio s c o n tra lideran ças sindicais, c o m o as m e d id a s p ro v is ó ria s , c o n tr ib u ír a m para
o clim a d e incerteza q u e to m o u os m o m e n to s finais d a tra n s iç ã o d e m o c rá tic a . Ver D H B B , op. cit. Sobre
a fragilidade política d o govern o Sarney, ver ta m b é m a entrevista d e M árcio T h o m a z Bastos, neste volum e.

214
V o liim r , \ O A l ! n ,i v ( i / d o s s c i i s I’ r t ' M d c n k ' s

GranjeirOy vinha sendo ameaçado de morte pelo secretário de Segurança Pública


daquele estado, Antônio Carlos Vianna Sarres. O Conselho Federal decidiu
sair em defesa do presidente Hesmone, designando um a comissão, chefiada
pelo secretário-geral da Ordem, Marcelo Lavenère, que viajou a Boa Vista (RR)
para apurar denúncias relativas a estas ameaças. A missão da OAB foi recebida
pelo governador Romero Jucá e durante o encontro foram debatidas as condições
de insegurança da população de Roraima. O ponto de deterioração progressiva
no relacionamento entre a OAB de Roraima e a Secretaria de Segurança Pública
culminou no envio que fiz àe um telex ao presidente da República, José Sarney,
ao ministro da Justiça, Saulo Ramos, e ao governador do estado, denunciando
ofato e exigindo providências imediatas. Devolta à Brasília, a missão retomou
com a garantia do governador de que as denúncias seriam apuradas.

Em março de 1989, o presidente Sarney indicou o ex-ministro Aluísio


Alves para uma vaga no Superior Tribunal M ilitar (STM). A OAB
contestou a indicação alegando que o ministro não teria os dez
anos de exercício da advocacia exigidos e o STM suspendeu a posse.
O que levou a OAB a atuar dessa maneira?

Em meu discurso de posse deixei clara a insatisfação da OAB, ao declarar:


“Esperamos que o Judiciário não mais perm ita serem nossos tribunais
superiores receptáculos de políticos em final de carreira”. Depois de empossado
e autorizado pelo Conselho, entramos com mandado de segurança e antes de
seu desfecho o candidato desistiu da vaga.

Na sessão de 72 deJunho de 1989, houve uma proposta de que se


convidasse os candidatos à presidência da República para um debate
na OAB. Esse debate chegou a se realizar?

* D o s 24 c an d id a to s p a rtic ip a n te s, os m ais expressivos p o litic a m e n te e ra m : A u re lia n o C haves (P a r tid o da


Fren te Liberai - PFL), F e rn a n d o C o llo r d e M elo (P a rtid o da R ec o n stru ç ã o N a cio n a l - P R N ), G u ilh e rm e
Aflf D o m in g o s (p a r ti d o Liberal - PL), Leonel Brizola (P a rtid o D e m o c rá tic o T rabalhista - P D T ), Luís
Inácio Lula d a Silva (P a rtid o dos T raba lh a do re s - P T ), M á r io C ovas (P a r tid o d a Social D e m o crac ia
Brasileira • PSDB ), Paulo M a lu f (P a rtid o D e m o crático Social - PD S), R o b e r to Freire (P a rtid o C o m u n is ta
Brasileiro - PCB), R o n a ld o C a ia d o (P a r tid o Social D e m o c rá tic o - PSD) e U lysses G u im a rã e s (P a rtid o
d o M o v im e n to D e m o c r á tic o Brasileiro - PM D B ). Ver D H B B , op. cit.

275
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

A realidade nacional evidenciava que o processo eleitoral vivido pelo país


padecia de dificuldades decorrentes do insuficiente exercício democrático ao
longo de vários anos, de um a legislação eleitoral casuística, de partidos políticos
não historicamente sedimentados e de influência abusiva tanto do poder
econômico, quanto da mídia e de setores da administração pública. Com o
convite aos candidatos à presidência para u m debate na O AB desejavam-se
democratizar a disputa e conhecer o pensamento dos mesmos. Infelizmente
não fo i possível viabilizar tal encontro.

C reio que fiz a minha parte na presidência da O rdem dos


Advogados do Brasil.

Na ata da sessão de 12 de setembro há referências a uma entrevista


que o senhor concedeu ao Correio Brasiliense, criticando a
Comissão nomeada pelo dr. Márcio Thomaz Bastos para redigir o
novo Estatuto da Ordem, que acabou entrando em vigor em 1994.
Quais os principais pontos de convergência e de divergência dentro
da OAB em relação à elaboração do novo Estatuto?

O m ovim ento de reforma do Estatuto do Advogado^ fo i deflagrado com a


nomeação de um a Comissão Especial em ju n h o de 1988, ainda na gestão
Márcio Thom az Bastos. Reuniu-se aquele grupo de trabalho, consciente de
que a Lei 4.215, de 1963, ainda continha considerável potencial de bons
serviços a prestar, padecendo mais de um a revitalização atualizadora que de
um a cirurgia completa. Discutimos exaustivamente todos os pontos relevantes,
com a participação intensa das seccionais. Após a apresentação do trabalho
da Comissão surgiram duas correntes: a primeira, de apoio à Comissão, achava
que devia ser mantida a espinha dorsal da Lei 4.215, sendo necessário apenas
revitalizá-la em alguns pontos; e a outra, que se deveria aproveitar a
oportunidade para elaborar um texto novo, atual, condizente com o momento
vivido pelos advogados, em que fossem enfrentados os problemas, como a
situação dos advogados empregados, fixação do piso salarial e da jornada de
trabalho, exclusividade da advocacia, honorários de sucumbência, etc. D aí

^ Sob re o a ss u n to , ver en trevistas d e M arcelo Lavenère M a c h a d o e José R o b e rto B ato ch io , n e ste v o lu m e.

276 #Ám
V o lu m e , A O A I) n.i VO/ flo s s c lis PrcsidiMUc^

surgiu um a grande polêm ica que atravessou todo o m eu m andato, só


terminando na gestão do meu sucessor, Marcelo Lavenère, saindo vitoriosa a
idéia de se fazer nova lei. Naquela época dei um a entrevista no C orreio
Brasiliense expondo essa divergência. Ganhei, com isso, como era de se esperar,
a insatisfação dos membros da Comissão.

A OAB chegou a discutir o uso de medidas legais contra o confisco


determinado pelo Plano CoUorT

Já no primeiro dia de seu mandato, o presidente Collor, através de um a bateria


impressionante de atentados aos direitos do cidadão, mostrou sua disposição
de governar sem o Congresso ou a despeito desse. Desde então tivemos de dar
partida a inúmeras iniciativas judiciais, consubstanciadas em várias ações
diretas de inconstitucionalidade, através das quais, no uso ponderado mas
determinado do instrumental que a lei maior nos conferiu, tentamos colaborar
ativamente na tarefa fundam ental do controle da constitudonalidade das
leis. O Conselho, em reunião de 4 de jun ho de 1990, autorizou a diretoria a
propor ação direta de inconstitucionalidade contra o Plano Collor.

Na sessão de 10 de abril de 1990, de um lado, tinha-se o


conselheiro Moacyr Belchior, manifestando-se a favor do Plano
C ollor e das medidas provisórias; de outro, a nota oficial da
Ordem contra as medidas provisórias que sustentaram o Plano
Collor, a favor da formação de uma comissão de juristas para
opinar sobre a inconstitucionalidade das MPs, além da denúncia
de hipertrofia do Poder Executivo e da conseqüente volta do
autoritarism o. A OAB estava m uito d ivid id a em relação ao
governo Collor?
®o Pla n o C o llo r c o n sis tiu e m u m a série d e m e d id a s d e im p a c to d e stin ad a s à c o n te n ç ã o d a inflação e à
estabilização e c o n ô m ic a . A n u n c ia d o lo go no s p rim e iro s dias d o gov e rn o C o llo r (1 99 0 -1 99 2), o p la n o se
baseava n o seg u in te trip é: u m a re fo rm a fiscal q u e pe rm itisse a revisão das c o n ta s d o se to r pú b lic o , u m a
re fo rm a m o n e tá r ia q u e pu sesse fim à in d e x a çã o d a m o e d a - segu id a d e u m b lo q u e io ao acesso d e cerca
d e 80% d o s ativos fin a n c e iro s d o se to r p riv a d o e a in sta u ra çã o d e u m a po lític a de re n d a s, a p a r tir de
u m c o n g elam e n to im e d ia to d e preços e salários. As repercussões negativas às m e d id a s, seja pelos equívocos
a p o n ta d o s na su a co n cepção , seja p o r seu caráter a u to ritá rio , fo r a m in ten sas. O Pla n o C o llo r a in d a teria
u m a seg u n d a ed iç ão , e m ja n e ir o d e 1991. V e r D H B B , op. cit.

277
______________ Historia da
Ordem dos Advogados do Brasil

Creio que o assunto não mereceficar registrado na história de nossa instituição,


de vez que Belchior, representante da seccional de Brasília, com grandes
propriedades em Goiás, fo i o único conselheiro a levantar a voz em defesa de
Collor, mas logo silenciado pela unanim idade dos demais conselheiros.

Qua! o balanço que o senhor faria da sua atuação à frente do


Conselho Federal da OAB?

E ntendo que não existe m elhor ou p io r presidente. Acho que todos os


presidentes, ao longo da existência da OAB, foram m uito importantes a seu
tempo, observadas as circunstâncias, para o engrandecim ento de nossa
Instituição. Creio assim que fiz a minha parte, com m uita dedicação, am or e
entusiasmo. De todos os cargos que já exerci, considero o de presidente nacional
da OAB 0 mais importante. Quanto ao balanço de m inha atuação, desejaria
privilegiar alguns pontos que reputo de grande importância para a história
da Ordem.
N o campo do ensino jurídico, por exemplo, lutamos contra a pretendida
liberalização indiscriminada na criação de novos cursos jurídicos, conseguindo
a edição do Decreto n° 98.391, de 13 de novembro de 1989, assegurando à
O AB participação no processo de criação ou reconhecimento de novos cursos
jurídicos.
O Sim pósio Internacional sobre Direito A m biental e a Q uestão Amazônica
foi outro evento que merece registro, o qual se realizou em Belém do Pará, em
agosto de 1989, e fo i patrocinado pelo Conselho Federal da OAB, em conjunto
com a Associação de Universidades Amazônicas (U N A M A Z ), Universidade
Federal do Pará (UFPA) e apoio da Organização dos Estados Americanos
(OEA), com a participação dos presidentes das Federações de Advogados da
Colômbia, Equador, Venezuela, Suriname, República da Guiana, Bolívia e
Peru, 0 que demonstra a preocupação da Ordem, há mais de um a década,
com a Am azônia internacional.
Também quero registrar a interposição de medida judicial para obtenção de
dedução, para fim de imposto de renda, dos gastos incorridos pelos advogados
no exercício de sua profissão, o que beneficiou todos os advogados brasileiros.
Assunto que considero de muita valia fo i nossa ida à cidade de Ouro Preto do
Oeste, no estado de Rondônia, a mais de 700 km da capital. Porto Velho, para

218 «41
Volum e 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

promover o desagravo público de um advogado que estava sendo perseguido


pelo único ju iz de Direito da Comarca, demonstrando que o advogado nunca
está só, onde quer que ele se encontre, quando se trata de defender sua liberdade
profissional e suas prerrogativas.
Gostaria de mencionar que não só para resgatar velhas promessas ou para
afinal dar cumprimento a um m andamento legal, mas também para viabilizar
nossa incumbência de instituição letiva m e n te representativa da sociedade
civil, conseguimos construir a prim eira sede própria da OAB, na capital
federal, obra inaugurada em 19 de novembro de 1990, com a presença das
figuras mais representativas do m undo jurídico nacional A s bancadas da
sala de reunião do Pleno e das câmaras, cadeiras e equipamentos de som
foram u m a doação do governador do estado do Pará, dr. Hélio Gueiros.
Assunto da m aior repercussão na época fo i o E ncontro N acional sobre a
D ívida Externa, em setembro de 1989. Foram co-promotores, com a OAB, a
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (C O N TAG ), o
M ovim ento N acional dos Direitos da Pessoa H um ana (M N D P H ), Conselho
Nacional das Igrejas Cristãs (CONCIC), Central Ünica dos Trabalhadores
(C U T), SERPAJ e União Nacional dos Estudantes (UNE).
Gostaria de mencionar nossos depoimentos na Comissão M ista do Congresso
Nacional, sobre o Código de Defesa do Consumidor, Pena de Morte, Divida
Externa e Estatuto da Criança e do Adolescente, registrando a posição da
Ordem.
Finalmente quero m e referir à X III Conferência Nacional da OAB, realizada
em Belo Horizonte, em setembro de 1990, a qual tive o privilégio d e presidir
e que versou sobre o tema “OAB - Sociedade - Estado” Os debates sobre as
medidas provisórias dom inaram a Conferência.

Como o senhor compararia a OAB de hoje com aquela que o senhor


dirigiu na virada dos anos 1980 para os 1990?

Creio que os problemas não são muito diferentes, apenas acontecem agora
mais rapidamente graças ao avanço dos meios de comunicação. É interessante
constatar que o Conselho Federal, no que diz respeito à parte corporativa,
pouco ou nada m udou no relacionamento com as seccionais, pois já dirigi a
OAB com a existência do Colégio de Presidentes, o que ajuda m uito esse

•Al 219
_____________ História da
O rd e m d o s A dv og ad o s d o Brasil

O phir Cavalcante discursando na XIII Conferência Nacional da OAB (setembro de 1990).

220 9Á»
Volume 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

rela cio na m en to . N a p a r te in s titu c io n a l a diferença é d ita d a pelos


acontecimentos de agora e os do início da década de 1990, que exigiam um a
atuação mais destemida, pois estávamos saindo de um regime ditatorial, com
um a nova Constituição e eleições livres para a presidência da República. Havia
um clima de medo que ameaçava as eleições presidenciais de novembro de
1989. A responsabilidade da OAB era com o processo de redemocratização,
que corria riscos diante da insegurança política do governo Sarney. Foram
tem pos difíceis em que a O AB teve que se p o sicio n a r em defesa da
redemocratização do país.

221
______________ H istória da
O rdem dos Advogados do Brasil

Marcello Lavenère, Evandro Lins e Silva e Barbosa Lima Sobrinho n o impeachment do


presidente C ollor de Melo (22/12/1992).

222 9AB
V o lL im f / A ( ) / \ B iKi V O / (l o s s i ' i is P n ’s i d i ' n t c ’s

Marcello Lavenère Machado

Entrevistadoras: M arly M otta e Gabriela Nepomuceno


D ata da entrevista: 14/mai/2003
Locai da Entrevista: Escritório do entrevistado (Brasília-DF)
D u ração : 1 h. e 50 min.

223
______________ Historia da
O rdem dos Advogados do Brasil

Minha candidatura tinha um viés mais progressista.

Quando e em que faculdade o senhor se formou?

Comecei meu curso de direito na Faculdade de Direito de Alagoas, fiz o


primeiro ano lá. Mas por conta de um trote que fizemos, com críticas ao
governo, recebi de presente, em 1956, um a transferência para a Faculdade de
Direito do Recife, onde cursei os quatro últimos anos do curso, concluindo-o
em 1960.

E quando o senhor ingressou no Conselho Federal da Ordem?

Em 1970, ingressei no conselho seccional da O AB de Alagoas, onde fui,


além de conselheiro, vice-presidente em duas oportunidades e presidente
tam bém po r dois períodos. A í sim, em seguida a essa experiência na OAB
do m eu estado, m e elegi para o Conselho Federal, que durante algum
tem po ainda se localizava no Rio de Janeiro. Fui, além de conselheiro,
secretário-geral, já depois da transferência da sede para Brasília, na gestão
do presidente O phir Cavalcante e, p o r ftm , presidi o Conselho Federal no
biênio 1991-92.

Pelo que pudemos perceber há uma grande incidência de casos


de conselheiros que ocupam cargos na diretoria anterior e que
são depois indicados para concorrer à presidência do Conselho
Federal.

A constatação é verdadeira. Nós temos sempre u m processo de preparação


dos nossos líderes. Para entrar na diretoria da Ordem norm alm ente o
advogado passa pelo Conselho Federal ou pela diretoria de um conselho
seccional. Na diretoria, o seu desempenho o legitima a pretender o cargo de
presidente da Ordem ou o descredencia. N o m eu caso, como eu m e m udei
de Alagoas para Brasília, do mesmo modo que o presidente Ophir, pude me
dedicar ao Conselho pra tica m en te em tem po integral. Esta presença

224 9AB
Volume / A C } \ M n a \ o / c l o s sc-us P i i ' s i d c n U ' s

contínua aqui em Brasília e na diretoria da Ordem m e p erm itiu um a


aproximação m aior com os presidentes das seccionais, dos conselheiros e de
organizações da sociedade civil com quem nós tínham os m uito contato, o
que reforçou a m in ha intenção de ser candidato. E m verdade, de início,
havia mesmo duas candidaturas. Além de m im , que representava de alguma
fo rm a o trabalho desenvolvido pela diretoria anterior, havia o dr. Jair
Leonardo Lopes, presidente da OAB de M inas Gerais, que era professor de
d ireito p e n a l e u m h o m e m de prestígio. Era u m ca n d id a to m u ito
significativo. A d isp u ta fo i m u ito equilibrada en tre nós, d u ra n te a
cam panha. A penas ao seu fin a l é que alguns apoios que m in h a chapa
angariou fizeram pesar a balança a nosso favor.

A que o senhor atribui esses apoios que terminaram por tornar a


sua candidatura mais expressiva do que a do seu concorrente?

Eu creio que isto ocorreu porque a candidatura do dr. Jair Leonardo era vista
como mais form al e conservadora, ao contrário da m inha que tinha um viés
considerado mais progressista.

E por que o senhor acha que interessava à OAB fazer a opção por
uma candidatura com tendências progressistas, em pleno governo
Collor?

Isso se deve ao fato de que naquela época a OAB era mais à esquerda do que
é hoje. Eu não sei se um a candidatura mais à esquerda hoje teria a mesma
sim patia ou a m esm a adesão que tivemos há quase 15 anos. N a época havia
u m certo sentimento de mudança. O próprio Collor não fo i eleito apenas
com 0 voto conservador. Q uem votou no Collor votou num a proposta nova,
votou na esperança de que ele trouxesse um novo estilo de governo. Talvez
esse clima tenha contribuído para a m inha vitória. Hoje, penso eu, e esse
registro deve ser feito, a Ordem passa por um processo de despolitização das
suas lideranças. Os candidatos mais progressistas, mais à esquerda, têm se
tornado mais raros. A s divergências deixaram de ser ideológicas: candidato
conservador versus candidato progressista. Evidentemente, penso que este é

màM 225
______________ H istória da
Ordem dos Advogados do Brasil

u m fenôm eno da sociedade, que a Ordem só fa z refletir. A nossa sociedade


perdeu bastante a sua divisão entre progressistas e conservadores. A queda do
muro de Berlim, o esboroamento do socialismo real, a terrível invasão das
posições e das filosofias neoliberais, tudo isso acarretou um processo de
despolitização geral da sociedade brasileira. Para tomarmos dois exemplos
somente: a União Nacional dos Estudantes, que nas décadas de 1960 e 1970,
durante a ditadura militar, era um a entidade fortem ente atuante, hoje pouco
aparece. E o m ovim ento sindical brasileiro se ressente tam bém de um
enfraquecimento de suas estruturas, que hoje, visivelmente, perderam muito
em capacidade de articulação. Dessa forma, a Ordem não teria como deixar
de sofrer essas conseqüências. Uma outra questão, específica, que por certo
contribuiu e contribui cada vez mais para esse estado atual de coisas é a
proliferação indiscrim inada dos cursos de direito, com a conseqüente
diminuição da qualidade do profissional.

A Constituição de 1988 nasceu em um período em que ainda


prevalecia a idéia de um Estado presente e atuante.

Já no seu discurso de posse, em abril de 1991, o senhor se manifestou


contra possíveis reformas na Constituição previstas para 7993.’ Essa
era uma posição pessoal ou da Ordem como um todo?

A posição era da sociedade civil, pelo menos dos seus segmentos organizados,
em função da pouca experiência que tínhamos com a Constituição de 88.
Nós, na Ordem, entendíamos que não adiantava revisar, reformar o que ainda
nem completamente pronto havia ficado. Considerávamos que a Constituição,
da form a como estava, respondia pela estrutura democrático-jurídico-político-
constitucional do país, mas restava editar a legislação infraconstitucionalpara
completar o seu arcabouço. Além do quê, nós sabíamos das intenções nada
cidadãs dos que estavam pretendendo m udar a Constituição. Já eram, àquela
altura, os sintomas, as posições neoliberais que visavam a descaracterização
da Carta de 88, que nasceu num período em que ainda prevalecia a idéia de
u m Estado presente e atuante. Mas, justiça seja feita, havia tam bém na OAB

' S ob re o pro c e sso d e revisão c o n stitu cio n aj e m 1993, ver entrev ista d e José R o b e rto B atochio, n e ste voJume.

226
V o lu m e , A ()/\l> n<i VO/ ( l o \ sfLis I ' l i ' s i d c i i l i ’s

OS que d ivergiam dessa postura, os que p en sa va m de m a neira m ais


conservadora. Ao fim ea o cabo nós conseguimos frustrar aquela reforma da
Constituição pela oposição firm e que a ela conseguimos fazer, ju n to com toda
a sociedade civil.

O debate sobre o parlamentarismo e o presidencialismo,^ que era um


dos pontos da reforma, não mobilizou a sociedade. Mobilizou a OAB?

Também não. O dr. Ulysses Guimarães esteve até na OAB conversando


conosco, mas o tema não despertou interesse. A pouca atenção da OAB refletiu
a desmobilização da sociedade civil acerca do assunto.

E qual a sua opinião pessoal sobre a matéria?

Eu acho que nós temos um traço histórico mais presidencialista, temos muitas
desconfianças dos nossos parlamentares. O Poder Legislativo no Brasil não
granjeia um respeito m uito grande. Adotar o parlamentarismo como sistema
de governo significaria colocarnas mãos de deputados e senadores o futuro, o
governo, a administração do país. A inda hoje este debate está ausente. Além
do quê, os p a r la m e n ta r is ta s m a is fe r r e n h o s se to r n a ra m gra n d es
presidencialistas. O último período governamental nos mostrou isso.

Na ata da sessão de 8 de outubro de 1991, a Ordem se colocou


contrariamente à privatização da Usiminas, confirmando um posi­
cionamento que seria recorrente em relação ao processo de desestatização
que estava em curso. Este era um tema consensual na OAB?

N ão era consensual, é claro que havia divergências, m as era majoritária a


idéia de que essas medidas de desestatização interessavam m uito a certos
segmentos empresariais internacionais. Além disso, nós não acreditávamos
que essa venda indiscriminada de empresas públicas pudesse gerar tantos
recursos como se dizia, em função do fato deque seriam compradas, em grande

' Sobre o ass u n to , ver en trev ista d e José R o b e rto Batochio, n este volum e.

227
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

parte, com “moeda podreV E mais: nós não confiávamos que esses recursos
teriam a destinação prometida e não seriam desviados, como foram , para o
pagamento, por exemplo, de juros da dívida externa.

O senhor está afirmando que o conjunto de advogados partilhava a


idéia de que a presença do Estado deveria continuar sendo
significativa, o que é uma tradição na história brasileira. No entanto,
havia vozes divergentes, mesmo que minoritárias. Em que medida
o posicionamento do presidente pode influir para que a instituição
tome partido de um ou outro determinado conjunto de teses?

Eu penso que em qualquer organização, em qualquer associação, afigura do


presidente tem um a influência decorrente da sua própria liderança ou
decorrente das circunstâncias que se fo rm a m em torno da equipe que ele
monta. De toda maneira, divergências sempre há. D urante a m inha gestão o
pensamento conservador também se manifestava no Conselho, claro, mas
minoritariamente, repito. Em geral, as diferenças ideológicas se manifestam
também, através do clássico dilema da Ordem sobre a relação entre os seus
papéis político e corporativo, o que a meu ver é u m a dicotomia artificial. M as
em relação à questão, nesse caso específico das privatizações, poucos
conselheiros se manifestaram contrariamente. A maioria realmente seguiu o
presidente, seja porque tivesse mesmo um a convicção sobre o assunto ou porque
costumava acompanhar as escolhas do presidente.

Tínhamos a convicção de que precisávamos atualizar a nossa


legislação interna.

Um outro ponto importante da sua gestão foi o debate em torno do


projeto de um novo Estatuto para a Ordem, que viria substituir o
que estava em vigor desde 1963." Um dos argumentos que

^ S ob re o p ro c e sso d e p rivatizações d u r a n te o p rim e iro go v e rn o F e rn a n d o H e n r iq u e C ard o so , ver a entrev ista


de José R o b e r to B atochio, neste volum e.
* S o bre o p ro je to d o E sta tu to de 1994, ver e n tre v ista de José R o b e r to B atochio, n este volum e.

228 •41
V o lu m e 7 A ( ) / \ R n a v o / d o s se u s P r e s i d e n l e s

Justificavam a necessidade de um novo conjunto de normas era a


passagem do advogado da condição de profissional liberal para a
de profissional assalariado, certo?

Sim . N ós já tínham os, m esm o antes dessa época, a convicção de que


precisávamos atualizar a nossa legislação interna. E um dos principais motivos
fo i realmente essa mudança estrutural da advocacia brasileira. O Estatuto de
1963 ainda refletia um a advocacia típica da primeira m etade do século.
Durante a ditadura militar nós chegamos a pensar em promover as mudanças,
mas tivemos receio de levantar a discussão e não conseguirmos sustentá-la de
modo favorável em um contexto político adverso. N o fim da ditadura as
atenções só poderiam mesmo recair para o processo de redemocratização,
Constituinte, eleições livres, etc., e em seguida veio o im peachm ent do Collor.
Após esse turbilhão, finalm ente havia chegado a hora. N a gestão do Ophir
nós criamos um a comissão para iniciar os estudos acerca do projeto de um
novo Estatuto, mas foi realmente no período em que estive presidindo a Ordem
que conseguimos concretizar essa idéia. Envolvemos todo o Conselho Federal
e as seccionais nesse processo. As discussões foram longas e democráticas.
Recebemos milhares de sugestões, todas foram analisadas. Fizemos sessões
aos sábados e domingos durante meses a fio.

Quais eram os principais pontos de convergência e divergência?

O i debates se acirravam mais em torno das questões da entidade. Com relação


à regulamentação da advocacia nós não tínhamos grandes diferenças, porque
todos queríamos um a advocacia forte, prestigiada, atuante, com prerrogativas,
sem que o Poder Judiciário pudesse estar a cada m omento interferindo contra
0 advogado. No entanto, quando fom os discutir a estrutura e a atuação da

Ordem nos seus mais diversos aspectos, as diferenças apareceram. Discutimos


muito, por exemplo, a questão da estrutura da Ordem nos três níveis: o federal,
da competência do Conselho Federal; o estadual, da competência dos conselhos
seccionais; e o m unicipal, pela qual responderiam as subseções. N ós
pretendíam os dem ocratizar essa estrutura, dar m ais força às subseções,
fortalecer a base da Ordem, mas essa opinião não fo i majoritária.

•â b 229
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

O senhor concorda com a avaliação de que a partir dos anos 1980


houve uma transferência de poder do Conselho Federal para os
conselhos seccionais?

D epois da m udança para Brasília o Conselho Federal a d q uiriu um a


visibilidade maior.^ Enquanto esteve no Rio de Janeiro ele não chegou a
exercer um a dimensão nacional, em função das dificuldades de comunicação
e transporte, e tam bém das limitações financeiras das seccionais, que não
tinham condições de m andar representantes dos estados para a capital. Dessa
form a, po r um lado, as seccionais ficavam isoladas das discussões centrais
e, p or outro, o Conselho Federal tinha pouca noção do que se passava nos
estados. Com a mudança da sede para Brasília, os estados se tornaram muito
mais representativos no poder central da Ordem. Hoje o Conselho está muito
mais próxim o da base da advocacia do que há 20 anos. A contrapartida
dessa democratização do poder central da Ordem, no entanto, fo i a perda
dos grandes “medalhões” da advocacia brasileira e do brilhantismo das suas
discussões. Nós nos tornamos mais objetivos, pragmáticos. Se, po r um lado,
ganham os m aior representatividade, por outro perdem os esse traço de
academia que tínhamos. O Conselho Federal tem hoje a cara da advocacia
brasileira.

No debate sobre o novo Estatuto houve algum tipo de influência


externa à Ordem?

Não. M esm o depois de pronto o projeto e encam inhado ao Congresso


Nacional, as alterações foram m ínim as. Nós convidamos para vir à Ordem
uns 20 ou 30 deputados, que eram advogados, para jun to s discutirmos a
melhor maneira de preservarmos a integridade do projeto e acelerar a sua
tramitação no Congresso. O dr. Ulysses Guimarães se dispôs a assiná-lo,
mas alertou que não conviria que fosse tam bém o relator. Sugeriu, ele mesmo,
então, 0 nom e do deputado Nelson Jobim, com quem tam bém tínhamos
afinidades.

^ S ob re o a ssun to , ver. s o b re tu d o , entrevista d e H e rm a n n Assis Baeta, n este volum e.

230
.V o lu m e ’ / A O A h ) lu i V O / clos st'Lis PiX'sick'Htt's

Nelson Jobim foi urn bom relator?

Sim ,foi um bom relator. Ele tinha posições muito próximas da Ordem naquela
ocasião. Todavia nós ficamos decepcionados com a demora da tramitação.
Levou dois anos no Congresso. Somente no segundo semestre de 1994, já na
gestão do Roberto Batochio, é que fo i sancionada pelo presidente Itam ar Franco
a Lei 8.906, que aprovava o nosso novo Estatuto. Hoje ele está completando
nove anos de vigência e se encontra perfeitamente adequado à realidade atual
da advocacia brasileira. De modo que se eu tiver que destacar, na m inha
gestão, ações e iniciativas que considero fundam entais, por certo, entre elas
estará a elaboração desse Estatuto.

E qual é a realidade atual da advocacia brasileira?

Hoje a advocacia brasileira passa por uma crise m uito grande. E em grande
parte este quadro advém da crescente vulgarização da profissão. A proliferação
dos cursos de direito que, em sua grande maioria, são fábricas de diploma,
tem resultado num despreparo acentuado dos jovens que se form am . Nós
estamos presenciando um processo de sério enfraquecimento da formação do
advogado, o que motivou, por exemplo, a criação, em todas as seccionais, de
escolas superiores da advocacia, que fm c io n a m como um mecanismo com
vistas a um m ínim o controle do nível profissional e da formação do advogado.
O nosso Exam e de Ordem se tornou uma guilhotina para impedir que uma
massa de jovens formados pelas escolas particulares entrem na Ordem, porque
não estão m inim am ente preparados para o exercício da advocacia. Em alguns
estados 0 Exam e de Ordem reprova 80,90% dos candidatos. Esse é um grande
problema que a Ordem está enfrentando e terá que enfrentar ainda nos
próximos tempos, com muito cuidado e zelo.

O Provão não vem contribuindo para uma melhora da qualidade


do ensino dessas faculdades?^

O Provão não tem tido a força de conter esta hemorragia, que tem, senão o

‘ Sobre o a ss u n to , v er n o ta 7 d a e n tre v ista d e E rn a n d o U choa Lima, neste volum e.

•Ál 231
História da
O rdem dos Advogados do Brasil

dolo, ao menos a complacência do Ministério da Educação. O Conselho Federal


de Educação precisou ser fechado por causa da corrupção e do tráfico de
influências. Em cada cidade desse país em que havia dois cursos de direito, hoje
há oito, nove, dez, 15 cursos. Brasília, Santos, Teresina e todas as grandes cidades
brasileiras são exemplos dessa proliferação indiscriminada, nociva e enganosa.

O im peachm ent mostrou para o mundo que não somos uma


republiqueta.

Dos últimos presidentes da Ordem, o senhor é, sem dúvida, o que


ficou mais conhecido, em função da atuação destacada que teve
no processo de impeachment do presidente Collor. Como o senhor
Já disse, os conselheiros federais que serviram à Ordem durante a
sua gestão eram majoritariamente afinados com suas posições, ainda
que houvesse divergências. Mas no debate sobre o impeachment a
unanimidade aconteceu?

Não, nossas decisões durante os debates sobre o processo de im peachm ent do


p resid en te C ollor fo ra m tom ad as sem pre p o r u m a m a io ria am pla,
significativa, mas nunca foram unânimes. Dos 81 conselheiros, quatro ou
cinco divergiam.

