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REVISTA IMAGEM, VOLUME 1, NÚMERO 1

JUNHO-DEZEMBRO 2011, ISSN 2178-3772


REVISTAIMAGEM.FSG.BR
FACULDADE DA SERRA GAÚCHA

O Kitsch e seus rebatimentos no design:


uma revisão da literatura

The Kitsch and it’s design batting: literature review


Thiago Quadros; Carla Farias Souza

Resumo
O artigo tem por objetivo compreender o fenômeno Kitsch enquanto teoria
estética através de revisão bibliográfica centrada na obra O kitsch: a arte da
felicidade de Abraham Moles, assim como identificá-lo exemplificando sua
ocorrência no dia-a-dia das pessoas rebatendo no design. Apresenta O kitsch
como pré-formador do gosto estético refinado, assim como o valida em sua
abordagem formal. Entretanto, compreende Kitsch enquanto valor ético co-
mo fenômeno a ser evitado no design, visto que torna-se ferramenta para a
alienação.
Palavras-chave: Kitsch; Estética; Design.

Abstract
The article aims to understand the phenomenon as Kitsch aesthetic theory
through a literature review focused on the work The Kitsch: the art of happi-
ness written by Abraham Moles, as well as identify you exemplifying it’s oc-
currence in the day-to-day life of people bouncing in design. The Kitsch fea-
tures as pre-forming the refined aesthetic taste, as well as valid in their for-
mal approach. However, while Kitsch comprises ethical value as a phenome-
non to be avoided in the design, since it becomes a tool for the sale.
Keywords: Kitsch; Aesthetics; Design.
O Kitsch e seus rebatimentos no design: uma revisão da literatura

Introdução quanto fenômeno estético para após con-


textualizá-lo relacionando-o com o design.
O surgimento do Kitsch, conforme Moles
(2001), ocorreu na Alemanha por volta de Metodologia
1860, Kitschen em alemão significa “produ-
Através de revisão bibliográfica com base
zir algo novo a partir de objetos existentes”.
na obra O Kitsch de Abraham Moles, assim
A época áurea do Kitsch se dá com a ascen-
como outros autores, procurou-se entender
são da burguesia na Europa em meados do
o Kitsch através de sua contextualização no
século XIX. Como esta nova classe tinha
tempo e espaço como fenômeno estético,
grande poder econômico, passou a comprar
assim como seus desdobramentos éticos no
e consumir objetos caros e extravagantes
Design.
que os iguala, ou os promove em exuberân-
cia perante a antiga e decadente nobreza. Resultados
Na falta de um estilo burguês, promoveram- O resultados deste estudo estão dispostos
se muitos deles, todos inspirados em algu- em duas seções, a saber: a primeira trata o
ma coisa. O pensamento vigente considera- Kitsch segundo argumento de Abraham
va que a cópia atingira qualidade tão boa Moles; a segunda relaciona o Kitsch no de-
quanto o original, pode até ser muito me- sign seguindo o pensamento de outros au-
lhor, uma vez que está menos gasta. No tores, além de propor exemplos corriquei-
período de 1900, marcado pelas grandes ros para análise.
exposições internacionais, onde a sociedade
exibia suas belas riquezas, o Kitsch encon- O Kitsch no pensamento de Abrahm
tra pleno desenvolvimento. Em torno de Moles
Paris, Londres e Munique, seguido de Ber- Importante ao contextualizar o assunto
lin, Milão e Düsseldorf o Kitsch constrói a tomar a palavra de Moles (2001), ao situar a
visão de mundo do bem viver. O homem origem da expressão Kitsch:
branco conquistador seguro de sua verdade,
A palavra Kitsch, no sentido moderno,
empunhando bíblia e fuzil, professa-a às aparece em Munique, por volta de 1860,
populações inferiores. palavra bem conhecida do alemão do sul:
kitschen, quer dizer atravancar e, em par-
O Kitsch sofre com o funcionalismo propos- ticular, fazer móveis novos com velhos, é
to principalmente pelos designers, artistas uma expressão bem conhecida; verkits-
e arquitetos ligados a Bauhaus (1919-1933), chen, que quer dizer trapacear, receptar,
vender alguma coisa em lugar do que ha-
que rejeitavam o inútil e buscavam o rigor
via sido combinado. Neste sentido, existe
formal. Durante o período de reconstrução, um pensamento ético pejorativo, uma
após a Segunda Guerra Mundial (1939- negação do autêntico. (MOLES, 2001. p.
1945), desenvolve-se o Neokitsch, através 10)
do sonho americano do consumismo.
Assim, Moles (2001) atrela o Kitsch a um
agir de má fé, ao regateio, ao tirar vantagem
Compreender o fenômeno Kitsch no Design
de algo. Valls (1994), aponta que a ética em
é refletir sobre a tarefa do designer e seu
muitos casos pode seguir a idéia grega de
papel na sociedade, uma vez que este está
prazer como felicidade, porém, nem sempre
posicionado como equacionador de solu-
com a moderação que o autor atribui a es-
ções que moldam o mundo material dos
tes. Para Moles (2001), o Kitsch constitui um
seres humanos. Desta forma o objetivo des-
dos tipos de relação que o ser mantém com
te trabalho é compreender o Kitsch en-

