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CHANLAT, JEAN-FRANÇOIS

CIÊNCIAS SOCIAIS E MANAGEMENT – RECONCILIANDO O


ECONÔMICO E O SOCIAL.
SP: EDITORA ATLAS, 2000.

INTRODUÇÃO

"O político e o social reduzidos ao econômico e este ao financeiro


é o duplo reducionismo que rege hoje os negócios do planeta.
Entre a lógica da vida e a das finanças se joga o destino do
mundo."
(René Passet, 1996, p. 231)

"Permitir aos mecanismos do mercado dirigir sozinho o destino


dos seres humanos e de seu meio natural, e mesmo, de fato, do
volume e do poder de compra, isto teria como resultado destruir
a sociedade."
(Karl Polanyi)

Durante as últimas décadas, as sociedades contemporâneas conheceram


numerosas transformações sociais. Entre elas, três retiveram a atenção do
sociólogo, professor em uma instituição de ensino de Administração de
Empresas, como é meu caso: (1) a hegemonia do econômico; (2) o culto da
empresa; (3) a influência crescente do pensamento empresarial sobre as
pessoas. Essa constatação, como não podemos duvidar, tem suas incidências
sobre a dinâmica e o tipo de sociedade que estamos construindo.
De fato, há cerca de aproximadamente dois séculos, com o nascimento
da Revolução Industrial, a afirmação da razão e do progresso e as grandes
revoluções políticas, americana e francesa, sabemos que entramos em uma
sociedade em movimento, ritmada pelo crescimento econômico e as
aspirações democráticas. Esse processo sócio-histórico, que surgiu no Oci-

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dente (Max Weber, 1991), invadiu o mundo inteiro a tal ponto que, recente-
mente, o filósofo norte-americano Francis Fukuyama (1992), inspirado em
Hegel, não hesitava em concluir sobre o fim dessa história, singularidade que
também foi assinalada por numerosos historiadores, sociólogos e eco-
nomistas, tais como Aron (1967), Braudel (1979), Jones (1981), Schumpeter
(1984), Wallerstein (1985), Kennedy (1989) e Baechler (.1995).
Essa afirmação é bastante presunçosa quando se conhece o lado trágico
da existência humana em nosso século, não deixa de ser menos sintomático
o ressurgimento de certo discurso em moda 'em que liberalismo econômico
e político confundem-se com o apaziguamento das paixões, conduzindo, às
vezes, ao pensamento único. Que o liberalismo em geral tenha tido uma
contribuição significativa do que somos hoje ninguém pode negar.
Entretanto, não é menos verdadeiro que a dinâmica do capitalismo situada
na origem dessas transformações sociais jamais se caracterizou por um
humanismo transbordante. Pensadores bastante diferenciados como Adam
Smith, Karl Marx, Alexis de Tocqueville, John Stuart Mill, Max Weber, Émile
Durkheim, Léon Walras, Thorstein Veblen, Joseph Schumpeter, Karl Polanyi,
François Perroux, Fernand Braudel, Raymond Aron e John Maynard Keynes
assinalaram esse aspecto em seus escritos, podendo-se mencionar, por
exemplo, Schumpeter (1984), que caraterizou a dinâmica capitalista como "A
destruição criativa".
A hegemonia do econômico à qual assistimos em nossa sociedade é, de
fato, a da lógica do capitalismo, fundada na propriedade privada, no jogo de
interesses pessoais, na busca do lucro e da acumulação que se impôs
gradualmente por toda a parte. Nos últimos anos, a queda do muro de
Berlim, o fracasso das soluções coletivas e a crise do Estado Providência
contribuíram apenas para reforçar essa lógica (Albert, 1991, Thurow, 1996, J.
de Medoff e Harless, 1996, e Wolman e Colamosca, 1997). Alguns de nossos
contemporâneos não hesitaram em nos convencer a confiar na mão invisível
do mercado e, principalmente, na dos mercados financeiros (Passet, 1995).
Esse triunfo ao mesmo tempo das idéias capitalistas como categorias
dominantes do pensamento econômico e do mercado como modo de

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regulação das trocas teve como efeito imediato atribuir um espaço central à
empresa. "Existe capitalismo, lembra-nos Max Weber, lá onde as necessida-
des de um grupo humano são cobertas economicamente por meio da
empresa, qualquer que seja a natureza da necessidade" (Weber, 1991, p.
295). Nos últimos anos, esse papel atribuído tradicionalmente à empresa
confundiu-se com uma exaltação particularmente vibrante da mesma, culto
até então desconhecido na maioria de nossas sociedades capitalistas
(Rousseau, 1988).
De fato, durante muito tempo considerada como um lugar de explora-
ção, de dominação e de alienação pela maioria, a empresa tornou-se a ins-
tituição por excelência, fonte de riquezas e de cultura, destinada a resolver a
maioria dos problemas com que nos defrontamos hoje.
Esse culto à empresa, que atingiu seu apogeu nos anos 80, teve duas
conseqüências importantes: a difusão massiva dos discursos e das práticas de
gestão em setores mantidos até então fora da influência do "espírito
gestionário" e o aumento considerável do número de estudantes em gestão
em toda parte no mundo. Esses dois fenômenos, conjugando-se, provocaram
a emergência de uma sociedade que se poderia qualificar de managerial, no
interior da qual o gestor ou o homo administrativus, para retomar aqui a
expressão de Richard Déry (1997), transformou-se em uma das figuras do-
minantes.
As manifestações dessa sociedade managerial são múltiplas. Inicial-
mente, do ponto de vista lingüístico, pode-se facilmente observar o quanto
as palavras gestão, gerir e gestor fazem parte do linguajar utilizado em nos-
sas comunicações cotidianas correntes. Em seguida, do ponto de vista da
organização, pode-se notar o quanto as noções e os princípios administra-
tivos originários da empresa privada - eficácia, produtividade, performance,
competência, empreendedorismo, qualidade total, cliente, produto,
marketing, desempenho, excelência, reengenharia etc. - invadiram de forma
absoluta as escolas, universidades, hospitais, administrações públicas,
serviços sociais, museus, teatros, associações musicais e organizações sem