Como a Ordem reagiu às denúncias de corrupção, feitas pelo irmão


do presidente, Pedro Collor, à rewsta Veja?^

' E m fevereiro d e 1992, P e d ro C ollor, irm ão d o pre siden te F e rn a n d o C ollor, e m e n tre v is ta à revista Veja,
a c u s o u Paulo C ésa r Farias - o PC prin c ip a l assessor d o p re sid en te e ex -le so u re iro d e su a c a m p a n h a ,
d e a prov eitar-se d a p ro x im id a d e c o m o p re sid ente p ara e n riq u e c e r ilicitam ente. Tais d e n ú n c ia s abalar am
fo rte m e n te a cre d ib ilid a d e d o go v e rn o p e ra n te a o p in iã o p ú b lic a e m a r c a r a m o início d e u m a seq üên cia
d e n o v a s acusações so b re a existência d e esq ue m a s d e c o rru p ç ã o e m v á rio s seto res do gov ern o. Em m a io
d o m e s m o a n o , o m e s m o P e d r o C o l l o r e n tr e g o u , n o v a m e n t e à re v is ta Veja, d o c u m e n t o s q u e
d e m o n s tra v a m irregu larid ad e s nos negócios d e PC Farias. A in da n o m e sm o m ês, m ais d u a s entrevistas
seriam co n ce d id a s p e lo irm ã o d o p re sidente à m e sm a revista, a p o n ta n d o ligações d ire ta s d o p re sid en te
c o m 0 e sq u e m a d e c o rru p ç ã o , à ép oca m o n ta d o p o r PC. D ia n te d a g ra v id a d e das acusações, n o dia 26 d e
m a io a C â m a r a a p ro v o u a cria ç ão d e u m C P I pa ra investigar as d e n ú n c ia s , q u e a c a b a ra m re d u n d a n d o
n o im p e a ch m e n t d o presidente. Ver D H B B , op. cit.

232
V o lu m e / A O A B fici v o x clos s r u s P r ( s i f k ‘ n k s

N a verdade, quando os desmandos do governo federal e do presidente da


República chegaram ao ponto de levar o seu irmão a fa zer as denúncias que
fez, em um órgão de imprensa de grande circulação, era porque já vivíamos a
gota-d’água de um a situação insustentável. Daí o porquê da inserção da
Ordem nos debates, acompanhada de outras entidades da sociedade civil.
Mas, à medida que a situação se agravava, crescia na mesma proporção o
sentimento de que alguma coisa precisava serfeita. Como presidente da Ordem
eu senti esse peso sobre as minhas costas, de um a maneira m uito intensa.

O caminho então era buscar o apoio de outras entidades para


legitimar o debate em torno do que deveria ser feito?

Sim, claro. N ão só porque eu tinha a convicção, e tenho ainda hoje, de que


Ordem perde quando se isola, como tam bém porque ela tem acumulado uma
experiência m uito rica de parceria com várias outras entidades da sociedade
civil organizada, acumulada nas lutas contra a ditadura. Então, logo após o
surgimento das primeiras denúncias nós começamos a atuar ju n to do Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), da União Nacional dos
E stud an tes (U N E ), da Associação Brasileira de Im prensa (A B I), da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

EJá se falava em impeachment desde o início das conversações?

De maneira alguma. Isso não era nem cogitado. Nós tínhamos inclusive a
preocupação de que a movimentação que promovíamos não fosse tomada
como partidária ou ideológica. Tinha que ser algo movido por um sentimento
mais amplo. Nada se encaixava melhor do que a bandeira da ética na política.
Então, logo de início não se pensou num movim ento anti-Collor, nem pró-
im peachm ent, mas ‘‘p ela ética na política'1 Estávamos ainda em maio de
1992. O nosso mote inicial fo i a necessidade de se apurar as denúncias através
de uma CPI. Começamos a divulgar notas pelos jornais tentando m obilizara
sociedade em torno da questão. Como a Ordem tinha uma posição de liderança
dentro desse grupo, a sede do M ovim ento Pela Ética na Política ficou sendo
no prédio do Conselho Federal da Ordem. Entramos em contato com as

•àM 233
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

seccionais de todos os estados solicitando que difundissem a idéia do


M ovimento, já que não poderia ser um a coisa só de Brasília. Finalmente, a
CPI fo i instalada, tendo como relator o senador A m ir Lando. Naquele
momento, começaram as manifestações de rua, vieram os “caras-pintadas”.
Em junho, com as informações que a CPI fo i colhendo, aí sim se começou a
falar em im peachm ent.

O fator de agravamento das denúncias foi o depoimento do Eriberto


França, o motorista da família do presidente, correto?

S im , depois do dep o im en to do Eriberto não h ouve m a is d ú v id a do


envolvimento do presidente no esquema de corrupção m ontado p or Paulo
César Farias.^ Concluído e aprovado o relatório da CPI, só restava pedir o
im peachm ent do presidente.

E qual era o sentimento no momento em que se decidiu pelo pedido


de impeachment? Era possível, naquele momento, vislumbrar a
inexorabilidade do afastamento do presidente?

Em absoluto. Nós não tínhamos nenhuma idéia do que poderia acontecer no


dia seguinte. Talvez o presidente pudesse conseguir maioria no Congresso, os
militares talvez se levantassem contra o impeachment. Era tudo um a incógnita,
até porque não é fácil colocar um presidente da República para fora. Nunca se
colocou, em país nenhum do mundo. Leonel Brizola foi contra, o grande Ulysses
Guimarães nunca absorveu bem a idéia, não nos ajudou em nada. Eu tinha
por isso uma certa mágoa do dr. Ulysses. Era uma hora em que nós tínhamos
que limpar, que dizer para o mundo inteiro: esse país tem dono, esse país não

‘ D esd e as p rim e ir a s d e n ú n cias , e m fevereiro d e 1992, o clim a h a v ia se to r n a d o difícil p a r a o p re sid ente


C o llo r. Im p r e n s a , sin d ic a to s , po litico s, e m p re sá rio s e a o p in iã o p ú b lic a e m g eral m a n ife s tav a m -se
c o n tu n d e n te m e n te a favor d a a p u ra ç ã o ráp id a d o s fatos, d ia n te das fo rtes evidências d o en v o lv im e n to
d ire to do p re s id e n te n o esq u e m a de c o rru p ç ã o . Isolado p o litica m e n te , e m fins de ju n h o , o p re sid en te fe/
u m p r o n u n c ia m e n to em re d e na cio n al d e rádio e televisão, re fu ta n d o , e n tr e o u tra s , a acusação d e q u e a
sua secretária, A na Acióli, p agava co m recu rso s d e P C Farias as despesas d e sua residência e m Brasília -
a Casa d a D in d a . N o e n ta n to , n o d ia seguinte, Francisco E rib e rto França, m o to rista d e A n a Acióli, re fu to u
0 pre sid en te, c o n firm a n d o as d e n ú n cias d e q u e as e m p resas d e PC a rc av a m c o m as despesas d a residência
d o p resid en te. Ver D H B B , op. cit.

234 #à#
V o lu n u ' / A U A H 11.1 V O / , i l o s s o u s l ’ r c .'s i( k ’ iiI( 'S

tern espaço para um aventureiro qualquer, que empolga o poder e toma posse
dele. Esse país tem instituições, o tecido social brasileiro existe. Estão aqui os
empresários, estão aqui os trabalhadores, estão aqui os profissionais liberais,
está aqui a OAB, estão aqui os jornalistas, está aqui um sentimento patriótico
de que não é possível viver num país de bandidagem, de falta de ética, um país
que não é sério. Nós não somos uma republiqueta.

Ninguérv mais do que a OAB tinha como tarefa, nesse processo,


zelar pelo cumprimento integral dos procedimentos Jurídicos do
impeachment. No entanto, como o senhor afirmou, o grau de
imprevisibilidade era muito grande. Como não perder tempo e
desvencilhar-se das armadilhas da burocracia, sendo cuidadoso,
ao mesmo tempo, com a questão do cumprimento das normas
Jurídicas do processo?

Isso fo i um a preocupação de todos nós desde o começo e disso não abrimos


mão. O ex-presidente disse, inclusive, em alguns momentos, que não teve
direito de defesa. Isto absolutamente não é verdade. Ele fo i assistido por
brilhantes advogados, com todas as possibilidades de defesa, asseguradas pelo
STF. ^ M as a questão fundam ental persistia. A CPI acabou por demonstrar o
envolvimento do presidente. Qual o próximo passo? Im peachm ent, claro.
Foi então que um a equipe de talentosos advogados, basicamente de São Paulo,
mas tam bém de outros estados, se reuniu na casa do Márcio Thom az Bastos
para preparar um a petição de im peachm ent. Elaborou-se um a primeira
versão e depois se convidou o dr. Evandro Lins e Silva para se incorporar ao
grupo. Faltava saber, depois do texto p ron to , q u em iria requerer o
im peachm ent, porque, p or lei, isso só pode ser feito por pessoas físicas. Estava
eu então, n u m a determ inada tarde, aqui no prédio da Ordem, quando
chegaram quatro parlamentares escolhidos pelos seus partidos para conversar
comigo. Eram dois deputados federais, Aldo Rebelo, do Partido Comunista
do Brasil (PCdoB), e Vivaldo Barbosa, do Partido Democrático Trabalhista
(PDT) e dois senadores, Pedro Simon, do Partido do M ovim ento Democrático

’ o p re sid en te C o llo r foi d e fe n d id o , e m m o m e n to s distin to s d o processo d e im p e a ch m e n t q u e sofreu, pelos


ad vo gad o s José G u ilh e rm e Villela, Evaristo de M oraes Filho, In o c ê n cio M á r tire s C o e lh o e José M o u ra
Rocha. Ver D H B B , o p . cit.

235
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

Brasileiro (PMDB), e Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social


Democracia Brasileira (PSDB). Chegaram e me disseram: "Presidente, nós
examinamos a questão no Congresso e chegamos à conclusão de que a única
form a que há desse processo de im peachm ent colher algum fruto é levando a
assinatura de duas entidades de prestigio nacional, que são a A B I e a OAB”.
Quando então eu ponderei que nem a Ordem nem a A B I poderiam assinar o
documento, porque este tipo de procedimento era vedado a entidades e
partidos, eles disseram que a idéia era que nós assinássemos, e u e o dr Barbosa
Lima Sobrinho, como pessoas físicas, como cidadãos, mas obviamente tendo
po r trás as instituições que presidiamos. Eu novamente ponderei dizendo que
como era um processo de responsabilidade política, os integrantes do Congresso
Nacional é que deveriam assinar. Nesse instante o senador Pedro Simon disse,
com a anuência dos outros três parlamentares, a seguinte frase: “Nós não
temos credibilidade para tanto.”Diante desta declaração eu prom eti consultar
0 Conselho Federal e os presidentes dos conselhos seccionais, que me

autorizaram, quase por unanimidade, assinar a petição.

E como foi o ato formal de entrega da petição no Congresso?

Nós assinamos a petição aqui no Conselho, com a presença do dr. Barbosa


Lim a Sobrinho, que fo i ovacionado quando chegou. Por sugestão do dr Sérgio
Sérvulo da Cunha, que era um grande colaborador do Conselho, decidimos ir
à pé para o Congresso. Tivemos receio de que os conselheiros não aceitassem.
Fizemos até o percurso, de carro, na noite anterior, para m edir a distância.
Era po r volta de meio-dia quando encerramos a solenidade de assinatura da
petição. A lém do dr. Barbosa Lima, estavam presentes o Betinho, o Jair
Menegueli, presidente da Central Única dos Trabalhadores (C U T) à época,
os nossos amigos da CNBB, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC),
e tam bém o Lindberg Farias, presidente da UNE. O fato é que quando eu
sugeri que fôssemos a pé, a idéia fo i muito bem recebida. E de fato nós fomos,
todos, até 0 Congresso. Foi um a coisa m uito bonita, porque estávamos ali,
cam inhando pelo meio da rua. Quando começamos éramos um pouco mais
de uma centena de pessoas, m a sà medida que caminhávamos mais gente ia
chegando. Havia conosco um carro de som que anunciava pelas ruas o que
estávamos fazendo ali e para onde nos dirigíamos.

236
V o lu m e 7 U A H in i v o / dos s c lis [’ i c s i d c n t e s

Como foi a recepção no Congresso?

Havia milhares de pessoas no Congresso nos aguardando, inclusive muitos


jornalistas. Os presidentes de Câmara e Senado já nos aguardavam também. O
dr. Barbosa, em função da idade, não pôde acompanhar a caminhada, foi de
carro. Mas o tempo passava, a confusão aumentava, e nada do dr. Barbosa Lima
Sobrinho chegar. Em dado momento uma grande movimentação num certo lado
do salão indicou a chegada do dr. Barbosa Lima, flutuando, literalmente levitando.
Ele não conseguia colocar os pés no chão. Quando finalmente se aproximou de
onde estávamos, fizemos a entrega formal da petição ao presidente da Câmara,
que era o deputado Ibsen Pinheiro. O 5 desdobramentos, após este episódio, todos
sabemos: 0 processo de im peâchm ent foi instaurado primeiro na Câmara, com 0
voto do relator Nelson Jobim, e depois se iniciou efetivamente no Senado, sob a
presidência do ministro Sidnei Sanches, que à época presidia também 0 Supremo
Tribunal Federal.

Em 29 de setembro de 1992 a Câmara aprovou a admissibilidade


do impeachment. O presidente Collor então foi afastado e o seu
vice, Itamar Franco, assumiu o governo, certo?

Isto, ele p i afastado e assumiu Itamar, na condição de presidente em exerdcio. A


sessão final de julgamento estava marcada para meados do mês de dezembro,
próxima ao Natal. Foi quando os dois advogados do presidente foram destituídos
por ele, na véspera do dia em que se realizaria 0 julgamento. Ora, essa manobra
impossibilitava a realização da sessão que estava marcada para 0 dia seguinte,
pelo fato de 0 acusado estar sem advogado. O julgamento teria que ser adiado. Só
que nós estávamos já próximos do recesso parlamentar. Janeiro é também,
naturalmente, um mês de desmobilização dos parlamentares em Brasília. A seguir
viria 0 carnaval Possivelmente, então, nos cálculos que 0 ex-presidente Collor
deveria estarfazendo, ele só iria a julgamento em março e teria, portanto, tempo
para tentar reverter 0 quadro, apostando no esfriamento do assunto. Era um fio
de navalha, era a armadilha final. Nós poderíamos terjogado todo aquele esforço
fora se não tivéssemos tranqüilidade e habilidade para reagirá manobra. Ao fim
das discussões chegamos à conclusão deque 0 adiamento era realmente inevitável,
mas que também 0 julgamento não poderia ser remarcado para fevereiro ou

237
______________ Historia da
Ordem dos Advogados do Brasil

março do ano seguinte. O ministro Sidnei Sanches então remarcou a sessão para
0 dia 28 de dezembro, entre o Natal e o Ano Novo. No mesmo dia 28, logo pela

manhã, o CoUor renunciou, tentando interromper o processo de impeachment.


De imediato, o ministro Sidnei Sanches suspendeu a sessão de julgamento para
que fosse empossado o vice-presidente, Itamar Franco.

E nessa hora o senador Mário Covas teve um papel fundamental


mobilizando o Senado para que não se aceitasse o pedido de
renúncia e o processo de impeachment pudesse continuar, não?

Ê verdade. Depois da posse do Itam ar pairou um certo sentim ento de que


tudo estava acabado, tudo resolvido. Nós então, o dr. Evandro, eu, o Sérgio
Sérvulo, Fábio Konder Comparato, Miguel Reale Jr. e outros juristas, além
dos senadores José Paulo Bisol, A m irLando e Mário Covas, tratamos de alertar
que aquilo não poderia se encerrar assim e que o processo teria que continuar.
Foi difícil, mas conseguimos, afinal, convencer o Senado da importância da
continuidade do processo. D aí decorreu a inelegibilidade do ex-presidente
po r oito anos.

Qual o significado de ter presidido a Ordem num momento delicado


da história brasileira como aquele?

Acho que para um advogado, e para um cidadão, ter a responsabilidade de


ser presidente de um a entidade como a Ordem dos Advogados do Brasil é a
honra m aior que pode existir. Penso então que nenhum a outra coisa poderia
ter sido tão importante para m im quanto presidir esta belíssima corporação
que é a Ordem dos Advogados do Brasil, e num m om ento da história do país
em que graças a Deus e a todas as outras forças e energias a gente pôde não
comprometer a história da Ordem. Nós tínhamos a grande preocupação de
que 0 im peachm ent pudesse não dar certo. E como teria ficado a OAB caso
isso tivesse ocorrido? Eu poderia ter contribuído para que a OAB se tornasse
um a entidade perseguida pela história. Considero que foi a m inha maior
experiência enquanto profissional do direito e enquanto cidadão. Dessa forma,
deixei a presidência da Ordem muito satisfeito, com a perfeita sensação do

238
Volume 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

M arcdlo Lavenère com Ulysses G uim arães e Márcio T hom az Bastos.

239
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

dever cumprido. Estou certo de que ela, de fato, cum priu d efo rm a zelosa o
seu papel, como em outras ocasiões semelhantes. Que Deus a guarde para
que possa superar as dificuldades do presente vividas pela advocacia, que
existem e não são poucas. Mas a certeza que tenho é de que esse transatlântico
que é a Ordem não se desviará do seu rumo.

240
\(i!u m e 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

•ál 241
______________ Historia da
O rdem dos Advogados do Brasil

Batochio, presidente do Conselho Federal da OAB, discursando na XV Q jnferência Nacional


da OAB (Foz de Iguaçu,setem bro de 1994).

242
V o k iiiH ' r A O A I ’) n<i V O / (I ds s c tis I ' l c s i d c n l c s

José Roberto Batochio

Entrevistadora: M a rly Motta


D ata da entrevista: 25/vnar/2003
Local da Entrevista: Escritório do entrevistado (SP)
D uração: 2h.

243
______________ Historia da
O rdem dos Advogados do Brasil

Havia um movimento unânime em torno do meu nome para a


presidência.

Quando e em que faculdade o senhor se formou?

Formei-me em 1967pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie,


em São Paulo.

Em seguida ao exercício do mandato de presidente da seccional de


São Paulo, o senhor foi eleito, em abril de 1993, para a presidência
do Conselho Federal da Ordem. O seu nome saiu da Conferência
Nacional de Vitória?

N o Colégio de Presidentes já havia um m ovim ento espontâneo nesse sentido,


como tam bém em torno da idéia de um presidente de seccional assumir a
presidência do Conselho Federal. Tanto que pude fo rm a r - sem perder de
vista a qualidade, a afinidade ideológica e os ideais comuns - um a chapa
marcadamente geopolítica, representada por todas as regiões do país. Assim,
na Conferência Nacional da OAB, em Vitória (ES), meu nome fo i confirmado.

Sob o aspecto geopolítico, portanto, é possível entender que há


diferenças marcantes em termos de representação no Conselho Federal?

Há, inclusive, numérica. São Paulo, por exemplo, tem mais de um terço
dos advogados brasileiros, mas isso não pode servir para enfraquecer o
sen tim en to de igual representatividade que deve prevalecer no Conselho
Federal. O princípio federativo deve ser preservado acim a de qualquer
interesse, na m edida em que ele é a razão de nos m anterm os como nação.
O cidadão de Macapá, no extrem o norte, fala a m esm a língua do cidadão
de Santana do Livramento, no extrem o sul. Isso é u m prodígio que nos
fa z encarar os rompantes regionalistas de conteúdo ufanista como um
grande equívoco. Precisamos de um a visão geral do Brasil, que passe pelo
tratam ento equânim e de todas as unidades da federação. Jam ais seremos

244
V o lu n u ’ , A O A l - i n .i \ ' ( ) / d o s scLis I ’ r i ' s i c l c ' i i t o

um grande país se não conseguirmos criar pólos de desenvolvim ento em


todas as regiões. Foi esse pensam ento que m e m otivou a construir sedes
para as seccionais em estados menos desenvolvidos, objetivando estabelecer
ali sentinelas de defesa dos direitos hum anos. Precisamos co n tin u a r nos
esfo rça n d o p a r a q u e to d a s as u n id a d e s d a fe d e ra ç ã o s e ja m tão
desenvolvidas quanto a mais desenvolvida. Esse fo i o p en sam en to que
prevaleceu na composição da chapa que liderei.

Era flagrante, então, o consenso em torno de seu nome?

Tanto que meu opositor, secretário-geral do Conselho Federal na diretoria


anterior, não conseguiu form a r uma chapa. Ele concorreu sozinho, como
candidato avulso à presidência. À época, a Lei 4.215/63 permitia, no Conselho
Federal, candidaturas avulsas.

Normalmente o presidente do Conselho Federal é o principal cabo


eleitoral dos candidatos que saem vitoriosos do processo sucessório
da Ordem. No seu caso, o senhor recebeu o apoio do presidente
Marcelo Lavenère?

Não. O presidente Marcelo Lavenère sentiu-se constrangido em manifestar


apoio à m inha candidatura, já que o meu oponente era seu secretário-geral,
companheiro de diretoria. Em razão disso, Lavenère resolveu ficar neutro na
disputa, eticamente em silêncio.

Na medida em que tradicionalmente, na Ordem, o presidente indica


e em geral elege o seu sucessor, é possível interpretar a unanimidade
em torno de seu nome como uma derrota política do presidente
Lavenère no processo de sua sucessão?

Não. Simplesmente ele não indicou meu adversário como seu candidato. O
presidente Marcelo Lavenère ficou realmente neutro nessa disputa.

245
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Na ata da sessão de 15 de junho de 1993, consta que o d r. Antônio


Carlos Osório, seu oponente na disputa pela presidência da Ordem,
perdeu o mandato em função de faltas sucessivas às sessões. Como
se deu, efetivamente, este fato?

É importante verificar a exatidão dessa informação, mas sei que a questão chegou,
realmente, a ser suscitada, e me recordo de ter me empenhado na defesa de sua
permanência no Conselho. Ocorre que depois de ser derrotado nas eleições, ele
deixou de comparecer às sessões, e houve quem defendesse a aplicação do Estatuto,
que prevê perda de mandato quando o conselheiro se desinteressa pela instituição.
M as me parece que ele depois retornou e cumpriu o restante de seu mandato.

Consta ainda nesta mesma ata que ele ingressou com uma queixa-
crime contra o senhor, em virtude da campanha para a presidência
da OAB. De que ele o acusava?

Durante a campanha, ele contratou um assessor de imprensa para divulgar


notas com insinuações m uito graves contra a m inha pessoa. A té mesmo o
episódio do confronto entre os estudantes da Universidade M ackenzie e da
Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), na rua Maria
Antônia, fo i explorado para tentar me associar a grupos de extrema-direita.
N ão adiantou, porque esse fato ocorreu em outubro de 1968 e eu m e form ei
em 1967. Logo, eu não poderia estar no conflito.

Parece-nos que a proporção desses ataques foi algo inusitado na


história da Ordem. Qual o impacto para a instituição de uma
campanha tão pública e acirrada?

De fato, fo i algo inusitado, mas não houve o impacto que se queria porque eu
tinha um a história. Tinha vindo da luta pelo im peachm ent^ do então
presidente Collor, fu i tam bém presidente da Associação e da Ordem dos
Advogados do estado de São Paulo. Tudo isso deixava às claras que os ataques
eram resultado de um a ação política de conveniência.

1 S ob re o im p e a c h m e n t e a po sição da OAB, ver a en trevista de M arcelo L avenère M ac h a d o , neste volum e.

246
V o k iit K ' A O A H iia \()/. clos k t'u '- Ptc'-ick’ntus

E o senhor reagiu?

Sim, quando a situação ultrapassou os limites de um a campanha acirrada.


A cada ataque, eu respondia, e naquele mom ento ele resolveu entrar com
um a queixa-crime contra m im , com base na Lei de Imprensa.^ O que fiz?
R euni todas as matérias ofensivas promovidas contra a m inha pessoa e entrei
com 26 queixas-crimes contra ele. Surgiu, então, um a proposta para que
retirássemos tudo, encerrando essa disputa no Judiciário. Concordei e o assunto
acabou.

Consta também na ata de 8 de novembro de 1993 que foi pedida a


quebra do sigilo bancário do d r. Antonio Carlos Osório, em função
de ele ter sido advogado de um dos envolvidos na CPI do
O rç a m e n to / Ele chegou a amargar algum tipo de isolamento
político em função desse episódio?

N a ocasião manijèstei o meu repúdio a essa injustiça. Ele, como advogado, não
podia ser confundido com seus clientes. O que se buscava na época, salvo engano,
era identificar o fluxo do dinheiro desviado do Orçamento da União, insinuando
que daí proviriam os recursos para o pagamento de seus honorários - o que é
um cam inho absolutam ente inaceitável. Independentem ente das ofensas
lançadas durante o processo eleitoral, a visão da realidade não podia sofrer
obnuhilação naquilo que temos na conta de justo e correto.

2 A Lei d e Im p re n s a , c o n ju n to d e d isp o sitivo s legais q u e visav am o c o n tro le e strito s o b re os veículos d e


in fo rm a ç ã o , foi o b je to d a Lei n.° 5.250, d e 14 d e m a rç o d e 1967, v ig o ra n d o , d u r a n te to d o o p e r ío d o do
regim e m ilitar, c o n ju g a d a a o u tr o s dispositivos restritivos à a tiv id a d e d a im p re n s a , e sp a lh a d o s e m o u tra s
leis, atos in stitu c io n a is e decretos. Im e d ia ta m e n te apó s o fim d o reg im e, in sta lo u -se n o C o n g re ss o u m a
co m issão in te rp a rtid á r ia co m a ta refa de p r o m o v e r a re m o ç ã o da h e ra n ç a n o rm a tiv a d o re g im e m ilitar,
q u e fico u c o n h e c id a c o m o “e n tu lh o a u to r itá r i o ”. P osterio rm ente, c o m a co n v o ca ç ã o d a C o n s titu in te , o
q u e n ã o havia sid o a in d a re v o g a d o foi d ilu íd o , tra n s fo rm a d o e in c o r p o r a d o n o te x to c o n stitu cio n al d e
1988. Ver D H BB , op. cit.
3 A C P I d o O r ç a m e n to foi in sta lada n o C o n g re sso N acio nal e m fins d e 1993, c o m o o b je tiv o d e investigar
d e n ú n c ia s d e d esv io d e verbas federais do O rç a m e n to da U n ião . C o m o ficou d e m o n s t r a d o , d a C o m issã o
d e O rç a m e n to , d a q u a l era m e m b r o titu la r d esd e 1972, o d e p u ta d o Jo ão Alves, d o P a rtid o d a Fren te
Liberal (PFL-BA ), liderav a o e s q u e m a d e c o rru p ç ã o p o r m e io d a d is trib u iç ã o d e p ro p in a s p a r a os
d e p u ta d o s , e m tro c a de e m e n d a s in clu íd as n o O r ç a m e n t o e d a libe ra ç ão d e v erb as p a ra in stitu iç õ e s e
e m preiteiras. D u ra n te as investigações, e m 23 d e m a rç o d e 1994, João Alves r e n u n c io u p a r a ev ita r a sua
cassação. Ver D H BB , o p . cit.

•▲I 247
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

No que tange à questão das ameaças sofridas por advogados, o que é


uma constante na história brasileira, logo no início de seu mandato
foram assassinados Guerreiro Júnior, em Recife, Moura Lima, em
Tocantins, e Paulo Coelho, que havia acabado de entrar para o Conselho
Federal. Este último ocorrido acabou resultando em umaqueixa-crime
de um desembargador de Roraima contra o ex-presidente Marcelo
Lavenère. O senhor poderia nos explicar esse episódio?

Em primeiro lugar, desejo esclarecer que esta queixa-crime resultou em um


processo crim inal contra o desembargador também . O conselheiro Paulo
Coelho fo i assassinado antes de sua posse. Pelo que se apurou, ele teria sido
vítim a de u m complô em que, supostamente, estariam envolvidos o secretário
de Segurança de Roraima, um desembargador, além de outras autoridades.
O secretário de Segurança era filho do desembargador, que por sua vez era o
corregedor-geral da Justiça. Dá para imaginar o poder que eles tinham . Paulo
Coelho estava form ulando denúncias sobre a investidura do desembargador,
porque ele era originário do Ceará, era do Ministério Público de lá, e veio
pelo quinto constitucional dos advogados. Algo assim. Como represália,
portanto, ele teria sido assassinado. Fomos a Roraima e exigimos que os autores
do homicídio fossem responsabilizados e conseguimos, afinal, levar todos os
suspeitos a julgamento.

O processo foi iniciado ainda durante a gestão do d r. Marcelo


Lavenère?

O Marcelo iniciou este processo e eu dei continuidade. Ele tinha feito algumas
manifestações na imprensa acerca do assunto e começou a apontar na direção
correta. Disso resultou a tal queixa-crime feita pelo desembargador contra o
Marcelo, que teve a m im e ao Arnaldo Malheiros Filho como seus advogados
de defesa. A o fim e ao cabo, isto resultou no arquivamento do processo, até
porque o Marcelo falava a verdade.

N a OAB, a posição contrária à revisão constitucional era


massacrantemente majoritária, quase unânime.

248 màM
V o liim o / \ O A I ) n,i v o / d o s scu< Prc ^.i(k ’ titcs

A Carta de 1988 previa uma revisão constitucional dentro de cinco


anos, prevista, portanto, para 1993. De saída, a OAB se colocou
terminantem ente contrária a este processo, por considerá-lo
inconstitucional, sob a alegação da ilegitimidade do corpo de
deputados que havia sido eleito em 1990, sem mandato constituinte.
Esta posição era unânime dentro do Conselho ou havia divergências
a respeito desta matéria?

N enh u m a matéria em assembléia de advogados costuma ser unânime. Somos


forjados no contraditório, na contraposição de idéias. A dialética pressupõe a
tese, a antítese e a síntese. Então, é claro que sempre há antíteses. M as diria
que a posição contrária à revisão constitucional era m assacrantem ente
majoritária, quase unânime. Primeiro, pela razão técnico-jurídica que era a
falta de legitimidade daquele Congresso eleito em 1990. Segundo, do ponto
de vista político, a revisão constitucional era encomendada por aqueles que
queriam fazer os grandes negócios do século XX, as grandes fortunas sem
trabalho.

O senhor se refere ao processo de privatizações?^

Claro. O capital internacional estava ávido p o r engolir os segm entos


estratégicos que o Estado brasileiro controlava. Lembro quando as pessoas
me questionavam a respeito da privatização das telecomunicações, por
exemplo, afirmando que a expansão do mercado promoveria a diminuição
dos custos das tarifas e u m salto tecnológico no setor. Sem pre respondi
perguntando se o empresário se arriscaria a instalar um telefone público
deficitário em São Gabriel da Cachoeira ou em São Paulo de OHvença, no
interior do Amazonas. O Estado, em razão de sua finalidade social, faria
isso, ao contrário do empresário, cujo objetivo é apenas o lucro. Existem certos

4 P a rtin d o d o p rin c íp io d e q u e p a r a o alc an c e d a justiça social a e s tr u tu ra d o E sta d o b ra sile iro deveria ser
tra n s fo rm a d a , o g o v e rn o d e F e r n a n d o H e n riq u e C ard o so im p le m e n to u u m p r o g r a m a d e re form as
c o n stitu cio n ais q u e incluía, e n tre o u tro s p o n to s , a d e rru b a d a das b a rre ira s legais q u e im p e d ia m a e n tra d a
de capital e stra n g e iro em seto res estratégicos da ec o n o m ia na cio n al, c o m o a ex p lo ra ç ã o de p e tró le o e as
telecom u nicações. N a seq ü ê n c ia , pô s em p rá tic a u m pro c e sso de privatização d e e m p re sa s pú blicas, q u e
tin h a c o m o o b je tiv o d e cla ra d o a d im in u iç ã o significativa d a a tu a çã o d o E sta d o so b re a p ro d u ç ã o . Ver
D H B B , op. cit.

•ál 249
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

setores da atividade econômica, principalmente em u m país que se esforça


para se desenvolver, que precisam ser fomentados, estimulados, controlados e
supervisionados pelo Estado.

O senhor então considera esta perspectiva de diminuição do Estado


contrária a visão tradicional da Ordem?

Absolutam ente contrária à visão de justiça social que nós todos que dirigimos
a O rdem temos. É necessária e oportuna a intervenção do Estado para
neutralizar as diferenças e as injustiças sociais, estabelecendo igualdade de
oportunidades para todos e distribuindo rendas.

E como a imprensa reagiu a este posicionamento da Ordem,


contrário às privatizações?

A imprensa era, precisamente, u m dos setores mais interessados no processo


de privatização. Toda a sua face heróica dos anos de ch u m b o desaparecera
ante a perspectiva de bons negócios na área das telecomunicações. Tanto que
nós, da OAB, que nos opusemos a esse oportunismo mercantil impatriótico,
fom os vítim as de um a campanha impiedosa, sórdida mesmo, por causa dessa
posição. A Federação dos Bancos teria chegado a ajustar jornalistas para me
atacar. Os donos de jornais e revistas que desejavam entrar em novos negócios
em outras áreas das telecomunicações, com a privatização do setor, fizeram
até publicar que eu e Marcelo Lavenère invadimos o Congresso Nacional
durante um a sessão da revisão constitucional, o que nunca ocorreu.

O que ocorreu, de fato?

Estávamos, eu e Marcelo, na Procuradoria-Geral da República, conversando


com o procurador Cláudio Fontelles, encarregado de investigar o desembargador
de Roraima no episódio que já relatei. Tocou o telefone e, do outro lado da
linha, 0 senador Humberto Lucena, à época presidente do Congresso Nacional,
pediu-m e para que comparecesse ao Congresso, onde, dizia ele, os meninos da

250 •ái
V '( jlu n ) ( . ’ ()A I> Oci \ ( ) / f i o s s e u s l ' r ( ' s i ( l c n k ‘s

União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes


Secundaristas (UBES) estavam atirando objetos, moedas e notas de dinheiro
sobre os parlamentares. Ele fez um apelo para que eu conversasse com os
estudantes. Seguimos para lá efomos recebidos, no Salão Verde, pelos deputados
Vivaldo Barbosa eAldo Rebelo, dentre outros. No plenário, o presidente solicitou
que eu subisse até a mesa. Ele me cumprimentou e disse: “Batochio, eu queria
lhe pedir para que você interviesse junto aos estudantes porque senão serei
obrigado a suspender a sessão e usar a segurança para tirar esses jovens daqui.
Isso pode acabar em violência.” Tão logo respondi positivam ente, ele,
repentinamente, decidiu suspender a sessão. Dirigi-me ao local onde estavam
os estudantes e, quando tudo já parecia resolvido, um deputado por Minas
Gerais, Israel Pinheiro Filho, atacou-me: “Como éq u e esse cidadão entra aqui?
Para entrar aqui é preciso ter mandato popular. Ê preciso ter passado pelas
urnas.” Então, respondi: “Entrei porque convidado pelo presidente da Casa. Vá
questioná-lo." Ele chamou a imprensa e desde então começaram a escrever que
eu e Marcelo tínhamos invadido o Congresso Nacional para impedir a revisão
constitucional. O propósito era o de difamar.

