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Artigo73 PDF
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Resumo
O artigo tem por objetivo compreender o fenômeno Kitsch enquanto teoria
estética através de revisão bibliográfica centrada na obra O kitsch: a arte da
felicidade de Abraham Moles, assim como identificá-lo exemplificando sua
ocorrência no dia-a-dia das pessoas rebatendo no design. Apresenta O kitsch
como pré-formador do gosto estético refinado, assim como o valida em sua
abordagem formal. Entretanto, compreende Kitsch enquanto valor ético co-
mo fenômeno a ser evitado no design, visto que torna-se ferramenta para a
alienação.
Palavras-chave: Kitsch; Estética; Design.
Abstract
The article aims to understand the phenomenon as Kitsch aesthetic theory
through a literature review focused on the work The Kitsch: the art of happi-
ness written by Abraham Moles, as well as identify you exemplifying it’s oc-
currence in the day-to-day life of people bouncing in design. The Kitsch fea-
tures as pre-forming the refined aesthetic taste, as well as valid in their for-
mal approach. However, while Kitsch comprises ethical value as a phenome-
non to be avoided in the design, since it becomes a tool for the sale.
Keywords: Kitsch; Aesthetics; Design.
O Kitsch e seus rebatimentos no design: uma revisão da literatura
as coisas, uma maneira de ser muito mais O fenômeno Kitsch para Moles (2001), ba-
que um objeto, ou mesmo um estilo. Esta seia-se em uma civilização consumidora
origem do Kitsch tem implicações éticas que produz para consumir e cria para pro-
que, em maior ou menor grau, vão mediar duzir, em um ciclo cultural onde a noção
suas relações durante toda sua evolução. fundamental é a de aceleração. A cultura se
confunde com o consumir, consome-se Mo-
O Kitsch tem como período de florescimen-
zart, museus, Disneylândia, o ensino, a saú-
to como aponta Moles (2001), durante a
de, o corpo perfeito, por conseguinte uma
ascensão da civilização burguesa, no mo-
série de relações humanas condicionadas
mento em que esta adota o excesso de mei-
pelo consumismo.
os em face das necessidades. Este autor
afirma que “a burguesia instala-se na época É distinguindo e isolando dois tipos de defi-
de Napoleão III – Gulherme I, em meados do nições que Abrahm Moles (2001) chega a
século XIX, e torna-se por essa época uma um ponto crucial para a interpretação e
sociedade de massa” (MOLES, 2001, p. 88). compreensão do Kitsch, estas são: as defini-
ções que determinam o Kitsch por proprie-
Logo após seu surgimento o Kitsch alcança
dades formais dos objetos ou elementos do
o ápice em meio ao período conhecido co-
ambiente; e, as definições que consideram o
mo 1900 (1889-1914), marcado pelas exposi-
Kitsch a partir de relações específicas que o
ções universais e, centrado mais ou menos
homem mantém com os objetos, seja ele
entre Paris, Londres e Munique, seguindo
criador ou consumidor.
da ascensão de outras capitais com Berlim,
Milão e Düsseldorf. As relações do ser com o A partir disso pode-se afirmar que, o ponto
mundo passam fundamentalmente pelos de vista formal do Kitsch nos leva a investi-
objetos, que tomam o lugar das “coisas na- gações intermediadas por aspectos constru-
turais” transformando a cultura em um tivos dos objetos, tais como, cores, linhas,
inventário de objetos produzidos pelo ho- materiais, acabamentos, etc. Colocando ao
mem e nos quais ele se reflete. centro do estudo o objeto e sua aparência.
A diferenciação entre criar, isto é, introdu- Como contraponto, a abordagem a partir
zir no mundo formas que aí não existiam, e das relações, põe o Kitsch em acordo com
produzir, ou seja, copiar um modelo já exis- ponto de vista do observador relacionado
tente de maneira mais ou menos automati- com o ambiente ao qual está inserido, am-
zada, reproduzindo indefinidamente as pliando a noção de percepção estética para
mesmas formas em Moles (2001), é um dos além do bom ou mau gosto.
pontos de partida para relacionar o Kitsch
Para, Moles (2001, p. 32) “o Kitsch é uma
ao Design.
relação do homem com as coisas, muito
Design segundo Löbach (2001), compreende mais do que uma coisa, um adjetivo muito
a concretização de uma idéia em forma de mais do que um nome, constitui”. A ade-
projetos ou modelos, mediante a construção quação da forma nesta abordagem, estará
e configuração resultando em um produto mais ligada com uma situação dialética , que
industrial passível de produção em série. A com seus aspectos técnicos. Como propõe o
questão entre criar objetos e produzir obje- autor, “ha uma intencionalidade e um rela-
tos, levará a assuntos como produção em tividade do Kitsch”. (MOLES, 2001, p. 46)
larga escala, necessidade, posição ética,
O Kitsch torna-se então, segundo Moles
preceitos básicos para iniciar a discussão
(2001), um movimento permanente na rela-
sobre o Kitsch no Design.