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fins lucrativos. Recentemente, por exemplo, em um grande diário canadense
de língua inglesa, pudemos ler, em artigo do reitor de uma grande uni-
versidade de língua inglesa, que as universidades deveriam inspirar-se nas
técnicas do Wal-Mart! Finalmente, na escala social, pode-se observar o
quanto os empresários, os gestores, os executivos formam grupos de
influência social em nossos dias. Para convencer-se dessa última afirmação, é
bastante pensar, por exemplo, no lugar que eles ocupam não somente nas
mídias, mas também na vida da cidade, principalmente por sua presença
cada vez mais forte nos estabelecimentos universitários. Sem sombra de
dúvida, o gestor transformou-se em uma das figuras centrais da sociedade
contemporânea. Na esfera da vida privada pode-se, também, observar essa
invasão managerial. Hoje, não se exprimem mais suas emoções, mas elas são
gerenciadas, assim como o emprego de seu tempo, suas relações, sua ima-
gem, e mesmo sua identidade. O managerialismo, isto é, o sistema de descri-
ção, de explicação e de interpretação do mundo a partir das categorias da
gestão, está profundamente bem instalado na experiência social contem-
porânea. Ele é, diretamente, o produto de uma sociedade de gestores que
busca racionalizar todas as esferas da vida social.
É nesse contexto que a relação entre as ciências sociais e a gestão situa-
se, atualmente. Pode-se avaliar o quanto ele está no âmago da compreensão
da dinâmica atual que acabamos de evocar, dinâmica cuja finalidade
inscreve-se no processo de racionalização do mundo analisado, no início
deste século, por Max Weber.
Quais formas toma essa relação? Qual é a contribuição das ciências
sociais na compreensão do management contemporâneo e qual lugar elas
devem ocupar na formação em gestão hoje? Para responder a estas impor-
tantes questões, que constituem o objeto central desta aula inaugural, é
preciso, inicialmente, lembrar o projeto e as exigências tanto das ciências
sociais como do management. Em seguida, é preciso apresentar o modo pelo
qual a gestão trata, atualmente, os seres humanos. É somente partindo
dessas indagações sucessivas que poderemos esclarecer o papel que devem
exercer as ciências sociais no campo da gestão.

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Retomando o essencial do projeto intelectual das ciências sociais, con-
tribuo, na última parte deste livro, para a ampliação desse projeto, enfa-
tizando a introdução e a elaboração do projeto de uma antropologia geral.
Esse ponto de vista que defendo aqui é parcial, incompleto e engajado, o que
está de acordo com todo exercício intelectual desse gênero. Não sendo um
dogma, ele permanece submetido ao debate público e à crítica de cada um.

Cap. 1
A NATUREZA E AS EXIGÊNCIAS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

"O século XXI será o século das Ciências Sociais, ou não será."
(Claude Lévy-Strauss)

"À diferença das ciências- da natureza, as Ciências Sociais se


engajam de modo inevitável em uma relação 'sujeito-sujei-
to'com seus objetos."
(Anthony Giddens)

Antes de começar este capítulo, parece-nos importante definir o que se


entende por Ciências Sociais. Para nós, as Ciências Sociais são todas as
ciências que se dedicam a tornar inteligível a vida social em um de seus
aspectos particulares ou em sua totalidade. Como não se pode conceber um
ser humano isolado e uma sociedade sem mulheres e homens, a distinção
entre Ciências Humanas e Sociais, como já enfatizou Lévy-Strauss, constitui
um pleonasmo, fato que Hegel tão bem resumiu de forma lapidar: "A
realidade humana só pode ser social... É preciso, ao menos, ser dois para ser
humano" (Todorov, 1995, p. 36).
Retenhamos então a expressão Ciências Sociais unicamente para tornar
mais aparente o caráter fundamentalmente coletivo da experiência humana,
mas utilizaremos indistintamente as duas expressões neste livro, porque as
consideramos sinônimas.
A maior parte das Ciências Humanas ou Sociais surgiu no século passado.

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Elas são o produto de uma sociedade ocidental que, a partir do século XVIII,
introduziu a mudança permanente e, apoiada em uma perspectiva racional,
rompeu, de um lado, com a religião e, de outro, com a literatura. Como
assinalou Aron (1972, p. 22), "a ciência social só atinge sua vocação nas
sociedades que estão aptas ao desencantamento", tendência também
enfatizada por vários autores e, em especial, por Lepenies (1990); Wagner
(1995) e Bouilloud (1997).
Em nome, simultaneamente, do progresso do espírito humano, para
retomar o título de uma obra célebre de Condorcet, isto é, da Razão e da
Ciência, da troca tão cara a Adam Smith, em A riqueza das nações, e dos
direitos do homem e do cidadão celebrados pelos filósofos do Iluminismo e
da Revolução Francesa, os ocidentais inventam a modernidade, uma socie-
dade muito diferente daquela que conheceram seus antepassados.

"O período que cobre o último quarto do século XVIII e a primeira


metade do século XK constitui um dos mais fecundos de toda a história.
Que se reflita simplesmente sobre os termos que foram inventados ou
que conheceram seu conceito atual neste período: indústria, industrial,
democracia, classe média, ideologia, intelectual, raciona-lismo,
humanitário, atomista, massas, mercantilismo, proletariado,
burocracia, capitalismo, crise" (Nisbet, R. A., 1984, p. 39).

Logo, a gênese das Ciências Sociais é o fruto das sociedades em pro-


fundas mutações que não só procuram compreender a si mesmas e explicar
melhor o que se passa, mas também controlar melhor e prever mais, como o
explicava o criador do vocábulo sociologia, Auguste Comte (1972). Assim, a
história da humanidade é de fato marcada pela coexistência de dois
discursos, um sobre a liberdade e a democracia e outro sobre os efeitos
disciplinares destas, dois discursos que são, na maioria das vezes, separados
(Wagner, E, 1995).
Desde o início e durante toda sua história, as Ciências Sociais estão
divididas entre duas atitudes em relação ao estudo científico dos fenômenos
humanos: de um lado, uma posição naturalista, objetivista, causalista e

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cientista e, do outro lado, uma posição humanista, subjetivista, finalista e
compreensiva.
A primeira é sustentada por Stuart Mill e Auguste Comte que procuram
construir, no início do século XIX, sob a óptica das Ciências Físico-químicas,
uma verdadeira física social, isto é, "uma ciência que tem por objeto próprio
o estudo dos fenômenos sociais, considerados dentro da mesma perspectiva
que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos" (Auguste
Comte, 1972, p. 86). O espírito científico é invocado aqui com o objetivo de
procurar, pela observação, estabelecer leis sociais por meio do determinismo
causai. Esse ponto de vista herdado das Ciências Naturais vai inspirar uma
grande maioria de pesquisadores em Ciências Sociais até nossos dias. Das
Ciências Econômicas à Sociologia, passando-se pela Psicologia, as Ciências
Políticas, a Demografia, a Antropologia, numerosos são os que recorreram e
utilizam ainda exclusivamente essa postura teórica, metodológica e
epistemológica.
A segunda é desenvolvida em relação à primeira, sobretudo mediante os
pensadores de língua alemã, na virada do século XX, e ela é muito bem
explicitada por um entre eles nesses termos: "É preciso contrapor-se aos
métodos positivos de um Stuart Mill e de um Buckle, que abordam as
Ciências Humanas do exterior; é necessário fundamentar essas ciências sobre
uma teoria do conhecimento, legitimar e proclamar a independência de sua
função, bem como afastar definitivamente a subordinação de seus princípios
e de seus métodos àqueles das Ciências Naturais" (Dilthey, W, 1942, p. 140).
Essa posição será endossada em diferentes níveis por Weber, M. C.
(1991), Cassirer, E. (1991) e muitos outros pesquisadores contemporâneos
em nome da singularidade do objeto estudado. De fato, como escreveu
Gusdorf, as Ciências Humanas "são ciências ambíguas pois o homem, que é
ao mesmo tempo objeto e sujeito, não pode colocar-se a si mesmo entre
parênteses para considerar uma realidade independente dele" (Gusdorf, G.,
1960, p. 340). Logo, as Ciências Sociais devem ter em conta essa
indissociabilidade sujeito-objeto e jamais ceder à fascinação do que Paul
Riceur qualificou de iilsa objetividade, isto é, de uma humanidade "onde não

