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Disciplina: FSL0644

Sociologia do Desenvolvimento – “A
invenção do Terceiro Mundo”.
Graduação em Relações Internacionais – USP
2º Semestre de 2019
Docente responsável: Prof. Dr. Alvaro A. Comin (548616)
alvcomin@usp.br
Monitores: Policarpo Fontes <pfontes2010@gmail.com> e;
Pedro Micusi Micussi <pedromicussi@gmail.com>;
[30 e 31/ago] 4.
Colonialismo, divisão social e divisão
racial do trabalho
• Quijano, Anibal (2005) “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América
Latina.”. In: Edgardo Lander (comp.) A colonialidade do saber:
eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. CLACSO,
Buenos Aires.
• Francisco Bethencourt (2018) Racismos: das Cruzadas ao Século XX. São
Paulo, Cia das Letras. [Cap. 5 – Hierarquias de continentes e povos, p. 102-
124]
• Rod Bush (2007) 'Acting for a Good Society: Racism and Black Liberation in
the Longue Durée'. In: Vera, Hernán & Feagin, Joe R. (eds.) Handbook of
the sociology of racial and ethnic relations. Springer.
Documentário: “Racismo - Uma História - Parte 1/3 - A Cor Do Dinheiro”
Braudel
(...) a economia-mundo europeia, em 1650, é a justaposição, a
coexistência de sociedades que vão desde a sociedade já
capitalista, a holandesa, até às sociedades servis e escravistas, no
fundo da escala. Essa simultaneidade, esse sincronismo., fixam
todos os problemas ao mesmo tempo. De fato, o capitalismo vive
dessa sobreposição regular: as zonas externas alimentam as zonas
medianas e, sobretudo, as centrais. (p. 60)
Essa tese é uma explicação diferente do habitual modelo
sucessivo: escravatura, servidão, capitalismo. Postula uma
simultaneidade, um sincronismo singular demais para não ser de
grande alcance.
A Europa, de coroa imperial, está no topo, sentada diante do frontão. Segura um cetro na mão direita e, na esquerda,
qual um leme. tem uma cruz JS sente no topo de um grande globo. Atrás dela crescem parras e uvas sobre uma treliça
com arco, sublinhando-lhe a fertilidade e a riqueza. A figura da Europa é a única sentada. totalmente vestida e
calçada. A posição de domínio é ainda definida pela representação de dois globos (celestial e terreno) em cada lado
do frontão, com os símbolos da prodigalidade e do trabalho (o prato e a cabeça de boi) no entablamento
imediatamente abaixo.
A Ásia ocupa a segunda posição,
bastante abaixo, mas à direita da
Europa, de pé no pedestal de
"mármore" do portal, à frente de
uma coluna. Usa um toucado
Elegante, está adornada com
pedras preciosas e enverga roupas
belas, embora semitransparentes,
que lhe revelam o corpo. Está
descalça e tem um turíbulo na
mão esquerda.
A terceira posição. à frente da coluna à
esquerda da Europa, é destinada à
África, com uma posição simétrica à da
Ásia. A África é representada como uma
mulher quase nua, com uma fita na cabeça
e um pedaço de tecido largo transparente
à volta das ancas que mal lhe cobre o sexo.
Os raios do sol rodeiam-lhe a
cabeça, sublinhando a etimologia grega da
palavra “etíope” como rosto queima
do. Na mão direita segura um ramo de
madeira perfumada - uma referência ao
Egito retirada diretamente da
Cosmographia de Sebastían Münster.' O
único fenótipo
estereotipado é o nariz. A África está
representada de perfil, numa referência
à tradição romana de personificar o Egito
como perfil de mulher em moedas e
medalhas. Nas versões coloridas do
frontispício, a África está representada em
