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RTS

ADVANCED TRAINING FOR


THE EXERCISE PROFESSIONAL

RTS INTRO
Biomecânica para a
Prescrição Clínica
do Exercício

TOM PURVIS

www.rtsbrazil.com.br
c o n ti n u u m
do e x erc í cio
O Que é Função
c o n t i n u u m d o e x e r c í c i o

Função e a Estrutura Mas o que é função?


A popularidade do “exercício funcional” trou- Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa
xe o termo função para a vanguarda da indústria do Michaelis, a palavra “função” possui dois significados.
exercício, e “função” é normalmente visto como algo Função:
“que você tem que fazer no trabalho, na vida diária ou 1.  Ação de um órgão, aparelho ou máquina.
no esporte”. Mas será que nossa capacidade funcional 2.  Atividade especial, serviço, encargo, cargo,
é determinada por escolhas, desejos e objetivos? Ou emprego, missão.
será que ela é baseada na maneira como algo funcio-
na? O que determina a maneira como algo funciona? Esses são dois significados distintos para função,
o primeiro refere-se ao funcionamento específico das
A influência da estrutura partes, já o segundo refere-se ao funcionamento glo-
O que determina como uma dobradiça funcio- bal, específico da atividade.
na é a sua forma/estrutura. Se escolhermos dobrá A palavra “performance” significa desempenho,
-la para o lado contrário de sua estrutura original quer dizer, o quão bem ou mal algo funciona ou traba-
corremos o risco de quebrá-la, no entanto, a nossa lha. Então, para identificar a função a qual nos referimos
escolha não altera a sua função original. O que de- quando tratamos do sistema neuromusculoesquelético,
termina como um carro funciona é a estrutura dele. vamos classificá-la como performance interna.
Um carro esportivo foi construído com materiais Performance interna indica a função descrita
específicos que toleram alta velocidade em uma no primeiro significado, a função básica neuromus-
pista lisa, porém não toleram terreno íngreme. Se culoesquelética, responsável pelo funcionamento da
decidirmos dirigi-lo fora da estrada, em uma trilha articulação a cada grau de movimento, garantindo
off-road, por exemplo, isto não o torna uma camio- sua integridade. Função é determinada pela estrutu-
nete, ele sempre será um carro esportivo. ra, mas também pelos processos e suas interrelações
com ela. O propósito de todos os sistemas corporais
O livro Joint Structure and Function de Norkin e é de utilizar, apoiar e manter a estrutura.
Levangie afirma que: Logo, performance interna (função) é determi-
nada pela:
“Existe uma forte interrelação entre a es- 1.  Estrutura articular (função articular);
trutura e a função.” 2.  Estrutura muscular (função muscular);
“Estrutura, quando predeterminada, de- 3.  Função sensorial;
termina a função.” 4.  Capacidade de gerar tensão (output, capacidade
do músculo em gerar tensão em cada articulação).
Como a estrutura do corpo humano é predeter-
minada, isto é, não temos como escolher o formato Exercícios criados para a otimização e desenvol-
dos nossos ossos nem das nossas articulações, é a vimento da performance interna têm o foco nos qua-
estrutura que determina a função. Função NÃO é tro fatores mencionados acima.
determinada aleatoriamente. No entanto, nossas
escolhas influenciarão a estrutura. Elas poderão
alterá-la tanto positiva quanto negativamente.

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184 • A Evolução da Prescrição Clínica do Exercício | A Identidade da Fisioterapia
Fig. 129.

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Thomas C. Purvis & Mariane F. Malucelli