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existiria mais que estruturas, forças, instituições e não mais homens e valores
humanos" (Riceur, P. 1955, p. 30). Afirmação que Devereux tão bem resumiu
em uma obra fundamental da metodologia em Ciências Humanas: "A
quantificação do inqualificável, com o objetivo de se valorizar, é nos
melhores dos casos comparável à tentativa leibniziana de provar
matematicamente a existência de Deus" (Devereux, G., 1980, p. 29).
A esta divisão entre esses dois grandes posicionamentos teóricos,
metodológicos e epistemológicos acrescenta-se igualmente uma cisão rela-
cionada com a ação social. Desde suas origens ou quase, as Ciências Sociais
oscilam igualmente entre duas atitudes em relação à ação social concreta
que resulta de suas contribuições: manter distância fundamentalmente
crítica ou desenvolver uma contribuição social diretamente utilizável. Se-
gundo os seguidores da primeira corrente, como, por exemplo, o sociólogo
Max Weber, a finalidade primordial das Ciências Sociais não é a de colocar-se
a serviço de poderes e instituições estabelecidas, mas de tornar, antes de
tudo, inteligível a realidade humana, social e histórica. Para fazê-lo, elas têm
por obrigação teorizar e sintetizar de maneira crítica os objetos estudados.
Em seus famosos estudos sobre o Verein, praticamente desconhecidos para
os leitores de língua francesa, relativos à influência que a grande indústria
alemã exerce sobre inúmeros aspectos da vida social, Max Weber afirmava
que toda pesquisa sobre aplicações práticas em áreas sociais, comerciais ou
culturais era absolutamente estrangeira à pesquisa social, pois "com tais
objetivos, a imparcialidade científica destas pesquisas não estaria de nenhum
modo atingida" (Kaesler, D., 1996, p. 86). Essa posição será de novo
sustentada por C. W. Mills quando criticará, nos anos 60, a submissão da
contribuição administrativa da Sociologia: "as grandes fundações encorajam
pesquisas burocráticas de grande envergadura sobre problemas de pequeno
calibre, e recrutam para esse fim intelectuais administradores" (Mills, C. W,
1971, p. 111). Recentemente, essa posição é reafirmada por vários espe-
cialistas em Ciências Sociais tanto na América do Norte quanto na Europa,
após a constatação de distorções técnicas em várias pesquisas (Caule, 1993,
e Freitag, 1996).

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Os representantes da segunda corrente não visualizam o papel das Ciências
Sociais exatamente da mesma forma. Segundo eles, as Ciências Sociais
devem ser também, e primordialmente, práticas, isto é, úteis. Essa utilidade
encarna-se em uma forma de engenharia social cuja finalidade é a previsão e
o controle dos comportamentos humanos. Reconhece-se aqui facilmente
certo número de contribuições que vão desde o movimento americano das
relações humanas na indústria, animado por Elton Mayo, na primeira metade
deste século, a certas correntes atuais das Ciências Humanas aplicadas.
Nesse caso, o objetivo é desenvolver técnicas de gestão do social a fim de
responder a uma demanda institucional. Em numerosas pesquisas, constata-
se que os problemas de mensuração e de métodos sobrepõem-se com
freqüência a considerações de ordem teórica. As Ciências Sociais
transformam-se então em disciplinas operacionais, para não se dizer
operatórias: “As Ciências Sociais não têm mais por finalidade conhecer o que
é a realidade humana, social e histórica (...) mas diretamente a de produzir
tecnicamente esta realidade" (Freitag, 1996, p. 46).
Essa oposição entre as perspectivas e divergências na maneira de con-
ceber a ligação com a prática não é, seguramente, sempre tão nítida.
Durkheim, por exemplo, mesmo trabalhando cientificamente, não fazia
sociologia pela sociologia. Ele era motivado por um profundo desejo de jus-
tiça social e buscava fundar certa moral republicana. Aliás, ele considerava
que a sociologia não valeria uma hora de trabalho se ela não contribuísse
para melhorar a sociedade. Tal era igualmente a atitude de seu sobrinho,
Mareei Mauss, que escreveu: "O público não nos permite ocupar exclusiva-
mente do que é fácil, divertido, curioso, exótico, passado, sem riscos, porque
se trata de sociedades mortas ou longínquas. Ele quer estudos conclusivos
em relação ao presente" (Fournier, 1994).
Logo, entre as duas posições existem intermediárias que podem conciliar
distância e pertinência, mas ainda é preciso não ter perdido de vista o
caráter fundamental da primeira visão.
Para além dos vivos debates que essas duas visões podem suscitar ainda
hoje, cada uma delas participa, a sua maneira, para definir as exigências