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as coisas, uma maneira de ser muito mais O fenômeno Kitsch para Moles (2001), ba-
que um objeto, ou mesmo um estilo. Esta seia-se em uma civilização consumidora
origem do Kitsch tem implicações éticas que produz para consumir e cria para pro-
que, em maior ou menor grau, vão mediar duzir, em um ciclo cultural onde a noção
suas relações durante toda sua evolução. fundamental é a de aceleração. A cultura se
confunde com o consumir, consome-se Mo-
O Kitsch tem como período de florescimen-
zart, museus, Disneylândia, o ensino, a saú-
to como aponta Moles (2001), durante a
de, o corpo perfeito, por conseguinte uma
ascensão da civilização burguesa, no mo-
série de relações humanas condicionadas
mento em que esta adota o excesso de mei-
pelo consumismo.
os em face das necessidades. Este autor
afirma que “a burguesia instala-se na época É distinguindo e isolando dois tipos de defi-
de Napoleão III – Gulherme I, em meados do nições que Abrahm Moles (2001) chega a
século XIX, e torna-se por essa época uma um ponto crucial para a interpretação e
sociedade de massa” (MOLES, 2001, p. 88). compreensão do Kitsch, estas são: as defini-
ções que determinam o Kitsch por proprie-
Logo após seu surgimento o Kitsch alcança
dades formais dos objetos ou elementos do
o ápice em meio ao período conhecido co-
ambiente; e, as definições que consideram o
mo 1900 (1889-1914), marcado pelas exposi-
Kitsch a partir de relações específicas que o
ções universais e, centrado mais ou menos
homem mantém com os objetos, seja ele
entre Paris, Londres e Munique, seguindo
criador ou consumidor.
da ascensão de outras capitais com Berlim,
Milão e Düsseldorf. As relações do ser com o A partir disso pode-se afirmar que, o ponto
mundo passam fundamentalmente pelos de vista formal do Kitsch nos leva a investi-
objetos, que tomam o lugar das “coisas na- gações intermediadas por aspectos constru-
turais” transformando a cultura em um tivos dos objetos, tais como, cores, linhas,
inventário de objetos produzidos pelo ho- materiais, acabamentos, etc. Colocando ao
mem e nos quais ele se reflete. centro do estudo o objeto e sua aparência.
A diferenciação entre criar, isto é, introdu- Como contraponto, a abordagem a partir
zir no mundo formas que aí não existiam, e das relações, põe o Kitsch em acordo com
produzir, ou seja, copiar um modelo já exis- ponto de vista do observador relacionado
tente de maneira mais ou menos automati- com o ambiente ao qual está inserido, am-
zada, reproduzindo indefinidamente as pliando a noção de percepção estética para
mesmas formas em Moles (2001), é um dos além do bom ou mau gosto.
pontos de partida para relacionar o Kitsch
Para, Moles (2001, p. 32) “o Kitsch é uma
ao Design.
relação do homem com as coisas, muito
Design segundo Löbach (2001), compreende mais do que uma coisa, um adjetivo muito
a concretização de uma idéia em forma de mais do que um nome, constitui”. A ade-
projetos ou modelos, mediante a construção quação da forma nesta abordagem, estará
e configuração resultando em um produto mais ligada com uma situação dialética , que
industrial passível de produção em série. A com seus aspectos técnicos. Como propõe o
questão entre criar objetos e produzir obje- autor, “ha uma intencionalidade e um rela-
tos, levará a assuntos como produção em tividade do Kitsch”. (MOLES, 2001, p. 46)
larga escala, necessidade, posição ética,
O Kitsch torna-se então, segundo Moles
preceitos básicos para iniciar a discussão
(2001), um movimento permanente na rela-
sobre o Kitsch no Design.
ção entre original e banal, ele esta ao alcan-