ção entre original e banal, ele esta ao alcan-
ce das pessoas, ao passo, que a arte esta fora 4) Critério de 'autenticidade Kitsch' (!)
de seu alcance. É a arte da felicidade, não que corresponde à idéia de sedimentação.
Raramente, o Kitsch é produto de uma in-
questiona, apazigua, é o caminho do meio
tenção deliberada... ao contrário, ele
termo permanecendo a meio termo de tudo. constitui um lento desenvolvimento, uma
Neste ponto pode-se falar da alienação do acumulação triunfante....” (Moles, 2001, p.
Kitsch proposta por Moles (2001), onde esta 61)
sendo um traço essencial ao Kitsch, contudo
Há de se pensar nos objetos adquiridos nas
não preponderante a ponto de se tornar um
viagens, as “lembrancinhas” ou souvenirs,
sinônimo, jamais põe este no lugar daquela.
que vagamente associados a uma necessi-
Moles (2001), desenvolve uma tipologia do dade técnica, estão diretamente relaciona-
Kitsch, dentro desta é importante ressaltar dos a uma necessidade Kitsch de significa-
a noção de inadequação dos objetos. O fato ção. Os princípios do kitsch. “Tomaremos
de o objeto ser grande ou pequeno demais como base o estudo dos fatores propostos
não o torna Kitsch em essência, mas sim por Engelhardt e Killy, distinguindo cinco
uma desproporcionalidade do objeto para princípios do Kitsch”:
com suas partes. As curvas redundantes Princípio de inadequação: é um desvio do
parametricamente repetitivas, combinações objeto em relação à função que se supõe
de cores misturadas ao máximo, o agigan- deverá cumprir.
tamento ou redução das dimensões consti- Principio de acumulação: consiste em po-
tuem de acordo com Moles (2001), traços voar o vazio com um exagero de meios
clássicos do objeto Kitsch.
Principio de sinestesia: consiste em assal-
O autor destaca o Kitsch religioso como tar o máximo de canais sensoriais simul-
sendo um dos grandes aspectos do Kitsch. taneamente ou de maneira justaposta.
Por razões de eficácia a religião está sujeita Princípio de meio-termo: reúne todos em
a apelos a maioria, captando a emoção dos um conjunto de perversidades estéticas,
desejos latente das massas efetuando sua funcionais, políticas ou religiosas.
disseminação, muitas vezes, através do Princípio de conforto: A idéia de sentir-se
Kitsch. em harmonia, de uma pequena distância
e de uma exigência média, conduzem em
Moles (2001), sistematiza o agrupamento geral à aceitação fácil e ao conforto.
dos objetos através de quatro critérios, são (MOLES, 2001, p. 71)
estes:
O Kitsch dispõe de uma função pedagógica
1) critério do empilhamento sem pena. que segundo Moles (2001), para chegar ao
Um conjunto Kitsch é constituído por ob- “bom gosto”, a via mais simples é passar
jetos diversificados empilhados em um
pelo “mau gosto” mediante um processo de
volume de espaço com superfície restrita.
aprimoramento e acumulação da experiên-
2) Critério da heterogeneidade: Os objetos cia estética.
agrupados não têm relação direta com os
outros: algumas vezes, existe aí uma fonte Em um período anterior a produção em
de surrealismo combinatório inconscien- massa do século XIX, a compra se dava em
te. uma loja pequena, esta propunha uma rela-
3) Critério de antifuncionalidade: Corres- ção estreita e necessária de submissão do
ponde à distinção entre a série funcional consumidor em relação ao vendedor deten-
– por exemplo, a dos instrumentos de ci- tor das informações dos produtos. A loja
rurgia colocados um ao lado do outro so-
gigante, ou de departamentos, com amplo
bre a mesinha de serviço junto à mesa de
operação. espaço afável aos tímidos, medrosos e co-
Moles (2001), ao fim de seu texto propõe O pensador Gilles Lipovetsky (2007), subdi-
uma questão ética direcionada principal- vide o capitalismo em três eras de consumo.