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científicas próprias às Ciências Sociais. Compreendamos bem, as Ciências
Humanas, ao lado de seu objeto, que é também e, antes de tudo, um sujeito
social-histórico (Castoriadis, 1996), têm características singulares e também
intenções que eles compartilham com as Ciências Naturais. É, entretanto,
sua especificidade que distingue quatro exigências que se pode ter em
relação a elas em matéria de conhecimento que Alain Caillé (1993) assim
resume: descrever, explicar, compreender e avaliar, exigências estas que
retomamos neste livro.
A descrição é uma etapa preliminar a toda análise. Como lembra Lévy-
Strauss, o trabalho classificatório das espécies de Linné foi indispensável para
Darwin, pois, sem esse estudo prévio da anatomia dos animais conhecidos,
Darwin não teria jamais podido edificar sua teoria da evolução. O mesmo
fato ocorre nas Ciências Sociais. Antes de explicar e compreender um
fenômeno humano em sua dinâmica, é necessário possuir dados que o
descrevam, dando-lhe, então, existência concreta. De outro modo, descrever
é também atribuir identidade própria, é dar vida a um fenômeno que
permanecia desconhecido ou invisível até aquele momento. Logo, descrever
é, de certo modo, a primeira forma de conhecimento. É a razão pela qual as
pesquisas sociais e as estatísticas exerceram um papel histórico na própria
formação das Ciências Sociais desde suas origens e elas constituem, também,
uma informação útil para os governantes mesmo nos dias atuais. Em
estatística, esquece-se, com muita freqüência, que existe a palavra Estado.
Quételet, o célebre estatístico belga, autor de um livro sobre a utilidade da
informação estatística, foi, aliás, um dos advogados dessa concepção
estatística da sociedade, na qual a noção do homem médio foi sempre utili-
zada para representar a totalidade social. Paralelamente a esse esforço de
quantificação, existem também inúmeras descrições qualitativas; em an-
tropologia, os trabalhos etnográficos são bons exemplos. Se a descrição está
no cerne de toda abordagem científica, a explicação constitui, sem dúvida,
um dos elementos-chaves.
A explicação é a questão que mais inflama os pesquisadores, porque ela
está no centro do aparato científico, principalmente da perspectiva
objetivista. Explica-se quando se isolam as causas e as razões de um fenô-
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meno, de um fato ou de uma decisão e quando se verificam hipóteses. A
explicação introduz, pois, a questão da causalidade entre dois fenômenos.
Contudo, como todos sabemos, as questões de causalidade permanecem
difíceis de se estabelecer em Ciências Humanas, em virtude da versatilidade,
complexidade e imprevisibilidade do ser humano, e é justamente essa
complexidade do sujeito social que direcionou muitos pesquisadores para a
compreensão. (Caille, 1993; Dejours, 1995; Freitag, 1996; e Dosse, 1995.)
A compreensão está no cerne das Ciências Sociais e, em particular, na
perspectiva subjetivista, como acabamos de ver. Os fenômenos humanos
colocam sempre em jogo uma experiência, valores, intenções, desejos e sig-
nificações, porque estamos no mundo, estamos condenados aos sentidos
(Merleau-Ponty, citado por Bouilloud, 1996). Com o objetivo de
compreender a ação social, em suas mais variadas formas, o pesquisador
parte do vivenciado subjetivo das pessoas estudadas e tenta, com base nos
discursos, tornar inteligíveis as condutas; a fenomenologia e as ciências da
linguagem são particularmente utilizadas nesse contexto. A fenomenologia,
porque foi a primeira a expor a questão da experiência e do sentido do
vivenciado e as segundas, porque mostraram o papel exercido pela
linguagem e a palavra nas interações sociais (Berger e Luckman, 1967;
Boden, 1994). Ou seja, enquanto a exigência explicativa tenta compreender o
fenômeno social do exterior, a exigência compreensiva busca conhecê-lo do
interior e substituí-lo em seu contexto com base nos atores, que são também
os sujeitos, dizem. Não se trata aqui de atingir a verdade social em sua
objetividade quimérica, mas em sua verdade vivenciada.
Durante muito tempo postas uma contra a outra, a compreensão e a
explicação aparecem hoje, em numerosos trabalhos contemporâneos, como
complementares, indo ao encontro dos propósitos que sustentava Max
Weber no início deste século: "A compreensão de uma relação exige sempre
ser controlada, tanto quanto possível, pelos outros métodos ordinários da
imputação causai antes mesmo que uma interpretação, por mais evidente
que seja, não se transforme em uma explicação compreensível validada"
(Kaesler, 1996, p. 205).

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Essa complementaridade permite-nos, também, ultrapassar o antigo
isolamento que alguns ainda sustentam, ignorando todas as reflexões re-
centes sobre o assunto em numerosas disciplinas contemporâneas, tanto no
domínio das Ciências Humanas (História e Filosofia das Ciências, Sociologia
do Conhecimento, Etnometodologia, Semiótica etc.) quanto no domínio das
Ciências Naturais (Química, Física, Biologia etc.) (Stengers, 1987; Prigogine e
Stengers, 1979; Prigogine, 1994; Chalmers, 1987; Dosse, 1995).
A quarta e última exigência diz respeito à avaliação, que constitui um
elemento fundamental da vida coletiva e das Ciências Humanas: a norma.
Toda prática social é, de fato, regida por normas e valores. Elas podem ser
boas ou más, desejáveis ou inaceitáveis, respeitosas dos seres humanos ou
atentatórias a sua dignidade, mas são todas a resultante de representações
em determinado contexto social, que não se pode eximir de questionar,
como lembra bem Michel Freitag: "na ordem propriamente humana, a
questão dos valores precede e circunscreve sempre o sentido 'da questão de
fato', é ela que lhe designa um lugar significativo, e não o contrário, salvo
ainda talvez por falta, omissão ou demissão" (Freitag, 1996, p. 57-58).
Essa afirmação e esse reconhecimento da dimensão normativa resta-
belecem, também, as ligações com o projeto original das Ciências Sociais,
que era não exclusivamente científico mas também político e moral. Es-
quece-se freqüentemente que Adam Smith fez-se conhecido inicialmente
por seu Tratado de sentimentos morais e que todas as grandes figuras das
Ciências Sociais jamais dissociaram a análise dos fatos sociais de conside-
rações morais. Convidando-nos assim a examinar mais de perto as práticas
sociais à luz da ética, a avaliação permite-nos evitar que algumas exigências
sociais para o "bom funcionamento do sistema" possam ser consideradas
como naturais quando, ao mesmo tempo, elas contribuem para sua des-
truição. A necessidade de avaliação remete, assim, diretamente ao princípio
da responsabilidade enunciado há alguns anos por Jonas (1992) e Dosse
(1995).
Essas quatro exigências estão inter-relacionadas estreitamente na rea-
lidade concreta da pesquisa social: a descrição é sempre acompanhada de

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elementos explicativos e induz mais ou menos uma interpretação; logo, uma
compreensão do fenômeno social estudado. "Compreender, nos diz igual-
mente Gadamer, é sempre interpretar; em conseqüência a interpretação é a
forma explícita da compreensão. Se descrever, explicar, compreender e
avaliar constituem os principais imperativos científicos das Ciências Sociais,
eles estão também nos fundamentos desta reflexividade que Giddens
considera o sinal por excelência da modernidade" (Dosse, 1987; 1990).
Todo o conhecimento sobre o social, qualquer que seja sua natureza ou
origem, é de fato apropriado, de um ou de outro modo, pelo grupo a que ele
é destinado. Essa apropriação não é isenta de conseqüências sobre as
práticas sociais desse grupo nem sobre os produtores do saber. Esse movi-
mento de vaivém entre a sociedade e os conhecimentos que dela se têm
caracteriza bem esse movimento reflexivo do social. Em outras palavras,
fazendo parte do mundo social que estudamos, criamos a sociedade tanto
quanto ela nos criou, e as análises que fazemos contribuem igualmente para
sua transformação. No cerne das Ciências Humanas e Sociais, encontramos,
também, o que Touraine (1992) denomina historicidade, isto é, a produção
da humanidade por ela mesma. Esses dois aspectos da modernidade,
reflexibilidade e historicidade, ligados estreitamente, não devem ser
perdidos de vista, porque condicionam a própria natureza das Ciências
Sociais e suas relações com o management das empresas, como veremos no
próximo capítulo.