E que veículos da imprensa publicaram esta notícia?

Saiu no Jornal Nacional, no Estado de S. Paulo, na Veja - que mesmo tendo


colhido a negação do ocorrido com o próprio H um berto Lucena acabou
publicando a outra versão - , dentre outros.

Houve mais algum desdobramento desta campanha da imprensa


contra o senhor e a Ordem?

Sofremos m u ita s infâm ias. O jornalista Luis Nassif, que escreve sobre
economia, redigiu um a série de artigos contra m im na Folha de S. Paulo/
“Pela ética na OAB - 1 ” “Pela ética na OAB - 2 ” e “Pela ética na OAB - 3 T
Ele fo i ouvir todos os adversários que derrotei, tanto na Associação dos
Advogados de São Paulo quanto na OAB de São Paulo, além do que eu derrotei
para a presidência do Conselho Federal. É claro que essas pessoas não estavam

5 Os a rtig o s a q u e o e n tre v is ta d o se refere d a ta m respec tiv a m e n te dos dia s 17, Í8 e 19 d e o u t u b r o d e 1994.

257
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

felizes comigo. M as mesmo sabendo que estava escrevendo inverdades, ele


publicou textos injuriosos a meu respeito. Foi, po r isso, condenado - pelo
menos esta é a situação no presente momento - a m e indenizar, conforme
decisão da Justiça.

A OAB o apoiava?

A poiava integralm ente. Todos os 2 7 presidentes estaduais fizera m um


manifesto de repúdio a esse jornalista e de apoio à m inha postura, junto com
0 Conselho Federal.

O senhor consegue identificar algum tipo de represália que possa


ter havido, posteriormente, por parte da imprensa, em relação à
sua pessoa e à Ordem, como conseqüência deste episódio?

Quando deputado federal, fu i um dos poucos parlamentares a se manifestar


contra o ingresso do capital estrangeiro nos meios de comunicação social. Isto
porque tal fato representa mais um atentado à identidade nacional. Logo, tal
audácia não passaria impune. A té hoje sofro um a espécie de censura branca
na imprensa. M eus artigos não são mais publicados, porque eu constaria de
u m tal index de indivíduos proibidos de veicular suas idéias. A continuar
este processo desenfreado de internacionalização dos meios de comunicação,
do entretenimento, da cultura e do lazer, meus netos possivelmente não irão
gostar de futebol, mas de baseball ou de rugby. Talvez o carnaval não seja
mais a grande festa nacional, mas quem sabe o halloween. Quando esta
proposta de emenda constitucional referente ao ingresso de capital estrangeiro
fo i ao Congresso Nacional,^ todos os donos, diretores de jornais e órgãos de
comunicação visitaram pessoalmente os lideres do Congresso Nacional. Eu
era vice-lider do Partido Democrático Trabalhista (PD T) e testemunhei. Em
razão disso, meus artigos passaram a repousar engavetados nas redações. Mas
0 que fazer? Prefiro ficar com a m inha consciência. Sou brasileiro. Opto pelo
compromisso com o meu país.

6 O entrevistado refere-se à em en da constitucional n.° 8, de 15 d e agosto de 1995, que alterou a Constituição Federal
de 1988, perm itin do o ingresso d e capital estrangeiro n o setor de telecomunicações. Ver DHBB, op. cit.

252
V o k in tc / A OAB n il \'o x d o s s c l i :> P re s id e n te s

Qual era a posição da Ordem no que diz respeito ao debate entre


parlamentarismo e presidencialismo?^

Essa questão não era pacífica na Ordem. Eu, p o r exemplo, sempre fu i


parlamentarista. E de certa maneira é uma ambigüidade resistir a uma consulta
popular que além de indagar sobre form a e sistema de governo, abriria espaço
a um a ilegítima alteração do quadro normativo básico da Constituição. Naquela
ocasião eu não queria tal plebiscito e não queria a reforma - queria, afinal de
contas, que o plebiscito se resumisse apenas à escolha entre monarquia ou
república e entre presidencialismo e parlamentarismo.

Ao fim e ao cabo, a revisão constitucional malogrou. O senhor


atribui este fracasso à reação da opinião pública, à ação da OAB
ou à crise de legitimidade daquele Congresso, devastado pela CPI
do Orçamento?

Sem dúvida, o desgaste da imagem daquele Congresso contribuiu para


deslegitimá-lo, mas se não tivesse havido a atuação da Ordem junto a esses
segmentos da sociedade civil, tenho a impressão de que a revisão teria passado
de qualquer maneira.

0 senhor assumiu a cadeira na Câmara dos Deputados em 1999.


Sua decisão de entrar na política partidária teve relação com o
período em que esteve à frente da presidência da OAB?

N a verdade, eu não pretendia entrar na política partidária. Fui convocado


para essa tarefa. O Leonel Brizola, presidente do meu partido, m e telefonou

1 D u ra n te os tra b a lh o s c o n stitu in tc s, c n trc 1987 c 1988, foi a p ro v a d a u m a e m e n d a d o d e p u ta d o C u n h a


Buenii, d o P a rtid o Social D e m o c rá tic o (PDS-SP), q u e p ro p u n h a u m plebiscito, ap ó s cinco an os da data
d a p r o m u lg a ç ã o d a C o n s ti tu iç ã o , p a r a q u e se d e cid isse p e la m a n u te n ç ã o d o s iste m a d e g o v e rn o
re p u b lic a n o o u p e la m u d a n ç a p a r a a m o n a rq u ia , Na ocasião, g ru p o s d e d e p u ta d o s q u e d e fe n d ia m a
im p la n ta ç ã o im e d ia ta d o regim e p a rla m e n ta ris ta, c q u e a ca b a ra m n ã o o b te n d o êx ito, a p ro v e ita ra m a
e m e n d a d e C u n h a B u en o p a ra in c lu ir n o plebiscito a co n su lta so b re a p e rtin ê n c ia d a m a n u te n ç ã o d o
regim e p residencialista o u d a m u d a n ç a p a ra o regim e p a rla m e n ta ris ta , ü plebiscito foi realizado e m 21
d e abril d e 1993 e o siste m a de go v e rn o re p u b lic a n o , c o n ju g a d o ao re g im e presidencialista, o b tiv e ra m a
g ra n d e m a io ria d o s votos. Ver D H B B , o p . cit.

•àM 253
_____________ Hi^fnriA Ha
Ordem dos Advogados do Brasil

àe N ova York e disse: “Eu preciso que você seja candidato.” Eu respondi: “Ah,
mas não tenho intenção." Ele disse: “M as o país precisa. Você nasceu rico?”
Eu respondi que não, ai ele arrematou: “Você não estudou em escola pública?”
respondi afirmativamente. “Então Você deve isso ao seu país”, completou ele.
Fiquei então de pensar. No últim o dia do prazo de inscrição no partido, à
vista das eleições do ano seguinte, ainda em 1997, ele me telefonou: “Estou
m andando duas pessoas aí. Receba-as, por favor.” Veio então o presidente do
partido no estado de São Paulo, colocou a ficha de filiação diante de m im e
falou: “O governador Brizola pediu para você assinar.”Fiz o meu p a p el Recebi
nota m áxim a nos quatro anos do meu mandato, segundo o Diap.^ Acho que
fu i um dos poucos deputados em primeiro mandato que recebeu essa avaliação.
Estou em p a z com a m inha consciência e com o meu país.

A mudança do Estatuto veio se adequar a uma nova fisionomia da


advocacia.

Junto com a revisão constitucional, o novo Estatuto da Ordem® foi


um dos temas centrais durante a sua gestão. É possível afirmar que
o objetivo primordial dessa reforma estatutária foi se adequar à nova
realidade do advogado assalariado?

Sim, não resta dúvida. O Estatuto anterior era de 1963 e o perfil da advocacia
que ele contemplava era ainda o do profissional liberal clássico. A advocacia
pública e a assalariada eram praticamente inexistentes. Enfim, a prática da
advocacia havia evoluído, avançado, e era preciso regrar o seu exercício em
regime assalariado, era preciso regrara advocacia pública, sujeita aos vínculos
com 0 Estado, mas subordinada deontologicamente à OAB.

8 O D e p a r ta m e n to In tersind ical d e Assessoria P a rla m e n ta r, id ealizad o p elo a d v o g a d o tra b a lh is ta Ulisses


Riedel d e R esende, foi f u n d a d o em 19 de d e ze m b ro de 1983, p a ra a tu a r j u n l o aos p o d e re s da R epública,
e m especial n o C o n g re ss o N acional, c o m o fo rm a d e c o n tr ib u ir p a ra a in s tru m e n ta liz a ç ã o das classes
tra b a lh a d o ra s na c o n q u ista d e su as reivindicações con se nsuais. A e n tid a d e é c o n stitu íd a , hoje. p o r cerca
de 900 o rga niz a çõ e s sindicais d e tra b a lh a d o re s. D isponível e m h ttp ://w w w .d ia p .o rg .b r.
9 So b re o ass u n to , ver ta m b é m en tre v ista d e M arcelo Lavenère M ac h a d o , neste vo lum e.

254 •â m
V o liin ií,' A ( ) \ l) n a \ ( ) / d o s sci i > l ’ i ( ' s i c l r n U ' s

Mas isso não é difícil?

Sim, mas o fato de o médico legista ser um médico do Estado, funcionário


público, não impede que ele se sujeite ao estatuto da ética médica em geral.
Estes compromissos devem estar sempre claros porque servir ao Estado não é
servira um governo. Por outro lado, a Constituição de 1988 garantia à Ordem
legitimidade para um a série de medidas judiciais de caráter público, como,
por exemplo, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Era preciso fazer esse
ajuste. Aproveitamos então para enunciar os deveres coletivos dos advogados
em relação à comunidade, à sociedade, o seu compromisso com o Estado
democrático de direito, com os direitos humanos e com a justiça social. Este é
0 legado para tornar as fu tu ra s gerações de advogados conscientes de
merecerem o prestigio que sustentaram todos os m ovim entos libertários e
sociais no Brasil.

Então é possível entender que havia uma razão mais pragmática na


mudança do Estatuto, no sentido de atender às mudanças que se
efetuaram no mercado de trabalho dos advogados?

Não gosto da expressão “mercado de trabalho”. Ademais, havia a necessidade


de se fixar os compromissos do advogado. Digamos que a mudança do Estatuto
fo i para adequar as normas de incidência a um a nova fisionomia da advocacia,
que havia criado braços que precisavam de regulamentação. M as nesse
trabalho acabamos arrumando um outro inimigo, que é o setor de bancos.

Por quê?

Em razão de havermos tentado estabelecer que o advogado assalariado, quando


tivesse sua causa ganha, recebesse da parte condenada os honorários de
sucumbência. Estes honorários pertencem ao advogado e são um a honra pelo
trabalho que exerceu. E os bancos, o que fizeram, já que vinham embolsando
essa verba honorária do advogado? O setor se insurgiu e estimulou o ingresso,
no Supremo Tribunal Federal, de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

•àM 255
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

O fato de a Câmara dos Deputados se ocupar da discussão e


aprovação do Estatuto da Ordem, que por excelência é a instituição
reguladora da atividade dos advogados, não garante, no seu
entender, um lugar privilegiado à profissão?

Veja bem, Aristóteles enunciou o princípio da divisão dos poderes do Estado


como fo rm a de neutralizar a tirania. Essas idéias foram retomadas no
ílum inism o p o r Charles-Louis de Secondat, o Barão de M ontesquieu e de La
Brède. Daí, então, o princípio do recíproco controle dos poderes, checks and
balances, freios e contrapesos. Legislativo, Executivo e Judiciário são os três
poderes, portanto, em que se divide a soberania. O Judiciário tem como função
aplicara lei aos casos concretos e compor os conflitos de interesse da sociedade
segundo a vontade geral - no mais puro conceito rousseauniano - expressa
na lei. Os juizes, no entanto, não fazem isso sozinhos, eles não são o Poder
Judiciário. Os juizes são parte dos atores da cenajurisdicional, que é composta
ainda pelos advogados, pelo Ministério Público e p o r outros auxiliares da
Justiça. Então, se não houver advogados, não existe julgamento. N a jurisdição
civil os romanos nos ensinaram que o ju iz tem de ser neutro. Eles instituíram
um princípio processual chamado “princípio dispositivo”, ou seja, o ju iz não
pode agir por iniciativa própria, ele precisa ser provocado, e quem provoca a
jurisdição são as partes form ais do processo. Logo, sem advogado não há
dinâmica jurisdicional. Em suma: sem advogado não há julgamento, sem
julgam ento o Poder Judiciário é um a inutilidade - esplêndida, é verdade,
mas ainda assim um a in u tilid a d e -e se o Poder Judiciário não funciona, não
existe 0 Estado de direito, não existe a democracia. Está armado o silogismo.
Conclusão: sem advogado, não há democracia. N ão há privilégio algum, a
verdade é que o advogado exerce fim ção pública em ministério privado. É
integrante de um dos poderes da República e, como tal, precisa ter regulada
por lei a sua atividade.

Como era o relacionamento da OAB, do senhor pessoalmente e


do conselheiro Paulo Lobo, que foi o relator do Estatuto, com o
então deputado Nelson jobim , que era o relator do projeto na
Câmara?

256
V ()lu n u ‘ A O A B na v o / d o s seus P ii-s id c n lc s

Inicialmente, o relator do projeto de lei referente ao Estatuto, na Câmara, era


UJysses Guimarães.'^ Com o seu falecimento, Nelson Johim, que era advogado e
parlamentar, dispôs-se a assumir essa tarefa. Todos nós da OAB trabalhamos,
inclusive, para que ele assumisse a relatoria, porque tínhamos pressa na tramitação
e ele era da área. Mas o relatório não saía. Isso gerou uma indisposição entre ele
e 0 Marcelo Lavenère. E eu também, já como presidente, tive, certa vez, uma
conversa não muito cordata com ele. Eu disse: “Deputado, o senhor está com o
projeto, 0 senhor quis ser o relator, nós concordamos, aehamos um a boa idéia,
mas não seria possível que o relatório viesse em breve?”Acho que falei duas ou
três vezes com ele. N um a delas, eu disse alguma coisa sobre boa vontade em
relação ao projeto, e ele não gostou. Mas depois, dissipou-se o mal-entendido. Foi
apenas, de nossa parte, uma certa ansiedade. E, da parte dele, deve ter havido
mesmo um acúmulo de compromissos parlamentares. Enfim, coisas do processo
legislativo, cujas dificuldades pude experimentar mais tarde.

O senhor concorda com a avaliação de que boa parte das severas


críticas feitas ao projeto do novo Estatuto, por exemplo, adjetivando-
o de corporativista, tinham como motivo concreto menos o próprio
Estatuto e mais uma tentativa de reação aos posicionamentos da
Ordem a favor do impeachment e contra o processo de privatização?

N ão resta dúvida. Represália organizada.

E como se defender de um ataque que declara publicamente um


determinado alvo, mas em verdade objetiva outro?

Ê um duplo esforço, claro, mas tomei a iniciativa e disse claramente: “Olha


aqui, esse jornalista foi designado para promover um a campanha contra o
Estatuto, contra a OAB e contra a m inha pessoa". Ele chegou a criticar o fato de
que eu era um advogado criminal. Ora, sou advogado, a m inha especialidade é
a advocacia criminal, sempre foi. Ele escreveu assim: “Um advogado criminal
vive de defender delinqüentes, pessoas que cometem crimes, narcotraficantes...”

10 In fo rm a ç õ e s dis tin ta s so b re o m e s m o a s s u n to p o d e m ser en c o n tra d a s n a en tre v ista d e M arcelo Lavenère


M ac h a d o , neste vo lu m e.

•41 257
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

N unca d ^ e n d i narcotraficante em m inha vida. Como advogado criminal


defendi várias pessoas, desde bóia-fria até ministro de Estado, nunca m e furtei
ao dever ético de defesa. N enhum receio me fez desertar do dever de m anter o
ser hum ano sob o abrigo da lei, seja o que quer que tenha feito.

E quais eram os itens que a Associação de Magistrados achava que


deveriam ser vetados no Estatuto que acabava de ser aprovado?

A Associação cometeu uma grande injustiça com a Ordem dos Advogados do


Brasil. Ela enviou um a proposta de veto com 12 itens para o presidente da
República, que recusou todos. Entre eles estava o fim do poder dos juizes de
prender advogados por seus atos e palavras. Sempre tive um a visão de que no
Brasil, ao contrário do que dizia Bertold Brecht,’' a verdade é filh a da
autoridade, e não do tempo. Nosso processo de colonização sempre sugeriu um
culto exagerado à autoridade pública, quando em verdade o culto deve ser à lei
que abriga os valores. Em nen h u m lugar do m undo autoridade é mais
autoridade que no Brasil. Em razão disso, vivíamos - e vivemos ainda - um
conflito no exercido da advocacia, que é o dever ético de levar a verdade aos
tribunais para fazer prevalecer a Justiça, doa a quem doer, ainda que doa ao
juiz. E quando isso acontecia, como no caso de o ju iz estar peitado pela outra
parte, qual deveria ser o dever do advogado da parte lesada? Denunciar. Mas
sempre que isso ocorria, lançava-se mão do clássico “Teje preso”. Tínhamos de
resolver essa equação. Ora, é um a questão axiológica: o advogado tem de
respeitar a autoridade em detrimento da verdade ou ele tem o dever de levar a
verdade em detrimento da autoridade? Pesemos os valores. Cheguei à conclusão
de que, axiologicamente, é mais importante, socialmente, que o advogado fale
a verdade e que a Justiça se realize. Por isso é que sugeri no Estatuto um
dispositivo no sentido de que o advogado é inviolável p o r seus atos e
manifestações no exercido da função.

Os juizes certamente recorreram ao Supremo?


11 D r a m a tu r g o alem ão (1898-1956), c ria d o r d o te a tro épico, c o nsid erava o te a tr o u m in s tr u m e n to capaz de
d e s p e r ta r a c o n sc iê n c ia p o lític a d o s esp e c ta d o re s. E m 1933 a d e r iu d e fin itiv a m e n te a o m a r x is m o e
a b a n d o n o u a A le m a n h a nazista, viv end o n o e x te rio r até 1949. N e ste a n o , fixou residência e m Berlim
O rie n ta l, o n d e , sete ano s m ais ta rd e , veio a falecer. Ver G ra n d e E nc ic lop é d ia L arousse C u ltu ra l, op. cit.

258 •ál
V o lu m e , , A ( ) A i > 11,1 v o / ( i o s s r i i s I V t - s i í i c i i t c s

Obtiveram deferimento de lim inar no STF.

Houve algum outro dispositivo contra o qual eles se insurgiram?

Sim, houve outro dispositivo que dispunha: ‘'Nos julgam entos de órgãos
colegiados, o relator dá seu voto e em seguida a palavra será dada ao advogado
para que faça a sua defesa, a sua sustentação.” E hoje é diferente, o advogado
fa z a sustentação e depois o relator dá o voto. Quer dizer, o advogado tem de
adivinhar quais serão os argumentos do relator. Tínham os invertido isso na
proposta do Estatuto para que o advogado pudesse se manifestar após o relator,
apenas para que fosse possível apontar o que não estivesse certo no voto do
relator M as novamente eles lograram suspendera vigência desse dispositivo.

Nossa entidade transcende aos homens.

A tensa relação com a magistratura ficou mais do que evidente no


seu discurso na Conferência em Foz do Iguaçu. O senhor lançou
farpas ao dizer que da mesma maneira que os advogados já haviam
defendido os juizes no tempo da ditadura, agora defendiam as
prerrogativas da sua profissão. Este conflito deixou marcas na relação
da Ordem com o judiciário?

Todos nós, advogados, nos sentimos profundamente amargurados e injustiçados


com essa reação da magistratura brasileira. Algo que não afetaria a eles, apenas
essas questões de falar depois, falar antes, o advogado ter o direito de se expressar
livremente, e só. Penso que quem procede corretamente não dá motivo para
censura, não tem o que temer na palavra do advogado. Aliás, quem teme o
advogado são os tiranos. N ão há sentido em calar a voz do advogado. Isso se dá
em função de uma noção exacerbada de auto-estima institucional É o princípio
da autoridade intangível, intocável, absolutamente olímpica. Precisamos mudar
isso no Brasil. Olímpicos são os valores: ética, trabalho, democracia, liberdade,
justiça social, solidariedade. Estes, sim, são valores intocáveis.

259
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

Não foi por acaso, então, que o tema da XV Conferência Nacional,


sob a sua presidência, versava sobre ética e democracia?

Foi um a sugestão pessoal e estava ligada a fatos recentes e futuros, tendo em


vista a necessidade de consolidação da nossa democracia. A té hoje, o processo
eleitoral brasileiro se ressente de vícios que tisnam a nossa realidade
democrática. Todos sabemos das deformidades, das patologias do processo
eleitoral, do comportamento dos agentes da autoridade pública. Precisávamos
en tã o c h a m a r a atenção da sociedade p a ra a necessidade de u m a
transformação ética, como também para o fato de que ela é a responsável
prim eira pelas deformidades ocorridas no processo eleitoral. De que maneira?
Elegendo corruptos, flibusteiros, mistificadores, enfim , toda a sorte de
manipuladores da opinião pública. Foi, em verdade, um grande grito cívico.

E por que a Conferência foi realizada em Foz do Iguaçu?

Porque havia o problema dos '‘brasiguaiosV^ Entendia que daquele ponto


de atrito do território nacional era de onde, justam ente, devíamos chamar a
atenção para a necessidade da prevalência do direito, dos valores estabelecidos
na lei - e vê-se hoje que estávamos certos.

Qual o peso de um presidente mais vigoroso na definição dos


rumos da Ordem?

H á presidentes vigorosos e há presidentes m enos vigorosos. Q u a n do o


presidente é vigoroso, a repercussão coletiva interna é maior, ele empolga, há
um amálgama que cimenta a solidariedade de todo o Conselho. Mas nenhum
presidente pode ter a pretensão de ser o reitor do entendimento, da orientação,
porque a nossa entidade é fundam entalm ente plural.

12 N o m e a tr ib u íd o a u m a parc ela do s m ig ran te s do sul d o Brasil, n a sua m a io r p a rte co n stitu íd a de famílias


d e ag ric u lto re s o riu n d o s d o oeste do Paraná, q u e desd e a d é c a d a de 1940 - m a s c o m m a i o r inte n sid ad e
a p a r tir d a d é c a d a d e 1970, em fu n ç ã o d o pro c e sso d e m o d e rn iz a ç ã o d a a g ric u ltu ra brasileira e da
c o n stru ç ã o d a H idrelétrica d e Ita ip u - r u m a m em dire ç ã o às regiões in te rio ra n a s d o Paragu ai, in serin d o -
se n o m e rc a d o de tra b a lh o d o país c o m o tra b a lh a d o re s ru rais. Ver M iria m H . Z aar, A m ig raç ã o ru r a l no
o e ste p a ra n a e n s e / Brasih a trajetóriã d o s “ brasig uaios” Scripta N ova - R evista Elec tró n ica d e Geografia
y C iências Sociales, Barcelona, 2001. D isponível em : h ttp ://w w w .u b .e s /g e o c rit/sn -9 4 -8 8 .h tm .

260
V o liiin i' 7 / \ OAI-; na V07 d<is srus Prc'sidc'nlc's

O senhor então identifica um equilíbrio entre o vigor das ações de


indivíduos e o peso simbólico da tradição da instituição na definição
dos seus rumos?

Sim, é um a troca. H á um mito segundo o qual a cadeira da presidência da


OAB não pode ser engrandecida por nenhum talento que a ocupe. M as ela
m uito acrescenta a quem quer que nela se sente. Dela em ana um a chama de
ideais, um a importância cívica, que é fenôm eno quase mágico. Você pode
tomar um advogado politicamente anódino,e sentá-lo na cadeira de presidente
da Ordem e você o verá crescer. Se elejá trouxer no seu interior aquela centelha
cívica, isso vai desabrocharem ação vigorosa, que levará a Ordem nas grandes
arenas. Se ele não tiver a chama interior, a cadeira se encarrega de transmitir-
lhe todo 0 legado dos antecedentes. É realmente fantástico.

Legado este que remonta ao Brasil imperial.

Sim, evidente. Veja a Abolição. Q uem escreveu Navio Negreiro? Castro Alves,
um baiano que estudava em São Paulo, aqui na Faculdade de Direito. Ou,
então, A n d ré Rebouças, Joaquim Nabuco. Você vai encontrar sempre
advogados ou estudantes de direito brilhantes, seja no Im pério ou na
República. Durante o Estado Novo, quem gritava por liberdade? Os estudantes
de direito, os advogados. A luta contra a ditadura militar, pela Constituinte,
por eleições livres, diretas e em todos os níveis. A luta pela ética na política, o
im peachm ent de Collor, nós de novo. O Brasil deve m uito aos advogados, que
lutaram sempre contra um a elite dirigente parasitária.

Como herança da minha gestão à frente da Ordem guardo cicatrizes


cívicas.

Qual o balanço que o senhor faz de sua atuação à frente da Ordem?

2 67
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

É, sem dúvida alguma, um a honraria imensa presidir a Ordem dos Advogados


do Brasil, um a entidade a quem a história de nosso pais tanto deve. Ê uma
honra tão grande que poucas outras a ela se comparam, é um privilégio. É
posto de sacrifício, de lutas, os espíritos acomodatícios não devem pretender
essa função. Diria que foi muito gratificante. Tenho muitas cicatrizes cívicas
por ter conduzido, com fidelidade, os destinos da entidade. Acho que muitos
reparos certamente podem serfeitos à minha gestão, porque um a gestão é sempre
obra de mãos humanas - portanto, imperfeitas. M as um a coisa eu tenho
impressão que não se pode dizer da m inha gestão: que ela tenha sido omissa. A
Ordem esteve presente em todos os campos de luta, desde o corporativo - no
bom sentido no institucional, no político-institucional, enfim, em todas as
arenas. A Ordem dos Advogados do Brasil, na m inha gestão, penso, não deixou
cair 0 seu ideário, e isto é profundamente compensador.

E qual a comparação que o senhor faria entre a OAB do momento


de sua gestão e a de hoje em dia?

Estamos vivendo um momento de normalidade democrática, de regularidade


política. Vivemos um a tranqüila transição, com um candidato progressista
que venceu a eleição para a presidência da República. Então, esse cenário
reduz um pouco o campo de atuação institucional. N ão fo i o meu caso, não
fo i 0 caso do Marcelo. Talvez tenha sido o caso do Ernando, talvez tenha sido
0 caso do Ophir. Mas são os momentos da vida político-institucional do país
que ditam a sinergia da atuação. O m om ento hoje é mais voltado para o
exercício profissional. As vezes a personalidade do presidente, a sua eloqüência,
0 seu vigor, m odulam um pouco para cima ou um pouco para baixo. Mas o

fa to r determ inante é realmente o m om ento histórico. Penso que o atual


mom ento da advocacia é um momento de crise. N o dia-a-dia, os advogados
não têm merecido o respeito a que fazem ju s po r parte das autoridades.

Como de praxe, a palavra final é sua.

Suponho que poderíamos encerrar esta entrevista lembrando que o momento


que vivemos, nacional e internacionalmente, é de um a preocupação aguda

262
Volume 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

Batochio, presidente do Conselho Federal da OAB, discursando na I h io n Iberoam ericana


de Colégios y Agrupaciones de Abogados {UIBA) - Fortaleza-Ce, m arço de 1995.

263
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

com a criminalidade, sobretudo com a criminalidade econômica. Isto exige


da Ordem dos Advogados do Brasil, e de todos os advogados do mundo, que
lutem pela manutenção das conquistas democráticas, das liberdades públicas
e individuais, para que não sejam invadidas por instrumentos que, a pretexto
de com baterem a violência e a crim inalidade, acabem p or elim inar as
franquias que a hum anidade assegurou a duras penas. Vi com preocupação,
na Itália, o Ministério da Justiça mandar mensagens ao Congresso suprimindo
liberdades e garantias processuais. Com espanto verifiquei que a legislação
procedimental francesa também está avançando sobre garantias seculares.
Nos Estados Unidos, então, a privacidade desapareceu, as garantias relativas
à liberdade pessoal sobretudo em relação aos estrangeiros, foram suprimidas.
E no Brasil, sob o contexto da criminalidade violenta, começamos a observar
um a tendência que vai se infiltrando na opinião pública pelos conceitos, pelo
terror que escorre dos aparelhos de televisão, dos meios de comunicação social,
levando o povo à crença de que com instrumentos de força, com supressão de
g a ra n tia s, com e n d u r e c im e n to exagerado, p o d e re m o s c o m b a te r a
criminalidade. Isto, infelizmente, é um a realidade de duas faces. Se de um
lado pode ser usada para combater esse inimigo terrível da sociedade, de outro
serve para desnutrir o patrim ônio hum ano das conquistas de liberdade e de
privacidade. Oxalá os advogados brasileiros estejam preparados para mostrar
à sociedade os inconvenientes dessa linha de atuação, lembrando-os de que
os povos que ignoram a história repetem as suas tragédias. Aftnal, quem
entrega suas liberdades em troca de segurança acaba sem as duas.

264 9Ál
Volum e 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

«tál 265
______________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

’-“Vi.

E rnando Uchoa, presidente do Conselho Federa! da OAB, entrega M edalha Ruy Barbosa a
Barbosa Lima Sobrinho.

266 •Al
V o lu m e 7 ,\ ()Ai5 11,1 VI) / dos si'Lis l^K'sidcntcs

Ernando Uchoa Lima

E n tre vista do ra s: M a rly M o tta e C a b rie la N e p o m u c e n o


D ata da entrevista; 17 /m a r/200 3
L o c a l d a E n tre v ista : Sede da OAB (Brasíiia-DF)
D u r a ç ã o : 2 h . e 45 m in.

267
______________ História da
O r d e m dos A dvogados d o Brasil

O presidente da Ordem, para se dedicar à instituição como é


necessário, praticamente tem de deixar tudo.

Quando e em que faculdade o senhor se formou?

Eu me form ei pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará,


em 1959, e concluí o curso de pós-graduação, na área de criminologia, em
1961. Obtive tam bém os diplomas de bacharel e licenciado em filosofia,
respectivamente em 1955 e 1956, pela antiga Faculdade Católica de Filosofia
do Ceará.

Quando o senhor ingressou no Conselho Federal da Ordem?

Foi no início dos anos 1990, porque eu já era conselheiro federal quando fu i
eleito vice-presidente na chapa do Batochio, em 1993. Fiquei como vice até
1995, quando me tornei presidente da Ordem. Aliás, fu i o primeiro presidente
a ter um mandato de três anos, em função da mudança do Estatuto que
ocorrera em 1994.

Houve alguma discussão interna na Ordem a respeito do aumento


do mandato de dois para três anos?

O que se pensava, em face da própria experiência, é que dois anos eram


insuficientes. É para o presid en te u m sacrifício im enso. A in d a que,
evidentemente, não haja glória maior na vida de um advogado do que ser
presidente da Ordem. Há pouco tempo, num a entrevista a uns jornais do Ceará,
m e perguntaram o que eu tinha mais orgulho de ter sido: secretário de estado
ou senador.' Eu disse: “M inha maior glória, a maior honra da m inha vida, foi
ter sido presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.” Naturalmente sem
desmerecer os postos elevados que ocupei. M as a honra, a alegria, a felicidade,
' A lém d e diversas vezes secretário da prefeitura de Fortaleza e d o g o v e rn o d o esta d o d o C eará, desd e a década
de 1960. o e n tre v is ta d o exerceu d u r a n te p a rte d o a n o d e 1978 u m m a n d a to d e s e n a d o r, pela Aliança
R e n o v a d o ra N a cio n a l (A ren a), em s u bstituiçã o a W ilson G onçalves, q u e a ss u m ira u m a vaga n o antig o
T rib un a l Federal d e R ecursos. (In form a ç ões fo rnecidas pe lo en tre v istad o ).

268 •àM
V o k in x ' , \ ( ) . \ R 11(1 v o / d os sc’Lis Prc'si(l(‘nk's

0 orgulho mesmo que tenho é de ter sido presidente da m inha instituição. Agora,
naturalmente que o presidente da Ordem para se dedicar à instituição como é
necessário, ele praticamente tem de deixar tudo. Eu abandonei a advocacia
durante o tempo em que fu i presidente, porque não havia maneira de conciliar
a atividade profissional com os trabalhos da Ordem e as constantes viagens por
este Brasil afora, visitando seccionais, subseções, indo a congressos, participando
de encontros de advogados nos mais distantes rincões do país e tudo mais. Fiquei
afastado de qualquer atividade por cinco anos, se somarmos o período em que
fu i vice-presidente na gestão do grande presidente Roberto Batochio, que contou
com a m inha colaboração diutum a.