castanho-escuro.
A quarta posição é ocupada pela América, na parte de baixo do portal, à frente do pedestal, deitada quase nua, com uma
borduna estilizada na mão direita, enquanto com a esquerda exibe a cabeça decepada de uma vitima de canibalismo. A única
"roupa" da América é uma fiada de penas em tomo da cabeça. Apresenta ainda outros dois ornamentos exóticos: pedras
preciosas engastadas na testa e um anel de pequenos sinos em volta de uma perna. Por baixo do corpo estão um arco e duas
flechas. que a mostram como guerreira amazona. Ao seu lado está o busto nu de uma mulher no topo de uma coluna que
mostra uma chama. Isso representa a Terra do Fogo. a mítica quinta parte australiana do mundo indicada nos mapas de
Ortêlio e inspirada no mapa-múndi revolucionário publicado em 1569 por Gerardo Mercator. A cena exótica fica completa
com a rede pendurada na parede atrás das figuras da América e da Austrália.
O programa iconográfico dessa página de rosto é extraordinário: revela
como, em pouco mais de um século de exploração oceânica europeia, os
principais estereótipos de outros continentes e povos do mundo se
cristalizaram de um modo visual poderosamente conciso. (…) Essa
página funcionou como a matriz que seria usada, com algumas
variantes, em diferentes formas da cultura visual e performática -
mapas. desenhos, gravuras, registros reais, pinturas, monumentos e
esculturas públicas (...). A razão para isso é simples: o frontispício
sublinhava a posição superior da Europa.
Todavia, essa não era a única representação possível dos outros povos do
mundo. Desde o início da expansão oceânica europeia existiu uma hierarquia
alternativa - ou melhor, complementar-. baseada numa classificação mais
complexa dos povos do mundo. Essa classificação não coincidia com os
continentes, baseando-se em critérios que enfatizavam os diferentes
estágios da humanidade, atravessando as quatro partes do mundo. No
entanto, podemos considerá-la um complemento à personificação dos
continentes, pois contribuiu para justificar de forma elaborada os princípios
hierárquicos da supremacia europeia. Baseava-se num programa inteligente
de etnologia comparativa, formulado pela primeira vez de modo sistemático
pelo jesuíta José de Acosta (1540-1600).
Era esse o contexto do empreendimento de Acosta. A classificação de bárbaros não
cristãos feita por Acosta é a que mais nos interessa, já que abrangia praticamente todo o
mundo conhecido. No prólogo do livro De procuranda lndorum Salute, publicado em
1588, Acosta distinguia três tipos de bárbaros.
O primeiro eram os povos racionais, com sistemas estáveis de governo, direito público,
cidades fortificadas, magistrados prestigiosos, comércio próspero organizado e uso de
letras. Os chineses, os japoneses e alguns dos povos da Índia pertenciam a essa
categoria. Acosta chega a mencionar uma cultura eurasiática comum, referindo-se a
princípios, instituições, usos e costumes. Tais povos encontram-se no nível mais elevado
em todos os aspectos, salvo no que diz respeito a questões religiosas. A conversão
desses povos deveria ser obtida exclusivamente através da persuasão; a violência ou as
tentativas de conquista iriam afastá-los da lei cristã.
A segunda categoria de bárbaros eram os povos sem uso regular de letras,
leis escritas, ou estudos filosóficos ou civis. Embora dispusessem de um
regime de governo, magistrados, colônias permanentes, administração