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O Kitsch e seus rebatimentos no design: uma revisão da literatura

ce das pessoas, ao passo, que a arte esta fora 4) Critério de 'autenticidade Kitsch' (!)
de seu alcance. É a arte da felicidade, não que corresponde à idéia de sedimentação.
Raramente, o Kitsch é produto de uma in-
questiona, apazigua, é o caminho do meio
tenção deliberada... ao contrário, ele
termo permanecendo a meio termo de tudo. constitui um lento desenvolvimento, uma
Neste ponto pode-se falar da alienação do acumulação triunfante....” (Moles, 2001, p.
Kitsch proposta por Moles (2001), onde esta 61)
sendo um traço essencial ao Kitsch, contudo
Há de se pensar nos objetos adquiridos nas
não preponderante a ponto de se tornar um
viagens, as “lembrancinhas” ou souvenirs,
sinônimo, jamais põe este no lugar daquela.
que vagamente associados a uma necessi-
Moles (2001), desenvolve uma tipologia do dade técnica, estão diretamente relaciona-
Kitsch, dentro desta é importante ressaltar dos a uma necessidade Kitsch de significa-
a noção de inadequação dos objetos. O fato ção. Os princípios do kitsch. “Tomaremos
de o objeto ser grande ou pequeno demais como base o estudo dos fatores propostos
não o torna Kitsch em essência, mas sim por Engelhardt e Killy, distinguindo cinco
uma desproporcionalidade do objeto para princípios do Kitsch”:
com suas partes. As curvas redundantes Princípio de inadequação: é um desvio do
parametricamente repetitivas, combinações objeto em relação à função que se supõe
de cores misturadas ao máximo, o agigan- deverá cumprir.
tamento ou redução das dimensões consti- Principio de acumulação: consiste em po-
tuem de acordo com Moles (2001), traços voar o vazio com um exagero de meios
clássicos do objeto Kitsch.
Principio de sinestesia: consiste em assal-
O autor destaca o Kitsch religioso como tar o máximo de canais sensoriais simul-
sendo um dos grandes aspectos do Kitsch. taneamente ou de maneira justaposta.
Por razões de eficácia a religião está sujeita Princípio de meio-termo: reúne todos em
a apelos a maioria, captando a emoção dos um conjunto de perversidades estéticas,
desejos latente das massas efetuando sua funcionais, políticas ou religiosas.
disseminação, muitas vezes, através do Princípio de conforto: A idéia de sentir-se
Kitsch. em harmonia, de uma pequena distância
e de uma exigência média, conduzem em
Moles (2001), sistematiza o agrupamento geral à aceitação fácil e ao conforto.
dos objetos através de quatro critérios, são (MOLES, 2001, p. 71)
estes:
O Kitsch dispõe de uma função pedagógica
1) critério do empilhamento sem pena. que segundo Moles (2001), para chegar ao
Um conjunto Kitsch é constituído por ob- “bom gosto”, a via mais simples é passar
jetos diversificados empilhados em um
pelo “mau gosto” mediante um processo de
volume de espaço com superfície restrita.
aprimoramento e acumulação da experiên-
2) Critério da heterogeneidade: Os objetos cia estética.
agrupados não têm relação direta com os
outros: algumas vezes, existe aí uma fonte Em um período anterior a produção em
de surrealismo combinatório inconscien- massa do século XIX, a compra se dava em
te. uma loja pequena, esta propunha uma rela-
3) Critério de antifuncionalidade: Corres- ção estreita e necessária de submissão do
ponde à distinção entre a série funcional consumidor em relação ao vendedor deten-
– por exemplo, a dos instrumentos de ci- tor das informações dos produtos. A loja
rurgia colocados um ao lado do outro so-
gigante, ou de departamentos, com amplo
bre a mesinha de serviço junto à mesa de
operação. espaço afável aos tímidos, medrosos e co-

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medidos, representa o Kitsch, assim como, deste processo de excitação do mercado.