É necessário este deslocamento intenso do presidente pelas


seccionais?

O presidente não pode se isolar, ficar insulado aqui em Brasília, no Conselho


Federal, na presidência. É preciso que as seccionais sintam a presença do
Conselho Federal lá no seu estado. Geralmente, todo presidente adota este
comportamento.

Como ficam as finanças pessoais diante da necessidade de se


abdicar, praticamente, durante os anos de mandato, das atividades
profissionais propriamente ditas?

É grande 0 prejuízo financeiro que se tem. Hoje, por exemplo, você paga para
ser presidente da Ordem. M uita gente não entende e imagina que há um
pró-labore ou que se ganha alguma coisa. Nada, absolutamente nada. Eu me
recordo até de um fato que aconteceu comigo, quando encontrei, certa vez,
um advogado já veterano, lá do Ceará, que me disse: “Ernando, me diga um a
coisa: cada vez que assisto na televisão ou ouço no rádio alguma notícia sobre
a OAB está lá você. Você tem cara de OAB. M as me diga um a coisa: quanto
você ganha na OAB para se dedicar tanto?” Eu então agradeci pelo elogio e
respondi: ''Rapaz, não ganho nada."'Ele então ficou surpreso com m inha
resposta e falou: "Você não ganha nada? Então deixe isso."' A í eu respondi:
“Olhe, se todo advogado pensasse como você, a nossa instituição nem existiria.”

•àM 269
______________ Historia da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

É m uito comum os presidentes da Ordem ocuparem antes a


secretaria-geral ou a vice-presidência da Ordem. Há uma cultura
institucional que privilegia na composição das chapas os vice-
presidentes e os secretários-gerais?

Não, não há. O que acontece é que um vice-presidente ou secretário-geral


que realiza com dedicação e descortino a sua função, naturalmente se destaca,
adquire maior projeção e se credencia a ser candidato à presidência da Ordem.
Mão é um a candidatura nata, haja vista que alguns presidentes não passaram
antes pela vice-presidência nem pela secretaria-geral.

Presidir uma seccional também pode ser importante para credenciar


a disputa pela presidência da instituição?

Sim. Eu mesmo fu i duas vezes presidente da m inha seccional, no Ceará. Isso,


naturalmente, ajuda a divulgar o seu nome, p or exemplo, nas reuniões do
Colégio de Presidentes. Geralmente os presidentes de seccionais participam
das reuniões do Conselho Federal também. Então se cria um entrosamento.
N o meu caso, eu já vinha de um passado de lutas na Ordem em torno de
assuntos ligados aos interesses dos advogados, fazia parte da Comissão de
Direitos Humanos, mesmo antes de presidir a m inha seccional.

A supremacia masculina no Conselho Federai e na diretoria tem


sido natural.

A sua diretoria foi a primeira a ter uma mulher como membro?

Sim, exatamente. Foi a dra. M arina Beatriz Magalhães, do Rio Grande do


Sul, como secretária-geral adjunta.

Uma coisa intrigante éJustamente a pouca presença feminina na


estrutura de poder da Ordem, seja na diretoria ou mesmo no

270 «áB
X ^ o lu in c / A n.t \( )X d o s s c i i s I ’ lC 'sid i’ itli's

Conselho Federal. Sendo a OAB uma entidade tão liberal, como se


pode explicar esta situação?^

N ão há, posso lhe garantir, nenhum preconceito em relação à mulher. Esse


quadro vem mudando, mas o que sempre houve fo i um a participação pequena
das colegas na política da OAB. Votavam, mas não faziam política dentro da
Ordem, não se integravam bem dentro da Ordem. Dessa form a, fo i natural
até agora a supremacia masculina na composição do Conselho e das diretorias.

O senhor acha que a disponibilidade de tempo, no caso da mulher,


em função de um modelo de estrutura fa m ilia r que ainda a
sobrecarrega, de uma maneira geral, poderia se constituir em um
impedimento a uma participação mais efetiva na política interna
da Ordem?

Uma certa falta de vocação política, que ultim am ente vem melhorando, é
um a das causas. Mas, sem dúvida, a questão da disponibilidade de tempo
pode ser outro motivo também. A colega, além do trabalho do escritório,
tendo que cuidarão lar, do marido, dosftlhos, não dispõe de tempo suficiente
para essas questões internas da Ordem.

Durante a Conferência de Fortaleza, sob a sua gestão, foi criado o


Colégio Brasileiro das Mulheres Advogadas, que deveria a princípio
servir como um órgão consultivo, o que acabou não acontecendo.
Por quê?

Fui um dos defensores da criação desse Colégio porque entendi que seria mais
um a força a impulsionar as atividades da Ordem. E as colegas que lutavam
em prol de tal iniciativa eram idealistas, apaixonadas pela OAB, queriam
realizar um grande trabalho e essa colaboração não deveria ser desprezada.
Por isso foram prestigiadas na m inha administração. M as nem todos os
conselheiros federais estavam de acordo com a criação do referido Colégio e

^ S o b re a p a rtic ip a ç ão fe m in in a n a p o lítica in te rn a d a O rd e m , ver ta m b é m e n tre v is ta d e R u b en s A p p ro b a to


M ac h a d o , n este v o lu m e.

#Á# 271
______________ H istória d a
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

eu respeito as opiniões contrárias, mesmo porque o Conselho Federal é a casa


da democracia e da liberdade.

Mas por que o Colégio foi rejeitado?

Porque não estaria previsto no Estatuto. M as como era u m órgão de


assessoramento, tanto que hoje ainda nós temos a Comissão da Mulher, recebeu
todo 0 meu apoio. Havia um outro argumento contrário que condenava a
questão do gênero, o que poderia abrir o precedente para um a gama infinita de
ramificações e grupos, pondo em risco a representação dentro do Conselho.

A OAB foi consensualmenfe contrária às reformas constitucionais.

A OAB foi fortemente contrária às reformas constitucionais propostas


desde os momentos iniciais do governo Fernando Henrique
Cardoso.^ Esta foi uma posição consensual dentro da Ordem?

Sim. Cumpre observar, no entanto, que a OAB nunca fo i contrária às reformas


constitucionais, desde que estivessem em consonância com os interesses
nacionais, os postulados democráticos e os cânones constitucionais, em um a
palavra: com o Estado democrático de direito. Tal, porém, não acontecia com
as propostas do governo Fernando Henrique, e d a í a oposição da Ordem.
Este posicionam ento tinha o respaldo da douta Comissão de Estudos
Constitucionais, integrada por personalidades importantíssim as da vida
jurídica do país, como, por exemplo, Paulo Bonavides, Paulo Lopo Saraiva,
José Afonso da Silva e Carm em Lúcia A n tu n es Rocha. Sem pre que um a
matéria épolêmica, de natureza constitucional, ela é remetida à mencionada
Comissão, cujo parecer é submetido ao crivo do Pleno. Com base nisto posso
dizer que havia um consenso contra aquelas reformas. Aliás, devo aduzir,
por oportuno, que no meu discurso de posse na presidência do egrégio Conselho
Federal ressaltei a importância e urgência de reformas constitucionais, mas
não, evidentemente, nos moldes pretendidos pelo governo Fernando Henrique.

^ S o b re a p o sição d a O A B d u ra n te o p rim e ir o gov ern o F e rn a n d o H e n riq u e C a rd o so , ver en tre v ista d e José


R o b e rto B ato ch io , n este v olum e.

272
V o lu m e , A G A B nd \'()x (In s <('us I ’ K ^ ^ i fl c n i c s

Houve ainda a criação da Comissão de Acompanhamento da


Reforma Constitucional^ De que maneira ela atuava?

Ela era integrada pelo inolvidável Evandro Lins e Silva, por M arília M uricy
epor Sérgio Sérvulo da Cunha. Nós tínhamos reuniões permanentes, de modo
que 0 que eles acom panhavam era discutido com a presidência e com o Pleno.
A inda hoje, por exemplo, um a Comissão de Acom panham ento Legislativo
atua, por meio de um conselheiro nosso, ju n to à Câmara dos Deputados e ao
Senado, no que diz respeito à tramitação de projetos de interesse nacional ou
que tratem especificamente da OAB.

Deste conjunto de reformas, entre as quais se encontravam a


tributária, a administrativa e a previdenciária, sem falar na própria
reforma do Poder Judiciário, qual delas, segundo a ótica da Ordem,
ameaçava mais fortemente os preceitos constitucionais?

Havia determinados aspectos de todas essas questões contra as quais nós nos
manifestávamos, em alguns casos até por unanimidade. Recordo-me que a
OAB reagiu m uito fortem ente em relação à reforma da Previdência, por julgar
até mesmo inconstitucional a exigência de contribuição do aposentado, pois
este já havia contribuído ao longo do seu tempo de serviço.

Qual das reformas o senhor considerava indispensável?

Eu sempre defendi um a reforma política para acabar com as mazelas que


ainda hoje existem, como, por exemplo, em relação à questão da fidelidade
partidária. É um a vergonha o que ocorre hoje em dia: um parlam entar se
elege e no mesmo dia ele m uda de partido. H á pouco tempo vi pela televisão
um caso absurdo, que citei até n um artigo que escrevi para o jornal O Povo,
de Fortaleza, sob o título de “Trânsfugas”, acho que inédito na vida política
do país, sobre um deputado federal que mudou de partido duas vezes no
mesmo dia. Isto não pode continuar. Julgo também que o voto distrital misto
■' C riada em 18 d e ju lh o de 1995, a Com issão tin h a p o r tarefa o a co m p an h a m e n to das p ro p o sta s en cam in h adas
pelo Executivo ao C ongresso N acional, co m o form a de possibilitar u m a m a io r participação da sociedade no
debate pú b lico das propostas. Disponível e m http://ww’w .oab.org.br/hist_oab/defesa_estado.htm l#reform a.

273
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

seria u m a solução para o país. Eu sou, do p o n to de vista ideológico,


parlamentarista. Entendo que o parlamentarismo seria a melhor solução.
Pertenço a um a corrente de pensamento de um Afonso Arinos de Melo Franco,
de um Paulo Bonavides - cientista político que considero, talvez, o maior do
Brasil atualmente. Eram então mais ou menos essas as posições que nós
tomávamos. O Conselho tam bém era favorável a essa reforma política.

Será possível julgar que a sua voz favorável ao parlamentarismo


era minoritária dentro do Conselho da Ordem?

Eu não sei se era minoritária porque essa matéria não foi nunca votada, mas
posso lhe garantir que havia dentro do Conselho muitos parlamentaristas. Havia
outros também que defendiam o presidencialismo. M as quando se trata de
um a matéria muito polêmica nós procuramos, às vezes, não tomar um a posição
fechada no Conselho, de modo que não se afetem opiniões que talvez sejam da
maioria dos 400 m il advogados da Ordem. Da mesma forma, há outras matérias
polêmicas que o Conselho não tem receio algum de enfrentar.

Qua! a postura que o senhor julga mais adequada para a Ordem em


face da retomada, pelo governo Lula, das reformas constitucionais?

Eu acho que a posição da Ordem diante do governo Lula deve ser a mesma
que ela sempre teve em relação aos outros presidentes. N a hora em que o
presidente acertar vamos aplaudir, entusiasticamente. N a hora que errar
vamos criticá-lo, causticamente. Essa deve ser a posição da Ordem. Aliás, em
conversa com o presidente Lula da Silva, o presidente Approbate já disse isso.
A Ordem apoiará as reformas fundam entais, mas se alguma delas vier se
chocar contra os interesses da nação, nós estaremos absolutamente contrários.
Essa é a posição da Ordem e nós não vamos m udar nunca.

Há um conluio contra a reforma do Judiciário.

274 •41
V o lu m e O A H t i j V O / i l o s sen s I ’ l c ' s i d c n l t ’s

Qual foi a posição da Ordem no que diz respeito à reforma do


Poder Judiciário, que é um assunto extremamente polêmico?

Q uanto a esta questão, mesmo sendo um a matéria complexa e polêmica, o


Conselho Federal tem um a posição definida há m uito tempo. H á inclusive
projetos da OAB a respeito da reforma do Poder }udiciário. Vários trabalhos
foram elaborados a esse respeito. Dentro do próprio Conselho o assunto quase
não fo i polêmico.

Neste ponto, queríamos destacar três propostas da OAB elaboradas


com vistas à reforma do judiciário e discutidas pelo Conselho Federal
na sessão de 14 de abril de 1996. A primeira delas se refere à criação
da Corte Constitucional como órgão autônomo, que não comporia
o Poder Judiciário e que seria integrada por membros eleitos pelo
Congresso Nacional, pelo Conselho Federal, pelo Ministério Público
Federal e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Uma segunda
proposta era a incorporação do SuperiorTribunal de Justiça (STJ) ao
STF. E, por último, a criação do Conselho de Controle Administrativo
do Poder Judiciário (CCAPJ), composto por 21 membros também
indicados pelas mesmas entidades: Congresso, OAB, STF e
Ministério Público. Como se deu o debate dentro da OAB em relação
a cada um desses pontos?

Q uanto a este primeiro ponto é quase consensual na Ordem a idéia de que o


STF se constitua como um a Corte Constitucional

Os membros, portanto, não seriam indicados pelo presidente da


República?

Exatamente. Recordo-me da discussão acerca do controle externo do Poder


Judiciário, sobre o qual havia um pensamento favorável, mais ou menos
unânime, por parte do Conselho. Havia divergências, no entanto, quanto à
composição. Alguns entendiam - eu acho que essa talvez fosse um a corrente
minoritária - que deveria haver a participação de u m membro da sociedade.

•àB 275
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Outros já achavam que a composição deveria obedecer a critérios exclusivistas,


restringindo-se aos que realmente fazem a Justiça, isto é, aos advogados, aos
magistrados e aos integrantes do M inistério Público. Enfim , não havia
unanim idade em relação a esta matéria no Conselho, como ainda não há.
Pelo que sei, a maioria se inclinava no sentido desta últim a proposição.

Que critérios orientariam a qualificação das instituições da


sociedade civil aptas a indicarem membros para este Conselho?

N ão me recordo de ter havido esta discussão. N o meu modo de ver, não consigo
vislum brar instituição mais qualificada do que a própria O rdem dos
Advogados. Penso que o Conselho estaria m uito bem representado com
integrantes da magistratura, do Ministério Público e da advocacia.

Efetivamente, então, quais seriam as diferenças entre a Corte


Constitucional e o Conselho de Controle Administrativo do Poder
Judiciário, já que nos parece que ambos seriam órgãos de controle
externo?

O STF, consoante preconiza a Ordem, deveria cuidar unicamente das questões


constitucionais. Por isso, a maioria do Conselho Federal entende que o STF deve
se constituir numa Corte Constitucional. No que concerne ao controle externo do
Judiáário, a OAB sempre se manifestou favoravelmente e vem pugnando pela
adoção de tal medida. É óbvio que o órgão de controle externo não iria ~ nem
poderia - se imiscuir na atividade jurisdicional do magistrado, pois o controle
externo objetivaria a transparência do Poder Judiciário por meio do controle
social da atividade administrativa. E mais: seria um órgão de permanente
vigilância da boa conduta do Judiciário, no que diz respeito ao fiel cumprimento
de sua sagrada missão, à preservação de sua ética, ã sua eficiência. E funcionaria
também como órgão auxiliar de planejamento, de orientação administrativa,
até porque o magistrado não tem muita experiência nestas áreas.

Essas propostas chegaram a ter algum andamento efetivo?

276
V o lu m e A O A B n ,i V O / d o s s e u s

Sim, foram discutidas no Congresso Nacional Eu arrisco dizer até que algumas
chegaram a ser aceitas, outras negadas ou desfiguradas, em função, claro, do
inegável lobby da magistratura.

Será que nós poderíamos atribuir a lentidão da reforma do Poder


Judiciário a uma articulação entre o Executivo e o próprio Judiciário,
já que a criação da Corte Constitucional e do Conselho de Controle
Administrativo, respectivamente, esvaziaria o primeiro e restringiria
a ação do segundo?

É claro, nunca andou em função disso, porque se houvesse vontade política,


propósito de realizar, essa reforma já teria sido feita. O problema é que há
lobby de todos os lados. Eu sempre fu i um homem otimista, naturalmente com
os pés no chão, mas em relação a esse problema eu já ando um tanto pessimista.

Que dificuldades o senhor detectaria?

A própria objeção do Poder Judiciário a determinados aspectos da reforma;


do próprio Poder Executivo, que também não tem revelado maior interesse
sobre a questão, sem falar no Poder Legislativo que, igualmente, nãosedispõe
tam bém a contribuir para a solução do problema. Eu diria que há quase um
conluio para que não se realize esta reforma.

O senhor acha que o d r. Márcio Thomaz Bastos, um ex-presidente


da Ordem, agora à frente da pasta da Justiça, terá mais condições
de fazer esse processo caminhar, já que não esconde seu empenho
na reforma do Poder Judiciário?

Entendo que sim. Com o prestígio que ele tem junto ao presidente da República,
naturalmente que o apoio a essa iniciativa virá. O que eu não sei é se mesmo
com a vontade política do ministro, apoiado pelo presidente da República, os
empecilhos serão superados. Só para citar, há o problema do próprio Congresso
Nacional. A té agora, a meu ver, o presidente não conseguiu a maioria no

•àM 277
______________ História da
O rd e m dos A dvogados d o Brasil

Parlamento. H á ainda a grande influência do lobby da magistratura. Mas é


inegável que não pode continuar como está. Nós temos hoje, por exemplo, um
conjunto de leis que favorece a procrastinação dos julgamentos e são processos
que demoram anos e anos nos tribunais. Épreciso um melhor aparelhamento
da Justiça, tanto no aspecto humano quanto no material, sobretudo na primeira
instância, porque o problema reside, sobretudo, lá. A reforma é fundam ental
para que haja u m a celeridade m a io r nos ju lg a m en to s. A população
naturalmente está inquieta e, com razão, se sente frustrada, porque hoje o
cidadão já tem receio de ir bater às portas da Justiça. N ão creio também em
democratização da Justiça, da qual se fala tanto, enquanto não se implantar a
Defensoria Pública em todas as comarcas deste país. H á estados que nem ainda
possuem uma defensoria e os que a possuem têm um a defensoria absolutamente
deficiente em todos os aspectos, sem condições de dar conta da demanda.

O senhor concorda com a avaliação de que o fato de as propostas


para a reforma partirem da OAB provoca no Judiciário uma certa
contrariedade, que se expressa no constante conflito entre advogados
eJuizes? Há de fato esse relacionamento tenso?

H á magistrados que aceitam as propostas da OAB, inclusive há desembargadores


e ministros dos Tribunais Superiores que exerceram a advocacia eforam diretores
de secionais e do Conselho Federal De um modo geral, temos, os advogados,
magistrados e integrantes do Ministério Público, um relacionamento respeitoso,
cordial, diria mesmo Jratemo. E nem poderia ser diferente, visto que somos ramos
da mesma árvore, temos a mesma missão, os mesmos ideais, o mesmo destino:
lutar pelo direito epela suprema realização da justiça. Por isso, diversamente do
que muitos pensam, não há prevenção redproca entrejuizes e advogados. Algumas
vezes, lamentavelmente, essa harmonia é quebrada. Ainda bem que esses arranhões
entre os que pleiteiam e os que distribuem justiça são exceções.

O imperador francês Napoleao chegou até a dizer que se pudesse


cortaria a língua dos advogados.

278 9àM
V o Il iu k ' / \ ( )AI'i 11,1 vox (Ids se u s P t t ‘' ' i ( l r n t c s

Tradicionalmente a OAB nunca se posicionou de modo muito


amistoso em relação ao Poder Executivo. Não só ao longo do regime
militar, mas mesmo depois, durante os governos de Sarney e Collor.
Quando da posse do presidente Fernando Henrique Cardoso houve
alguma intenção, mesmo que inform al, de mudar o tom do
relacionamento da OAB com o Executivo?

Não, porque a posição da Ordem foi sempre muito clara em relação aos três
poderes: sempre que há acerto eles têm o aplauso da Ordem, mas quando erram
recebem a nossa critica veemente. Essa é a posição tradicional da OAB.
Naturalmente que isso cria um clima pouco cordial entre a Ordem e esses poderes,
que só gostam de elogios. Podemos até bater palmas para os acertos, mas como
eles erram mais do que acertam, a gente critica mais do que aplaude. Mas é esse
0 nosso papel e nós não abdicamos dele. Por isso, historicamente, em geral os

governantes não gostam da Ordem, e não só no Brasil. O imperador francês


Napoleão chegou até a dizer que se pudesse cortaria a língua dos advogados.

Em 1995, logo no primeiro ano do seu mandato, a OAB se dispôs a


m ediar os con flitos agrários que colocavam o governo e o
Movimento dos Sem Terra (MST) em rota de colisão. Havia a intenção
de se criar uma ponte de entendimento com o governo Fernando
Henrique?

Sem dúvida. Tentamos fazer isso exatamente para evitar conflitos que levassem
à morte de vários irmãos nossos que lutavam pela posse da terra. Infelizmente
essa atuação da Ordem ~ e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(C N BB) tam bém - não logrou o êxito que nós esperávamos, em função da
radicalização de ambas as partes. De qualquer maneira, eu não chego a
a firm ar que fo i um trabalho inútil, porque os acontecim entos funestos
poderiam ter sido de maior monta.

O senhor chegou a se reunir com o ministro da Reforma Agrária,


Raul Jungmann? Como ele recebia as propostas da OAB?

•41 279
______________ Historia da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Reunim o-nos várias vezes e ele esteve, inclusive, na OAB. Nós apoiávamos
várias idéias dele para a reforma agrária. Houve momentos, inclusive, em
que dei declarações de apoio a ele, enquanto o M S T o combatia, porque eu
acreditava que suas intenções eram as melhores em relação à questão da
distribuição de terras. De modo que, no m eu entendimento, o Jungmann foi
m uito bom ministro.

A OAB sempre se posicionou a favor da reforma agrária. Do ponto


de vista jurídico e político, de que maneira a Ordem vem atuando,
efetivamente, em defesa da causa?

Ê verdade. A Ordem se posicionou sempre favoravelmente à reforma agrária.


N o m eu discurso de posse, inclusive, eu a defendi. N ã o é possível aceitar
que os nossos irmãos estejam desamparados, ao desabrigo, com tanta terra
que há neste país. A reforma agrária é fu n d a m en ta l, indispensável, eu diria
até urgente. Agora, não é só o problema de dar a terra ao hom em . Se você
não tom a determ inadas providências, se você não prepara um a infra-
estrutura com saúde, educação, transporte, etc., a reforma agrária não vai
dar em nada. Nesse sentido, a Ordem sempre se bateu p or esta causa tanto
do ponto de vista jurídico, mostrando como ela deve ser feita, como do
ponto de vista político, m antendo entendim entos com diversas áreas, como
no Congresso Nacional, ju n to aos políticos e tam bém ju n to à sociedade
civil organizada.

Na XVI Conferência Nacional da OAB, produziu-se a Carta de


Fortaleza, onde foram tecidas sérias críticas ao governo Fernando
Henrique, fundamentalmente em dois pontos: a edição em série de
medidas provisórias e o modelo econômico tachado por muitos de
"neolibera!". Havia dentro da OAB vozes discordantes dessa análise
duramente crítica ao governo?

Não, era um consenso não só dentro do Conselho, como dentro das seccionais,
talvez, do Brasil inteiro. N o que tange às medidas provisórias, a crítica da
Ordem girava em torno do caráter permanente que elas estavam tendo quando

280 9àM
V o lu ilK ' A ( J / \ B n ,i V O / d o s «.('IIS l ’ r c M (lc 'iile s

na verdade deveriam ser exclusivamente emergenciais, ou como o próprio


n o m e in d ica , p ro visó ria s. Essas m e d id a s c h a m a d a s p ro v isó ria s se
transformaram em eternas, reeditadas continuamente, contrariando a própria
Constituição. M as já houve avanços na tentativa de disciplinar esse recurso
que termina p o r usurpar o Poder Legislativo, se usado de modo abusivo. Em
grande parte, julgo que esses avanços se devam, sobretudo, à atuação da OAB
na vigília p erm a n en te do cum prim ento das regras dem ocráticas e dos
m andam entos constitucionais. Chegamos a impetrar várias ações diretas de
inconstitucionalidade contra as medidas provisórias.

Que pontos a OAB mais criticava na política econômica do governo FHC?

A O rdem sem pre se bateu no sentido de que o modelo econômico estava


prejudicando a área social. Tanto que se deu um a crescente queda no
poder de com pra da classe média, além do que os que já eram pobres
fica ra m na m ais absoluta m iséria. E ntão o que a O rdem desejava?
Desejava um sistem a de saúde bem mais eficiente do que o que a í estava
e ainda está, com gente morrendo pelas calçadas e sem leito p ara todos.
Desejava a m elhora significativa da questão educacional no país, para
acabar com esse câncer do analfab etism o que esclerosa o organism o
nacional. Foram esses, basicamente, os pontos que a O rdem sem pre se
bateu, achando que o perverso modelo econôm ico estava e con tin u a
subm etido a inescrupulosos interesses internacionais, ditados pelo Fundo
M o n e tá rio In tern a c io n a l (F M I) e p o r outros órgãos, que ta n to nos
envergonham e revoltam.

Por que a OAB se posicionou contrariamente ao instituto da


reeleição no Brasil?

Eu sou favorável ao princípio da reeleição, e acho que dentro do Conselho um


número m uito pequeno é contra. Eu sempre aleguei inclusive que a própria
OAB não poderia se manifestar contra a reeleição já que nós a praticamos,
menos no Conselho Federal, embora seja permitido. No caso do presidente
Fernando Henrique, o que nós fomos contrários fo i ao processo de aprovação

màM 281
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

da reeleição, por meio da compra de votos e de suborno.^ A quilo fo i um


escândalo nacional. Por aí é possível ver, justam ente, o problema da falta de
educação política do nosso povo, um problema que não é de fácil solução
posto que tem raizes culturais. É u m processo lento e gradativo, m as vamos
chegar lá u m dia, melhorando com a conscientização cívica da população.

Por que foram tão duras as críticas às privatizações?

Julgo que da form a como foram feitas afetaram, em parte, a nossa soberania.
Eu me recordo, inclusive, que durante a m inha administração nós fizem os
u m a grande passeata em direção ao STF, de posse da ação contra a
privatização da Vale do Rio Doce. Uma empresa que dava lucros, um a empresa
que era u m orgulho nacional, não merecia a privatização. Com a Petrobras
tentaram fazer o mesmo, e nós tam bém fom os contra. A lém do que, eu me
recordo que me dediquei sobremaneira à cam panha “O petróleo é nosso”.^
Eu me considero sentimentalmente vinculado a Petrobras. Apanhei por causa
do petróleo, levei surra da policia. M as com relação à Petrobras a nossa luta
valeu, tanto que ela está aí, pujante, imbatível, motivo de orgulho nacional.

^ E m 1° d e fev ereiro d e 1995, o d e p u ta d o José M e n d o n ç a F ilh o {PFL-PE) a p re s e n to u e m e n d a c o n stitu c io n a l


ao C o n g re sso N a cio n a l fa c u lta n d o aos chefes d o Executivo o d ire ito à reeleição, in c lu in d o os q u e n o
m o m e n to estivessem e m exercício. A m a té ria foi o b je to d e u m a lo n g a tra m ita ç ã o . E m 4 d e j u n h o de
1997, d e p o is d e p assar p e la a p ro v a çã o d a C â m a ra , e m d o is tu rn o s d e v o ta ç ão , a e m e n d a d a reeleição foi
a p ro v a d a d e fin itiv a m e n te n o S e n ado . P o r ocasião d as vo taçõ es, in ú m e ra s d e n ú n c ia s d e c o m p ra d e votos
d e d e p u ta d o s , p o r p a r te d o g o v e rn o , fo r a m veicu lad as n a im p re n s a . A lém d a tro c a d e v o to s favoráveis à
e m e n d a p o r c arg o s n o s escalões s u p e r io re s e in fe rio re s d o g o v e rn o , v á rio s d e p u ta d o s te ria m sido
s u b o rn a d o s c o m q u a n tia s e m d in h e iro . A o p o siçã o e a s o c ie d a d e civ il o rg a n iz a d a m a n ife s ta ra m -se
fo rte m e n te p o r m e io da im p re n s a e d e atos p ú b lic o s n as p rin c ip a is c id a d e s d o país, r e p u d ia n d o o m é to d o
ilícito de “c o n v e n c im e n to ” q u e o g o v e rn o e ra acu sa d o d e p ra tic a r. Ver D H B B , o p . cit.
Em fins d e 1952 o p residente G etúlio Vargas en ca m in h o u ao Congresso N acio nal u m p ro je to de criação da
Petróleo Brasileiro Sociedade A nônim a, em p resa d e econom ia m ista, q u e n ã o previa o m o n o p ó lio d a U nião
sobre a exploração d o p e tró leo brasileiro. D esde então u m a forte c am pan h a d e c u n h o nacionalista, encabeçada
p o r intelectuais, sindicatos, m o v im en to estu d an til e p artid o s d e oposição a Vargas, to m o u as ru a s e contagiou
a im prensa, e m defesa d o m o n o p ó lio estatal so b re a exploração e com ercialização d o petróleo. A c am p an h a
“O p etróleo é n osso”, p o rtan to , assu m iu u m c aráter de oposição a o gov ern o Vargas, acu sad o d e entreguista.
Pressionado,Vargas acab ou ceden d o e auto rizand o as negociações n o C ongresso e m to rn o d o estabelecimento
d o m o n o p ó lio . E m 3 d e o u tu b ro d e 1953 foi finalm ente san cionada a Lei n." 2.004, q u e criava a P etro b ras e
previa o m o n o p ó lio estatal so b re a exploração d o petróleo. Ver D H B B , op. cit.

282 •4B
V olum e 7 A O A li na voz dos sens

Mas a Vale também nunca esteve tão presente no imaginário


nacional quanto a Petrobras, não acha?

Ê verdade. Todo m undo tem uma história para contar sobre a campanha do
petróleo. Eu tinha feito parte também, ainda enquanto estudante, de um a das
secretarias do Centro de Estudos e de Defesa do Petróleo e da Economia Nacional,
lá no Ceará. Lembro-me que muita gente me aconselhava a não participar
porque diziam que o Centro era infestado de comunistas. M as a bandeira não
devia ser só de comunista. Por que só comunista deveria defender a idéia de
que 0 petróleo era nosso? O privilégio não era deles não, eu dizia. Vou defender
também o "nosso petróleo”. E fiquei lá. Digamos, dos chamados democratas,
que não eram mesmo comunistas, havia um a minoria, porque muitos ficavam
com medo de ser tachados de comunistas. Hoje já não se tem mais medo, mas
naquela época se tinha. Eu mesmo cheguei a ser tachado de comunista sem
nunca ter sido. Talvez eu nunca nem tenha tido inteligência suficiente para
entender M arx e por isso nunca tenha sido marxista. Estou dizendo isso,
portanto, para mostrar como essa luta, que vem de longe, já é uma luta também
da OAB, contra a desnacionalização do país e em defesa da honra nacional.

Como a OAB se posicionou em relação ao Sistema Nacional de Avaliação


dos Cursos Superiores, mais popularmente conhecido como ProvãoV

N unca houve, digamos assim, nenhum a espécie de mal-estar em relação ao


Provão, porque não havia, como não há, interferência sobre o exam e da
Ordem. Nosso exame é exatamente para aferir os conhecimentos do advogado
como form a de saber se ele está apto para ingressar na advocacia, ou melhor,
para se tornar efetivamente um advogado, porque quando ele sai da faculdade
não é advogado, é bacharel em direito. Ele se transforma em advogado após
prestar aquele exame e receber, se aprovado, a carteira da Ordem.

’ R eg u lam e n ta d o e m n o v e m b ro d e 1996, d u ra n te a g estão d e P aulo R enato d e S o u z a à fre n te d o M in isté rio d a


E d u cação , o P ro g ra m a d e Avaliação In stitu c io n a l das U niv ersid ad es B rasileiras (P A IU B ) c o n siste em
u m a avaliação d q u e são s u b m e tid o s os a lu n o s g ra d u a d o s p a ra o recebim en to d o d ip lo m a . P ejo rativ am en te
a p e lid a d o d e " p ro v ã o ” o p ro g r a m a vem so fre n d o forte o p o siçã o d e e n tid a d e s d o m o v im e n to estu d a n til,
c o m o a U n iã o N a cio n a l d o s E stu d a n te s (U N E ), s o b a alegação d e q u e os c rité rio s u tiliza d o s p a ra a
a v aliação d a q u a lid a d e d o e n s in o u n iv e rs itá rio b ra s ile iro p re s e n te s n o PA IU B s ã o e q u iv o c a d o s e
m u itíss im o parciais. Ver D H B B , o p . cit.

•ái 283
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Havia dentro da Ordem algum órgão interno ou comissão responsável


pelo acompanhamento das questões ligadas ao ensino jurídico?

Sim, havia e há uma comissão que examina, com o maior cuidado, todos esses
processos relativos ao ensino superior no Brasil. Aliás, diga-se de passagem, a
OAB sempre foi contra a proliferação indiscriminada dos cursos de direito. Ela
própria não decide, mas fornece pareceres acerca da procedência da criação de
novas escolas de direito no país. M as o que ocorre é que mesmo o parecer sendo
contrário, por influência ou interferência política^ o Ministério da Educação acaba
aprovando um novo curso que a própria OAB fez restrições ou não recomendou.