política, organização militar, formas de culto religioso e normas de
comportamento. Acosta incluía nessa categoria os mexicanos e os peruanos.
cujos sistemas de governo, leis e instituições eram considerados admiráveis.
(...) Esses povos deviam ser livres e ter direito a usar a sua propriedade e as
partes das leis que não fossem contra a natureza ou o Evangelho. No
entanto, devido aos seus costumes monstruosos (os sacrifícios humanos),
eles teriam de ser convertidos com um misto de violência e de persuasão, e
submetidos à autoridade de príncipes e de magistrados cristãos.
A terceira categoria incluía os selvagens, considerados semelhantes aos
animais, que tinham sentimentos humanos, mas não dispunham de leis,
monarcas, convenções, magistrados ou regimes permanentes de governo, e
que se deslocavam constantemente como animais. Viviam quase sem roupa,
eram cruéis com quem passava pelas suas regiões e alimentavam-se de
carne humana. Acosta afirma que no Novo Mundo existiam inúmeras
"manadas", segundo as suas palavras: caríbes, chunchos, chiriguanas, moxos,
iscaicingas (no Peru), moscas (em Nova Granada), alguns dos povos do Brasil
e os povos do rio Paraguai, do extremo Sul, e da maior parte da Florida. (...)
Declarava que todos esses povos precisavam de educação para que, como
crianças, pudessem aprender a ser humanos. Tinham de ser obrigados a
viver em colônias e a receber o Evangelho.
Quijano: Capitalismo, Colonialismo, Escravidão e Racismo.
A América constitui-se como o primeiro espaço/tempo de um padrão de poder de
vocação mundial e, desse modo e por isso, como a primeira id-entidade da
modernidade. Dois processos históricos convergiram e se associaram na produção do
referido espaço/tempo e estabeleceram-se como os dois eixos fundamentais do novo
padrão de poder. Por um lado, a codificação das diferenças entre conquistadores e
conquistados na ideia de raça, ou seja, uma supostamente distinta estrutura biológica
que situava a uns em situação natural de inferioridade em relação a outros. Essa idéia foi
assumida pelos conquistadores como o principal elemento constitutivo, fundacional, das
relações de dominação que a conquista exigia. Nessas bases, consequentemente, foi
classificada a população da América, e mais tarde do mundo, nesse novo padrão de
poder. Por outro lado, a articulação de todas as formas históricas de controle do
trabalho, de seus recursos e de seus produtos, em torno do capital e do mercado
mundial.
Codificar as diferenças
A idéia de raça, em seu sentido moderno, não tem história conhecida antes da
América. (...) A formação de relações sociais fundadas nessa ideia, produziu na
América identidades sociais historicamente novas: índios, negros e mestiços, e
redefiniu outras. Assim, termos com espanhol e português, e mais tarde
europeu, que até então indicavam apenas procedência geográfica ou país de
origem, desde então adquiriram também, em relação às novas identidades,
uma conotação racial. E na medida em que as relações sociais que se estavam
configurando eram relações de dominação, tais identidades foram associadas
às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes, como constitutivas
delas, e, conseqüentemente, do padrão de dominação que se impunha. Em
outras palavras, raça e identidade racial foram estabelecidas como
instrumentos de classificação social básica da população. (p.117)
Eurocentrismo