pretende saciar todas as necessidades, ven- Como a política do preço único propiciada
de o utilitário que não chega a ser propria- pela produção em larga escala tornou o
mente o funcional. preço igualitário, o principal diferenciador
de um ponto de venda para outro passou a
Com a proliferação do inútil, surge como
ser o sortimento de produtos. Assim pode-
contraposição o funcionalismo, cujo precei-
se dizer que a maioria dos objetos do cotidi-
to principal segundo Moles (2001), seria
ano dispostos nos lares na atualidade tem
desenvolver uma engenharia capaz de do-
quantidades mais ou menos elevadas de
minar a interação homem-ambiente, por
Kitsch, sendo a casa (lar doce lar) o ambien-
meio da aceitação técnica de um objeto tal
te Kitsch por excelência.
como ele é. Tal atitude é o oposto de Kitsch.
Função é aquilo que com caráter repetitivo No que se refere ao Kitsch contemporâneo
e determinado funciona. Moles (2001) utili- Abraham Moles (2001), infere que um con-
za-se da conceituação de Goethe, na qual junto Kitsch seria “aquele em que o número
“função é uma relação necessária entre os de objetos é relativamente elevado em rela-
elementos de um sistema” onde uma parte ção aos culturemas sociais, sendo baixa a
determina a outra. taxa de originalidade destes objetos”. Im-
portante ressaltar que o Kitsch tanto pode
Os ideais funcionalistas terão grande disse-
estar inserido em objetos de preço baixo
minação na escola de Design Bauhaus (1919-
como de preço elevado e, logicamente aqui-
1933), onde o estudo de proporções aplica-
sição de um objeto como uma jóia propor-
das ao desenvolvimento de produtos terá
ciona maior satisfação ao consumidor que a
ampla aceitação. Há uma atitude funciona-
aquisição de pregos, mesmo ambos estando
lista norteada pelo racionalismo, uma ati-
hipoteticamente em contextos de adequa-
tude anti-kitsch conforme Moles (2001) em
ção ao Kitsch.
um mundo completamente produzido pelo
ser humano. O funcionalismo tornou-se, Uma vez que novos objetos provocam novas
graças a esforços de membros da Bauhaus, necessidades, o papel dos governos que
doutrina fundamental da arte moderna. entre outros, é assegurar a estabilidade
Através da luta do rigor contra a irraciona- econômica, ou seja, conforme Moles (2001),
lidade, tenta eliminar tudo que é decorativo satisfazer às necessidades de seus súditos.
e supérfluo. Assim o autor diz que, “a atitude Kitsch é
sempre uma atitude da sociedade de con-
Esta tendência perde sua força diante da
sumo, que se manifesta em relação aos obje-
ética do banal imposta pelo consumo acele-
tos” envolvendo todas as classes desta, cuja
rado. Surge o designer Kitsch, isto é, aquele
atitude estética das classes elevadas é copi-
que segundo Moles (2001), alimenta perma-
ada pelas demais.
nentemente o mercado sequioso de novida-
des em grande escala. Auxiliado pela moda, O último conceito proposto por Moles
e muitas vezes fomentando-a, assegura a (2001) é o de gadget, do Inglês americano
uniformização das necessidades, instauran- que significa engenhoso, é um pequeno
do uma moral de progressismo moderado. objeto ou acessório de um objeto maior.
Sendo fundamentalmente definido pelo “a
A ocorrência da adaptação de necessidades
que se destina” em oposição ao “de que é
e funcionalidades falsas é tomada por Moles
feito”. Um gadget só poderia ser racional-
(2001) como Neokitsch, onde o designer é
mente aceitável se a função a que se presta
responsável por determinar uma extinção
não fosse já cumprida sem ele.
breve ao produto tornando-se mediador

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O Kitsch e seus rebatimentos no design: uma revisão da literatura