O dia em que nós tomarmos uma posição partidária vamos acabar


com a credibilidade da instituição,

A OAB, em função do capital político que acumulou, passou a ser


uma presença constante nas manifestações populares. Não havia o
receio de um certo desgaste para a imagem da instituição?

Não, não havia essa preocupação. Primeiro, porque a Ordem não fa z política
partidária. Isso é proibido em estatuto. Cada qual tem, naturalmente, suas
idéias políticas, há os que são inclusive filiados a partidos, mas este é um
posicionamento individual, de cada um. A té porque, desde o m omento em que
se pisa o batente da Ordem, de uma seccional ou do Conselho Federal, se deixa
de lado a filiação partidária. A política que nós fazemos é a política da Ordem.
E qual é a política da Ordem?É uma política de defesa dos interesses nacionais,
de defesa do primado do direito, da liberdade, da fiel observância das franquias
democráticas e do império da Constituição. Então, quando fizem os marchas
não ficamos preocupados se seriamos bem compreendidos ou não. De alguma
form a sabíamos que se houvesse algum tipo ãe incompreensão, por certo partiria
dos setores mais reacionários da sociedade. Nós sabíamos, como sabemos, que
a população apoiava este tipo de movimento no qual a Ordem marca a sua
presença, bem como a maioria esmagadora dos advogados. Ê certo que alguns
advogados dizem: “Olha, eu acho que a Ordem está se preocupando demais
com o aspecto institucional e de menos com o aspecto corporativo.” M as nos

284
V i 'l u m u / \ C ),\H n a ((o s s c u s I ' r i s k l v n t v s

Órgãos diretivos da Ordem não há esta preocupação. Se é preciso defender os


interesses do Brasil, vamos defender: doa a quem doer, agrade a quem agradar.

A ata da sessão de 17 de junho de 1997 relata uma polêmica em


torno de como deveria ser o posicionamento da Ordem em relação
aos termos de um discurso do presidente Fernando Henrique, em
fins do mês de maio, que qualificava como "baderna" as recorrentes
invasões de terra e prédios públicos pelo MST. O senhor teve uma
postura bem firme em relação a uma proposta de indicação de que
a Ordem criticasse oficial e publicamente o pronunciamento do
presidente. Sua fala externava uma clara preocupação com o fato
de que as manifestações constantes da OAB acabariam por desgastá-
la. Esse episódio é representativo da divisão de posições dentro da
Ordem quanto à intensidade e à forma de sua atuação política?

E m prim eiro lugar, eu não vi nenhum a agressão à democracia naquele


discurso do Fernando Henrique, porque chamar de “baderna” um a invasão
de um prédio público não é nenhum exagero. Naturalmente, os atos políticos
devem respeitar os limites da democracia e da lei. N ão é porque eu sou a
favor da reforma agrária que eu vou entrar e quebrar a sede do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). No m eu discurso, eu
externei um a preocupação que não era só minha, mas de quase a totalidade
do Conselho, q u a n to ao perigo de a O rdem sofrer u m processo de
partidarização, O dia em que nós tomarmos um a posição partidária vamos
acabar com a credibilidade da instituição, porque ela reside justam ente na
nossa isenção, na nossa independência. Nós criticamos e combatemos de frente
0 que deve ser realmente combatido. Para além disso, eu tentei mostrar

tam bém que não podíamos em itir notas oficiais a torto e a direito, como se
queria, em parte, à época. Isso vulgarizaria a instituição, além de ser custoso
em termos financeiros.

A indicação da nota oficial foi rejeitada, portanto?

285
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Se não m e falha a memóriay sim. E olha que nós batemos firm e no governo do
F ernando H enrique po r m uitas vezes. E ntram os com ações diretas de
inconstitucionaliàade, criticamos e tudo mais. H á algims limites que precisam
ser respeitados, no entanto. Você tem que ser veemente, cáustico, quando é
necessário, mas sem perder também a serenidade. Afinal de contas, quando se
fala como presidente da Ordem, fala-se também em nome de 400 mil advogados.

O senhor chegou a se encontrar alguma vez com o presidente


Fernando Henrique? Houve da parte do governo alguma iniciativa
no sentido de dim inuir um pouco as arestas com a Ordem?

Sim para ambas as perguntas. Fui ao Palácio acompanhado do secretário-geral


da diretoria, o dr. Reginaldo Oscar de Castro. Tivemos lá um a longa conversa
com 0 presidente. Disse a ele o que sempre disseram outros presidentes que me
antecederam: o nosso apoio seria incondicional a tudo que viesse ao encontro
dos interesses nacionais. Caso contrário, naturalmente ele teria que compreender,
a OAB se posicionaria contrariamente ao governo. Eu fu i claro e ele me
compreendeu, como deveria mesmo ser, pois os governos têm que entender a
posição da Ordem. Sei que isso desagrada a muitos deles, mas o papel da Ordem
é esse, nós existimos para isto. A Ordem tem, fundam entalm ente, duas linhas
paralelas de atuação: um lado corporativo, com a defesa intransigente das
prerrogativas do advogado, e outro institucional, com a defesa do Estado
democrático de direito. Disso não abrimos mão, posto que fa z parte da história
da Ordem. E sinceramente não creio que nenhum presidente que venha a
assumir os destinos da OAB tome um caminho diferente, até porque nós jamais
iríamos eleger alguém que não seguisse esse caminho. O u ele está dentro desse
contexto, como um cumpridor fiel do ideário da Ordem, ou então ele jam ais
chegará à presidência.

Na sua avaliação o Brasil se constitui hoje, efetivamente, numa


democracia sólida?

Penso que em grande parte sim. Nós vivemos hoje um regime de liberdade no
país. Ninguém pode comparar, por exemplo, o regime ditatorial com o regime

286 ttái
V o l u ilK ' , A ( ),\t) na vo/. d u s s(.‘us f i v s t d i ' n t v s

atual. Com efeito^ houve um amadurecimento também da população, sobretudo


com 0 advento da Constituição de 88, que abriu margens para a efetiva conquista
da cidadania, por mais relativa que ela possa ser atualmente, posto que não é
possível falar em cidadania plena com milhões de compatriotas passando fom e e
na miséria absoluta. Agora, naturalmente que esse processo de amadurecimento
é lento e gradativo. Enquanto nós não tivermos um país que ofereça educação a
todos os seus filhos, a democracia ainda vai sofrer esses percalços. Isto, sem falar
na questão das condições de vida que continuam precárias para boa parte da
população brasileira. O que a gente nota hoje ainda é, sobretudo em regiões mais
pobres, a eleição de pessoas que são absolutamente indignas para o exercício de
um mandato. O processo eleitoral, naturalmente, teria que sofrer uma alteração.
É só olhar, por exemplo, para os escândalos que vêm acontecendo no Congresso,
de assassinos, contrabandistas e traficantes que estão lá dentro exclusivamente
por causa do dinheiro que têm. Enquanto houver voto comprado e voto de cabresto^
vamos ter também uma democracia, vez por outra, conspurcada. N ão foi por
outro motivo que na minha administração fizemos uma campanha nacional
pela ética nas eleições. Percorri o Brasil todo e cumprimos o nosso dever.

As alterações propostas no novo Estatuto visavam dar vez às minorias.

Na ata de 7 7 de março de 1997 constam algumas propostas de


alteração do Estatuto da OAB que tinha sido aprovado em 1994.
Falava-se em voto obrigatório, em chapa aberta e na eleição da
diretoria pelo próprio Conselho Federal. O que significavam essas
propostas de alteração do Estatuto?

O Estatuto vigente tornou inviável a participação das minorias nas diretorias


das seccionais e do próprio Conselho Federal, em decorrência das novas regras
do processo eleitoral. Outrora os candidatos mais votados nas diversas chapas
estariam eleitos. Atualm ente não funciona mais assim, porquanto o eleitor é
obrigado a votar em chapa fechada, não podendo, portanto, sufragar nomes
que nela não figurem. Isso gerou controvérsias, porque eliminou a possibilidade
de participação das minorias. Essas propostas de reforma tinham em mira
dar vez e voto às minorias na administração da Ordem.

•4B 257
______________ História_da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

E em relação à eleição da diretoria pelo próprio Conselho Federal?

N a vigência do Estatuto anterior, de 1963, o Conselho Federal elegia sua


Diretoria. Os conselheiros federais eram eleitos nos seus estados, tomavam
posse e, em seguida, elegiam a diretoria do órgão supremo da OAB. Com o
advento do novo Estatuto, de 1994, houve um a alteração que não foi proposta
nossa, de autoria dos parlamentares, em m om ento de infeliz inspiração. Sob
0 pretexto de que se democratizaria mais a eleição do Conselho Federal, este

deixou de eleger sua mesa diretora, passando essa com petência para as
seccionais. Isso configura, indubitavelmente, um enorme desprestígio para o
Colegiado. É de primeira evidência que a alegada democratização da eleição
do Conselho Federal não tem cabimento, pois, a p a rtir da nova Lei da
Advocacia e da OAB, os conselheiros são eleitos diretamente, ao contrário do
que acontecia no passado, quando eram escolhidos indiretamente, pelas
seccionais. Outro aspecto negativo é que um candidato a presidente precisará
comparecer a todos os estados, a fim de apresentar a sua plataforma, já que
as seccionais é que elegerão a diretoria do Conselho Federal M as nem todos
os componentes da chapa vão aos estados. Dessa form a, as seccionais estarão
votando em candidatos que não conhecem. Como se vê, as propostas de
reforma visavam a promover a eliminação dessas anomalias.

E isto continua sendo debatido?

Se me não engano essas propostas já foram aprovadas nu m a das últimas


sessões, p orque o pen sa m ento do Conselho é u n â n im e nesse sentido.
Naturalm ente que m uitas seccionais não têm interesse nessa mudança, já
que 0 atual estado de coisas representa um a certa força para elas. Isso,
evidentem ente, não d im in u i o apreço e a adm iração que tenho pelos
presidentes de seccionais. Fui presidente de seccional e sei do esforço e da
dedicação deles. Quando eu me posiciono d efo rm a contrária à eleição da
diretoria pelas seccionais, é porque entendo que cabe ao Conselho Federal
eleger a sua própria diretoria. N ão conheço Conselho nenhum no mundo
que não eleja a sua diretoria. E hoje não há nem mais justificativa, porque
antes se dizia: “£ uma eleição indireta”. NãOy de maneira alguma, o conselheiro
federal outrora, na vigência da lei anterior, era eleito indiretamente. Aquela

288 9àM
V o llH lll' / A O A B n a v o / d o s s c u s l'iL 's i(k 'n i(.'s

seccional era eleita pelo voto direto dos advogados e no dia da posse, logo que
se reunia, elegia os conselheiros federais. Hoje, não. Pela nova lei, como os
conselheiros federais são eleitos? São eleitos na chapa, por eleição direta. Não
há, portanto, mais, nem mesmo essa desculpa, esse pretexto.

É possível concluir que por esse tipo de votação, passarão a ter


mais chance de se eleger os presidentes das seccionais, em
detrimento, por exemplo, do secretário-geral ou do vice-presidente
de uma chapa do mandato anterior?

Candidato sempre tem, pelo fato de ser um a honra presidir a Ordem. O que
é certo hoje é que ninguém se elege presidente do Conselho Federal, posto que
está na lei, sem passar pelo Colégio de Presidentes. Porque são eles que vão
votar, são as seccionais. Se houvesse, digamos, u m líder no Colégio de
Presidentes, um presidente de seccional que mais se destacasse e exercesse
rea lm en te u m a liderança e fosse ca nd ida to, q u e m iria derro tá-lo ?
N aturalm ente que há também ai, e não há como negar, um peso m uito forte
do presidente do Conselho Federal, porque o regime é presidencialista. Se o
presidente se em penhar pode eleger o seu sucessor, já que m uitas seccionais
acom panham o voto do presidente na hora da eleição. N ão tenho dúvida de
que a futura eleição da diretoria do Conselho Federal vai passar pelo presidente
Rubens Approhato. Se ele tiver um candidato tem chances de elegê-lo porque
vai contar com muitos votos de seccionais. Se ele ficar, digamos, eqüidistante,
não se envolver no processo eleitoral, poderá realmente surgir um candidato
do Colégio de Presidentes que obtenha êxito.

Então a sucessão sempre passa pelo presidente que está no poder?

Claro. Fui presidente e sei como é. Se há um bom relacionamento entre os


presidentes das seccionais e do Conselho Federal acaba se estabelecendo um
vínculo importante. Lamentavelmente os conselheirosfederais perderam força
no processo eleitoral.

•àl 289
_____________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Eu sabia que meu candidato teria a aprovação de todos.

De que maneira o senhor se empenhou pela candidatura do


secretário-geral da diretoria que o senhor presidia?

Reginaldo de Castro era conselheiro federal do Distrito Federal, efo i um ótimo


secretário-geral durante o meu mandato. Ele mereceu a m inha confiança por
ter sido competente. Tinha tudo para ser u m grande presidente, como na
verdade foi. Logo que assumi a presidência, eu disse ao Reginaldo: “Você vai
ser 0 meu substituto. Deixe comigo que eu vou trabalhar para você ser o meu
sucessor". E realmente trabalhei, não vou negar isso.

E como foi este trabalho?

Primeiro, prestigiando-o, que era um a form a de sinalizara m inha preferência


p o r sua candidatura. Designava-o para falar em eventos de projeção para a
O rdem . O im p o rta n te era que ele aparecesse. Por exem plo: eu havia
apresentado um a proposta no Conselho Federal para que fosse concedida a
maior comenda da Ordem, que é a medalha R uy Barbosa, ao mestre Paulo
BonavideSy a ser entregue na X V I Conferência Nacional da OAB, em Fortaleza.
Como presidente, autor da proposição, que fo i aprovada pelo Conselho sob
aplausos, além de velho amigo e discípulo do Paulo Bonavides, deveria fazer
pessoalmente a saudação. Mas como estávamos na Conferência Nacional,
com mais de quatro m il advogados presentes, decidi indicar Reginaldo para
falar em nome do Conselho Federal. E ele fe z um ótim o discurso.

Essa sinalização do presidente em relação ao seu sucessor deve estar


acompanhada de uma boa imagem do próprio presidente, não?

Claro, senão ocorre o efeito contrário. Mas graças a Deus eu sou considerado aqui
na OAB como um pacificador, porque sempre m antive um relacionamento
excelente não só com os meus colegas de diretoria, mas com os funcionários, os
ex-presidentes, os conselheiros federais e os presidentes das secáonais. Trato a

290 •41
\'()lL m ic . A O . M í n ,\ V O / i l u s s t'n s I'l v '- id t'n tv 's

todos como irmãos, tenho uma ligação afetiva profunda com todos eles. Eu sabia^
portanto, que o candidato que eu lançasse teria a aprovação deles. Resultado:
tivemos 0 apoio da totalidade das seccionais ao Reginaldo. Foi àiapa única.

Mas balões de ensaio foram lançados, não?

Houve u m balão de ensaio, mas o balão não subiu, porque já havia ficado
m uito claro quem era o m eu candidato, e a i não houve problema.

Como é feita a montagem da diretoria de modo a atender aos


diversos grupos existentes na Ordem?

O primeiro critério é o da região, já que o regime é federativo. O problema


funda m en ta l é justam ente o de se respeitar o principio federativo, que anda
tão maltratado ultimamente, mas que a OAB, religiosamente, obedece. Nunca
se admite, p or exemplo, u m presidente e um vice do mesmo estado. Depois
disso conversa-se para ver quem são aqueles com quem mais você se aftna,
justam ente para que não haja conflitos nem rachas. Isso deve ser feito com
cuidado, porque senão você não consegue realizar um a boa administração e
acaba prejudicando a Ordem. Já houve desentendimento em diretorias, sim,
mas felizm ente foram exceções. Na m inha gestão tive a sorte de contar com
um a diretoria extrem am ente unida, leal e solidária. Foi talvez a m ais coesa e
afinada de toda a história do Conselho Federal.

Na Ordem sou considerado um pacificador.

O senhor considera que esse clima de harmonia e entendimento


poder ser considerado o ponto mais positivo de sua passagem pela
presidência da Ordem?

A pacificação que promovi na Ordem foi realmente um dos pontos essenciais


da m inha gestão. Durante os três anos que eu fu i presidente nunca tive o menor

#à# 291
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

problema. Reinou sempre a harmonia no Conselho. Destacaria também as


providências adotadas em prol dos direitos e prerrogativas da nossa classe e dos
postulados democráticos. Mão descuidei um segundo sequer da defesa da
Constituição, do Estado democrático de direito e dos interesses nacionais. No
combate aos erros governamentais, o Conselho que tive a honra e o privilégio
de presidir sempre esteve na linha de frente. A melhoria levada a efeito nas
seccionais e nas subseções é tam bém outro aspecto relevante da m inha
administração. H á um livro chamado H um anism o e liberdade - a trajetória
de E rnando U c h o a/ em que alguns amigos escreveram a meu respeito, e lá se
encontra um artigo do eminente advogado eprofessor Urbano Vitalino de Melo
Filho, que foi um notável vice-presidente do Conselho Federal e da União Ibero-
americana de Advogados, em que ele fa z um a espécie de balanço do que foi
m inha gestão, considerada positiva, inclusive no campo internacional

E os arrependimentos?

Todo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil tem o dever indeclinável


de defender, intransigentemente, os direitos eprerrogativas do advogado e de
lutar, com o mesmo denodo, desassombradamente, em favor do prim ado do
direito, da rigorosa observância dos postulados democráticos e dos ideais de
liberdade. Deste dever - diz-m e a consciência - não m e afastei em momento
algum. Mas, malgrado m inha grande e sincera vontade de acertar, terei,
provavelmente, cometido falhas, decorrentes da própria imperfeição humana.
D e qualquer sorte, conforta-me a aprovação dos advogados e advogadas
brasileiros à m inha administração à frente dos destinos do egrégio Conselho
Federal da Ordem, cujos triunfos devo à inestimável colaboração dos valorosos
companheiros da diretoria, dos conselheiros federais, dos membros honorários
vitalícios, dos presidentes das seccionais e dos devotados servidores da OAB.
Por tudo isto, até hoje não me vem à lembrança nada de que possa ter
arrependimento.

®o liv ro a o q u a l o e n tre v is ta d o se refere foi e d ita d o e m 2002, e m Fortaleza (C E ), e o rg a n iz a d o p o r R o m m cl


M ac e d o . C o n té m , e n tre o u tro s , tex to s assin ad o s p o r P a u lo B enav id es, losé R o b e rto B ato ch io e U rb a n o
V italino d e M elo Filho.

292
Volum e 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

Presidente d o Conselho Federal no período de 1995 - 1998.

•4B 293
_____________ H istoriada
Ordem dos Advogados do Brasil

Em que pese o fato de o período da sua gestão estar próximo no


tempo, o senhor percebe diferenças entre a OAB de meados da
década de 1990 e a OAB de hoje?

Sinceramente, não. O ideário da Ordem está sendo plenam ente observado,


de modo que o que eu procurei fazer na presidência da Ordem o presidente
Approbato está fazendo agora, da mesma p r m a que os nossos antecessores
tam bém o fizeram.

A palavra final é sua.

Espero n a tu ra lm en te que tenha dado u m a singela contribuição, mas


absolutamente sincera a respeito da m inha modesta participação na vida da
Ordem, seja como ex-presidente, seja hoje como membro honorário vitalício.
Porque eu am o a m inha instituição, tenho quase u m a veneração pela Ordem.
Eu não sei viver sem a Ordem dos Advogados. A Ordem para m im é tudo.
Quero ainda louvar essa iniciativa, que merece os maiores aplausos.

294 •Al
V olum e 7 A OAB na voz dos seus Presidentes
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Reginaldo de Castro com O scar Niemeyer, que fez o projeto da sede do C onselho Federal
em Brasília.

296 0AI
V o lu m e ’ / A O A B na v o / do s seus Pic^'iclcnlt's

Reginaldo Oscar de Castro

fn tre v /sta d o ra s: M a rly M o tta e G abriela N e p o m u c e n o


D a ta da e n tre v is ta : 13/m a i/2 0 0 3
L o c a l da Entrevista : Escritório d o entrevistado (Brasí!ia-DF)
D u r a ç ã o : 3h.

•àl 297
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

A transferência da sede para Brasília democratizou mais a Ordem.

Quando e em que faculdade o senhor se formou?

Eu m e form ei em 1967, na segunda turm a da Universidade de Brasília.

E quando o senhor ingressou no Conselho Federal da Ordem?

Eu f u i conselheiro da seccional de Brasília em 1982 e 83. N o Conselho Federal


ingressei em 1991. Em 1995, tornei-me secretário-geral, e, três anos depois,
presidente da Ordem.

Foi significativo o fato de ter sido o primeiro representante do Distrito


Federal a ocupar a presidência da Ordem, em Brasília?

N ã o resta dúvida que sim. Eu não só fu i o primeiro representante do Distrito


Federal, como também fu i o primeiro goiano a ascender à presidência do
Conselho Federal.

Por excelência, o papel de uma capital é d ilu ir os diversos


regionalismos em nome da representação de todo o país. O fato de
o senhor representar Brasília pesou na escolha do seu nome para a
sucessão do dr. Ernando, ou a escolha não obedeceu a esse critério?

N a verdade, até a vinda da sede do Conselho Federal para Brasília,' as


seccionais da Ordem indicavam como seus representantes no Conselho Federal
- por um a questão de economia, já que não havia m uitos recursos à época -
advogados que residiam no Rio de Janeiro. Depois que o Baeta trouxe a sede
para Brasília, o Conselho Federal passou a ter representantes eleitos nos seus
próprios estados de origem, conferindo mais legitimidade à representação.
N a s com posições do Conselho Federal sem pre se optou p o r alternar

' S ob re o assu n to , ver, so b re tu d o , e n trev ista d e H e rm a n n Assis Baeta, n e ste v olum e.

298 •àB
V o lu m e , ,\ ( )AI5 na v<>/. dos Pi'c-kIciiN"

representantes do Sudeste, geralmente de São Paulo ou Rio de Janeiro, e do


Nordeste, que concentra o maior número de seccionais, sem que nessa escolha
incidisse qualquer peso regional. Não havia, nunca houve e ainda hoje não
há. O que se busca é o melhor nome que naquele mom ento possa unir a classe
na luta pelos seus objetivos institucionais.

O senhor concorda com a avaliação de que a mudança da sede do


Conselho Federal para Brasília reequilibrou a importância do papel
exercido pelo que poderíamos chamar de "grandes nomes da
advocacia brasileira" - que se localizavam, prioritariamente, no
Rio de Janeiro - em favor da abertura de um canal mais amplo de
participação na política interna da Ordem?

A mudança da sede do Conselho Federal para Brasília trouxe essa vantagem,


sem dúvida alguma. Proporcionou que logo em seguida ocorresse a eleição de
vários advogados de outros estados brasileiros que não moravam no I^o, como
Ophir, Lavenère, Batochio, Ernando, eu e oA pprobato.A prova m aior de que
0 Baeta tinha razão é a própria realidade que eu descrevi e que se seguiu à

mudança. Isso, sem dizer que não fazia sentido algum a permanência do
Conselho Federal no Rio, estando a sede da República em Brasília. Aqueles
que se rebelaram contra a mudança, certamente julgavam que ainda não
havia am biente próprio na nova capital para a adequada representação da
advocacia brasileira.

O senhor não partilhava, portanto, da preocupação de que a


proximidade do Conselho Federal do centro decisório da República
favorecesse a pressões políticas por parte do Executivo?

Não. Tanto que a mudança se verificou e, no entanto, isto nunca ocorreu.


Talvez até 1980, quando a repressão m ilitar ainda era m uito forte, pudesse
haver algum receio, quanto mais em se tratando de Brasília, um a cidade
menor, se comparada ao Rio. Mas ainda assim, eu acho que havia um engano
na perspectiva daqueles que assim pensavam, porque no fundo, em Brasília,
há e sempre houve advogados tão corajosos, tão capazes como havia no Rio

màB 299
_____________ ÜísíQua da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

na mesma época. Todos os advogados que aqui estavam nesse período, no


próprio conselho seccional, qitase que exerciam um poder paralelo ao do
Conselho Federal. Á seccional de Brasília era confundida constantemente com
a representação dos advogados brasileiros, porque o Conselho Federal no Rio
estava ficando já um pouco isolado do centro das decisões nacionais.

Desprovida do viés critico a Ordem perde o seu sentido de


existência.

Um fato que nos chamou a atenção foi a presença do presidente


Fernando Henrique à sua solenidade de posse. Antes, só se teve
notícia da presença de juscelino Kubitschek à posse de Nehemias
Gueiros, em 1956. Na sua avaliação, este gesto do presidente foi
uma tentativa de estabelecer um outro padrão de relacionamento
com a Ordem, menos conflituoso do que comumente vinha
ocorrendo?

Eu acredito que tenha sido um a conjunção de fatores. Em primeiro lugar,


após a redemocratização, Fernando H enrique Cardoso era o único dos
presidentes que guardava, na sua história política, afinidades com a ação da
Ordem dos Advogados durante o período do regime militar. E acrescente-se a
isto a preocupação que ele sem pre dem onstrou em ser u m presidente
democrata. Talvez isto o tenha estimulado a comparecer à solenidade de minha
posse. Por outro lado, além de fundador do Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB) e advogado do partido, eu fu i coordenador jurídico da
primeira campanha dele. Tinha, portanto, ligação pessoal com o presidente
Fernando Henrique, e acho que ele foi à m inha posse m uito mais como um a
pessoa amiga do que com a intenção de sugerir à Ordem um outro padrão de
tratamento com o Poder Executivo. Deve ainda ter contribuído para a sua
ida o respeito que sempre teve pela instituição.

E como ele recebeu o seu discurso de posse?

300 ®Ái
VolLinic 7 A 0 / \ B n.i v o x d o s seu s I 'r c s i r l c n t i 's

Segundo um ministro, já falecido, que estava na solenidade, ele saiu de lá


m uito contrariado. Eu fu i extrem am ente duro naquele m om ento, porque
fiz questão de deixar clara a diferença entre o Reginaldo, que preservaria,
na medida do possível, os princípios de urbanidade, respeito e cortesia, e o
presidente da Ordem, que tinha um papel a cum prir e, po r isso, talvez, nem
sempre o agradaria. Foi justo naquele momento, em que, pela prim eira
vez, a O rdem f e z u m a crítica vigorosa ao uso abusivo das m edidas
provisórias por parte do seu governo. Fiz todo um histórico desse instituto
italiano, que fora importado pelo sistema constitucional brasileiro, mas sem
as limitações que os próprios italianos já haviam im posto ao exercício
indiscrim inado dessa fo rm a arbitrária de legislar. H ouve um certo m al-
estar, m as ele tentou contornar prom etend o ter o cuidado de propor
alterações à Constituição ~ o que terminou po r acontecer apenas no fim do
seu m andato - mas desde então nossas relações se lim itaram aos temas de
natureza institucional.

Tem sido uma tônica nos depoimentos a afirmação de que o


peso da cadeira de presidente da Ordem investe o seu ocupante
de um certo espírito combativo que, se não o estimula a avançar
na direção das bandeiras históricas da Ordem, ao menos não
permite que a Ordem abdique ou regrida da sua posição de proa
no cenário político da sociedade brasileira. Foi este espírito que
o estimulou a se posicionar de forma contundente diante do
presidente, ou houve algum tipo de pressão por parte do Conselho
nesse sentido?

N ão houve nenhum a pressão. No fun d o eu tinha a convicção do meu papel


como presidente da Ordem. Eu sabia que deveria assumir essa postura e que
isto talvez provocasse um a mudança no conceito que fa zia m a m eu respeito,
mas, com todos os riscos, optei p o r adotar a postura própria do meu perfil. O
presidente da Ordem dos Advogados que não tiver a consciência de que a
instituição deve ser gerida com a absoluta eqüidistânda de todos os interesses
materiais e partidários não realizará bem o seu trabalho.

301
______________ H istória da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Essa postura crítica em relação ao governo do presidente Fernando


Henrique tinha o apoio do Conselho Federal ou foi algo que se
possa reputar a um posicionamento seu, individual?

Sew dúvida a m inha identidade é m uito vinculada a esse viés critico, até
porque, em função da m inha experiência, haurida ao longo de 43 anos de
vida em Brasília, acumulei informações que m e perm item leras entrelinhas.
Q uando leio um a noticia sei quem está por trás dela, qual a sua intenção, e
raramente erro. Por essa razão, também, a postura da Ordem teve esse caráter
crítico. Agora, ao que eu saiba ou que m e recorde, não houve qualquer
comentário no Conselho que condenasse a m inha ação incisiva à frente da
Ordem. M uito pelo contrário, eu fu i sempre apoiado pelo m eu Conselho. É
óbvio que unanimidade não existe, nem deve existir, mas a maioria, m e parece,
nunca deixou de me apoiar. A lém disso, se a Ordem não tivesse esse forte
traço crítico e independente ela simplesmente não teria qualquer utilidade,
bastaria que os advogados se organizassem em um sindicato ou associação. A
Ordem tem como primeira finalidade, a ela atribuída pelo Poder Legislativo,
pela sociedade brasileira, portanto, o dever de defender a Constituição, o
Estado democrático de direito, a justiça social e o aprim oram ento das
instituições. A segunda finalidade é organizar a advocacia, cuidando de sua
disciplina. Dessa forma, toda defesa que compete à Ordem exercer, em nome
do Estado democrático de direito, ela realiza contundentemente. N ão há como
defender algo aplaudindo a violação de u m ou m ais direitos.

Ainda em relação à questão das medidas provisórias, a Ordem


chegou a tomar alguma providência efetiva contra a utilização que
ela considerava abusiva desse instituto?

O poder que a Ordem tem é o de persuasão, de levantar discussões p o r todos


os meios de comunicação disponíveis, e aos quais ela tem acesso, acerca dos
pontos indispensáveis à preservação e defesa da Constituição e do Estado
democrático de direito. Mo meu mandato, o que estava ao nosso alcance foi
fe ito com m u ita in sistê n cia . N ó s p r o p u s e m o s 42 ações d ireta s de
inconstitucionalidade, sobre vários temas, entre os quais o das medidas
provisórias. E quando era o caso, eu sempre acrescentava a discussão sobre o

302 QÁã
V o liin u ' , ,\ ().\H n a v o / t i o s ‘• c u ' - ( ' i i - s i U i - n t c s

n a o 'c u m p rim e n to dos requisitos que a C onstituição estabelece como


necessários à edição de medidas provisórias, que são a relevância e a urgência
da matéria. Dentre todas, em um a delas o Supremo reconheceu os nossos
argumentos e deferiu a inconstitucionalidade, em virtude de ter considerado
ausentes os fundam entos de relevância e urgência.

E qual foi o saldo dessas 42 ações diretas de inconstitucionalidade?

N ós conseguimos que 2 6 fossem apreciadas. Dessas^ três fo ra m julgadas


“prejudicadas”. O Supremo deferiu 20 medidas cautelares, suspendendo, por
inconstitucionalidade, medidas provisórias, leis e atos normativos, de um a
maneira geral. Então, a Ordem, nesse período, agiu com extremo rigor no seu
papel de fiscalizadora do cumprimento da Constituição. E os julgamentos
favoráveis que tivemos só serviram para comprovar que realmente havia abuso
na elaboração de leis, medidas provisórias e atos normativos.

A que o senhor atribuí esse uso considerado abusivo de medidas


provisórias por um governo de formação democrata como o do
presidente Fernando Henrique Cardoso?

A Constituição que a um presidente outorga um poder excepcional como


este, deveria ter um critério de rigidez excepcional tam bém para aferir o
cabimento ou não dessa prática. O que ocorre é que o presidente da República,
n u m país complexo como é o Brasil, acaba delegando a outros o poder de
exam inar a procedência ou não de determinado ato. N a época, o subchefe do
Gabinete Civil, Gilmar Mendes, era o responsável pelo controle das edições e
reedições de milhares de MPs. Extremamente célere na solução dos problemas
da República, ele resolvia todos com medida provisória, e a cada reedição
mensal que se fazia, ele, vez p o r outra, resolvia aperfeiçoar o texto, retirando
ou acrescentando dispositivos, a tal ponto que não se sabia mais o que estava
ou não em vigor. N a m inha avaliação, cabia ao presidente Fernando Henrique
0 exercício do controle absoluto sobre esse p o d er excepcional - o que

efetivamente ele não fez, até mesmo porque não teria possibilidade de fazê-
lo. Por outro lado, no Brasil nós ainda não conhecemos a democracia na sua

9 âB 303
______________ Hi&tQu'a-da.
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

dimensão mais ampla, tal como a definem os cientistas e pensadores políticos.


Sem dúvida alguma, o presidente Fernando H enrique fo i um democrata
quanto à preservação da liberdade, mas não fbi, na m inha avaliação, um
democrata com toda a extensão que o termo pode conferir. Ele rompeu os
limites da democracia por inúmeras vezes. Eu arrisco afirm ar que fo i até um
governo autoritário.

Há um embate recorrente, pelo que pudemos perceber até agora,


ao longo da história da Ordem, relativo ao grau de envolvimento
que ela deva ter nas questões da política nacional. Ainda que
minoritário, há sempre um grupo de advogados dentro do Conselho
Federal que defende um recuo estratégico na ação da Ordem, mais
enfaticamente em períodos de normalidade democrática, como
íorma não só de dar maior atenção às questões relativas à classe,
como também de evitar uma exposição excessiva da instituição,
com o intuito de preservá-la de um possível desgaste. Durante a
sua presidência foi manifestado algum tipo de receio em relação a
uma polltização excessiva da ação da Ordem?