mente aos designers, desenvolvida por Di- Na primeira a democratização dos bens ao
chter, “se existe um objeto para cada pro- cliente tradicional alçando-o a categoria de
blema, qualquer tensão, qualquer conflito consumidor de marcas, educado e seduzido
individual ou coletivo, deve poder ser re- pela publicidade. Na segunda cunhou-se o
solvido por um objeto”. termo de sociedade da abundancia, aperfei-
çoando o a democratização da fase anterior,
Investigações horizontais do Kitsch no multiplicando-a por quatro principalmente
Design através da televisão, automóvel e eletrodo-
mésticos. Desde o fim dos anos setenta a
Fica claro que o Kitsch no pensamento de sociedade do hiperconsumo se impõe, for-
Abrahm Moles é tomado essencialmente mulando um novo cogito: “compro logo
como um fenômeno estético. Todavia esté- existo”. A era do consumo emocional em
tica é tomada no campo do Design como um busca da qualidade de vida, a compra do
termo por vezes confuso, sem uma defini- prazer.
ção clara dos momentos em que se refere à
forma, ou à configuração do objeto. Compe- Novamente através de Lipovetsky (2007),
te ao designer sustenta Löbach (2001, p. pode-se relacionar a ética dos epicuristas
156), elaborar as funções estéticas e simbó- gregos na qual Valls (1994), afirma que a-
licas dos produtos, através das quais se con- creditavam que a vida devia ser voltada ao
templam as necessidades psíquicas do usuá- prazer, mas com certa moderação para não
rio. trazer o desprazer. Esta moderação ocorre
na sociedade atual? Qual é o limite entre
Desta forma a estética no Design industrial qualidade de vida e consumo? Qual a res-
adquire uma especial importância. Requisi- ponsabilidade do designer quanto a isso?
to essencial à função do produto é ser co-
municável, sua necessidade descritiva se dá A fim de responder alguns destes questio-
de tal forma que o interlocutor possa en- namentos Paviani (1987), diz que tudo é
tender o que ele é. Sendo assim a tarefa de absorvido pela ideologia industrial, a famí-
Desenho o induz a um denominador: ele lia, a escola, a Igreja, o Estado. O lema é
precisa informar, comunicar e simbolizar” “produzir, vender, consumir”. A cultura de
(LIN apud BÜRDEK 2006, p. 291). massa é homogeneizada, uniformizada,
ambicionando ser universal, transformando
Löbach, (2001, p. 170) reitera que o valor valores éticos em produtos de venda. Ainda
estético depende das aparências sociais, o autor diz que a arte popular ou erudita já
está sujeito a mudanças constantes e, é es- não provém do povo, mas sim imposta ao
pecífico de cada estrato social. A estética é povo, tornando-se a arte de massa a arte
um conceito dinâmico, pois, sofre constan- popular de nossa época. A arte de massa
tes variações. O produto industrial hoje também é conhecida através do fenômeno
considerado belo pelo usuário talvez não o Kitsch.
seja amanhã, por terem sido estabelecidos
novos valores estéticos por um produto Para Paviani (1987), embora Moles afirme a
novo, que servirá de referência, ou seja, o universalidade do Kitsch, autores como
belo é uma construção da sociedade em Merquior, argumentam que o mau autor
movimento. barroco poderia ser ruim, mas jamais inau-
têntico. Esta questão esta diretamente rela-
cionada à gênese do Kitsch, onde a resposta algo inusitado e até servir de crítica social.
possa ser dada levando em consideração a Nota-se neste ponto que Sêga (2008), não
postura referente a concepção de kitsch esta em acordo com Moles (2001), pois este
antes aludida. A saber, o Kitsch como algo diz que o Kitsch não questiona, visto que, é
formal, ou como uma relação de aconteci- o caminho da felicidade e do entendimento
mentos, esta é a interpretação à qual Pavia- fácil.
ni (1987), possivelmente toma ao referir-se
ao artista do período barroco. Seguindo os apontamentos de Sêga (2008)
referente aos alicerces do Kitsch, faz-se
Uma pergunta retórica é levantada por rápida análise do filme Segurança de Shop-
Paviani (1987), “que valor pode ter a pala- ping (Paul Blart: Mall Cop) de 2009. O filme
vra, o ato humano, a ação quando tudo é mostra um segurança de Shopping Center
medido pelo sucesso econômico?” Ainda chamado Paul Blart interpretado pelo ator
segundo o autor, o Kitsch deve ser observa- Kevin James, que tem o sonho de tornar-se
do, analisado, compreendido, mas não acei- um patrulheiro estadual.
to incondicionalmente.