Cap. 2
A natureza e as exigências do Management

"Uma teoria geral da administração deve incluir princípios de


organização que assegurem uma boa tomada de decisão, ao
mesmo tempo em que ela também deve conter princípios que
garantirão uma ação eficaz."

(Herbert Simon)
Inicialmente, definimos o que se entende por management e gestão,
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pois os dois termos são geralmente considerados sinônimos. Com base em
diversas definições que consultamos, a gestão é definida, na maioria das
vezes, como um conjunto de práticas e de atividades fundamentadas sobre
certo número de princípios que visam a uma finalidade: o alcance da eficácia,
freqüentemente econômica, sendo o management para a empresa privada o
que a administração representa para o setor público (Grawitz, 1994; Gould e
Kolb, 1964; Koontz e 0'Donnell, 1955; Simon, 1957). Contudo, o termo
management não designa unicamente práticas e processos. Ele compreende
também pessoas que detêm postos na hierarquia das empresas: os
dirigentes, os gestores, os executivos e os gerentes. Logo, o termo
management designa tanto práticas e processos como os atores que ocupam
funções de festão. Além disso, compreende também, algumas vezes, uma
perspectiva científica: fala-se de ciências da gestão ou de ciências
administrativas Xhevalier e Loschak, 1978; Audet e Malouin, 1986; Martinet,
1990; Bouilloud e Lecuyer, 1994; Charue-Duboc, 1995; Déry, 1997) ou, então,
entre os autores anglo-saxões, de Management Science (Symonds, 1957).
Se, como vimos no Capítulo l, as Ciências Sociais originaram-se de nma
sociedade que pensa e se reproduz por si própria, o management sai
diretamente das atividades comerciais e industriais da segunda metade do
século passado. Antes desse período, a gestão moderna, como um conjunto
de princípios e de técnicas codificadas, permanece, segundo os historiadores
do management, quase inexistentes (Pollard, 1965; Bouilloud e Lecuyer,
1994; Wren, 1994). O universo da gestão na indústria nascente é dominado
pelos engenheiros que escrevem os primeiros manuais de economia para
manufaturas, como Babbage e Ure. As considerações técnicas e econômicas
predominam em detrimento de outros aspectos. "O objeto do presente
Ftrfume", escreve Babbage em sua introdução, "é mostrar os efeitos e vanta-
gens que derivam da utilização dos instrumentos e máquinas e o de
apresentar, ao mesmo tempo, as causas e as conseqüências da utilização do
maquinaria, que substitui a habilidade e a energia do braço humano"
(Babbage, 1832, p. 1). Entretanto, nesse universo essencialmente
mecanicista, existem exceções, como, por exemplo, na Inglaterra, as técnicas
de management desenvolvidas por Boulton e Watt na sua fundição de Sono
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ou os princípios de gestão elaborados em New Lamark por G. Owen descritos
por Urwick (1956), Wren (1994) e, na França, o manual de negócios redigido
por Coucelle-Seneuil, descritos por Ribeil (1994).
O management, como realidade codificada e como realidade social, só
vai surgir na segunda metade do século XIX e, mais particularmente, no
último quarto deste século. O crescimento do tamanho das empresas em
alguns setores industriais, principalmente no setor ferroviário, é responsável,
segundo Chandler (1977), por essa expansão do capitalismo fundamentado
nas ciências do management. As exigências dos setores de serviço, da
produção industrial e do mercado conduzem as empresas a expandirem-se
horizontalmente e, em seguida, verticalmente, aumentando paralelamente
suas necessidades de regulamentações e as funções de gestão. A mão
invisível surge na figura do dirigente e do executivo assalariado com seu
conjunto de funções que, no início deste século, será codificado por
HenryFayol (Chandler, 1962, 1977; Saussois, 1994).
A partir desse momento, a gestão de empresas conhece um grande
desenvolvimento e transforma-se em outra manifestação do crescimento da
racionalização do mundo ocidental analisado por Max Weber. Peter Drucker,
um dos teóricos norte-americanos da gestão de empresas, não se enganou
quando escreveu que "a emergência do management é um acontecimento
central da história social que, enquanto órgão da sociedade especialmente
responsabilizado por tornar os recursos produtivos, reflete o espírito dos
tempos modernos" (Drucker, 1954, p. 3). Pode-se dividir esse movimento
histórico em três grandes momentos.
O primeiro vai do fim do século XIX até a Segunda Guerra Mundial.
Durante esse período, o universo da empresa vai sistematizar suas experiên-
cias e suas técnicas desenvolvidas, em alguns casos, há mais de um século. A
gestão de empresas já não quer ser simplesmente uma arte técnica, ela
aspira a transformar-se em uma ciência. O movimento por um management
científico faz sua aparição com grandes nomes, hoje célebres, como Frederic
Winslow Taylor, Henry Fayol, o casal F. e L. Gilbreth, H. Lê Chatelier, L. Gulick,
L. Urwick, M. R Follet, E. Solvay, W. Rathenau, H. Munsterberg, B. Rowntree,

15
G. E. Mayo, os irmãos Citroen e outros. É durante esse período obcecado
pelo problema da produção que aparecem os primeiros dirigentes assala-
riados, as primeiras instituições de ensino em gestão, as primeiras revistas e
as primeiras associações nacionais e internacionais que se consagram a
promover a gestão científica (Urwick, 1943, 1956; Wren, 1994).
O segundo momento parte do fim dos anos 40 e vai até o início dos anos
80. Durante esse período, que vê surgir a sociedade de consumo de massa,
assiste-se, de um lado, à expansão de consultorias em management sob a
influência norte-americana e, de outro, ao aumento considerável da oferta
de empregos em gestão em função do crescimento das empresas e da
terceirização da economia. A era do management moderno ocupa um espa-
ço importante e confunde-se com o management americano, exaltado por
Jean-Jacques Servan-Schreiber durante os anos 60, isto é, de uma gestão rae
se apoia tanto sobre instrumentos formais como sobre gestões sociais
iprendidas cada vez mais nas instituições de ensino de gestão (Gordon e
Howell, 1959; Pierson e colaboradores, 1959; Servan-Schreiber, 1967; Simon,
1991 ;Wren, 1994).
A partir dos anos 80, entra-se em uma terceira fase que é marcada por
modificações importantes tanto no discurso como no modo de geren-
ciamento das empresas. Os modos de gestão sucedem-se em ritmo frenético
(Midler, 1986; Abrahamson, 1996; Kieser, 1997). A busca da eficácia é
principalmente dominada por imperativos financeiros em uma economia de
mercado que se globaliza, economia que exige organizações sempre mais
competitivas, flexíveis e informatizadas. Os operários, os técnicos e os exe-
cutivos, cada vez em maior número, conhecem a experiência do desempre-
go, da precariedade e da instabilidade profissional; sintetizando,, estamos ria
era da gestão estratégica (Porter e McKibbin, 1988; HEC, 1994). Além disso,
essa busca de eficácia em um contexto cada vez mais globalizado choca-se
com o muro das culturas e o management descobre, ao mesmo tempo, seu
enraizamento sociocultural ( D'Iribarne, 1993; Amado, Faucheux e Laurent,
1990; Clegg e Palmer, 1996).
Como a natureza do management é, antes de tudo, uma prática social