Moles (2001), ao fim de seu texto propõe O pensador Gilles Lipovetsky (2007), subdi-
uma questão ética direcionada principal- vide o capitalismo em três eras de consumo.
mente aos designers, desenvolvida por Di- Na primeira a democratização dos bens ao
chter, “se existe um objeto para cada pro- cliente tradicional alçando-o a categoria de
blema, qualquer tensão, qualquer conflito consumidor de marcas, educado e seduzido
individual ou coletivo, deve poder ser re- pela publicidade. Na segunda cunhou-se o
solvido por um objeto”. termo de sociedade da abundancia, aperfei-
çoando o a democratização da fase anterior,
Investigações horizontais do Kitsch no multiplicando-a por quatro principalmente
Design através da televisão, automóvel e eletrodo-
mésticos. Desde o fim dos anos setenta a
Fica claro que o Kitsch no pensamento de sociedade do hiperconsumo se impõe, for-
Abrahm Moles é tomado essencialmente mulando um novo cogito: “compro logo
como um fenômeno estético. Todavia esté- existo”. A era do consumo emocional em
tica é tomada no campo do Design como um busca da qualidade de vida, a compra do
termo por vezes confuso, sem uma defini- prazer.
ção clara dos momentos em que se refere à
forma, ou à configuração do objeto. Compe- Novamente através de Lipovetsky (2007),
te ao designer sustenta Löbach (2001, p. pode-se relacionar a ética dos epicuristas
156), elaborar as funções estéticas e simbó- gregos na qual Valls (1994), afirma que a-
licas dos produtos, através das quais se con- creditavam que a vida devia ser voltada ao
templam as necessidades psíquicas do usuá- prazer, mas com certa moderação para não
rio. trazer o desprazer. Esta moderação ocorre
na sociedade atual? Qual é o limite entre
Desta forma a estética no Design industrial qualidade de vida e consumo? Qual a res-
adquire uma especial importância. Requisi- ponsabilidade do designer quanto a isso?
to essencial à função do produto é ser co-
municável, sua necessidade descritiva se dá A fim de responder alguns destes questio-
de tal forma que o interlocutor possa en- namentos Paviani (1987), diz que tudo é
tender o que ele é. Sendo assim a tarefa de absorvido pela ideologia industrial, a famí-
Desenho o induz a um denominador: ele lia, a escola, a Igreja, o Estado. O lema é
precisa informar, comunicar e simbolizar” “produzir, vender, consumir”. A cultura de
(LIN apud BÜRDEK 2006, p. 291). massa é homogeneizada, uniformizada,
ambicionando ser universal, transformando
Löbach, (2001, p. 170) reitera que o valor valores éticos em produtos de venda. Ainda
estético depende das aparências sociais, o autor diz que a arte popular ou erudita já
está sujeito a mudanças constantes e, é es- não provém do povo, mas sim imposta ao
pecífico de cada estrato social. A estética é povo, tornando-se a arte de massa a arte
um conceito dinâmico, pois, sofre constan- popular de nossa época. A arte de massa
tes variações. O produto industrial hoje também é conhecida através do fenômeno
considerado belo pelo usuário talvez não o Kitsch.
seja amanhã, por terem sido estabelecidos
novos valores estéticos por um produto Para Paviani (1987), embora Moles afirme a
novo, que servirá de referência, ou seja, o universalidade do Kitsch, autores como
belo é uma construção da sociedade em Merquior, argumentam que o mau autor
movimento. barroco poderia ser ruim, mas jamais inau-
têntico. Esta questão esta diretamente rela-

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cionada à gênese do Kitsch, onde a resposta algo inusitado e até servir de crítica social.
possa ser dada levando em consideração a Nota-se neste ponto que Sêga (2008), não
postura referente a concepção de kitsch esta em acordo com Moles (2001), pois este
antes aludida. A saber, o Kitsch como algo diz que o Kitsch não questiona, visto que, é
formal, ou como uma relação de aconteci- o caminho da felicidade e do entendimento
mentos, esta é a interpretação à qual Pavia- fácil.
ni (1987), possivelmente toma ao referir-se
ao artista do período barroco. Seguindo os apontamentos de Sêga (2008)
referente aos alicerces do Kitsch, faz-se
Uma pergunta retórica é levantada por rápida análise do filme Segurança de Shop-
Paviani (1987), “que valor pode ter a pala- ping (Paul Blart: Mall Cop) de 2009. O filme
vra, o ato humano, a ação quando tudo é mostra um segurança de Shopping Center
medido pelo sucesso econômico?” Ainda chamado Paul Blart interpretado pelo ator
segundo o autor, o Kitsch deve ser observa- Kevin James, que tem o sonho de tornar-se
do, analisado, compreendido, mas não acei- um patrulheiro estadual.
to incondicionalmente.
Segurança de shopping possui todos os
No texto intitulado “O kitsch está Cult” de princípios Kitsch propostos por Moles
Chistina Sêga (2008), diferencia o Kitsch da (2001), a função reflexiva do filme está ina-
palavra brega, sendo para ela o brega sinô- dequada, pois tem conteúdo ético já assimi-
nimo de mau gosto, não estendendo neces- lado, os conflitos estão a meio termo de
sariamente este conceito ao Kitsch. Ainda tudo. O principio de sinestesia, está em ce-
nos dá outra possível origem etimológica nas de romance, atreladas a cenas de perse-
para a palavra, proveniente do inglês sketch guição, seguidas de momentos criminais,
(esboço), utilizada na metade do século XIX todas sem escapar da boa moral e decência,
por turistas americanos na compra de obras ou seja, um conforto para quem assiste, pois
de arte a preço baixo. só precisa rir sem a necessidade de pensar.