Segurança de shopping possui todos os
No texto intitulado “O kitsch está Cult” de princípios Kitsch propostos por Moles
Chistina Sêga (2008), diferencia o Kitsch da (2001), a função reflexiva do filme está ina-
palavra brega, sendo para ela o brega sinô- dequada, pois tem conteúdo ético já assimi-
nimo de mau gosto, não estendendo neces- lado, os conflitos estão a meio termo de
sariamente este conceito ao Kitsch. Ainda tudo. O principio de sinestesia, está em ce-
nos dá outra possível origem etimológica nas de romance, atreladas a cenas de perse-
para a palavra, proveniente do inglês sketch guição, seguidas de momentos criminais,
(esboço), utilizada na metade do século XIX todas sem escapar da boa moral e decência,
por turistas americanos na compra de obras ou seja, um conforto para quem assiste, pois
de arte a preço baixo. só precisa rir sem a necessidade de pensar.
A concepção de produtos Kitsch conforme ou, como diz Moles (2001), colocando-se a
Moles (2001), existem os produtos concebi- serviço dos mecanismos de manipulação de
dos conscientemente como tais, e aqueles massa. A posição que o designer ocupa na
que ignoram este caráter kitsch possuindo sociedade, como aquele que projeta solu-
um sintoma Kitsch. Para o autor a maioria ções, pode de fato contribuir para a cons-
dos objetos Kitsch de nosso ambiente são os trução de uma sociedade melhor para todos
quais ignoram sê-lo. e, como se viu o Kitsch tem importante
papel nesta tarefa.
Dieter Rams, famoso designer de produtos
da Braun, listou em uma entrevista 10 prin-
Considerações finais
cípios para um bom design. Rams faz uma
espécie de check-list em que se todos os Constatou-se que o Kitsch é um fenômeno
itens foram cumpridos com êxito é possível estético complexo com implicações éticas
que se configure o produto muito próximo ao passo que a responsabilidade social do
ao ideal, assim para Rams: 1. O bom design é design perpassa pelo Kitsch. A importância
inovador; 2. O bom design torna um produ- deste estudo torna-se relevante na medida
to útil; 3. O bom design é estético; 4 O bom em que reflete sobre um tema recorrente
design ajuda um produto a ser entendido; 5. na atividade de Design que por vezes é tra-
O bom design não bloqueia (a auto- tado intuitivamente pelos designers. Acre-
expressão do usuário); 6. O bom design é dita-se que o aprofundamento de pesquisas
honesto; 7. O bom design é durável; 8. O sobre o Kitsch pode tornar o designer cada
bom design é pensado nos mínimos deta- vez mais consciente de seu papel no desen-
lhes; 9. O bom design se preocupa com o volvimento material da sociedade e suas
meio ambiente; 10. O bom design é menos implicações éticas e estéticas. Entende-se
design possível. que a continuação deste estudo sobre o
O designer está em uma posição delicada, Kitsch no Design, necessita de investigações
pois, conforme Löbach (2001), ele tem a acerca de produtos desenvolvidos por de-
tarefa de fazer o desenvolvimento contínuo signers, assim como entrevistas e observa-
de produtos, em especial nas empresas que ções com profissionais da área.
sempre expandem e aprimoram sua linha
de produtos. Notas
Em todos os seres humanos existem ne- Epicuristas conforme Abbagnano (2007), são o s
cessidades fundamentais à compreensão seguidores da escola filosófica fundada por Epícuro
da ordem, da beleza, da conveniência, da de Samos no ano de 306 a. C. em Atenas, onde
simplicidade, da inovação. Os designers defendem o princípio de sensacionismo no qual
procuram satisfazer estes anseios através crêem que a sensação é o critério da verdade e do
do seu trabalho. No sentido mais lato, um bem (este último identificado, portanto, com o
designer é um ser humano que tenta a- prazer).
travessar a ponte estreita entre a ordem e
o caos, a liberdade e o niilismo, entre rea-
lizações passadas e possibilidades futuras.
(PAPANEK,1995 p. 9) Referências
Emerge novamente a questão ética ao de- ABAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia.
signer, pois este por vezes após longos anos Tradução da 1ª edição brasileira coordenada
de estudo em instituições de ensino superi- e revisada por Alfredo Bossi; revisão e tra-
or limita-se, em muitos casos, a resolução dução de novos textos Ivone Castilhos Be-
de questões primordialmente comerciais
Sites:
http://www.interfilmes.com/filme, acessa-
do em 20/10/2010.