16
que visa ao bom funcionamento de uma organização, suas exigências são
marcadas com o selo da eficácia. Essa eficácia é sinalizada nas empresas por
certo número de indicadores, a maioria deles quantitativos e financeiros:
lucros, rendimento em relação ao capital investido, participação no mercado,
produtividade da mão-de-obra etc. Essas exigências partem, é claro, dos que
dirigem ou dos que são proprietários e mais raramente daqueles ou daquelas
que são dirigidos.
As exigências de eficácia, porém, não são apenas de ordem financeira.
Existem igualmente outras exigências, as sociais (taxa de rotatividade, sa-
tisfação, estabilidade de emprego, saúde, segurança), que, segundo as em-
presas, são mais ou menos respeitadas. Essas exigências internas de eficácia
são freqüentemente contrabalançadas por exigências externas, como
sociais, jurídicas, ambientais, fiscais, sindicais etc., que forçam a direção de
uma empresa a levá-las em consideração em sua gestão e em seu discurso
(Laufer e Paradeise, 1982). Tais exigências variam, é claro, no tempo e no
espaço, como prova o debate internacional atual em torno da cláusula social
que deveria acompanhar a liberalização do comércio internacional e as
inúmeras discussões em torno das noções de desenvolvimento durável e da
competitividade (Groupe de Lisbonne, 1995; Dutrisac, 1997; Passet, 1996).
Baseado no que acabamos de apresentar, o management aparece pri-
mordialmente como uma prática social que coloca em situações de relacio-
namento pessoas em um contexto organizado e que visa à eficácia econô-
mica antes de tudo (Reed, 1989). O management é igualmente uma discipli-
na das Ciências Sociais, elas não buscam a eficácia, mas tornam compreen-
síveis as condutas humanas. Na condição de disciplinas que estudam justa-
mente as práticas sociais, elas não podiam deixar de se encontrar. Esse en-
contro foi sobretudo marcado pelo selo da instrumentalidade e do operacio-
nal, como veremos no próximo capítulo.

CAP. 3
CIÊNCIAS SOCIAIS E MANAGEMENT:
Uma Relação de Natureza Sobretudo Operacional
17
"Em relação à prática., o comportamento organizacional busca
melhorar os resultados das organizações segundo critérios das
diferentes partes interessadas da organização."
(Paul Lawrence)

Se as Ciências Sociais participam desde suas origens, a seu modo, nas


transformações da sociedade moderna, a relação que o mundo da gestão de
empresas estabeleceu com elas seguiu um encaminhamento particular que
gira em torno de determinado número de grandes questões: a da producâo e
a da eficácia, a da dominação e a do sofrimento, a da cooperação e
solidariedade, a do sentido e das significações e a dos valores. Cada uma
contribuiu com mais ou menos felicidade para edificar a realidade social da
gestão que se conhece hoje.

A questão da produção e da eficácia


A primeira ciência social a preocupar-se com a produção e a eficácia foi
a economia política clássica. De Quesnay a Ricardo, passando por Cantillon,
Adam Smith, Malthus, J. B. Say, Stuart Mill e muitos outros, os primeiros
economistas procuraram desenvolver uma ciência das riquezas, no interior
da qual se destacavam o comércio, o trabalho e o que resultava divisão. De
modo geral, os que se interessavam mais de perto pelo mundo – da
produção, como vimos no caso de Babbage, estavam mais preo-
cupados com seus aspectos técnicos. Utilizava-se pouco, ou não se utilizava
ainda a palavra capitalismo, e a empresa confundia-se com a manufatura. A
exemplo de Cournot, os que seguirão já não manifestarão interesse nem pela
empresa e tampouco por sua gestão. Eles estão muito ocupados em edificar
um modelo teórico-formal calcado no modelo das ciências físicas, que se
encarnará no modelo neoclássico da virada do século XIX, e no homo
economicus, de Walras e de Pareto (Ménard, 1993; Demeulenaere, 1996;
Goerrien, 1993; Lorino, 1989). De novo, são os engenheiros como Taylor que
retomarão a questão da eficácia no fim do século XIX.
Influenciado ao mesmo tempo pelas ciências da Física e da Química, da
18
economia Política e da Engenharia, o autor dos Princípios da administração
científica procura racionalizar o trabalho no processo de fabricação.
Graças à observação e ao estudo das tarefas, à seleção e ao aprendizado dos
operários, à divisão entre a concepção e a execução e ao sistema de
remuneração pelo rendimento, Taylor e seus numerosos discípulos julgam
resolver de forma definitiva os problemas de produção. Permitindo aos
trabalhadores obter melhores salários e às empresas melhores benefícios, o
taylorismo abre o caminho, segundo eles, para o progresso econômico e
social. Esse movimento exerceu, como todos sabemos, papel muito
importante no desenvolvimento de uma concepção mecânica e enérgica da
gestão que ainda subsiste até nossos dias, a despeito de todas as críticas que
lhe foram feitas. O taylorismo constitui a primeira tentativa de racionalização
do trabalho na empresa, derivado em linha direta da economia política de
Babbage que será seguida por muitos outros. H. Simon não hesitou em
escrever que a gestão científica não parecia ter uma filosofia diferente da
pesquisa operacional. Ele acrescentava que Charles Babbage e Frederic
Taylor deveriam ser membros, retroativamente, das associações científicas
de pesquisa operacional. Nenhuma fronteira significativa pode a partir de
agora ser traçada entre a pesquisa operacional e a gestão científica ou entre
a gestão científica e as ciências da gestão (H. Simon, Management science,
1960, p. 15).
A segunda ciência social surgiu nas primeiras décadas deste século. Ela é
o produto simultâneo da crise social e das experiências realizadas em
Hawthorne, como prolongamento do taylorismo, busca melhorar a eficácia e
a produtividade, integrando o elemento humano. Nos Estados Unidos da
América, essa preocupação de estabelecer de forma mais estreita a eficácia e
a dinâmica social será a base de novas disciplinas aplicadas, como a
Psicologia Industrial, a Psicologia Social e a Sociologia Industrial.
As pesquisas desenvolver-se-ão em várias direções:

1. a compreensão das relações entre a dinâmica social da fábrica e a


da comunidade local com os trabalhos da escola de Chicago
realizados por Warner e Low;
19
2. os efeitos da vida de grupo sobre os indivíduos com os estudos
sociométricos de Moreno e os de Lewin que incidem sobre a dinâmica
de grupos;
3. a pesquisa dos fatores associados ao desempenho e à motivação
dos grupos com os trabalhos de equipe, reunida em torno de Likert,
na Universidade de Michigan;
4. a otimização dos desempenhos individuais com base nas
contribuições da Psicologia Industrial.