O kitsch se alicerça na mídia nas telenove-


las, música, publicidade, e é utilizado, assi-
nala Sêga (2008), pela globalização para
democratizar a economia e a cultura. Para
ela compreender o Kitsch significa entender
a indústria cultural, os meios de comunica-
ção de massa e a cultura de massa. A cultura
de massa é o resultado de idéias e produtos
filtrados pela indústria cultural e dissemi-
nados através dos meios de comunicação de
massa. Figura 1: mostra cenas do filme “Segurança de
Shopping” de 2009.
Um conceito interessante sobre o Kitsch Fonte: http://kingstorrent-backup.blogspot.com
traz Sêga (2008), mesmo não sendo original
isto é, não partir de uma única origem e não
Segundo a crítica de um internauta que
ser possuidor de uma única referência, o
assistiu a filme, postada no site interfil-
Kitsch pode ser criativo na medida em que
mes.com, o filme segurança de shopping é
por vezes uma conjuntura esteticista (esté-
uma “comédia legal estilo família, sem ape-
tico pelo estético), pode ser refletida como

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O Kitsch e seus rebatimentos no design: uma revisão da literatura

lação, estilo sessão da tarde” outro comen- Segurança de Shopping é um caminho


tário no mesmo site diz “comédia simples e rumo à decepção completa que nos faz
pensar sobre quantos neurônios os ame-
eficaz, bom pra assistir em família, história
ricanos têm, já que a produtora de San-
previsível, mas aqui em casa todos aprova- dler (Adler) parece realizar besteiras em
ram a trama. Recomendo”. escala industrial e, pelo menos lá, todo
mundo bate palma. Só lá mesmo. (Fonte:
Interessante observar as recomendações
http://www.cinecriticas.com.br/?p=1883)
deste site quanto às postagens de comentá-
rios: Este é o ponto de vista de quem não está em
Por favor, siga estas regras: acordo com o processo alienante proposto
pela cultura de massa através do Kitsch e
-Não faça perguntas, faça comentários
sobre o filme; que entende o cinema não apenas como
produto de entretenimento, mas como tal-
-Não conte o final do filme nem partes
vez arte. Moles (2001), atenta para o fato de
importantes para o desfecho;
que a última edição da Nona Sinfonia de
-Seja objetivo e descreva o porquê de sua Beethoven ou da Sinfonia Júpter de Mozart
nota;
não são determinadas pelo fato de serem
-Se você ainda não assistiu ao filme, dê belas, mas pelo fato de serem vendáveis, e
nota "Não vi"; isto é a degeneração da arte.
-Não critique outros comentários, apenas
Outro meio de comunicação onde o Kitsch
faça o seu, sem preconceitos;
está presente é o das revistas impressas,
-Se você não gosta deste gênero de filme, uma rápida folhada na revista “Novas Idéi-
é melhor não comentar;
as”, publicada pela empresa Polishop
-Comentários que descumprirem estas (2010), detentora de um programa em canal
regras, serão excluídos totalmente. de televisão aberta, nos expõe ao oásis Kits-
Se ler algum comentário em desacordo ou ch. A revista apresenta objetos para as mais
faltando com a ética, denuncie aqui! diferentes e inusitadas situações desde o
Agradecemos à colaboração. Bom uso! “Dr. Rey Shapewar: perca até 20 cm na regi-
ão do abdômen” até o processador, espre-
Fonte: interfilmes.com
medor, liquidificador, ralador, fatiador,
batedeira “Kitschen revolution, faz mais
Tanto o filme, os comentários tecidos pelos rápido e divertido”. Todas estas múltiplas
internautas, como as regras impostas pelo funções cativam nossa capacidade hedonis-
site quanto à publicação dos comentários ta e criativa de consumo, como fala Lipo-
aos usuários, vem reiterar a noção de Kitsch vetsky (2007), os críticos marxistas não
como algo alienante dito por Moles (2001), deixam de interpretar o frenesi de consumo
inserido na cultura de massa pela indústria como: “sofro, logo consumo”.
cultural conforme Sêga (2008) e Paviani No texto Transgressão da arte: uma análise
(1987), por fim na felicidade paradoxal pro- semiótica de autoria de Cardoso (2008) pro-
posta por Lipovetsky (2007). Pois, a ética põe o Kitsch como signo, isto é, aquilo que,
Kitsch segundo Moles (2001), é da adapta- sob certo aspecto, representa algo a alguém.
ção à maioria, já indicada por Pareto com o Para a autora o Kitsch como cópia, imitação
nome de ofelimidade. da arte é puro ícone na condição de produto
Outra crítica postada no site cine críticas da cultura industrial, sem conteúdo torna-
analisa que: se signo efêmero.