Performance externa indica a função descrita no números, como a pontuação, a distância, a velocida-
segundo significado, aquela responsável pelo resultado de, a precisão do alvo etc. e normalmente ele é alcan-
final da integração de todas as partes internas somada çado sem levar em consideração as limitações internas
a uma habilidade específica para uma tarefa ou ativida- e tolerâncias. Ele se concentra somente nos resultados
de específica (como correr, levantar e sentar, trabalhar, externos.
praticar esporte). Exercícios criados para a otimização As atividades da vida diária também devem ser
da performance externa otimizam e desenvolvem a habi- consideradas performance externa, porque devemos
lidade de incorporar as partes dentro de uma atividade. ser capazes de levantar e caminhar até o banheiro, por
A performance externa é dependente do bom exemplo, sem nos preocuparmos em como chegare-
funcionamento e da qualidade da performance inter- mos lá. Não devemos nos preocupar sobre o que está
na. Quando algo pequeno dentro da performance in- acontecendo internamente. Não devemos nos preocu-
terna não está funcionando bem, o resultado final na par com o que está acontecendo no nosso joelho, de-
performance externa não será tão bom. vemos apenas nos preocupar com o objetivo externo e
alcançá-lo. Deveríamos ser capazes de chegar ao carro
Performance Externa [PE] sem nos preocupar com o que está acontecendo den-
tro de nós. Estas atividades do dia a dia e os esportes
Performance externa é a habilidade de realização são realizados a partir de uma habilidade específica de
de uma atividade específica. Ela é dependente do fun- incorporar muitas partes existentes com todas as qua-
cionamento das partes internas. A performance exter- lidades que elas possuem para a realização da tarefa.
na usa o que existe disponível nas partes internas para Normalmente, não prestamos atenção nas par-
realizar a atividade, mas não desenvolve estas partes. tes internas a não ser quando perdemos integridade
em alguma delas e elas então precisam de atenção. As
pessoas que perderam a capacidade de mover uma
usar articulação valorizam tudo que é necessário para a
recuperação desta articulação. Quanto mais se per-
Incorporar todas as partes da de e mais tempo se leva para recuperar, mais foco é
Performance Interna para o colocado nas partes internas, mais evidente se torna
objetivo final: performance o potencial de otimizá-las e de como usar o “interno”
esportiva, vida diária etc. como diretriz para a prescrição do exercício.
Quando o profissional tem o objetivo de otimi-
zar a performance externa, ele precisa entender que
otimizar primeiramente as partes específicas que se-
Fig. 130. rão utilizadas na tarefa é fundamental. Por isso, faz-se
necessário entender quais partes são estas, pois com-
põem a performance interna.
Novamente, a palavra performance significa de- A marcha é um exemplo de performance externa,
sempenho, quer dizer, quão bem ou mal algo funciona pois é uma tarefa global específica. A boa execução da
ou trabalha. Ela é geralmente associada ao “desem- marcha é dependente do bom funcionamento de toda
penho atlético” ou a uma performance artística. No a estrutura passiva e ativa dos membros inferiores e do
desporto, medimos o sucesso da performance com tronco. Quando existe alguma disfunção na marcha,

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nós otimizamos as partes antes de otimizar a ativida- O estudo da função articular inicia-se com o
de. Esse raciocínio lógico deve ser mantido para toda aprofundamento do conceito sobre a amplitude de
intervenção utilizando exercícios não somente para a movimento. Se analisarmos internamente a ADM,
reabilitação, mas também para o desenvolvimento e veremos que ela é indicada por graus de movimen-
conservação do sistema neuromusculoesquelético. to e cada grau é uma posição estática, então ADM
é, na verdade, Amplitude de Posições Articulares
Performance INTerna [PI] Disponíveis [ADPAD]. Quando medimos a ADM,
estamos de fato medindo duas posições articulares e
A performance interna é composta do que o clien- chamando-as de amplitude. Se a posição final é alte-
te-paciente apresenta [TEM] disponível para ser tra- rada, a amplitude total é alterada. Quando estudamos
balhado, é a matéria-prima que nos é apresentada. Só em um livro que certa articulação possui 180 graus
podemos trabalhar com aquilo que o cliente-paciente de ADM, isso quer dizer que esta articulação deveria
apresenta dentro da sua função neuromusculoesquelé- apresentar 180 posições estáticas. Entretanto, a maio-
tica e nossa intenção é otimizar aquilo que ele [TEM]. ria dos indivíduos não se encaixa nos padrões indi-
Performance interna é o estado operacional cados nos livros e precisamos identificar quais são as
(função) e a tolerância dos componentes internos ne- posições articulares disponíveis de cada cliente-pa-
cessários para orquestrar o movimento bruto. São as ciente individualmente.
partes. É tudo o que um indivíduo [TEM] disponível
para gerar a performance externa.

O que significa [TER]?