Conjugadas com os trabalhos da escola de E. Mayo, essas disciplinas


consolidam um movimento, o das relações humanas na indústria, que exer-
cerá papel muito importante durante a Segunda Guerra Mundial e nas duas
décadas seguintes (Desmarez, 1986).
O management científico, versão tayloriana, cede então a primazia a
uma segunda versão que integra os aspectos humanos capazes de assegurar
aumento da produtividade, e é irônico pensar que as constatações de E.
Mayo são hoje questionadas por meio de pesquisas históricas (Lecuyer,
1994). As questões de ambiente de trabalho, de motivação, de moral, de
satisfarão, de comportamento de grupo, de valores, de sentimentos são
postas a serviço dos resultados positivos da empresa, com o objetivo de
assegurar equilíbrio satisfatório entre o indivíduo e a organização; logo, o
social subordina-se à eficácia.
Esse movimento conhecerá grande popularidade nas empresas e
contribuirá para modificar o discurso e as práticas de management. Nesse
contexto, no início dos anos 50, os países europeus, em plena reconstrução
pós-guerra, enviarão numerosas missões de produtividade aos Estados Uni-
dos da América a fim de estudar mais de perto essas técnicas (Friedman,
1963,1964).
Nas instituições de ensino de administração no pós-guerra, essa intro-
dução dos aspectos humanos na problemática da eficácia terá como conse-
qüência o desenvolvimento de novos campos do ensino. Esses ensinamentos,
reagrupados sob a denominação genérica de Organizational Behavior, e as

20
pesquisas sobre as quais eles se apoiarão permanecerão amplamente orien-
tados pelas questões de eficácia e de otimização do potencial humano
(Sorge, 1986). Durante anos, eles buscarão integrar as novas aquisições das
Ciências Humanas suscetíveis de maximizar o rendimento dos empregados e
a eficácia da organização. É assim que, nos anos 80, os conceitos de cultura,
de mito, de símbolos etc. aparecerão; a cultura, transformando-se, por exem-
plo, em um fator-chave para os resultados da empresa para diferentes
gestores (Deal e Kennedy, 1982; Peters e Waterman, 1982; Lemaitre, 1985;
Aktouf, 1989). É igualmente pelas mesmas razões que durante os últimos
anos as ciências da cognição vão conhecer uma popularidade crescente em
management. Busca-se, aí também, uma possibilidade de melhorar a
performance da gestão em numerosos aspectos: aprendizado, formação, re-
lações homens-máquinas, decisão, estratégia etc. (Girin, 1996; Cossette,
1994; Tenbrunsel e colaboradores, 1996).
Desde os primórdios do management moderno, a gestão utilizou as
Ciências Humanas em larga escala, para responder às exigências da
produtividade e da rentabilidade, e a mão-de-obra era vista, principalmente,
como fator de produção ou um recurso. A passagem recente do termo
pessoal pára a expressão recursos humanos ilustra, aliás, perfeitamente essa
idéia. As exigências de eficácia, porém, mudam a cada período. Passou-se
assim sucessivamente de uma visão energética e física, muito presente no
taylorismo, a uma visão psicossociológica com as relações humanas, e de
uma visão cultural, muito popular na década precedente, a uma visão, nos
últimos anos, que poderia ser sinceramente qualificada de esportiva e
estratégica. Referências e apropriações da linguagem esportiva são
multiplicadas: performance, competitividade, ganhadores de maratonas de
produtividade ou importância de se manter a boa forma. Em face de novos
imperativos - flexibilidade, competitividade e globalização -, a gestão
necessita de uma mão-de-obra móvel, competente, em boa forma e
entusiasta, particularmente preparada para afrontar as reestruturações
sucessivas e os tempos da virtualidade (Handy, 1991). A cada período, as
Ciências Humanas são então convidadas a trabalhar nesse sentido a fim de
que o capital humano, segundo a expressão consagrada pelos economistas,
21
possa responder aos novos imperativos da eficácia.

A questão da dominação e do sofrimento

Desde os primórdios da era industrial, a questão da dominação e do


sofrimento vai formar outro pólo de reflexão e, como os demais, estreita-
mente relacionado com a questão da eficácia. Porque, se essa reflexão pode
contribuir para a melhoria do bem-estar, ela pode também ser uma fonte de
dificuldades. As obras de Proudhon e de K. Marx constituem, historicamente,
dois grandes pólos dessa reflexão: a primeira, em sua versão anarquista; a
segunda, em sua versão socialista. Proudhon, o único pensador originário da
classe operária, vai desenvolver uma reflexão que busca conciliar a ordem e a
liberdade. Defensor do indivíduo e dos grupos democráticos, sua obra é uma
constante crítica do Estado e de todas as formas de poder impostas. Ele
contribuirá junto com outros autores para o desenvolvimento de um
pensamento da organização anarquista que se esforçará em promover as
idéias do sindicalismo, do cooperativismo, do mutualismo e do federalismo e
cuja influência terá repercussões, sobretudo, nos países latinos da Europa.
Pode-se afirmar, sem grande margem de erro, que Proudhon foi uma das
primeiras pessoas a terem posto a questão da democracia econômica e a
terem pressentido a idéia da complexidade a que assistimos agora na virada
do século XX (Séguin e Chanlat, 1983; Guérin, 1965).