Na América, a ideia de raça foi uma maneira de outorgar


legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista.
A posterior constituição da Europa como nova id-entidade
depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao
resto do mundo conduziram à elaboração da perspectiva
eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da
idéia de raça como naturalização dessas relações coloniais de
dominação entre europeus e não-europeus. (p.118)
Por outro lado, no processo de constituição histórica da América, todas as formas de controle
e de exploração do trabalho e de controle da produção-apropriação-distribuição de produtos
foram articuladas em torno da relação capital-salário (de agora em diante capital) e do
mercado mundial. Incluíram-se a escravidão, a servidão, a pequena produção mercantil, a
reciprocidade e o salário. Em tal contexto, cada umas dessas formas de controle do trabalho
não era uma mera extensão de seus antecedentes históricos. Todas eram histórica e
sociologicamente novas.
Na medida em que aquela estrutura de controle do trabalho, de recursos e de produtos
consistia na articulação conjunta de todas as respectivas formas historicamente conhecidas,
estabelecia-se, pela primeira vez na história conhecida, um padrão global de controle do
trabalho, de seus recursos e de seus produtos. E enquanto se constituía em torno de e em
função do capital, seu caráter de conjunto também se estabelecia com característica
capitalista. Desse modo, estabelecia-se uma nova, original e singular estrutura de relações de
produção na experiência histórica do mundo: o capitalismo mundial.
Assim, ambos os elementos, raça e divisão do trabalho, foram estruturalmente
associados e reforçando-se mutuamente, apesar de que nenhum dos dois era
necessariamente dependente do outro para existir ou para transformar-se. Desse modo,
impôs-se uma sistemática divisão racial do trabalho. Na área hispânica, a Coroa de
Castela logo decidiu pelo fim da escravidão dos índios, para impedir seu total extermínio.
Assim, foram confinados na estrutura da servidão. Aos que viviam em suas
comunidades, foi-lhes permitida a prática de sua antiga reciprocidade –isto é, o
intercâmbio de força de trabalho e de trabalho sem mercado– como uma forma de
reproduzir sua força de trabalho como servos. Em alguns casos, a nobreza indígena, uma
reduzida minoria, foi eximida da servidão e recebeu um tratamento especial, devido a
seus papéis como intermediária com a raça dominante, e lhe foi também permitido
participar de alguns dos ofícios nos quais eram empregados os espanhóis que não
pertenciam à nobreza. Por outro lado, os negros foram reduzidos à escravidão. (p.118)
• (...) o êxito da Europa Ocidental em transformar-se no centro do moderno sistema-
mundo, segundo a apta formulação de Wallerstein, desenvolveu nos europeus um traço
comum a todos os dominadores coloniais e imperiais da história, o etnocentrismo. Mas
no caso europeu esse traço tinha um fundamento e uma justificação peculiar: a
classificação racial da população do mundo depois da América. A associação entre ambos
os fenômenos, o etnocentrismo colonial e a classificação racial universal, ajudam a
explicar por que os europeus foram levados a sentir-se não só superiores a todos os
demais povos do mundo, mas, além disso, naturalmente superiores. Essa instância
histórica expressou-se numa operação mental de fundamental importância para todo o
padrão de poder mundial, sobretudo com respeito às relações intersubjetivas que lhe são
hegemônicas e em especial de sua perspectiva de conhecimento: os europeus geraram
uma nova perspectiva temporal da história e re-situaram os povos colonizados, bem
como a suas respectivas histórias e culturas, no passado de uma trajetória histórica cuja
culminação era a Europa. (p.121)
De acordo com essa perspectiva, a modernidade e a racionalidade foram
imaginadas como experiências e produtos exclusivamente europeus. Desse ponto
de vista, as relações intersubjetivas e culturais entre a Europa, ou, melhor
dizendo, a Europa Ocidental, e o restante do mundo, foram codificadas num jogo
inteiro de novas categorias: Oriente-Ocidente, primitivo-civilizado, mágico/mítico-
científico, irracional-racional, tradicional-moderno. Em suma, Europa e não-
Europa.
a versão eurocêntrica da modernidade e seus dois principais mitos fundacionais:
um, a idéia-imagem da história da civilização humana como uma trajetória que
parte de um estado de natureza e culmina na Europa. E dois, outorgar sentido às
diferenças entre Europa e não-Europa como diferenças de natureza (racial) e não
de história do poder. Ambos os mitos podem ser reconhecidos, inequivocamente,
no fundamento do evolucionismo e do dualismo, dois dos elementos nucleares do
eurocentrismo.
O notável disso não é que os europeus se imaginaram e pensaram a si mesmos e
ao restante da espécie desse modo –isso não é um privilégio dos europeus– mas o
fato de que foram capazes de difundir e de estabelecer essa perspectiva histórica
como hegemônica dentro do novo universo intersubjetivo do padrão mundial do
poder. (p.122)
A Divisão Internacional do
Trabalho entre Nações Periferia Agricultura de subsistência,
América Central, exportação de commodities
Caribe, Região
Andina, África,
Oriente Médio, Ásia
Central e Sul.

Indústrias tradicionais, Semi-


commodities periferia
(México, Brasil,
Turquia, Polônia,
África do Sul,
China, Índia)

Centro
(Europa,
América do
Norte, Japão) Indústrias intensivas em
capital e tecnologia,
Finanças, Serviços
Tecnológicos
Divisão Social e Divisão Racial do Trabalho –
Quijano/Arrighi/ Wallerstein Força de trabalho predo//
BRANCA (europeia);
assalariamento; elevada
qualificação e remuneração
Centro

Formação Mista e
Hierárquica (Ame Lat: Semi-Periferia
BRANCOS no topo); Força de Trabalho
assalariamento parcial + predo// NÃO-
informalidade BRANCA;
escravidão,
servidão,
subsistência.; baixa
qualificação e renda

Periferia

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