Fig. 132.
[TER] é como identificamos a verdadeira fun-
ção. Ela envolve a função articular, a função muscu-
lar e a função sensorial. Se, hipoteticamente, a arti-
culação do joelho sofrer uma fusão e não tiver mais A função muscular é, na verdade, a contração
movimento, imediatamente a musculatura em torno muscular. Precisamos de contração para levar a ar-
do joelho vai começar a atrofiar porque não existe ticulação de uma posição para outra. Internamente,
mais motivo para estar presente gastando energia em a função muscular indica a Amplitude de Compri-
uma articulação imóvel. Músculos controlam articu- mento Contrátil Disponível [ADCCD]. Isso quer
lações. Então, para os músculos serem conservados, dizer que, assim como precisamos identificar as po-
são necessárias articulações que funcionem. ADM sições articulares que um indivíduo tem disponível,
não acontece sem articulações que se movam ou o mesmo deve ser feito com a contração muscular.
músculos que funcionem. É necessária a identificação das posições dentro da
amplitude em que o tecido contrátil tem capacidade
de gerar tensão. Cada posição articular indica certo
comprimento do tecido contrátil. No entanto, quan-
do existe alguma patologia com comprometimento
Fig. 131.
neurológico ou qualquer tipo de lesão que prejudi-
ca o sistema muscular e, devido a isso, a articulação
exibe mais posições disponíveis do que existe de

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comprimento contrátil, ela não se enquadra nesta si- consegue mover uma articulação, isso não signi-
tuação, porque a articulação alcança amplitudes que fica necessariamente que não exista capacidade
não pode controlar ativamente. de tensão naquela posição, pode ser que exista a
contração, mas não suficiente para vencer aquela
demanda, aquela resistência. Então esse processo
é, na verdade, um Continuum.
Fig. 133.

Tensão Fig. 134.


por comprimento

Função Sensorial. É necessário que a função capacidade de produção de tensão [HP]


sensorial esteja intacta para que exista contração
e movimento. A função sensorial vai além da pro-
priocepção. A propriocepção é uma parte impor- Capacidade de Tensão por comprimento contrátil.
tante, mas não é a única. Por definição, proprio- Precisamos de um pouco de contração sólida para ini-
cepção é a percepção (localização) das posições ciar um trabalho. Depois, precisamos otimizar a tensão
estáticas, do movimento dos membros e do cor- existente. O desenvolvimento da Capacidade de Tensão
po, independentemente da visão. Porém, nós não é onde devemos desprender nosso maior tempo dentro
possuímos um GPS interno, não existe um sensor da prescrição de exercícios. Trabalhar na melhora da ca-
único de posição. A identificação da posição vem pacidade de tensão é como trabalhar no desempenho do
pela combinação das informações do comprimen- motor do carro para deixá-lo mais potente para então
to muscular, da tensão muscular, da pressão arti- melhorar o seu desempenho na corrida.
cular e dos mecanorreceptores nas articulações e Então, resumindo...
na pele.
Essas são as três partes vitais para podermos Performance é o estado operacional dos
Interna (PI) componentes internos.
iniciar o processo de otimização da função ou da
performance interna.
É preciso ter articulações que possam se mo- [TER] = são as partes que precisamos [TER]
ver de modo que seja possível fazer ajustes. É pre- funcionando e disponíveis para a realização de uma
ciso ter sensação e informações sensoriais do es- tarefa ou esporte específico. É a função ou o nível de
tado da articulação. É preciso ter contrações, não função. Ela não é específica da atividade, é a função
somente contrações, mas contrações que tenham neuromusculoesquelética básica. É a visão interna da
capacidade de tensão suficiente para tolerar a de- ADM, são as partes essenciais que precisam estar fun-
manda exigida em cada posição articular. A capa- cionando e que influenciam a ADM.
cidade de tensão pode ser mínima e evoluir para
uma contração sólida para a manutenção daquela [TER] Função Articular
posição articular, depois evoluir para ter capaci- + Função Muscular
dade de tensão suficiente para se mover e depois + Função Sensorial
+ Capacidade de Tensão
se mover contra a resistência. Se o cliente não

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A prescrição do exercício (aplicação de força/


estímulo com objetivo de gerar uma adaptação) tem
como principal objetivo influenciar positivamente
a performance interna e a performance externa, po-
rém, para isso, precisamos entender incicialmente
onde a performance interna do cliente-paciente se
encontra dentro do Continuum da função para que
possamos criar estímulos apropriados e gerar adap-
tações positivas.

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