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Tiago Pedro de Quadros; Carla Farias Souza

A concepção de produtos Kitsch conforme ou, como diz Moles (2001), colocando-se a
Moles (2001), existem os produtos concebi- serviço dos mecanismos de manipulação de
dos conscientemente como tais, e aqueles massa. A posição que o designer ocupa na
que ignoram este caráter kitsch possuindo sociedade, como aquele que projeta solu-
um sintoma Kitsch. Para o autor a maioria ções, pode de fato contribuir para a cons-
dos objetos Kitsch de nosso ambiente são os trução de uma sociedade melhor para todos
quais ignoram sê-lo. e, como se viu o Kitsch tem importante
papel nesta tarefa.
Dieter Rams, famoso designer de produtos
da Braun, listou em uma entrevista 10 prin-
Considerações finais
cípios para um bom design. Rams faz uma
espécie de check-list em que se todos os Constatou-se que o Kitsch é um fenômeno
itens foram cumpridos com êxito é possível estético complexo com implicações éticas
que se configure o produto muito próximo ao passo que a responsabilidade social do
ao ideal, assim para Rams: 1. O bom design é design perpassa pelo Kitsch. A importância
inovador; 2. O bom design torna um produ- deste estudo torna-se relevante na medida
to útil; 3. O bom design é estético; 4 O bom em que reflete sobre um tema recorrente
design ajuda um produto a ser entendido; 5. na atividade de Design que por vezes é tra-
O bom design não bloqueia (a auto- tado intuitivamente pelos designers. Acre-
expressão do usuário); 6. O bom design é dita-se que o aprofundamento de pesquisas
honesto; 7. O bom design é durável; 8. O sobre o Kitsch pode tornar o designer cada
bom design é pensado nos mínimos deta- vez mais consciente de seu papel no desen-
lhes; 9. O bom design se preocupa com o volvimento material da sociedade e suas
meio ambiente; 10. O bom design é menos implicações éticas e estéticas. Entende-se
design possível. que a continuação deste estudo sobre o
O designer está em uma posição delicada, Kitsch no Design, necessita de investigações
pois, conforme Löbach (2001), ele tem a acerca de produtos desenvolvidos por de-
tarefa de fazer o desenvolvimento contínuo signers, assim como entrevistas e observa-
de produtos, em especial nas empresas que ções com profissionais da área.
sempre expandem e aprimoram sua linha
de produtos. Notas

Em todos os seres humanos existem ne- Epicuristas conforme Abbagnano (2007), são o s
cessidades fundamentais à compreensão seguidores da escola filosófica fundada por Epícuro
da ordem, da beleza, da conveniência, da de Samos no ano de 306 a. C. em Atenas, onde
simplicidade, da inovação. Os designers defendem o princípio de sensacionismo no qual
procuram satisfazer estes anseios através crêem que a sensação é o critério da verdade e do
do seu trabalho. No sentido mais lato, um bem (este último identificado, portanto, com o
designer é um ser humano que tenta a- prazer).
travessar a ponte estreita entre a ordem e
o caos, a liberdade e o niilismo, entre rea-
lizações passadas e possibilidades futuras.
(PAPANEK,1995 p. 9) Referências
Emerge novamente a questão ética ao de- ABAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia.
signer, pois este por vezes após longos anos Tradução da 1ª edição brasileira coordenada
de estudo em instituições de ensino superi- e revisada por Alfredo Bossi; revisão e tra-
or limita-se, em muitos casos, a resolução dução de novos textos Ivone Castilhos Be-
de questões primordialmente comerciais

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O Kitsch e seus rebatimentos no design: uma revisão da literatura

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