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Como todas as artes, a fotografia possui evidentemente certos traços específicos. Mas o
que distingue das artes visuais gráficas não é nem o seu caráter múltiplo (a gravura e a
escultura por fundição são também múltiplas) nem a utilização de um dispositivo
técnico (a câmera obscura utilizada pelos pintores holandeses, assim como o simples
pincel, são também dispositivos técnicos). Dois traços parecem decisivos. O primeiro
reside na especificidade genética da imagem: a imagem fotográfica é uma impressão
fotônica, um traço extraído do real. Em outras palavras, existe um laço causal direto
entre a imagem fotográfica e o que ela apresenta. E a ocorrência desta especificidade é
também uma fonte fundamental do investimento estético da fotografia. Em segundo
lugar, contrariamente ao que se passa nas artes visuais gráficas, a representação
analógica não é um jogo da fotografia, mas um dado do dispositivo técnico. Muitos
mal-entendidos nascem disso: do fato de que a fotografia não tem que "trabalhar" para
aceder à figuração; pretendeu-se que ela surgia da simples "reprodução". Na realidade,
no caso da (re)presentação fotográfica, assiste-se simplesmente a um deslocamento do
investimento criador: estando garantida a figuração, os procedimentos criadores
investem nas suas modalidades e modalizações.
Talvez fosse necessário começar por nos perguntarmos se estar no centro dos "mundos
da cultura e da arte" é ainda uma situação desejável em nossos dias de crise das artes
plásticas num contexto de museificação galopante.
Será que a fotografia não deve uma parte de sua vitalidade (nunca desmentida, que eu
saiba) ao fato de que a circulação de seus valores estéticos ainda escapa largamente à
legitimação dos museus? Não penso aqui, evidentemente, no museu como lugar de
memória de obras, mas como seção de registro artístico, como instância de legitimação
artística e estética que faz um curto-circuito na vida artística: este museu me parece
particularmente inadaptado a uma arte que nunca parou de extrair energias sempre
novas da dispersão dos locais e suportes que investiu.
Do ponto de vista da arte dos museus, a fotografia é, sem contestação, uma arte impura
no sentido em que muito freqüentemente sua prática é inscrita em finalidades
pragmáticas: reportagem, fotografia de moda ou publicidade, documentação etc. Donde
o questionamento da argumentação que define este número de La recherche
photographique: "Talvez a fotografia quase não chegue a ultrapassar os domínios da
ação, do trabalho, da comunicação, ou da família." Mas o interesse estético da fotografia
também não reside nos laços íntimos que ela não cessa de ter com a ação, o trabalho, a
comunicação ou a família? Afinal, esse é o caso de numerosas artes, na maior parte das
culturas e na maior parte das épocas históricas: a obsessão da pureza artística é recente e
talvez transitória. A função didática dos vitrais, na Idade Média, não os impediu de
serem obras de arte de grande poder estético, e o fato de que a arquitetura seja em geral
também funcional, quer dizer, tenha raramente uma finalidade puramente artística ou
estética, não impediu jamais que alguém a considere uma arte canônica.
Parece-me também que não convém tomar a situação institucional da pintura como
ponto de referência para resolver a questão do estatuto da arte fotográfica. Desde a
invenção das novas mídias visuais (a fotografia em primeiro lugar, o cinema em
seguida, depois o sinal de vídeo e as imagens virtuais), a pintura de facto perdeu o lugar
central que em outros tempos foi seu na experiência visual humana: a fotografia o
retomou no nível de sua capacidade mimética, e o cinema ultrapassa no terreno da
narração visual. Ora, parece-me que o destino da pintura moderna e contemporânea está
em parte ligado a essa transformação fundamental de seu estatuto cultural. Isso vale
para o abandono da figuração pelos abstracionistas, isso vale para a absorção, mais
recente, da prática especificamente pictural pelas artes plásticas, e, mesmo de maneira
mais radical, para a "arte genérica" (Thierry de Duve), e isso vale também para sua
museificação, que é o corolário de sua retirada do centro vital da cultura visual
moderna. Tudo isso não retira nenhum mérito da arte pictural contemporânea,
simplesmente, seria absurdo que a fotografia corresse atrás de um destino de que ela é
uma das causas.
Quer ela queria, quer não, parece-me que, por razões evidentes, a fotografia está mais
ligada ao cinema, ao sinal de vídeo e às imagens virtuais do que a pintura. Ora,
nenhuma dessas artes encontra nos museus seu lugar canônico de obra acabada. Penso
que acontece o mesmo com uma grande parte da arte fotográfica. Não quero dizer com
isso que o museu não pode acolher a fotografia (ele o faz e freqüentemente bem), nem
que ele não pode funcionar como memória histórica das obras, mas duvido que ele
possa jamais dar conta da legitimação artística e estética da prática artística fotográfica
na sua diversidade e dispersão sociais e culturais - enquanto para a pintura ele se tornou
o mediador institucional incontornável.
Jean-Marie Schaeffer é diretor de pesquisas no CNRS, membro do Centre de recherches sur les arts et le
langage (EHESS-CNRS) e autor de A imagem precária (Papirus, 1996).
Este texto foi originalmente publicado na revista La recherche photographique nº 18, de maio de 1995.
Traduzido por Flávia Cesarino Costa, foi publicado na Revista Imagens nº 6, da Unicamp.