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- a Literatura de Cárcere, narrativa marcada pela violência da punição e reveladora da visão humana

de um prisioneiro sobre o mundo que o encerra. (p. 12)

- O Direito, de acordo com Luis Legaz y Lacambra, é uma forma de vida social que realiza um
ponto de vista sobre a justiça, mediante um sistema de legalidades dotado de um valor autárquico
(1961, p. 246). O principal ponto de vista sobre a justiça neste trabalho é o Direito Penal, ramo que
regula o poder punitivo do Estado através de um conjunto de normas sistematizadas, controladoras
dos delitos e das penas (JESUS, 2003, p. 5). O Direito Penal é considerado a ultima ratio (último
recurso) do poder punitivo do Estado, só devendo intervir em ataques absolutamente graves a bens
juridicamente protegidos. Mencionando Montesquieu, o pensador italiano setecentista, Cesare
Beccaria, ilumina: “Toda pena que não derive da necessidade absoluta [...] é tirânica” (2005, p. 42).
As penas 2 são os instrumentos político-jurídicos mais violentos de regulação social. Em meio à
extensa diversidade do rol destes instrumentos (pena de morte, prisão perpétua, multa, restrições de
direitos), o exercício punitivo que interessa à dissertação é o da pena de prisão, um espaço de
custódia e suplício do réu, destituidora da liberdade de ir e vir. (p. 14)

- A terceira parte do estudo, “Poder x Resistência: Direito x Literatura”, retoma conceitos


estabelecidos nesta introdução para elucidar um confronto de forças entre indivíduo e Estado. A
análise desta oposição pretende demonstrar que as escritas produzidas sobre este mundo subterrâneo
são discursos solitários de um homem sobre um sistema punitivo que tem como princípio a privação
e a exclusão. A voz e o foco narrativo dos textos sobre o cárcere são instrumentos de combate
possíveis para a revelação de um lugar esquecido pelas práticas de uma política penal. Para que o
Poder do Direito não se torne absoluto, a Literatura adota uma escrita em Resistência, como meio
para a denúncia dos condenados e também um convite à reflexão sobre a condição humana. A
Literatura de Cárcere é o poder da palavra dos penalmente excluídos, é o nó inextricável entre
narrador e sociedade que o cerca, é a narrativa do espaço, do tempo e da memória das prisões. Para
que a proposta desta etapa do estudo seja fundamentada serão apresentados pensamentos de
intelectuais como Thomas Hobbes, John Locke, Alfredo Bosi, Georges Didi-Huberman, Walter
Benjamin e tantos outros. (p. 17)

- Direito também pode ser amplamente conceituado, como já debatido na Introdução deste trabalho,
mas para este capítulo do estudo caberá a definição lógica e objetiva: “um conjunto de normas de
conduta social, imposto coercitivamente pelo Estado, [...] segundo os critérios de justiça” (NADER,
2003, p. 74). É claro que estes critérios de justiça não são necessariamente justos, como veremos ao
longo do estudo. (p. 69)

- No ensaio Sobrevivência dos vagalumes, Georges Didi-Huberman reflete que os vaga-lumes de


Pasolini seriam os momentos fugazes e frágeis de uma graça que resiste ao mundo do terror, em
uma existência condenada a iluminar as trevas e ser ofuscada pelo excesso de iluminação (2011, p.
25) ou iluminismo das leis. Esta é a terrível condição de sobrevivência daqueles que escrevem sobre
o cárcere, iluminar trevas negligenciadas pela luz violenta dos canhões das leis. (p. 87)

- A literatura das prisões não só revela uma diversidade de tipos humanos absurda, como também
reproduz um novo discurso a partir da visão daqueles que estão fora do sistema /dentro das prisões
23 . Invariavelmente os personagens da Literatura de Cárcere são etiquetados pela sociedade e pelos
dispositivos penais como criminosos capazes de subverter uma ordem estabelecida através de um
caos desestabilizador da estável relação de poder entre o hipossuficiente homem e o omnipresente
Estado. (p. 87)

- Para o professor Márcio Seligmann-Silva, “a lei traça as fronteiras entre os protegidos e os


hostilizados, o próprio e o outro. O ‘de fora’, é também – e antes de mais nada – aquele que está
dentro da prisão” (2004, p. 8).
- A partir da premissa de que todo criminoso é um revolucionário em potencial, podemos ver o
escritor, o personagem e seu foco narrativo como desafiantes à ordem econômica, social e política
em busca do poder, da lei, do controle do recurso, semelhante à descrição de Eric Hobsbawm sobre
a figura histórica do banditismo (2010, p. 21). “Os bandidos, por definição, resistem a obedecer,
estão fora do alcance do poder, são eles próprios possíveis detentores do poder e, portanto, rebeldes
potenciais” (HOBSBAWM, 2010, p. 26). O criminoso ou bandido da Literatura de Cárcere é um
indivíduo reflexivo capaz de provocar o direito, de transgredir a ordem maniqueísta através de sua
potência criativa. A sua resistência, sua profanação, sua sobrevivência, sua revolução se fazem por
uma Literatura que dá voz à rebelião incubada no corpo do próprio escritor. É a busca do lugar
esquecido, da experiência inenarrável, da liberdade impossível, que transforma a Literatura de
Cárcere em um ato de resistência ao poder do Direito Penal e toda uma sociedade punitiva. São
essas vozes que queimam as leis através da arte, em uma busca constante de um novo olhar sobre o
mundo que nos encerra. (p. 88)

- Assim são as Literaturas de Cárcere: resgatam do subterrâneo as desumanizações dos sistemas


prisionais e decretam a falência deste segregador modelo punitivo. (p. 117)

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