Eu sempre tive m uito cuidado com os limites que a O rdem devia respeitar na
sua ação institucional. Em face da necessidade que o Brasil hoje tem,
exatam ente por não termos experim entado até aqui, na nossa história
republicana, u m período plenam ente democrático, a O rdem não pode
abandonar em mom ento algum o seu espaço de atuação política, no sentido
da preservação das regras constitucionais brasileiras. A té porque nossa
Constituição é um a carta deprincípios m uito pouco respeitada, m uito pouco
concretizada. Lá você encontra direitos de todos e de tudo, e, no entanto, são
extrem am ente frágeis as garantias de seu exercício. D iante dessa situação, se
a Ordem se restringirá luta por interesses meramente corporativos, é melhor
que seja substituída por um sindicato. Eu garanto que durante o meu mandato,
m uitos advogados, sobretudo advogados mais conservadores, mais afeitos a
um certo conformismo com o estado de coisas que nós vivemos, devem ter me
criticado, mas pessoalmente nenhum teve a coragem de fazê-lo, salvo em um
único caso que respondi im ediatamente pela imprensa. E p or outro lado,
durante o meu mandato, tive o cuidado também de não estar me manifestando

304
V o lu m u 7 A O,AP) n a v o / d o s s e u s P i c ^ i f i e n t c s

etn conjunto com outras instituições, ao contrário do que a Ordem precisou


fazer durante o período militar. Uma vez restaurada a democracia, a Ordem
tinha que refluir para uma posição individualizada eplenam ente identificada
para não correr o risco de ser, a sua manifestação, tomada como algo parcial,
algo que viesse a confundir a instituição com outras entidades, quando a
Ordem tem objetivos que devem ser extremamente claros e definidos. N ão há
no pais outra instituição que se equipare à Ordem.

No mundo ocidental a Ordem dos Advogados do Brasil é uma


instituição incomparável.

E se comparada com outras instituições similares pelo mundo, como


o senhor avalia o peso institucional da Ordem?

N o m undo ocidental não há outra instituição similar tão forte quanto a


Ordem, com tantas atribuições constitucionais. Nós somos, além disso, o
segundo maior colégio de advogados do mundo, ficando atrás apenas dos
Estados Unidos.

Consta nas atas que em 1998, em um evento em Pans, comemorativo


dos 50 anos da Carta da ONU, para o qual a Ordem havia sido convidada,
o senhor insistiu em se pronunciar em português. Por que razão?

Um dos direitos reconhecidos na própria Carta Universal da ONU,^ com o


sentido de condenar qualquer tipo de discriminação, é de que possam os
homens se expressar no seu próprio idioma. Se ingleses, americanos, franceses
e espanhóis fa la m em seus próprios idiomas nos eventos internacionais, por
que nós, advogados brasileiros, que form am os o segundo m aior colégio de
advogados do mundo, não falamos em português? Porque na verdade o mundo
sempre tratou brasileiros e portugueses de uma form a discriminatória.
2 D o c u m e n to a ssin a d o e m ab ril d e 1945, e m São F rancisco, pelos 51 países q u e se e n c o n tra v a m e m g u e rra
c o n tra as forças d o Eixo (A lem anha, Itáliac lap ão), co m o in tu ito de g a ra n tir a paz e a s e g u ran ç a m undiais.
Sua ratificação pela m a io ria dos s ig natário s, em o u tu b r o do m e sm o an o , crio u a O rg a n iz a ç ã o das Nações
U n id a s (O N U ). Ver G rande Enciclopédia ia ro u sse Cidtural, op. cit.

305
_______________ História da_______________________________________
I O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s ií________________________________________________________

E a que o senhor atribui essa discriminação?

Isto fa z parte do processo de dominação econômica que os países hegemônicos


exercem sobre ns economias periféricas. Quanto mais afastados mantiverem os
que podem conhecer a realidade do hemisfério norte, trazer as informações,
form ar uma massa critica e depois lutar por condições mais equânimes de
negociação econômica, industrial, seja o que for, mais fácil será a viabilização
do histórico sistem a de dom inação. Eu considero u m m ecanism o de
discriminação não reconhecer o português como um dos idiomas oficiais dessas
instituições. E nós, advogados do Brasil, em face desse isolamento, tivemos pouca
oportunidade de aprender um outro idioma, fluentemente, a ponto de ir a um
evento internacional e fazer um a intervenção. E nós não podíamos mais ficar
isolados do que se passava no exterior. Eu queria levar aos eventos internacionais
da advocacia a presença do advogado brasileiro. Ainda assim, nós estamos,
certamente, m uito aquém dos advogados europeus e americanos no plano de
evolução do próprio mercado de trabalho e do pensamento jurídico.

E com o foi, afinal, a sua participação neste evento? Houve


repercussão?

Nessa oportunidade, o Barreau de Paris convidou um representante de cada


continente para fazer a sua manifestação. Quando aceitei o convite, pedi que
me proporcionassem a tradução simultânea do português para o francês, no
mínimo, e também para o inglês. Mr. Petit, que fo i b âtto n ier do Barreau de
Paris e era presidente do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, à época, foi
quem se responsabilizou pela m inha solicitação. M as ele não conseguiu, e só
lembrou de m e avisar no dia, quando a sessão já estava aberta. Eu pedi então
para que ele me deixasse para o fin a l e, se possível, fizesse a gentileza de
providenciar uma pessoa que pudesse dar conta da tarefa, porque eu não falaria
em outro idioma que não fosse o português, esem tradução m inha intervenção
não se realizaria. O fato é que não houve mesmo quem pudesse fazer a tradução
simultânea. Quando chegou a m inha vez, óbvio que em francês, levei ao
conhecimento dos presentes que m e recusava a p articipar da sessão de
comemoração falando em outro idioma, justamente porque aquele era um dos
direitos cuja conquista se comemorava naquela oportunidade. E mais, que

306 mà»
V o lu m e / ( ) / \ H n,i V I ) / (li)s scLis P r c s k l u n t c s

deixava o texto escrito, em francês, inglês e espanhol, disponível para todos os


que quisessem lê-lo. Agradeci e dei por encerrada m inha participação. Nesse
mesmo dia, Mr. Petit fo i ao hotel em que eu estava, deixou-me um a carta
extremamente gentil pedindo desculpas pelo descuido e, à noite, infelizmente,
veio a falecer em virtude de um mal súbito. Ele já era idoso, mas mesmo assim
fo i uma coincidência extremamente trágica e lamentável Isso acabou marcando
muito. De um a outra vez em que eu fu i a Parts já havia a tradução simultânea.
Agora, no Congresso da União Internacional dos Advogados (UIÁ), que será
em Lisboa, em função de um pleito de advogados brasileiros e portugueses à
VIA, 0 idioma português vai ser admitido como um a das línguas oficiais e
passa a ser oferecido em todos os eventos da instituição, que é a mais importante
e antiga da advocacia no mundo.

Eu sempre fui a favor do controle externo do Poder judiciário.

Na ata da sessão de 19 de outubro de 1999 consta a instalação de


uma comissão mista formada pela OAB e pela Associação de
Magistrados Brasileiros (AMB), para discutir a reforma do judiciário.
Considerando-se a difícil relação que a Ordem sempre teve com os
magistrados, houve resultados positivos?

De antem ão eu quero dizer que o conflito da O rdem nunca fo i com os


magistrados convencidos de sua importância na luta pela preservação do
Estado democrático de direito. Nesse sentido, a m inha idéia era unir forças,
já que tanto o advogado é essencial à administração da Justiça, como também
0 é a magistratura. Por que se digladiar quando a solução do problema
interessa a ambos?À época, o presidente da A M B era o atual desembargador
Luiz Fernando de Carvalho, que é um ju iz aberto, extrem am ente cordato e o
diálogo com ele era m uito bom. Eu propus que nós defendêssemos juntos os
pontos em que a Ordem e a A M B estivessem de acordo. A idéia da Comissão
acabou sendo aprovada pelo Conselho Federal efo i extrem am ente saudável.
Nós conseguimos êxito na Câmara em grande parte das nossas postulações,
como na derrubada do ^‘incidente de inconstitucionalidade”, na modificação
da composição dos Tribunais Regionais Eleitorais, que hoje têm a maioria de

307
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

juizes estaduais, e na restrição da “súmula vinculante” e da "argüiçao de


relevância"', entre outras.

E qual era o problema com o instituto da "argüição de relevância"?

Isso chegou ao Brasil em 1977, com o denominado Pacote de Abril,^ como forma
de desafogar o Supremo do acúmulo de processos, reduzindo o cabimento de
recurso exclusivamente para questões constitucionais. Ao que não dissesse respeito
à Constituição, só caberia o “recurso extraordinário” se comprovadamente se
tratasse de assunto de relevância federal. Este recurso recebeu o nome, então, de
“argüição de relevância”. Para que se tenha uma idéia, em cada 100 argüições
apenas uma era admitida pelos ministros do STF, e como não havia necessidade
de motivar a decisão, a apreciação dos pedidos acabava sendo lenta e aleatória.
Então, na Constituinte de 1988, criou-se o STJ para julgar os recursos que
abrangem questões infraconstitucionais, o que fez com que se extinguisse a
famigerada argüição de relevância. Om, sefo i criado o STJ exatamente para que
se pudesse banir do sistema a argüição, não há lógica que possa explicar sua
ressurreição.

Houve acordo quanto ao controle externo do Judiciário?

Nessa questão não houve acordo, mas nós ganhamos. Nós ganham os porque
a Câmara aprovou o controle externo, composto, ainda que por maioria da
magistratura, mas com dois membros da Ordem, dois do Ministério Público
e dois indicados pelo Senado e pela Câmara. Conseguimos realizar aquilo
que sempre defendemos.

E por que a Ordem se manifestou sempre contrariamente aos jufzes


classistas?

Os juizes classistas, no Brasil, ao contrário do conceito original, acabaram se


tom ando um instrumento anacrônico, inútil e, na verdade, um a verdadeira
’ Sob re o Pacote d e Abril, ver n o ta 2 da e n tre v ista d e E d u a rd o Seabra F agu nd es, neste volu m e.

308 •àB
V d liiin i' A ( ) .\I5 11,1 V O / ( l o s s e l l s I’ i x ' s i d c n t c s

fo n te d e privilégios. N as Juntas de Conciliação, onde havia u m representante


de empregados, outro de empregadores e o juiz, os classistas jam ais proferiram
um a decisão, mas sempre subscreveram a sentença do juiz. Eram pessoas sem
formação e ficavam lá cinco anos para se aposentarem com o salário integral
de classistas.

A respeito da CPI do Judiciário,'^ a OAB, de início, se posicionou


contra, por considerar que poderia haver um risco de enfraquecimento
de um dos poderes da República. Por esse posicionamento, a Ordem
foi acusada até de estar tentando proteger os seus pares. Ao fim e ao
cabo a CPI redundou na punição doJuiz Nicolau dos Santos Neto e
na cassação do senador Luiz Estevão. Houve ônus para a Ordem,
em função desse posicionamento?

Em primeiro lugar, a CPI acabou atraindo a atenção da imprensa e a imprensa


é que acabou sendo responsável p o r essas conseqüências. A té porque esse
escândalo já havia sido levantado, o Tribunal de Contas já estava investigando.
E a cassação do Luiz Estevão tam bém decorreu dessas investigações e do
estardalhaço da imprensa. Em segundo lugar, eu nunca tive a m enor
preocupação com advogados que têm condutas reprováveis. Para m im , o
advogado é um cidadão sujeito ao cumprimento das leis como qualquer outro
cidadão brasileiro. D ito isto, o fato é que a CPI do Judiciário não passou de
um gesto político usado para atender ao senador Antonio Carlos Magalhães,
que na m inha avaliação abusava da finalidade do instituto, com o grave
risco de subverter a ordem constitucional. A quem cabe, no nosso sistema,
apurar crimes e julgar os criminosos? Ao Poder Judiciário, claro. Essa é a
distribuição de poderes estabelecida na Constituição. M as as CPIs no Brasil

* C ria d a e m m a rç o d e 1999, a C P I tin h a p o r in tu ito a a p u ra ç ã o d e d e n ú n c ia s c o n c re ta s d a existência d e


irregu larid ade s p ra tic a d as p o r in te g ra n te s de trib u n a is su p erio re s, de trib u n a is region ais e d e trib u n a is
d e Justiça. E n tre to d o s os casos a rro la d o s , o q u e m ais c h a m o u a a te n ç ã o d a o p in iã o p ú b lic a foi, sem
d ú v id a , o d a c o n s tr u ç ã o s u p e r fa tu ra d a d a sede d o T ribunal R egional d o T rab a lh o (T R T ) d e São P aulo,
c ujo re sp o nsável e p rin c ip a l a c u s a d o foi o ju iz a p o s e n ta d o N ic o la u d o s S a n to s N eto . J u n to dele e d e
o u tro s n o m e s, foi in d ic ia d o a in d a o s e n a d o r Luis Estevão, d o P a rtid o d o M o v im e n to D e m o c rá tic o
Brasileiro (P M D B -D F ) - q u e teve o m a n d a to c assad o p a ra q u e m N ic o la u te ria e n v ia d o p a rte dos
recursos desviados. C o m o p ro s se g u im e n to das investigações, já ap ós o fim d a C P I, N ic o la u , Estevão e
vários o u tro s tiveram a p ris ã o d e cretad a pela Justiça. D isponível e m h ttp ://w w w .te rra .c o m .b r/b ra s il/
200 0/12 /0 8/12 2.h tm .

309
______________ H isto r ia da.
O rd e m d os A dvogados d o Brasil

acabaram se transformando em grandes tribunais políticos. M esmo quando


os acusados, por quaisquer razões e evidências, são absolvidos no Judiciário,
a repercussão dos trabalhos de u m a C PI como as que conhecem os já
promoveram um tal estrago na reputação dos investigados, que de nada mais
poderá reparar. A s conseqüências nefastas desse desvirtuamento de princípios
n a u tiliza ç ã o de u m im p o rta n te in s tru m e n to com o as CPIs são os
pouquíssimos resultados práticos que elas norm alm ente vêm dando.

Então a discordância da Ordem se relacionava ao uso político que,


segundo a sua visão, se tentava fazer da CPI do judiciário?

Sim, nossa resistência a essa CPI se dava também porque certamente ela não
chegaria a casos protegidos pelos seus membros. O Brasil tem inúmeros
problemas de corrupção envolvendo o Judiciário e essa CPI se reduziu a dois ou
três casos. Eu nunca fu i contrário à apuração dos crimes de corrupção no âmbito
do Judiciário, e por isso sempre fu i um defensor do controle externo, justamente
para que se cerceassem os espaços desses tipos de ações ilírítas. Mas o que eu não
poderia aceitar era um desvio de competências como o que aconteceu com a
CPI do Judiciário. O Parlamento, em qualquer país civilizado do mundo, não
é delegada depolíáa e as CPIs existem para a apuração de um fato determinado.
Obviamente que lateralmente as CPIs term inam por responsabilizar indivíduos
que, aparentemente, antes das investigações, não tinham qualquer relação com
os fatos, mas as CPIs existem, sobretudo, para construir um a consciência dentro
do Parlamento que permita um a elaboração de leis que possa corrigir aqueles
desvios, impedindo que eles se repitam. A polícia existe para apurar os crimes e
0 Judiciário para julgá-los e condenar os culpados. Neste episódio, o senador

Antonio Carlos Magalhães promoveu, na m inha avaliação, um a subversão


completa da ordem das coisas. Nossa posição então, repito, fo i contra esta
distorção e não contra a apuração dos fatos.

O senhor acha que a existência do controle externo teria impedido,


por exemplo, o episódio do juiz Nicolau?

310
V o lu m e , -A O A I ) n a ' . o / d o s s c iis P i c s i d c i t l c s

Eu acho que sim, m as não porque o Ntcolau fosse ficar receoso àe praticar um
ato ilícito, e sim porque, simplesmente, a fiscalização não deixaria espaços
para que esse tipo de coisa viesse a ocorrer. Porque o controle externo que nós
pregamos é o controle administrativo e disciplinar. N o Brasil, cada tribunal é
independente adm inistrativa e financeiramente, e isso facilita a vida dos
corruptos. Se houvesse o controle externo, o órgão responsável pela fiscalização
teria o controle financeiro sobre as despesas do Tribunal e perceberia a fraude.

A Ordem sempre foi a favor de uma revisão da legislação penal, e


mesmo processual.

Durante a sua gestão, o ministro da Justiça, íris Resende, instituiu


uma comissão para elaborar um anteprojeto de reforma do Código
Penal, e se falou na adoção de penas alternativas. ^ A Ordem debateu
o assunto internamente?

Debateu não só durante a m inha gestão, porque esse é um tema, para nós,
recorrente. A Ordem.sempre fo i a favor de um a revisão da legislação penal, e
mesmo processual, ao contrário do que todos afirmam.

Uma das características da OAB é a sensibilidade em captar as


demandas que a sociedade apresenta. Hoje é notória a existência
de uma cobrança da sociedade por um rigor maior das penas
punitivas, em função do aumento da criminalidade e da dificuldade
visível das autoridades em combatê-la. A OAB vai encampar essa
bandeira?

A Ordem não pode se desligar do racional, do razoável, com relação a esse


tema. O que importa não é a gravidade da pena, mas a sua infalibilidade.
H á mais de 300 m il mandados de prisões espalhados pela Polícia Federal e

* A c o m issã o era fo r m a d a pelos ju rista s M ig uel Reale Jr. (p reside n te ), A lb e rto Silva F ran c o , Ed so n Ô dw yer,
Jair L e o n a rd o Lopes, Luls F e rn a n d o X im enes, Luiz V icente C ern ic ch ia ro , N ilo B atista, R ené A riel D otti,
M au rício A n to n io R ib eiro Lopes e Ivete Senise Ferreira.

311
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

pelas justiças estaduais. Se nós fôssemos prender todos os condenados desse


pais não haveria como alojar todo mundo. Além disso, o exemplo dos Estados
Unidos não pode ser esquecido. Lá eles têm um a efetividade de condenações
e ações penais que gira em torno de mais de 50% de todos os processos que
são julgados. Sem contar ainda que adotam a pena de morte. E resolveu? A
violência dim inuiu? N ão só não dim inuiu como continua crescendo, como
em todos os países do mundo. A questão então é o rigor. Q uem fo r condenado
a 20 anos de prisão deve ter o direito à progressão da pena, mas de form a
mais rigorosa do que hoje ocorre. N ão é possível que o cum prim ento de uma
pena de cinco anos reduza os vinte ou trinta de condenação. Tem que haver
um acompanhamento, um exame psicológico de avaliação perm anente do
sujeito. A segregação de quem não possa efetivam ente estar integrado à
convivência social tem que ser feita com m uito cuidado e critério, senão você
acaba favorecendo, com um encarceramento desmedido num sistema prisional
falido, 0 aperfeiçoamento do criminoso.

Fazer da legislação penal e do sistema prisional, efetivamente,


instrumentos de ressocialização é o desafio?

Sim, claro. A té porque a finalidade m aior da punição e da reclusão é a


ressocialização. É compreensível a postura repressora da sociedade civil, mas
0 que temos que perguntar é o que há por trás desses índices enormes de

criminalidade, além das questões jurídicas. Q uem são essas pessoas que tomam
os rumos da criminalidade? Geralmente são pessoas que não tiveram nenhum
apoio, no mais das vezes viram os pais morrerem assassinados, ou não tiveram
oportunidades de emprego, de sobrevivência, sem que o Estado sequer tenha
se lembrado deles. Este é o criminoso que nós queremos fuzilar. O que nós
precisamos fazer, óbvio, não há outro meio, é segregar aqueles que representem
efetivo risco para a sociedade. Agora, o Brasil tem que entender que Beccaria^
tinha razão. N ão é, portanto, a gravidade da pena o que m ais importa, mas
sim a seriedade na sua aplicação e cumprimento.
* C esa re B on esa na Beccaria (1738-1794), ju rista e e c o n o m ista italiano , p r o m o v e u u m a re n o v a çã o no D ireito
P enal c o n d e n a n d o o proc e sso secreto, a tortura, a a tro c id a d e do s supJicios, a d e sig u a ld a d e d o s castigos
de a c o r d o c o m o sta tu s social d o castigado e a p e n a capital c o m o m é to d o s legítim os e eficientes de
c o n tro le e d is c ip lin a m e n to d e c o m p o rta m e n to s d e sv iam es d o s in d iv íd u o s . Ver G rande Enciclopédia
Larousse C ultural, o p . cit.

312 màm
V o lu m e \ O A l i ii.i V07 cios scLis P r('s ic lc n U ‘S

Tomando o caso do d r. Agesandro da Costa Pereira, presidente da


seccional do Espírito Santo, que acabou virando uma figura pública
ao denunciar o crime organizado no estado, com o o senhor
compararia a luta da OAB nessa nova frente, e a luta da OAB nos
anos 1970 e 1980 contra o regime militar?

É necessário perceber também que o fio condutor da organização do crime é


0 Estado, e não o criminoso. Q uem perm ite que o crime se organize e quem

adm inistra essa organização são correntes ligadas ao próprio Estado. Então
eu acredito que a Ordem possa estar sujeita a atentados ou coisa do gênero,
porque o Estado, quando integra facções criminosas, é capaz de fazer isso.
M as 0 ministro Márcio Thom az Bastos, um ex-presidente da O rdem e hoje à
frente da pasta da Justiça, conhece isso muitíssimo bem e está administrando
0 assunto com um a maestria que ainda não foi percebida. Se ele permanecer

no cargo por m uito tempo nós vamos assistir à correção desse problema.

No caso do Espírito Santo, a OAB chegou a solicitar algum tipo de


proteção do governo federal?

Várias vezes. Tanto que houve até um a indisposição com o presidente


Fernando H enrique porque num primeiro m om ento ele chegou a autorizar a
intervenção, mas logo depois voltou atrás, por razões poUtico-eleitorais, se
não m e engano. O ministro Miguel Reale Jr., que era o ministro da Justiça na
ocasião, pediu inclusive exoneração em função do ocorrido.^ Por fim , a m uito
custo, conseguimos apurar os fatos através de um a força-tarefa que o próprio
presidente designou para lá.

Na sua avaliação o instituto da força-tarefa é um instrumento


eficiente no combate ao crime organizado?

A força-tarefa não é nada m ais do que o encam inham ento, para um


determinado estado da federação, de autoridades federais desvinculadas do
controle local da criminalidade. Enquanto fo r encarregado da investigação o

^ So bre o ep isó d io , ver en tre v ista d e R u ben s A p p ro b a to M ac h a d o , neste volum e.

•ál 313
______________ História da
O rd e m d os A dvogados d o Brasil

próprio aparelho estatal, dificilmente vai se chegar a algum lugar, em função


da contaminação quase corporativa de todos os seus órgãos de apuração.

Durante os anos 1970, os presidentes da Ordem tinham por hábito


ir aos ministros da Justiça reclamar dos assassinatos contra advogados
pelas forças de segurança. Consta em ata que o senhor, no segundo
semestre de 1999, se reuniu com o então ministro josé Carlos Dias
para alertá-ío sobre a atuação de matadores profissionais que teriam
assassinado o presidente da subseção da OAB de Jacobina (BA), o
d r. Luiz Alberto de Carvalho. Como se deu o episódio?

N a verdade eu fu i um pouco à frente. Esse caso de Jacobina fo i o primeiro,


durante a m inha gestão, de assassinato de um dirigente da Ordem, e eu queria
dar visibilidade nacional à nossa ação em relação ao fato. Assim que eu soube
da notícia, contratei um avião, convoquei a imprensa e f u i para Jacobina.
Conseguimos assim mobilizar as atenções em âmbito nacional, para que todos
tomassem conhecimento de que não ficaria barato atingir um dirigente da
Ordem. De todo modo, as investigações ainda não terminaram, mas já se
verificou que o motivo do a im e fo i pessoal e não político. Q uando fu i ao José
Carlos Dias ele m e ajudou muito, sensibilizou a polícia baiana e acabamos
prendendo o suspeito.

Uma outra CPI que ocorreu durante a sua gestão e que trouxe à tona
o envolvimento de autoridades com o crime organizado foi a do
Narcotráfico.^ E aí hâ um paradoxo, como ocorreu no caso doJuiz
Nicolau, porque se por um lado a apuração desses crimes é algo
louvável e positivo, por outro, fragiliza a imagem dos poderes
constituídos. Tanto o judiciário quanto o Legislativo saíram muito
arranhados dessas duas CPIs. Essa situação, de certa forma, acua o
Estado. No meio desse fogo cruzado, entre o desejo pela apuração
" A C P I d o N arcotráfico foi instalada n a C â m a ra f e d e r a l de d e z e m b ro d e 1999, te n d o c o m o re la to r o dçpuCado
M o ro n i T organ, d o P a rtid o d a F ren te Liberal {PFL-CE). D e p ois d e m eses d e investigação e v á rio s ped id os
d e p risõ e s e in d ic ia m e n to s, fico u c o m p ro v a d o o e n v o lv im e n to de au to rid a d e s federais e e sta d u a is c o m o
c rim e o rg a n iz a d o . Em m e a d o s d e n o v e m b ro de 2000 o re la tó rio d a C P I foi fin a lm e n te e n tre gu e à C âm ara,
q u e o a p ro v o u n o m ê s seg uinte. D isponível e m h ttp ://w v m .u o l.c o m .b r/2 0 0 0 /o u t/2 9 /0 p a i.h tm .

314
V o lu m e 7 A ( ) , \ H na \ o / d o s scnis I'if 's id r n lc 's

dos fatos e a preocupação com a integridade e legitimidade dos


poderes constituídos, está a Ordem, que atua nos dois campos. Que
tipo de estratégia foi e deve ser adotada em situações como essa?

Esse é um tema extrem am ente complexo. M as o que eu penso é que quando


nós optamos, inspirados na experiência americana, p o r u m a república
federativa e democrática, nós absorvemos os seus ideais históricos, entre eles
a idéia da separação e independência dos poderes - que tem como base o
p en sa m en to de M ontesquieu. Portanto, cabe aos poderes, com o estão
constituídos, assegurar a harm onia da sociedade e a tu a r no sentido de
preservar os seus valores fun d a m en ta is. N o Brasil, o que nós estamos
verificando? Como a policia não funciona, como o Judiciário é tardio, como o
Executivo é leniente com a corrupção, como o Congresso Nacional, por sua
vez, não regula adequadamente a form a de acesso aos mandatos políticos, o
que nos sobra é essa liquefação dos valores. Acabamos então aplaudindo um a
C P I q u e é p ra tica m en te u m inquérito p o licial dentro do Congresso,
simplesmente porque não tem quem faça. O Estado no Brasil é extremamente
fragilizado, em função do seu acumpliciamento com o crime organizado. Eu
não duvido m uito que o narcotráfico hoje esteja preparando advogados e
bacharéis em direito, que vão fazer concursos, vão entrar na magistratura,
vão entrar na advocacia, vão entrar no Ministério Público e vão entrar
tam bém na vida política. Em suma, no fu n d o eu tenho u m ím peto de
reprovação a esse tipo de postura das CPís, que são usadas tam bém como
palanques, mas infelizmente essa é a nossa realidade, e quando um a CPI
consegue apurar qualquer coisa, por m ínim a que seja, a gente já comemora.

Na minha sucessão eu optei pelo Approbato.

A sua sucessão foi tensa, como de costume, aliás. Pelas atas é


possível perceber que inicialmente o nome mais cogitado para
sucedê-lo era o do d r. Urbano Vitalino, mas efetivamente não foi o
que aconteceu. Como se deu a composição em torno do nome do
d r. Rubens Approbato, que foi afinal o seu candidato à sucessão?

315
______________ H isto ria d a
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

O Urbano, que é de Pernambuco, aspirava m uito legitimamente ser o meu


sucessor. Era o meu vice-presidente, eu tinha um a ótim a relação com ele.
M as em determinado momento, e será hipocrisia dizer que o dirigente de
u m a instituição como a O rdem não tem preferências - em razão da
responsabilidade de passar adiante a gestão da instituição eu optei pelo
Approbate. Em verdade, eu não me defini precipitadamente, até porque eu
tinha consciência de que, no momento em que eu pronunciasse o nome do
m eu candidato, m eu poder se reduziria à metade. M as a m inha opção pelo
Approbato decorreu da circunstância de perceber nele um a experiência de
gestão multifacetada, adquirida num a seccional como São Paulo.

O d r. Urbano Vitalino reagiu mal à sua escolha^ não?

Sim, acredito que influenciado por algumas pessoas, me fe z acusações graves,


mas que hoje eu debito na conta da tensão do momento eleitoral que vivíamos.
N o m eu discurso de despedida da presidência do Conselho eu acabei
respondendo sutilm ente às acusações. Literalmente, eu disse: “Agradeço a
confiança em m im depositada nessa eleição, que acabou tendo sabor especial.
Pensava em responder aos agravos que me foram assacados no curso do processo
eleitoral pelo candidato derrotado (em verdade o Urbano renunciou à
candidatura em dado momento). Acabei, no entanto, reconsiderando a idéia a
partir de um conselho que recebi de um amigo, Carlos Henrique Almeida Santos,
experiente jornalista de Brasília, que me enviou a seguinte mensagem: 'Mais
do que aquilo que devem fazer, a ética impõe aos homens de bem o que não
devem fazer. N ão devemos, p o r exemplo, responder ao que os fa tos já
responderam por nós, 27 a 0\ A zero, eu repito, é o quanto valem as palavras
vazias, portanto vamos ao que interessa, tratemos do futuro da Ordem e do
futuro do Brasil”M inha resposta fo i a eleição do Approbato por unanimidade.

Quais os critérios que orientam um presidente na escolha do seu


possível sucessor?

É um somatório de qualificações e pré-requisitos que devem ser preenchidos:


coragem, independência pessoal, material, posições político-ideológicas, etc.

316 «41
V o lu H K - / OAi-» n .i v o z d o s s c iis I ' l f s i d c t i t t ’s

Vou dar um exemplo: quando estourou o escândalo do P i t t a , em São Paulo,


eu tive a idéia de fazer um teste com o Approbato. E provoquei-o a tomar
iniciativas contra o Pitta, já que eram cabíveis. Ele m ais que depressa
mobilizou a Ordem, mobilizou a comunidade jurídica de São Paulo, fo i à
frente, enfrentou o problema. Acabou não dando em nada, infelizmente, pelo
domínio que o Pitta tinha da Câmara dos Vereadores de São Paulo, mas o
Approbato deu a resposta que eu esperava.

Precisávamos dar visibilidade à nossa identidade institucional na


capital da República.

O q u e m o tiv o u a c o n s tru ç ã o de um o u tro p ré d io , e m Brasília, para


sediar o Conselho Federa! da Ordem?

A construção dessa nova sede decorreu de uma série de reflexões que eu sempre
fiz. Tão logo fu i eleito, me deparei com a necessidade de renovar um pouco o
ímpeto das seccionais, da cobrança das anuidades, que apresentava sinais
crescentes de falta de rigidez, o que estava enfraquecendo economicamente a
Ordem, já que o Conselho Federal sempre teve como hábito, justo, o repasse
de recursos para cobrir o déficit das seccionais. Eu precisava de um bom
argumento, então, para convencer as seccionais de que não teria como
c o n tin u a r a repassar os recursos. A construção de u m p réd io , que
evidentemente é m uito onerosa, caia como um a luva. Mas qual era o meu
objetivo com isso? Eu tinha a convicção de que a dependência financeira das
seccionais em relação ao Conselho Federal retirava delas a liberdade de escolha
da direção do próprio Conselho. E mais: fechando a torneira eu tinha certeza
de que eles iam começar a brigar para receber mais dinheiro, para tornar

’ o e x-p rcfeito d c Sào P aulo, Celso Pitta, a p a d r in h a d o p olítico d e Paulo M a lu f e eleito p a ra o carg o na
sucessão d este, e m 1996, foi a c u s a d o p o r sua esposa, N icéa P i t t a - c o m a q u a l vivia u m a crise co n jug a l na
o casião e m m a rç o d e 2000, de p a g ar p ro p in a e m tro ca d a ap ro v a çã o d e seus p ro je to s n a C â m a r a dos
V ereadores d e São P a u lo . As investigações te rm in a ra m a p o n ta n d o ta m b é m p a r a irreg u larid ad e s n o
p a g a m e n to d e p re c a tó rio s - d ívidas c o n tra íd a s d e sentenças jud iciais - p o r p a r te d o p o d e r m u nicip al.
D ep ois d e u m te m p o a fa sta d o d o exercício do cargo, p o r decisão d o STI, e m face d a s claras evidências do
seu en v o lv im e n to . P itta ío i re c o n d u z id o ao cargo pelo m e sm o STJ, em ju n h o d c 2000, te n d o co n clu íd o
0 seu m a n d a to . D isponível e m h ttp ://w w w .e sta d a o .c o m .b r/a g e s ta d o /n o tic ia s/2 0 0 1 /se t/0 4 /2 7 3 .h tm .

317
______________ História_da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

mais eficaz o seu sistema de arrecadação, etc. Por outro lado, as sedes do
Conselho Federal sempre foram apêndices de seccionais, e nós precisávamos
ter na capital da República a nossa identidade institucional, o nosso símbolo,
a nossa visibilidade assegurada, com instalações dignas, enfim.

O que foi o "OAB recomenda"?

Foi u m selo de qualidade que nós criamos para os cursos de direito no Brasil.
N ós reunimos dados de todas as faculdades que tivessem mais de dez anos de
existência - e isto era um critério importante - e avaliávamos um a a uma,
com três preocupações objetivas: a nota do Provão,''^ o índice de aprovação
nos exames de Ordem e as instalações físicas. Dentre 280 avaliações, nós
reconhecemos como harmônicas com os critérios de realização de um bom
trabalho apenas 42 faculdades. E a estas nós atribuím os, portanto, a
homologação, o reconhecimento da Ordem de que eram cursos que atendiam
aos critérios m ínim os exigidos para que fossem considerados cursos de direito
regulares. A conseqüência disso é que todas as faculdades começaram a tentar
se aperfeiçoar para merecerem a recomendação. Isto fo i algo importantíssimo,
do qual me orgulho, e que esse ano será renovado.

O que foi a Escola Nacional de Advocacia, criada também em sua


gestão?

Era um centro produtor de material didático para distribuição em todo o


Brasil, pelas escolas de advocacia, com o objetivo de prom over cursos à
distância, ajudar na preparação de conferências, etc. Acabou não se realizando
da form a como havíamos pensado, mas fo i um projeto que tam bém gerou
grande expectativa para nós.

O senhor concorda com a avaliação de que a Ordem nunca esteve


tão próxima do poder quanto agora, com o Márcio Thomaz Bastos,
um ex-presidente da Ordem, no Ministério da Justiça?
Sobre o ass u n to , ver n o ta 7 d a en tre v ista de E r n a n d o U c h o a Lim a, n este vo lu m e.

318 •àB
V olum e 7 A OAB na voz d o s seus P residentes

hurna**

R eginaldo de C astro , p re sid e n te d o C o n selh o F ederal d a OAB,


discursando n a fóris Bar Association (20/ \ \ l 99).

•4B 319
______________ História da
Ordem d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Não, isso é m uito pequeno; é reduzir o Márcio a um a dimensão que ele não
merece. O M árcio é um jurista que tem um a larga experiência, certamente
m uito enriquecida pelo exercício da presidência da OAB, m as não é só isso. O
Márcio é capaz de agir no Ministério da Justiça com m uito mais amplitude
do que apenas como um ex-presidente da Ordem. Evidentemente que, como
qualquer cidadão que tenha tido a oportunidade que ele teve de conhecer o
pais por inteiro, e principalmente as suas instituições, o pensamento dele se
aproxima do pensamento da Ordem. É p o r isso que talvez se imagine que o
M árcio é a OAB, m as ele tem outras razões hoje que não são mais,
exclusivamente, as da OAB. Vê-lo assim é am esquinhá-lo demais. N ão há
ninguém que tenha ocupado o cargo de m inistro da Justiça com tanta
capacidade como ele.

Fique à vontade para as suas considerações finais.

Eu sou um apaixonado pela Ordem, e até me emociono. Eu tenho um a paixão


enorme pela ação da Ordem, pela utilidade da Ordem, e por isso eu sou
capaz de me dividir inteiramente. Eu queria agradecer a oportunidade e espero
ter contribuído para abrilhantar ainda mais a história desta instituição à
qual pretendo servir até o fim de meus dias.

320 9ÀB
\o lu m e 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

•àl 321
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Presidente d o Conselho Federal no período de 2001 - 2004.

322 9àM
V o Il i u k ’ , A ()/\I3 na v o / dos sc'lis P i fs i d cm t cs

Rubens Approbate Machado

E n tre vista do ra s: M a rly M o tta e C a b rie ia N e p o m u c e n o


D a ta da e n tre v is ta : 7/ago/2003
L o c a l da E n trevista : Sede da OAB (Brasília-DF)
D u r a ç ã o : 3h.

323
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Com a minha eleição a Ordem optou por um perfil mais combativo.

Quando e em qual faculdade o senhor se formou e em que ano


ingressou no Conselho Federal da Ordem?

Formei-me em 1956, pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco,


da Universidade de São Paulo (USP). Desde 1955 eu já me encontrava inscrito
na Ordem de São Paulo como solicitador acadêmico. Em 1957, já formado,
inscrevi-me como advogado. De lá para cá fu i conselheiro seccional da Ordem
de São Paulo durante vários anos, até me tornar seu presidente em 1997. Em
2000, tão logo deixei a direção da seccional, elegi-me presidente do Conselho
Federal, sem nunca ter sido conselheiro federal, para o exercício de um
m andato que se iniciou em de fevereiro de 2001 e terminará em 31 de
janeiro de 2004.

Pelo que pudemos averiguar, ao fim do mandato do seu antecessor,


o d r. Reginaido Castro, toda a articulação para a sucessão girava
em torno do nome do d r. UrbanoVitalino, então vice-presidente da
Ordem. Como se deu a urdidura da sua candidatura, que por fim
acabou vitoriosa?

Eu nunca tive como finalidade últim a da m inha carreira chegará presidência


do Conselho Federal, ainda que o exercício deste posto seja coerente com uma
vida inteira dedicada à advocacia e à Ordem, como tem sido a minha.
Realm ente tudo indicava que o dr. Urbano Vitalino fosse suceder o dr.
Reginaido Oscar de Castro, não só porque era um candidato natural, em
função de ocupar a vice-presidência, como tam bém pelas suas qualidades
intelectuais e profissionais. Mas a m inha personalidade é inquieta. Eu costumo
assumir posições quando vejo algo contrário aos meus valores e propósitos,
quanto mais em se tratando da Ordem dos Advogados do Brasil. Em função
disso, era co m u m nas reuniões do Colégio de Presidentes que eu me
manifestasse expondo as minhas convicções.' Essa exposição natural, resultado
da m inha maneira de ser, fo i sedimentando em torno do meu nome uma
' S o bre a criação d o Colégio d e Presidentes, ver entrevista d e L a u d o C am a rg o , n e ste v o lu m e.

324
V o k iiiK ' , , \ O AI^ nd v o z d os si'us I’ lc’sidc’tiU’S

certa liderança dentro do Colégio. Isto conjugado à mudança do sistema


eleitoral, que proporciona aos presidentes das seccionais u m controle maior
sobre o processo sucessório, já que agora não são mais os conselheiros federais
que elegem o presidente da OAB nacional, fez com que surgissem articulações
em torno de alguns nomes, dentre os quais estava o meu, e que acabou sendo
0 escolhido para encabeçar um a candidatura alternativa à que estava sendo

proposta dentro do Conselho Federal. Tanto fo i assim que eu entrei na disputa


a poucos meses da eleição.

O presidente da seccional de São F^ulo é um candidato natural à


presidência do Conselho Federal da OAB, não?

Não, eu acho que não. N ão é o tam anho da seccional que transforma o


presidente no candidato. H á presidentes de seccionais menores que têm toda
a força e todas as condições de presidir o Conselho Federal, como tam bém é
possível, m uitas vezes, que um a seccional grande tenha um presidente fraco e
sem condições. Isso é p or demais relativo e depende não só do trabalho
desem penhado na seccional, mas tam bém da personalidade do próprio
presidente. Eu confesso com toda a lealdade de que jam ais me passou pela
cabeça a postulação à presidência do Conselho Federal, até porque as minhas
relações com o Conselho Federal eram m uito etéreas,já que, como disse, eu
nunca fu i conselheiro federal, nunca participei de reuniões do Conselho, minha
vida de OAB fo i sempre mais regionalizada.

Como foi a sua campanha?

Foi um a campanha difícil, eu saí em m uita desvantagem, porque o meu


adversário já estava trabalhando a candidatura havia três anos, sem contar
que ele era conhecido nacionalmente, coisa que eu não era. M as o apoio que eu
recebi do presidente que deixava o cargo foi fundam ental para a virada que nós
conseguimos. Ele acatou a posição do Colégio de Presidentes, reconhecendo a
liderança que eu havia assumido e considerando o meu nome mais apropriado
para enfrentar os problemas institucionais que o país atravessava. Com o apoio
dele e de vários presidentes de seccionais, corremos o Brasil inteiro naqueles

màM 325
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

poucos meses, à nossa custa, expondo nossos propósitos e princípios. À medida


que crescia a nossa candidatura, fomos conquistando o apoio de quase todas as
seccionais, o que fez o nosso adversário desistir da sua candidatura. Ao final,
vencemos a eleição com o voto das 27 seccionais.

Podemos então concluir que a Ordem optou, com a sua eleição,


por um presidente de perfil mais combativo?

Exatamente. A Ordem dos Advogados tem um a tradição, tem uma história


de luta, de combate em favor dos princípios da democracia, que não pode ser
perdida. Isto significa que além das condições para o exercício do cargo, um
ca n d id a to a p resid en te da O rdem deve fir m a r com prom isso com a
manutenção dessa form a de atuação enérgica. A Ordem precisará sempre de
pessoas que não se intim idem com nenhum ato de força e que tenham a visão
de que o exercício do seu cargo está a serviço de um a instituição, a serviço da
cidadania, e não de eventuais amigos que possam estar no poder. M eu
adversário, hom em pelo qual tenho imenso respeito, ainda que reunisse
inúmeras qualidades para ocupar a presidência, não nos dava a impressão
de que tivesse no espírito essa com batividade que reputávam os como
fu n d am enta l para a Ordem.

Os atores têm que cumprir o que a cena exigir.

Confirmada a sua eleição, como já é uma praxe institucional, o


senhor visitou os representantes dos vários poderes, começando
pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi um encontro
protocolar ou havia alguma intenção de melhorar o relacionamento
da OAB com o Poder Executivo, já que no período do seu antecessor
havia sido bastante tenso?

O presidente Fernando H enrique Cardoso, como era m u ito ligado ao


governador M ário Covas, certamente já conhecia m inha maneira de atuar,
porque durante a m inha presidência na seccional de São Paulo nós também

326 «▲I
V d k iiiU ' / A O A B n<i V O / ( l o s s i ' i i s I ' l t ' s i d c n t c s

fom os m uito combativos em relação aos aspectos institucionais do Estado. E


mesmo antes de ocupar a presidência do Conselho Federal, enquanto ainda
presidia o Instituto dos Advogados de São Paulo, eu já atacava o processo de
concentração de poderes nas mãos do Executivo que acontecia no plano do
governo federal, com o uso abusivo do instituto das medidas provisórias. Eu
não era um completo desconhecido para o presidente da República. Nossa
conversa fo i bastante aberta e sem a presença de interlocutores. Ele me recebeu
de braços abertos e tive a oportunidade de expor com clareza as m inhas idéias
para ele. Conversamos sobre m uitos assuntos, inclusive o das medidas
provisórias, em relação ao qual, em seguida, a Ordem desencadeou um a feroz
campanha contra o seu uso indiscriminado.

O senhor aproveitou a solenidade de posse do d r. Marco Aurélio


Mello no STF para marcar a posição da Ordem em relação à questão
do uso abusivo das medidas provisórias por parte do governo. Por
que o senhor julgou que aquele era o momento e o espaço
apropriados para esse tipo de manifestação? Como o senhor avalia
a grande repercussão que teve o episódio?

Eu entendo que a Ordem e os seus dirigentes não têm a seu dispor a mídia no
momento em que desejam. Qual então o melhor espaço para os advogados se
manifestarem senão num tribunal? E foi o que eu fiz. Apesar de eu ter sido, logo
depois, massacrado pelo séqüito governamental, apesar de estar na presença do
presidente da República, que ficou muitíssimo contrariado, fu i duro e contundente
na crítica ao desvirtuamento de uma prerrogativa do Poder Executivo que deveria
estar sendo usada com parcimônia. A repercussão alcançou o âmbito internacional.
Durante a própria solenidade, eu fu i interrompido sete vezes por aplausos efusivos
da assistência. O povo comentava nas ruas. A Ordem manifestou um sentimento
generalizado de descontentamento com a concentração de poderes promovida
pelo Executivo. A partir de então o Parlamento se sentiu na obrigação de tomar
um a posição, posto que senão ele passaria a ser conivente com esta situação que
também o castrava. D aí surgiu a Emenda Constitucional n° 32, que restringiu o
uso de medidas provisórias. ^
^ A E m en d a C o n stitu c io n a l n.° 32, de 11 d e s e te m b r o d e 2001, d e te rm in a , e n tre o u tr a s coisas, q u e as m edidas
p ro v isó rias só te rã o v alid a d e p o r u m p e río d o de 60 dias, p rorro gáv eis p o r m ais 60. D isp on ív el etn http :/
/WWW. v e m c o n c u rso s .c o m .b r/o p in ia o .

327
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

O senhor considera que houve excessos na reação de governistas


ao seu discurso?

Houve, sem dúvida alguns se excederam. O senador Jorge Bonhausen, por


exemplo, disse que eu havia me comportado como um gari. Eu respondi que
recebia a declaração como um elogio, já que o gari tem a função de fazer a
limpeza pública, e se ele tecia esta comparação era porque de alguma maneira
considerava que eu estivesse fazendo uma limpeza pública ao escorraçar as
medidas provisórias. Mas houve repercussões positivas também . O artigo de
Carlos H eitor Cony, por exemplo, que com aquela segurança e classe pôs as
coisas nos seus devidos lugares.^ Uma outra manifestação positiva fo i a de
um advogado que trabalha para o jornal O Estado de S. Paulo, chamado
M anoel Alceu Afonso Ferreira, que me defendeu da acusação de haver
insultado o presidente da República.

Este ano, já sob o governo Lula, na solenidade de posse do d r.


Maurício Correia à frente do STF, o senhor voltou a fazer um discurso
crítico ao governo, que teve repercussão maior na mídia, mas sem
a mesma unanimidade de dois anos atrás. Tentando estabelecer
uma comparação, a que o senhor atribui os impactos distintos que
o pronunciamento da Ordem alcançou nessas duas oportunidades?
É o governo Lula que está muito forte, a Ordem que se enfraqueceu
ou as duas coisas ao mesmo tempo?

Eu não avalio desta forma. Ê evidente que os caminhos percorridos pelo atual
presidente, na sua vida e na política, coincidem em m uitos pontos com o
cam inho que a Ordem sempre seguiu, mas isto não abala a nossa isenção.
Nós estaremos com ele em tudo aquilo que ele fizer e que nós reputemos que
seja do interesse da sociedade, e estaremos contra, e denunciaremos, tudo
aquilo que não for exatamente o caminho que julgarmos de acordo com o
indicado pela sua trajetória e com o interesse do povo brasileiro. O que nos
interessa é o cenário, a cena, e não os atores. Os atores, eles têm que cumprir
aquilo que a cena exigir. E fo i este o ponto de vista do m eu últim o discurso no

^ o a rtig o a q u e se refere o e n tre v is ta d o foi p u b lic a d o m Folha de S. Paulo, e m 5 d e j u n h o d e 2001, sob o título
“ Feitiço c o n tr a o feiticeiro”.

328
V o lu m e / •\ O.AI'i i \ i V I)/ d o s s e lls I ’ lL 's id e n lc b

STF. Nós fizem os u m a eleição diferente das outras e talvez inédita no mundo.
Promovemos um a revolução pelo voto e não pelas armas. O povo m udou o
cenário do Brasil, dizendo com toda a clareza que tinha pressa nas mudanças,
nas reformas, desde que elas percorressem os caminhos da luta contra as
desigualdades sociais, e não exclusivamente da busca de índices econômicos,
comerciais e monetários. Nós temos que usar a política econômica no interesse
da política social, e não o contrário. Foi isto, em resumo, o que tentamos
transmitir para o presidente. Quanto às críticas que recebi, são próprias do
regime democrático. Devem ser respeitadas.

A indicação do dr. Márcio Thomaz Bastos para o Ministério da Justiça


pode ser avaliada como o reconhecimento do importante papel
exercido pela Ordem em defesa da democracia?

Evidentemente eu tenho um profundo respeito pelo ministro Márcio T hom az


Bastos, e creio que a escolha do seu nome fo i em função da sua história de
vida, mas na sua história de vida está também a Ordem. Ele é um profissional
extrem am ente competente, ético em todos os sentidos, e comprometido com
as causas sociais do seu tempo. A nomeação do Márcio representou tudo isso,
0 que nos deixou extremamente satisfeitos. Agora, daí não se depreenda que
a Ordem vá se acovardar ou am ansar o seu discurso crítico, quando for
necessário, em relação ao governo.

O senhor concorda com a avaliação de que a OAB vem se mostrando


discreta na crítica às reformas constitucionais promovidas pelo
governo Lula? Isso se deveria ao fato de a mídia estar declaradamente
a favor das reformas, em especial a da Previdência?

Em primeiro lugar, a Ordem não se deixa levar pela mídia. Em segundo


lugar, não considero que estejamos sendo discretos e vou dizer porque. A
primeira que fe z um a análise contundente sobre a reforma da Previdência,
mostrando alguns aspectos escancaradamente inconstitucionais, fo i a Ordem
dos Advogados do Brasil, num a sessão recente da Câmara dos Deputados, na
Comissão de Constituição e Justiça, onde criticamos a não inclusão da Ordem

má» 329
______________ História da
O rd e m d o s A dvogados d o Brasil

nos debates, já que se trata de um a em enda constitucional de conteúdo


jurídico. Depois disso, nós dissemos, e repercutiu em toda a imprensa, que as
reformas, ainda que estejam sendo feitas através de emenda constitucional,
podem ser contestadas no Supremo Tribunal Federal, o que a OAB não hesitará
em fazer caso julgue procedente. Quando fomos procurados aqui no Conselho
Federal por mais de 20 entidades representativas dos servidores públicos, que
vinham pedir para que a Ordem atuasse como intermediadora entre eles e o
governo, já que não estavam sendo ouvidos, fomos nós que conseguimos colocar
na mesma mesa de negociação os líderes do governo, o relator da reforma e as
lideranças desses movimentos - e lá, quando eu fu i convidado a participar
das primeiras reuniões, disse com todas as letras que o grande prejudicado de
tudo isso estava sendo o próprio servidor público. N o episódio da ocupação
do prédio do IN SS (Instituto Nacional de Seguridade Social), também, aqui
em Brasília, que acabou redundando naquela confusão, com gente ferida e
presa, vidraça quebrada e tudo mais, nós, de novo, é que intermediamos toda
a negociação entre o governo e os servidores públicos.'* Eu conversei com o
presidente do INSS, Taiti Inenami, e depois com o ministro da Casa Civil,
José Dirceu, que me garantiu que receberia as entidades representativas dos
servidores, desde que desocupassem o prédio. Deixei tudo acertado com os
dois lados, para que atos violentos fossem evitados, mas infelizmente aquilo
tudo acabou acontecendo. Então, isso é só para mostrar que a Ordem não
está apartada dos acontecimentos. A Ordem não deseja a discrição ou
indiscrição, mas apenas mostrar os caminhos da democracia e da legalidade.

Até o momento o relacionamento da Ordem com o STF tem sido


excelente.

* N o dia 6 d e a g o sto d e 2003, u m g r a n d e n ú m e r o d e serv id o re s p ú b lic o s , a c o m p a n h a d o s pelas lide ra nç as


d e várias e n tid a d e s re p re senta tiv a s, o rg a n iz o u u m a to d e p ro te s to n a c ap ital fe d e ra l c o n tr a a r e fo r m a
d a P rev id ê n c ia p r o p o s t a pe lo governo. O s m a n ife s ta n te s se d e s lo c a ra m , e m m a rc h a , d a C a te d r a l de
Brasília a té o p r é d i o d o C o n g re ss o N a c io n a l, o n d e p r e te n d ia m e n t r a r p a r a p re s s io n a r o s d e p u ta d o s . O
c lim a d a m a n ife s ta ç ã o ficou te n so q u a n d o o s s e g u r a n ç a s i m p e d i r a m a e n t r a d a d o s serv id o re s. D ia n te
d o im p a sse , e c o n t r a r i a n d o a o r ie n ta ç ã o e os a p e lo s d a d ire ç ã o d o m o v im e n to , u m g r u p o r e d u z id o de
m a n ife s ta n t e s c o m e ç o u a a t i r a r p e d r a s c o n t r a as v id ra ç a s d o p r é d io . U m m a n if e s ta n t e foi pre so
e n q u a n t o o u t r o s fic a ra m feridos, assim c o m o d o is s e g u r a n ç a s d o C o n g re ss o . D is p o n ív e l em h ttp ://
n o tic ia s .te rra .c o m .b r/b r a s il/in te r n a .

330
V olum e’ , ( ) / \ l 3 Hci V O / clos s('u> P r o i d c n t t - s

No início de sua gestão, a relação da Ordem com o dr. Gilmar


Mendes, da Advocacia Geral da União, foi complicada, não?

Eu e 0 Gilmar Mendes tivemos sempre um a conversa aberta. N unca houve


problema. Nós dois falam os sempre o que pensamos e, por isso, às vezes,
cometemos excessos. O que aconteceu, na nomeação dele para o STF, foi que
0 Reginaldo, m eu antecessor - também m uito sincero e direto - apresentou

ao Senado, como a Constituição prevê, uma série de fatos para que o indicado
pudesse ter oportunidade de responder, mostrando assim que tinha condições
para ser ministro. Esta prática dava efetividade ao dispositivo constitucional
da argüição dos indicados para esse tipo de cargo, acabando com o aspecto
meramente protocolar. O problema é que esta intenção do Reginaldo fo i mal
interpretada e gerou um a repercussão negativa, como se tivesse havido algum
tipo de conotação pessoal neste gesto. O Gilmar M endes reagiu m uito mal,
confundindo o Reginaldo com a OAB como um todo. Nós divulgamos uma
nota respondendo de maneira dura e incisiva, em defesa do direito do dr.
Reginaldo, estando ou não à frente da OAB, de se m anifestar como cidadão.

E a OAB compareceu à posse do Gilmar Mendes no STF?

Posso lhe garantir que sim. Eu não estive presente, porque estava fora, mas a
Ordem certamente esteve representada.

O senhor teria ido se tivesse tido a oportunidade?

Eu talvez fosse. Evidentemente eu teria que fazer um a análise institucional


prévia do quadro, em fun çã o da agressão sofrida pelo Reginaldo, mas,
pessoalmente, eu não teria qualquer problema em estar presente.

Como tem sido a relação da OAB com o STF durante a sua gestão?

A té 0 momento atual da m inha gestão nós tivemos um a excelente relação


com o Poder Judiciário. D urante um tempo maior nos relacionamos com o

331
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

m in istro M arco A urélio M ello, que na nossa visão é u m ho m em de


comportamento exemplar em todos os aspectos, um homem que se projeta
para o futuro. Isto, evidentemente, não significa dizer que estejamos sempre
de acordo em relação às questões que nos dizem respeito. N o que se refere ao
chamado controle externo, um dos pom os de discórdia entre a Ordem e o
Judiciário, ele teme que esse tipo de controle possa invadir a seara da prestação
jurisdicional, na busca de um a mudança de decisões, e tam bém interferir
nos aspectos contábeis referentes à utilização das verbas públicas. Isso é um
grande equivoco, porque em nenhum mom ento nem a Ordem nem aqueles
que defendem o controle externo quiseram atacar esses dois pontos. Ninguém
quer, através do controle externo, exam inar as decisões judiciais ou interferir
nas contas do STF, que fica a cargo do Tribunal de Contas da União. O controle
externo que defendemos se interessa pelos aspectos funcionais, administrativos,
disciplinares, que determ inam a qualidade da prestação jurisdicional. Nesses
termos, o controle é admitido pela grande maioria dos juizes.

Em algumas oportunidades o senhor defendeu o controle externo


do Judiciário com a argumentação de que o Executivo e o Legislativo
já se submetem a um ''controle externo" a cada quatro anos, pelas
urnas. O senhor defende o modelo norte-americano em que alguns
setores do Judiciário se submetem ao processo eleitoral?

Não, no Brasil não há essa tradição. Mas por outro lado, acho que isso também
não pode ser descartado. É possível modificar os aspectos processuais, como
form a de dar mais eficiência ao Judiciário. Tudo isso pode ser possível se os
juizes tiverem mandato, po r exemplo, ao invés de terem cargo vitalício como
ocorre. Mas o fund a m en ta l é que todo poder público tem que ter u m controle
externo, mesmo o Judiciário, que exerce um '"controle externo'" sobre todos os
outros poderes. N ão desejamos questionar a legitimidade do Judiciário, entrar
no m érito das suas decisões, m as ter acesso aos seus m ecanism os de
funcionam ento. Isso é o controle externo.

Mas as grandes divergências passam pela composição do Conselho


que seria responsável pelo controle externo, não?

332
V o lu m e / ,\ na v o z dos sí .hjs I'lc s ic k 'n tc ’s

N ão resta dúvida que sim, esse é o grande problema. Se montarmos um a


composição em que a grande maioria dos membros participantes seja de
magistrados, nós estaremos fazendo um a enganação, a ia n d o um órgão que ao
final das contas fará exclusivamente um controle interno, como já fazem as
corregedorias. Evidentemente que ninguém quer retirar os magistrados do
exercício do controle externo. Eles têm que participar, e acho até que com maioria,
mas um a maioria equilibrada, em que a minoria tenha um peso aproximado.
E quem seria essa minoria? Aqueles que a própria Constituição afirma serem
essenciais à administração da Justiça, quais sejam, os advogados, os integrantes
do Ministério Público e da Defensoria Pública, além de representantes do
Executivo e do Legislativo. A resistência a esta mudança ainda existe, mas eu
tenho impressão de que cada vez mais avançamos nesse sentido.

O senhor acredita ser possível fazer uma reforma do judiciário sem


enfraquecê-lo?

A crise do Judiciário, que o enfraquece, tem causas exógenas e endógenas, ejá


ocorre agora, mesmo antes da reforma. O que eu posso assegurar é que a
reforma constitucional não vai resolver o problema fund a m enta l do Poder
Judiciário que é a morosidade e o acesso à Justiça. Para se fazer realmente
um a reforma seria preciso mexer na estrutura do Judiciário, o que não deverá
acontecer. H á problemas sérios, correlatos, que precisariam ser solucionados
para tornar a reforma mais eficaz. O emaranhado de leis, decretos e decretos-
leis, emendas constitucionais, resoluções, atos normativos, nos níveis federal,
estadual e municipal, por exemplo, gera um a balbúrdia que é causa constante
de litigiosidade, principalm ente em relação ao poder público. Um outro
problema que pouca gente percebe é o da formação dos chamados operadores
do direito que, p or serem vítim as de um ensino jurídico defeituoso, são
responsáveis indiretos pela diminuição crescente da qualidade dos serviços
jurídicos prestados à população em geral.
o

senhor então avalia que a reforma do Judiciário precisaria ser


nda mais profunda?

•41 333
______________ H isto ria d a
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Sim, claro. O que estão dizendo que é reforma, em verdade não é. Existe uma
proposta de se promover a concentração das ações, extinguindo afigura do
recurso, sob a promessa de que isso agilizará a Justiça, em função de lhe
possibilitar um a certa desburocratização. M as o fato é que vai se perder o que
de mais fu n d a m en ta l há para o exercício adequado da Justiça, que é a
proxim idade entre quem julga, quem é julgado e quem reclama. Os assuntos
Htigiosos, p o r essa proposta, seriam discutidos nas esferas dos tribunais
superiores, sem passarem pela primeira instância. Se isso começar a valer
estaremos pondo fim ao que chamamos de gestação do direito, que se fa z de
baixo para cima, dos tribunais inferiores para os superiores. Em suma, essa
concentração que se pretende é antidemocrática e nefasta para o Judiciário e
para a sociedade.

O governo age irresponsavelmente autorizando o funcionamento


de cursos de direito que não têm a aprovação da Ordem.

A Comissão de Ensino Jurídico da Ordem emite pareceres acerca


de propostas de criação de novos cursos jurídicos, ainda que a
decisão final caiba ao Conselho Nacional de Educação. Qual o
peso efetivo da ação da Comissão junto ao Ministério da Educação?
Além do Exame da Ordem, este é um instrumento eficaz de controle
da qualidade do ensino jurídico no país?

A Ordem se manifesta sobre a criação de novos cursos jurídicos através da


Comissão de Ensino Jurídico, por força da lei. H á um a comissão de âmbito
nacional e também as comissões de âmbito estadual, que analisam os requisitos
necessários para um a escola que se proponha a fo rm ar bacharéis em direito.
Esses pareceres, no entanto, não são vinculativos, não obrigam o poder público
a acatá-los. Isso perm ite ao governo atender a interesses políticos e a interesses
outros, desconsiderando os critérios da O rdem , e c o n trib u ir assim ,
irresponsavelmente, para a criação de faculdades sem condições de funcionar
adequadamente. Isto eu costumo chamar de “estelionato educacionaV] porque
os jovens, interessados na melhora do seu padrão intelectual, do seu padrão
de vida, encaminham-se na maior parte das vezes para esse tipo de faculdade.

334
V o lu iiu ' / / \ O A H n a v<>/ cios s c iis I ' n ' s i d c i i l c s

que lhes oferece facilidades no ingresso. Lá dentro, matriculados, em muitas


das vezes sacrificando financeiramente a si próprios e à fam ília, eles acabam
sendo form ados por professores sem gabarito. Quando saem quase sempre
são reprovados seguidamente nos exames da Ordem. Tentam então o concurso
público para juiz, prom otor público ou delegado de Polícia e tam bém são
reprovados seguidamente. Em suma, o diploma que conseguiram, em que
pese todo 0 seu sacrifício, não lhes serviu para nada. N o fim da história é que
eles percebem que foram enganados, que foram iludidos. N os casos em que a
má formação acontece, mas não impede que o candidato seja aprovado no
Exam e da Ordem, nós reforçamos a sua fraca preparação através de escolas
administradas por nós, o que tem sido de grande valia. Uma outra maneira
que temos de pressionar as autoridades competentes e m anter a sociedade
bem informada é através da divulgação dos resultados do exame da Ordem e
da classificação das escolas que fo rm a m esses advogados. D ivulgam os
periodicamente um ranking das instituições que mais e menos aprovam alunos
no nosso processo seletivo.

O seu antecessor, o d r. Regínaldo, criou um selo de qualidade, o


''OAB Recomenda". Este tem sido um instrumento eficaz de
controle?

Tem sido bastante eficaz. Se até para tomar café nós precisamos de um selo de
qualidade, p o rq u e não seria preciso um selo para o ensino jurídico, que tem
conseqüências sociais importantíssimas? A inda recentemente conseguimos
também , no Superior Tribunal de Justiça, um a decisão que veta o aumento
de vagas oferecidas pelas escolas de Direito sem a aprovação prévia da Ordem,
0 que lim ita a autonom ia universitária das instituições de ensino.

Em maio de 2002 o senhor se reuniu com o então ministro da


Educação, F^ulo Renato de Souza, para lhe entregar uma pauta de
reivindicações que, entre outros assuntos, tratava da questão da
definição dos conteúdos mínimos e do fim da norma de cinco anos
de duração do curso. Essa conversa gerou algum resultado positivo?

335
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Nós realmente nos reunimos com o ministro Paulo Renato, tendo estado
presente também o presidente da nossa Comissão de Ensino Jurídico, dr. Paulo
Medina, conselheiro por M inas Gerais. Nós mostramos ao ministro que as
decisões tomadas pela ministra interina, M aria Helena Castro, relativas aos
assuntos que foram citados na pergunta, poriam a perder o que ainda restava
da qualidade do ensino jurídico. O ministro entendeu nossa argumentação e
suspendeu um a das medidas, posto que a outra já estava em vigor. Para esta
tivemos que recorrer ao STJ, que nos deu ganho de causa, anulando-a e
restabelecendo a nobreza que o curso jurídico merece.

Existe no Conselho um projeto de reforma do Estatuto.

Na ata da seção de 13 de novembro de 2001 há uma indicação de


reforma do Estatuto da OAB, com o intuito de destinar 30% das
vagas do Conselho Federal para as mulheres advogadas, talvez
acompanhando a recente discussão em torno das cotas. A votação
dessa proposta foi adiada e em seguida o assunto não entrou mais
em pauta no Conselho Federal. Que fim levou a discussão?

Em primeiro lugar, existe no Conselho um processo em andam ento que cuida


da reforma do nosso estatuto, não só em relação a este assunto, mas deform a
m u ito mais abrangente. Os conselheiros Alberto de Paula Machado, do
Paraná, e Luiz Basilio, do Espírito Santo, têm se debruçado sobre essas questões.
Como todas as propostas de alteração são sempre m uito debatidas, é comum
que se postergue um a discussão quando se percebe que ela ainda precisa ser
revista ou amadurecer. N o que se refere à questão específica da participação
das mulheres na política interna da Ordem, eu, pessoalmente, sou um dos
grandes defensores. Tanto que na m inha gestãofo i criada a Comissão Nacional
da M u lh er Advogada. M as na m in ha ótica, as cotas não são um bom
in stru m en to de dem ocratização. A sua instituição é preconceituosa e
term inaria por restringir a participação fem in in a na política interna da
Ordem. O que eu tenho dito a elas é que liderança j e conquista e não se
recebe como prêmio. A s mulheres, que são mais determ inãããs e disciplinadas
que os homens, têm força suficiente para constituir chapas, lideradas por elas

336 9àM
V o lu n ic 7 A ( ) A I i n ,i VO/ d o s scLis I ' t c ' - ' i d r i i l r s

ou não, às quais se integrem homens também. Porque senão, daqui a pouco,


nós corremos o risco de ter um a setorização desmedida da representação na
Ordem. Haverá cota para homens, mulheres, asiáticos, judeus, palestinos,
brancos, negros e etc., sem que necessariamente essas pessoas tenham méritos
para ocupar cargos na direção da Ordem. Uma chapa se fa z p or méritos e
através do diálogo. Esse é o melhor caminho para que a participação das
mulheres na Ordem aum ente significativamente.

Na ata de 19 de fevereiro de 2002, consta uma discussão sobre as


atribuições do Colégio de Presidentes, do funcionamento e do papel
do Conselho Federal, e do relacionamento deste com os conselhos
seccionais. Essa espécie de acerto de ponteiros entre as instâncias
de poder mais significativas da Ordem é constantemente reiterada
ou, nesse caso, se deveu a uma contingência de momento?

Esse realmente é um problema grave. E não fo i p o r outra razão que nós


promovemos na nossa gestão um encontro geral das seccionais, do Conselho
Federal do Colégio de Presidentes, das Caixas de Assistência, enfim, de todos
aqueles órgãos que compõem o organismo chamado OAB. De fato sempre
surgem choques e se isso não for administrado pode gerar um desgaste interno
sério. Dentro dessa concepção temos buscado um entrosamento maior entre
esses órgãos, até porque não adianta darmos vigor ao Conselho Federal e, na
outra ponta, enfraquecermos os conselhos seccionais. É fundam ental um a visão
de conjunto, que perceba a Ordem como um a engrenagem e não como um
conjunto disforme de poderes isolados e conflitantes. Tem sido um a constante
nas reuniões trimestrais do Colégio de Presidentes, por iniciativa nossa, a
presença de conselheiros federais, de membros das Caixas de Assistência e de
presidentes de seccionais, como form a de estreitarmos mais a convivência e
compartilharmos experiências, dando à Ordem, verdadeiramente, o caráter
nacional que ela tem.

No Espirito Santo estávamos diante de uma barbárie sem repressão.

#à# 337
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Em 2002, o senhor ingressou com um pedido de intervenção federal


no Espírito Santo, junto ao então ministro da Justiça, Miguel Reale
Jr., em face da incapacidade do poder público local diante do poder
do crime organizado e, conseqüentemente, das ameaças constantes
sofridas pelo dr. Agesandro da Costa Pereira, presidente da seccional.
O episódio acabou gerando uma crise no governo federal, que
redundou na renúncia do ministro Miguel Reale. Como foi a atuação
da Ordem no episódio?

O problema do crime organizado no Espírito Santo já vinha de longa data.


Aí, 0 poder do Estado já havia sido corrompido. Estávamos diante de um a
barbárie sem repressão, porque aqueles que deviam reprimir fa zia m parte do
crime organizado, inclusive o governador. A seccional do Espirito Santo fo i e
continua sendo m uito corajosa no seu inconformismo com os descaminhos
do poder público local. E m função disso, as ameaças a membros da diretoria
da Ordem local e a seu presidente, o dr. Agesandro, foram aum entando e se
tom ando cada vez mais graves. Desde a época do Reginaldo o Conselho Federal
já vinha acompanhando o desenrolar do caso. O próprio Reginaldo esteve no
Espirito Santo, acompanhado do então ministro da Justiça, José Carlos Dias.
Q uando eu assumi, o Agesandro me pôs a par, em detalhes, de tudo o que
vinha ocorrendo. Eu examinei a situação, com a ajuda de um a comissão de
advogados da área dos Direitos Humanos, e chegamos à conclusão de que
não restava outro caminho senão o pedido de intervenção no estado.

Houve alguma sondagem ao ministro antes do pedido formal de


intervenção?

Sim. Nós elaboramos um a m inuta, depois de um a profunda e cuidadosa


análise, toda ela respaldada num bloco monolítico de provas incontestáveis,
apresentamos à OAB do Espírito Santo, que confirmou o nosso acerto, efomos
conversar com o ministro. Dissemos a ele tudo o que havíamos apurado, ainda
que boa parte dos fatos já fosse do seu conhecimento, em função de o caso ter
sido objeto de apreciação por parte do Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa H um ana (CDDPH), do Ministério da Justiça, e quisemos saber da
sua opinião, deixando clara a nossa infánção de solicitar um a intervenção

338 •ài
V o liin ii' 7 A ( ),\1! 11.1 \ ( i / <lí>s s(His I V c - ' i c k ' n l c s

federal no estado. Ele disse que o presidente tam bém já estava informado de
tudo e que no mesmo dia ele seria posto a par da nossa posição. À noite o
ministro me telefonou transmitindo a concordânda do presidente Fernando
Henrique Cardoso em patrocinar a intervenção. Dado o sinal verde, em 21
de maio de 2002 nós entramos com o pedido e então se abriu um processo no
CDDPH.

E quais foram os passos seguintes?

O C D D PH resolveu então, através de um a Comissão constituída para este


fim , ir tom ar depoimentos no Espírito Santo, intim ando todas as partes,
inclusive a Ordem. Nós acompanhamos de perto, fom os até lá, nos expusemos,
pondo em risco as nossas vidas, mas confirm am os as acusações. Nesse
m om ento, sentindo-se encorajada, a sociedade capixaba compareceu e
engordou o rol das denúncias. Feita então a coleta dos depoimentos - tudo
como 0 previsto na lei, é bom que se diga ouvidas as partes, fez-se um a
reunião para deliberar. Foram nomeados três relatores da melhor qualidade
para a deliberação: um professor de direito constitucional, um ex-secretário
da Justiça de São Paulo e um a professora da Faculdade de Direito. O relatório
fo i feito e entregue aos membros da Comissão, antecipadamente, para que
dessem sugestões e analisassem. E um desses membros era o procurador-geral
da República, Geraldo Brindeiro, que teve acolhidas as sugestões que fez em
sua análise prévia. Ou seja, o relatório fm a l continha inclusive as sugestões
do procurador-geral da República. Em seguida o relatório fo i aprovado por
unanim idade, com o voto, inclusive, novamente, do procurador-geral da
República, deferindo-se assim o pedido de intervenção federal no Estado. O
ministro me telefonou comunicando então que encaminharia de imediato o
documento ao presidente, e que a autorização para a intervenção seria um a
questão de dias. Inesperadamente, quando eu ainda comunicava ao Agesandro
e ao p ovo capixaba o êxito que havíam os obtido, veio a notícia do
arquivamento do processo, segundo constou, em razão de o mesmo procurador-
geral da República ter entendido que não caberia intervenção daquela forma.
É no m ínim o estranho, não? E ficou ainda um sentimento generalizado no
Brasil de que isso teria acontecido por obra de um a suposta interferência do
presidente Fernando Henrique, o que de fato não se deu.

339
______________ História_da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

A reação do ministro Miguel Reale jr. então foi imediata?

Ele não se conformou e com m uita dignidade renunciou ao cargo. Mas não
terminou nisso> porque nós ficamos inconformados, reclamamos e exigimos
explicações. Pela terceira vez, então, na m in h a vida, f u i convidado a
comparecer ao Palácio do Alvorada, para um a reunião com o presidente da
República e já com o novo ministro, Paulo de Tarso. Estiveram presentes
tam bém o Agesandro e o Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da Comissão
encarregada da apuração dos fatos no Espirito Santo. Depois de nos ouvir
atentamente, oportunidade na qual eu disse tudo o que precisava ser dito, ele
nos respondeu que havia vetado a intervenção em função do parecer do
procurador-geral da República. Isso realmente ficou até hoje sem explicação.

O advogado defende o pecador, mas não o pecado.

Um outro ponto delicado é a questão das suspeitas de envolvimento


de advogados com o crime organizado. Como a Ordem se posiciona
diante dessa avenida de mão dupla: por um lado desempenha papel
importante no combate a estas ''organizações", por outro, vê alguns
dos m em bros de sua categoria sob acusações graves de
envolvimento com os criminosos?

Em relação a esse assunto eu me manifestei algumas vezes na imprensa escrita


e televisiva. O fundam ental para ressaltarmos é que o advogado é essencial
para o bom funcionam ento do Estado democrático de direito e que essa
essencialidade advém de um outro aspecto fundam ental, que é o chamado
devido processo legal Ou seja, para que alguém seja condenado é necessária
um a sentença justa. E um a sentença justa, po r mais dura que seja, comporta
0 direito de defesa, para o qual o advogado épeça indispensável. Em suma,
isto é 0 que se espera em um país civilizado, onde impere a democracia e a
barbárie seja rejeitada, junto com o julgam ento sumário, a justiça pelas
próprias mãos ou que não se faça do clamor popular um senso julgador. Nesse
contexto, o advogado defende o pecador, mas não o pecado. É aí justam ente
que reside a confusão que com umente a sociedade fa z em relação à função do

340 9àM
V o lu m e -A ( ) A H n .i V 07 d o s s e u s I'rc s id c n k 's

advogado. A posição da Ordem, portanto, é de serenidade na crença dos


princípios democráticos e de defesa intransigente da ética profissional
Advogados corrompidos há, sem dúvida, como há tam bém padres, médicos,
dentistas e jornalistas, mas não se pode generalizar.

E com o a Ordem atua na vigília do cum prim ento da ética


profissional?

Ela atua orientando ep un in do severamente, dentro, também , de um devido


processo legal. Um advogado que faltar com a ética profissional, dependendo
da gravidade do delito, pode ser suspenso ou até expulso da corporação. Os
casos mais latentes, com maior apelo social, se relacionam com a advocacia
crim inal, m as nós não podem os dizer que o advogado crim inalista é
potencialmente um criminoso. Isto é uma falsidade, um a ofensa grave ao
exercício da advocacia criminal. A advocacia criminal é aquela que cuida da
parte mais sensível do ser humano, que é a liberdade. O advogado criminal é
0que tem os problemas emocionais mais sérios. Sem ele, nós estaríamos nas
mãos dos ditadores, nas mãos dos que abusam do poder.

A qualidade da formação dos advogados piorou?

De fato, com a criação indiscriminada de faculdades, impulsionada durante


0 regime militar, houve mesmo um a piora na qualidade dos profissionais do
direito - é bom que se diga que os militares, sabendo que a grande força de
reação ao regime totalitário vinha dos advogados, e não podendo cortar as
suas línguas ou matá-los a todos, deu início ao processo de proliferação de
faculdades, com o intuito m uito claro de banalizar a profissão, de dim inuir a
sua força, de criar profissionais que não tivessem devidam ente apetrechados
ao exercício profissional.

Como o senhor avalia a crescente e crua divulgação dada pela mídia


às questões relacionadas a práticas criminosas, onde muitas vezes
0 "requinte" da notícia permite, por exemplo, ouvir gravações

341
_____________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

clandestinas de conversas entre traficantes que ordenam matanças


e corrompem advogados e autoridades?

A j gravações clandestinas divulgadas amplamente pelos noticiários, em primeiro


lugar, são absolutamente ilícitas e não se sustentam perante o m undo jurídico.
Eu, na intimiàaàe, posso falar coisas que publicamente talvez não diga. No
caso particular do advogado, existe ainda a questão do sigilo profissional, que
precisa ser respeitado, e que essas gravações violam. N a medida em que você
adota um meio de interceptar essa comunicação, que não é deliberadamente
pública, mas particular, privada, através de uma mecânica não autorizada,
você está pondo em risco os próprios princípios democráticos que todos nós
defendemos. Então não me parece lógico nós utilizarmos isso como elemento
contra a advocacia. Para que se tenha um a acusação consistente e honesta, é
preciso que ela obedeça ao devido processo legal.

O senhor é favorável à ampliação dos tribunais de ética nos estados,


como sugeriu o ex-presidente, dr. Reginaldo Castro?

Sou absolutamente favorável. D urante a m inha gestão à frente da seccional


de São PaulOy nós modificamos o Regimento Interno e lá criamos 12 tribunais
de ética, espalhados por algumas das suas principais regiões.

Vamos continuar trabalhando para honrar esta Casa.

Sua sucessão já está encaminhada?

Nós estamos chegando ao momento de mostrarmos àqueles que desejam ser


candidatos que a Ordem é um a entidade democrática e que, portanto, basta
que se apresentem e concorram. É claro que, p or conta de um a tradição da
Casa, é o presidente que conduz o processo político-eleitoral, inclusive
mostrando as suas eventuais preferências dentro de um quadro geral. Eu
realmente estou fazendo uma análise profunda em todos os aspectos, de todos
os setores que compõem o Conselho Federal, que compõem a Ordem dos

342
Volume 7 A OAB na voz dos seus Presidentes

Advogados do Brasil. M inhas preferências já têm ficado explicitas, mas eu


prefiro, por ora, não decliná-las publicamente, porque ainda há pessoas que
preciso consultar, inclusive entre os membros honorários vitalícios, porque
entendo que este m ovim ento não pode ser um a imposição de cima para baixo.
Eu posso ter a m inha preferência, mas a m inha pode não ser a preferência
geral, por alguma razão, e eu, enquanto deflagrador do processo sucessório,
preciso saber se há restrições.

Qual o balanço que o senhor faria, até agora, da sua atuação à


frente da OAB?

Os aspectos de u m balanço podem ser variados. N o plano administrativo,


p o r exemplo, nós implantamos para os nossos funcionários o plano de cargos
e salários. N o setor de compras nós informatizamos os procedimentos, o que
nos perm ite a integração com as seccionais. N o que diz respeito à infra-
estrutura, equipamos o prédio-sede que fo i construído na gestão do Reginaldo
com tudo aquilo que faltava. Hoje, qualquer advogado que precise vir à Brasília
tem a sua disposição salas onde ele pode realizar seus trabalhos e se reunir
com clientes. Abrimos a Ordem para os estudantes, que vêm em comitivas
conhecer u m pouco do funcionam ento e da história da Ordem. Inauguramos
um espaço cultural e estamos também implantando o M useu Histórico da
OAB, porque nós entendemos que para você enxergar o fu tu ro é preciso olhar
para o passado. Nesse sentido ainda, estamos publicando um a coletânea de
livros que vai contar a história da Ordem desde a sua criação no Império,
passando pela Primeira República, até os nossos dias. Criamos um a editora
da Ordem, que já lançou quatro livros e têm no prelo mais oito. Criamos
tam bém a T V OAB, que era um a reivindicação antiga dos advogados e
conselheiros federais, com o intuito de divulgar as ações da Ordem. Criamos
os chamados Colégios de Presidentes Regionais, que perm ite p ô r em pauta,
com mais regularidade, as questões regionais da Ordem. M ontam os um
projeto que eu já havia desenvolvido em São Paulo quando fora presidente
da seccional, chamado “A OAB vai à escola”, de autoria de u m advogado de
Osasco, de nome Nelson Alexandre, onde apresentamos aos estudantes um a
cartilha contendo assuntos de interesse da juventude, dos adolescentes. Fizemos
tam bém a defesa da advocacia brasileira perante diversos órgãos

343
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Rubens Approbate discursando na tribuna do Supremo Tribunal Federal.

344 9AB
\'o k in i( ‘ , \ ( )'M'i 11,1 \ ( ) / do s s r u '' Pr(’‘' i(I('[itc's

internacionais onde se planeja a chamada flexibilização do serviço jurídico,


que acaba com as soberanias nos estados e com as autonomias das entidades.

É a globalização?

A idéia é integrar a advocacia m undo afora, perm itindo que os advogados


atuem sem fronteiras, desde que obedecendo a determ inados requisitos,
inclusive e principalm ente o de se inscrever na instituição reguladora da
prática advocatícia do país onde pretende atuar. Retom ando o balanço, nós
realizamos a Conferência Nacional de Salvador, em 2002, que contou com a
presença do, à época recém-eleito, presidente Lula, e que fo i u m dos encontros
de maior presença e participação na história da advocacia brasileira, o que
nos deu a certeza de que os advogados brasileiros estão extrem am ente
interessados nos aspectos profissionais, corporativos, institucionais e sociais
relativos à ação da Ordem. Realizamos, em outubro de 2001, um seminário
intitulado “Brasil século 21: o direito na era da globalização”, que contou
com a presença do então presidente Fernando Henrique Cardoso, marcando
a sua reconciliação com a Ordem. Estamos também, por força da lei, fazendo
um recadastramento de âmbito nacional dos advogados em exercício, que
está sendo disponibilizado ao Poder Judiciário, como fo rm a de evitar a
falsificação de credenciais e a conseqüente banalização da profissão. Por fim ,
conseguimos que a União Internacional dos Advogados, q u e é um a entidade
da m aior repercussão e que envolve todas as entidades representativas dos
advogados em todo o mundo, reconhecesse a língua portuguesa tam bém como
um dos idiomas oficiais da entidade. Enftm, nós estamos trabalhando e vamos
continuar trabalhando para poder honrar esta Casa.

345
_____________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

346
VoluilH' A ( ).\l'> 11,1 VO/ dos sriis Picsidctilcs

índice Onomástico

Abi-Ackel, Ib rah im ,9 0 ,9 1,94,114,115,135,136


Abreu, João L atão de, 45,117,139
Albagli, Benjamin, 32, 47,78, 114,115
Albuquerque, Francisco Manuel Xavier de, 123
Alebco, Pedro, 46, 58,72
Alves, AJuísio, 215
Alves, José Carlos Moreira, 34,35, 149
Alves, Márcio M oreira,, 175
Alves, Roberto Cardoso [dito R obertão], 200
Angel Jones, Stuart, 45, 48,49
Anísio,Chico, 147
Aparecido de Oliveira, José, 182, 183
Araújo, Olga Cavalheiro, 194,197
Aristóteles, 256

Badaró, M urilo Paulino, 97


Baeta, H erm ann Assis, 9,15,16,18.23,68,108,111,116,118,1 1 9 ,1 2 0 ,1 2 1 ,1 2 3 ,1 2 9 ,1 3 0 ,
1 3 4 ,1 40 ,1 4 4,151 ,1 5 3 ,1 5 4 ,1 5 6 ,1 5 7 ,1 6 8 ,1 9 3 ,2 1 0 ,2 3 0 ,2 9 8 ,2 9 9
Baleeiro, Aliomar de Andrade, 5 1
Barbosa de Oliveira, Ruy, 29,47, 55,65,129,144,199,266, 290
Barbosa, Vivaldo Vieira, 235, 251

•àl 347
____________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

Barros, H um berto Gomes de, 183


Basüio, Luiz, 336
Bastos, Márcio TTiomaz, 9, 1 5,1 8,29,130.149,152.153.169,174,175,190. 191,207,210.
212, 213. 214. 216.235, 239, 277. 313, 318, 320, 329
Batista, Nilo, 89.311
Batochio,)oséRoberto,9,16,19,204,216,226,228,231,242,243,251,263,268,269,272,292.299
Beccaria. Cesare Bonesana, 312
Belchior, Moacyr, 182. 217,218
Bermudes, Sér^o, 103
Bevilacqua, Clóvis, 70
Bezerra, Godoy, 83
Bigi, losé de Castro, 128,159
Bisol, }osé PauJo,238
Bonavides, PaulQ 165,272,274, 290,292
Bonfim, Calheiros, 68,143,144
Bonhausen, Jorge, 328
Brecht, Bertold, 258
Brindeiro. Geraldo, 339
Brito, Caldas, 28
Brizola, Leonel de Moura, 103, 215,234,253,254
Brossard de Sousa Pinto, Paulo, 63,153,190,203, 204
Buzaid,Alfredo, 33,34, 35.36.44,47, 148,175

Cabral, José Bernardo, 9,17,18,74,78,101,102,103,108,109,124,128,129,133,134,137,


158,159,197
Caldas, (professor), 78
Calm on Muniz de Bittencourt, Pedro, 28,32, 33,47
Camargo, Laudo de Almeida, 9 .1 7,18. 26,28, 36,40,49,84, 163,174, 324
Camargo, M anoel Moreira, 33
Campos, Milton Soares, 51,58
Cardoso, Adauto Lucio, 51
Cardoso, Fernando Henrique, 19,228,236,249,272,279,280,281,285,286,300.302,303,
304,313.326,339. 345
Carneiro, Levi Fernandes. 53

348 •41
V o lu m e 7 , \ OAL-) 11(1 v o / cios scLis l’ i( s if lc n t c s

Carneiro, Nelson de Sousa, 47, 48


Carone, Jorge, 137
Carvalho, A ntônio Carlos de, 93
Carvalho, Luiz Alberto de, 314
Carvalho, Luiz Fernando de, 307
Castelo Branco, Carlos (dito CastelinhoJ, 122
Castelo Branco. H um berto de Alencar, 34, 51,58
Castro Alves, Antônio Frederico de, 261
Castro Filho, losé Ribeiro de, 9, 10, 17,53, 55,59, 74,129, 131,132, 144,151
Castro, José Carios Dias, 177
Castro, Maria Helena, 336
Castro, Reginaido Oscar de, 9,19,286,290,296,297,301,319,324,331,335,338,342,344
Castro, Tarso de, 146
Cavalcante, O phir Filgueiras, 9, 19, 178,206,210,211,220,224, 229,262, 299
Cavalcanti Filho, José, 178
Cavalcanti, Pw ina, 51
Chaves, Erlon, 34
Coelho, Paulo,248
Comparato, Fábio Pender, 238
Cony, Carlos Heitor, 328
Corrêa, Luís Antônio Villas-Bòas, 122
Correa, Sérgio Ribeiro, 178
Correia, José M aurício, 138,328
Costa Neto, Francisco, 161,162,163
Costa, Adroaldo Mesquita da, 46
Costa, Clóvis Ferro, 130,132
Covas Jr., Mário, 215,237, 326
Cruz, Newton de Araújo Oliveira e, 137,138
C unha, Sérgio Sérvulo da, 194, 236,238, 273
Curado, Sílvio, 122

D
d'Aquino Fonseca, Ivo, 29
Dallari, Dalm o de Abreu, 93,94, 97
Dantas, Francisco Clementino de San Tiago, 2 8 ,113
Dias, José Carlos, 314, 338

•Al 349
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Dirceu de Oliveira e Silva, José, 330


Duarte, Samuel Vital, 42,46,49,74

Estevão, Luiz, 309

Fagundes, Eduardo Seabra, 9 ,16,63,69,73,95,111,1 1 3 ,1 1 7 ,1 1 9 ,1 2 8 ,1 3 0 ,1 3 1 ,1 3 2 ,1 3 6 ,


151,159, 308
Fagundes, Miguel Seabra. 18, 34,41,43,70, 119,120, 121,132, 140,141, 151,198
Faoro.Raym undo, 1 0 ,1 1 ,1 7 ,4 3 ,49,51,52,53,73,74 .7 5 ,1 1 2 ,1 2 9 ,1 3 0 ,1 3 1 ,1 3 2 ,1 5 1 ,1 6 0
Farias Filho. Luís Lindberg, 236
Farias, Paulo César [dito PC Farias], 232,234
Fernandes, Hélio, 122
Ferraz, Sérgio, 119,120,176
Ferreira, José Manoel de, 33
Ferreira, Manoel Alceu Afonso, 328
Fiel Filho, Manoel. 99
Figueiredo. João Batista de Oliveira, 77, 97,100,114,135, 137,139
Filardi, C antídio Salvador, 159
Fiquene, José R ibam ar 176
Fontelles, Cláudio, 250
Fragoso, Heleno, 32,34, 50,56, 111,117,163
França, Rrancisco Eriberto, 234
Franco, Afonso Arinos de Melo, 167, 168,274
Franco, Itam ar Augusto Cautiero, 19, 231,237,238
Freire, Geraldo, 47
Freire, Silva, 102
Freitas, Guaracy, 182
Furtado, Reginaldo Santos, 161,186

350
V o lu n ir \ ( ) \ [ ' i 11,1 v o / ( I d s s r u ' ' l ’ t ( ■ ' ! ( I t ' l l t r '

Garcia, M ário Sérgio Duarte. 9, 1 6,18,85,116, 123, 126,127, 146,153,156,158,159,160,


161,162,168,175,201
Geisel, Ernesto, 11,14,52, 61,71, 75,76, 79,99, 135
Gomes, Severo Fagundes, 52
Goulart, João Belchior Marques [dito Jang o ],4 1 ,4 2 ,46,52
Granja, Tobias, 118,140
Granjeiro, Hesmone, 214,215
Gudin,O scar, 176,178
Gueiros, Hélio da Mota Teixeira, 219
Gueiros, Nehemias, 31,41,42,51, 65,300
Guerra, Cordeiro, 149
Guerreiro Júnior, 248
Guimarães, Ulysses Silveira. 142, 149,150, 195,215, 227,230, 234, 239,257

Herzog, Vladimir, 99
H orta, O scar Pedroso, 42, 47,48

Jobim, Danton Pinheiro, 32, 47,48


Jobim, Nelscfi Azevedo, 197, 214,230,237,257
Jucá Filhq Romero, 215
Jungm ann Pinto, Raul Belens, 279, 280
Jurema, Abelardo de Araújo, 46

Kelly, José Eduardo do Prado, 51


Koestler, Arthur, 202
Kubitschek de Oliveira, Juscelino, 41, 180,300

•41 351
_______________ História da_______________________________________
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il________________________________________________

Lacerda, Carlos Frederico Werneck de, 42,122,168


Lando, A m ir Francisco, 234,238
Lassalle, Ferdinand, 165
Lavigne, Artur, 176, 178,192,199
Leal, Victor Nunes, 31, 70,114,131,132,151,175
LimaSobrinho,AlexandreJoséBarix>sa,15,16,47,108,114,115,121,136,156,167,222,236,237,266
Lima, Carlos Araújo, 10,32
Lima, Ernando Uchoa, 9, 19, 231,262, 266,267, 269,292, 293,298, 299,318
Lima, Hermes, 31
Lima, Moura, 248
Lobo, Eugênio Haddock, 74,85
Lobo, Paulcs 256
Lopes, Jair Leonardo, 225,311
Lott, Henrique Batista Duffles Teixeira, 164
Lu cena, H um berto C outinho de, 250,251
Ludwig, Rubem Carlos, 119,120
Lyra, Luiz, 28,29

Machado, Alberto de Paula, 336


Machado, Marcello Lavenère, 9,19, 104, 135,140, 164, 194,196,204, 208,210,215, 216,
217, 222, 223, 239, 245, 246, 248, 250, 251, 254,257, 262, 299
Machado, Nélio, 84
Machado, Rubens Approbato, 9,17,19,23,154,175,188,271,274,289,299,313,315,316,
317, 322,323, 343
Maciel, Marco Antônio de Oliveira, 183
Madeira, Luís Carlos, 197,206
Magalhães, Agenor, 29
Magalhães, Antonio Carlos, 309,310
Magalhães, Marina Beatriz, 270
Malheiros Filho, Arnaldo, 248
Maluf, Paulo Salim, 143,146,147, 215,317

352 9àM
A ( ).\i; tl,i \ ( ) / (I(I\ <rii>

Marx, Karl, 165,283


M édid,E m ílio Garrastazu, 14, 32,34,44,45
Medina, PaulQ 336
Mello, Alberto Barreto de, 11, 49
Mello, M arco Aurélio, 327, 332
Melo Filho, U rbano Vltalino de, 292,315,316, 324
Melo, Fernando Collor de, 15,19,104,110,201,215,217,218,222,225,229,232,233,235,
237,23 8 ,2 4 6 ,261,279
Melo, Linneu de Albuquerque, 28
Mendes, Gilmar, 303, 331
Meneguelli, Jair Antônio, 236
Mesquita, Jayme, 28
Monteiro, (D ona) Lyda, 18,93,95,96,98,99, 100,113,137
M ontesquieu e de La Brède, Barão de (Charies-Louis de Secondat), 256
M ontoro, A ndré Franco, 145
Moraes Filho, Benjamim, 28,78
Moraes Filho, Evaristo de, 178,235
Moraes, J. B. Viana de, 52
Müller, Filinto Strübing, 32
M unhoz Neto, Alcides, 122,123,129,130,131,132,133,160,161
Muricy, Marüia, 194,273

Nabuco de Araújo, Joaquim Aurélio Barreto, 261


Nassif, Luís, 251
N éder,A ntonio, 122
Neves, José Cavalcanti, 9 ,16, 18,29,32,37, 38,39, 44,63, 74,108, 114,119, 132, 206
Neves, Tancredo de Almeida, 18,143,149,150
Nina, Sebastião Carlos, 176,178

Oliveira, José Lamartine Correa de, 165,170,174,185,186,194,195,196


Osório, A ntônio Carlos, 28,34, 246,247

#àm 353
______________ História da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Padilha, Raim undo Delm iriano,32


Paiva, Rubens Beyrodt, 43,45,46,47,48
Peixoto, Celina Vargas do Amaral, 180
Peixoto, Mattos, 28
Pereira, Agesandro da Costa, 313, 338,340
Pereira, Caio Mário da Silva, 9,18,52,56, 57,73, 74,148
Pertence, José Paulo Sepulveda, 5 6,70,80,85,101,102, 111, 119, 128,138, 145,156
Pinheiro Filho, Israel, 251
Pinheiro Neto, 186
Pinheiro, Ibsen Valls, 237
Pinheiro, Paulo Sérgio,340
Pinho, Madureira de, 28
Pinto, Carlos Alberto Alves de Carvalho, 145
Pinto, H erádito Fontoura Sobral, 28,29, 37,46,56 ,6 3 ,7 0 , 82,93,114,116,117,119,123,
129,131,144,151
Pinto, José Magiihães, 58
Pinto, Olavo Bilac Pereira, 28,46
Pitta, Celso, 317
Portela Nunes, Petrônio, 75, 77,78, 79, 81,90, 97
Prieto, A rnaldo da Costa, 60

Q uadros, Jânio da Silva, 42,58


Q uércia, O re sts, 144,145

Ramos, José Saulo Pereira, 215


Rangel, Romário, 33
Reale Jr., Miguel. 238,311, 313,338, 340
Reale, M igud, 36,72

354
V 'o lu n x ' A ( ) \ l ' i Mil \ ( ) Z ( k ) ^ X ' l ; - , I ’ n ' M d c n l c - -

Rebelo Figueiredo, José Aldo, 235,251


Rebouças, André Pinto, 261
Rego, Antonio Vital do, 203,204
Rêgo, Augusto Sussekind i iVíoraes, 32,34, 162
Rêgo, E dm undo de Almeida, 34, 35
Resende Machado, íris, 311
R esaide, Eurico Vieira de, 47
Rocha, Carm em Lúcia Antunes, 272
Rocha, Frederico Almeida, 178
Rocha, losé Sina, 214
Roosevelt, Franklin Delaney 28
R ussomano, (professora), 78

Salazar, Alcino de Paula, 51


Salles, (dD om ) Eugênio de Araújo, 96
Sampaio, D orany Sá Barreto, 130
Sanches, Sidnei, 237, 238
Santos Neto, Nicolau dos, 309,310, 311,314
Sanío5, Carlos H endque Almeida, 316
Saraiva, Paulo Lcpo, 272
Sarney, José Ribamar, 18, 150,164, 166,169, 176, 177,183, 195, 202, 203, 204, 208, 213,
214,215,221,279
Sarres, A ntônio Carlos Vianna,215
Serralvo, Amauri, 182,187
Sidou, J. M. O thon, 161
Silva, A rtu r da Costa e,46, 72
Silva, Evandro Lins e, 31,63,70, 82,151,222,235, 238,273
Silva, Golbery do Couto e, 75,76,139
Silva, José Afonso da, 272
Silva, Luís A ntônio da Gam a e, 32,43, 72
Silva, Luís Inácio Lula da, 123, 152,215, 274,328, 329,345
Silveira, Raul Souza, 26,161
Simon, Pedro lorge, 235, 236

•àl 355
______________ Histó ria da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra s il

Sisti, Newton de, 85


Soares, Walter Lemes, 145,146,147
Souza, Ferreira de, 28
Souza, Herbert de [dito Betinho], 236
Souza, Odijas Carvalho de, 45, 48
Souza, Paulo Renato de, 283,335, 336
Sussekind, Arnaldo Lopes, 34

Tarso, Paulo de, 340


Tavares, George, 34,122, 163,193
Trigueiro de Albuquerque Melo, Osvaldo, 51
Tuma, Romeu, 97

Valberto, M anuel, 178


Valladão, Haroldo, 28
Vanossi, Jorge Rdnaldo, 165
Vargas, Getúlio Dornelles,61, 63,75, 82,122, 282
Vasconcellos, Justino, 74, 85
Vilela, Teotônio Brandão, 52,80, 142

Watters, Ronald, 98, 99

Xausa, Leonidas Rangel, 165,166,185

356 màM
MPf^SSAO:
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E ste v o lu m e tra z a p ú b lic o a p a la v ra viv a d o s P re s id e n te s d a O rd e m
d o s A d v o g a d o s d o B rasil n u m d o s p e r ío d o s m a is d ra m á tic o s
e c o m p le x o s d a so c ie d a d e b ra sile ira.
A O A B N A V O Z D O S S E U S P R E S ID E N T E S é u m liv ro n o qual
se a d o to u a m e to d o lo g ia d a h istó ria o ral, in te g ra d o p o r q u a to rz e
e n tre v is ta s d o s d irig e n te s d o C o n s e lh o F ed eral q u e e x e rc e ra m
su as fu n ç õ e s d e 1969 até a p re se n te data.
T ra ta -se d e u m a fa se h is tó ric a d a s m ais rica s e co n tro v e rtid a s ,
p o rq u e n e la se v e rific a u m p e río d o d e in q u e s tio n á v e l p o d e r
a u to ritá rio e re p re sso r, s e g u id o d e d e s c o m p r e s s ü o p o lític a e social
e d e c o n s tru ç ã o d o E s ta d o D e m o c rá tic o d e D ireito.

ISBN 8 5 - 8 7 2 6 0 - 3 8 - 3

91788587 2 6 0 3 8 3

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