Karl Marx, ajudado por seu fiel amigo Engels, filho de um industrial do
Reno, vai escrever uma obra que exercerá imensa influência não apenas nas
Ciências Sociais, mas também no mundo inteiro. Fazendo surgir o universo
operário e as classes trabalhadoras do ventre da economia industrial
nascente, Marx e Engels vão fornecer um formidável instrumento crítico da
sociedade que está nascendo sob os olhos de todos e de todas que desejam
transformá-la.
O mundo da indústria nascente é, como lembram numerosos historia-
dores desse período, um universo desumanizado em que homens, mulheres
e crianças são imolados no altar da acumulação do capital (Proudhon, 1967;
22
Hobsbawm, 1977). É após a análise de Marx e de Engels que as figuras da
burguesia e do proletariado vão transformar-se nas duas imagens
emblemáticas de um mundo antagonista que está destinado a sucumbir por
ele mesmo. As Ciências Sociais modernas encontram na contribuição
marxiana sua fonte fundamental e Raymond Aron (1967) soube muito bem
destacar a riqueza e as ambigüidades da obra de Karl Marx. É interessante
lembrar que essa obra, ao mesmo tempo, rica, forte, ambígua e cheia de
contradições, encontrou sua inspiração não somente nos inúmeros dados
disponíveis, principalmente nos relatórios de manufatura, documentos pelos
quais Marx demonstrava interesse especial, mas também na obra de Balzac,
cuja célebre Comédia Humana devia intitular-se Estudos Sociais. Balzac, aliás,
hesitava em se autoqualificar com uma ponta de ironia como docteur ès-
sciences sociales (Lepenies, 1990), o que mostra de passagem até que ponto
a literatura pode às vezes dizer mais e melhor do que alguns tratados
especializados, inspirando mesmo as maiores obras das Ciências Sociais.
A influência dessas obras críticas sobre o management terá impacto em
dois níveis: de um lado, na própria sociedade pela organização do
movimento operário, tanto nas fábricas, graças aos sindicatos, como na
escala política, graças à atividade dos partidos de inspiração socialista,
principalmente na Europa. Essa pressão popular conduzirá a reformas e a
novos direitos sociais que exercerão efeitos reais sobre a melhoria das
condições de vida e sobre as práticas na gestão das empresas. Durante o
século XX, o -•.mento da URSS e a ameaça comunista contribuirão ainda mais
para reforçar essa tendência, principalmente nos países industrializados e, de
outro lado, no universo das Ciências Sociais, as quais, influenciadas pelo
pensamento marxiano, contribuirão também com suas análises desse
movimento (Revista Sciences Humaines, 1996). É assim que a questão da
dominação conhecerá importante reflexo nas ciências do trabalho dos países
latinos, durante as três décadas após a Segunda Guerra Mundial, e que ela
será fonte de inspiração igualmente para várias correntes de pesquisa na
Inglaterra, sobretudo durante os anos 70 e 80 (Clegg e Dunkerley, 1980; Zey-
Ferrell e Aiken, 1981; Chanlat, 1992; Fischer e Sirianni, 1984).

23
O anarquismo e o marxismo em suas diferentes formas de expressão não
foram, como não se pode duvidar, as únicas fontes de crítica e de
questionamento da gestão de empresas. Correntes bastante diversificadas,
como o socialismo utópico, o catolicismo social, o existencialismo, o
feminismo, o ecologismo ou, ainda mais recentemente, o pós-modernismo,
inspiraram igualmente numerosas análises, e mesmo movimentos sociais
(Hassard e Parker, 1994; Alvesson e Willmott, 1992; Alvesson e Deetz, 1996;
Caçàs e Smircich, 1996).
Se a questão da dominação e do sofrimento está no centro das reflexões
em Ciências Humanas, na ciência do Management somos obrigados a
constatar que elas são frequentemente relegadas a um segundo plano, se
não totalmente excluídas em proveito de concepções mais harmoniosas de
interesses e de visões do poder. Historicamente, são sobretudo
pesquisadores externos ao mundo da gestão que desenvolvem tais reflexões.
Contudo, durante os últimos 20 anos, podem-se ver algumas análises críticas
surgirem do próprio universo do management (Dufour e Chanlat, 1985;
Aktouf, 1989; Chanlat, 1990; Mintzberg, 1989; Pitcher, 1994; Alvesson e
Willmott, 1992; Clegg e Palmer, 1996; Villette, 1988, 1996).

A questão do sentido e das significações


“O mundo é, antes de tudo, para o ser humano, um conjunto de
significações” (Fernand Dumont, 1968). A questão do sentido e das
significações é, de fato, como já assinalamos várias vezes, um dos grandes
questionamentos a que numerosos trabalhos de Ciências Humanas tentam
responder. No campo do management, esse tipo de questionamento
apareceu muito tarde. Ele foi estreitamente associado ao interesse que
alguns pesquisadores trouxeram principalmente a grandes correntes do
pensamento: a sociologia weberiana, a psicanálise, as ciências da linguagem
e a antropologia simbólica.
Entre todas as reflexões disponíveis, a sociologia compreensiva de Max
Weber é certamente a que, historicamente mais inspirou o universo do
management, mas nem sempre, como veremos, por boas razões.
24
Alimentados na dupla fonte de Marx e de Nietzsche, os trabalhos de Max
Weber constituem uma obra fundamental e uma reflexão incontornável na
compreensão da sociedade moderna (Kaesler, 1996). Na gestão de empresas,
ela é descoberta após a Segunda Guerra Mundial, quando passam a ser
acessíveis ao público anglo-saxão.
Ao mesmo tempo jurista, economista, filósofo e sociólogo, Max Weber
interessa-se pela gênese do capitalismo como uma das manifestações histó-
ricas da racionalização do mundo ocidental. O que se reteve de sua obra, cuja
erudição, profundeza e variedade nos provocam em alguns momentos
vertigem, é sobretudo seu famoso estudo sobre as relações que mantêm as
diferentes éticas religiosas com o espírito do capitalismo (Weber, 1964). Se
essa pesquisa suscitou numerosas controvérsias no campo das Ciências
Sociais (Besnard, 1970), ela provocou menos agitação no campo do
management. Porque, nesse universo, via-se uma explicação simples para a
superioridade dos países anglo-saxões sobre os outros países do mundo em
matéria de desenvolvimento e gestão de empresas. O pensamento de Weber
foi assim reduzido ao nível do de um livro de receitas triviais ou a um anti-
Marx, ou mesmo um Marx para dirigentes de empresas, como escreveram
dois sociólogos norte-americanos (Gerth e Mills, 1952). Isso era ignorar
profundamente o pensamento weberiano, mas, no contexto da guerra fria,
alguns podiam sentir-se reconfortados.
Outro elemento de sua reflexão que conheceu muito sucesso em
management é, claro, sua descrição da burocracia. Esse trabalho, inspirado,
ao mesmo tempo, por seu conhecimento do Estado prussiano e por sua
própria experiência de diretor de hospital na guerra de 14-18, em que de fato
coordenou 13 hospitais militares (Kaesler, 1996), ia dar aos gestores das
grandes organizações um modelo no qual podiam inspirar-se. Após conhecer
o sucesso que sabemos, esse tipo de organização está, hoje, sob ataques
ferozes da crítica neoliberal. Muitas dessas críticas ignoram, todavia, que o
sociólogo de Heidelberg via na burocracia uma expressão da ética do
interesse geral e do bem comum. A privatização recente de alguns serviços
públicos britânicos coloca na atualidade esse elemento ocultado com

25
freqüência da reflexão weberiana (Du Gay, 1994). Na mesma ordem de
idéias, a ausência de verdadeiras burocracias, em numerosos países do
mundo, confirma-nos de modo eloqüente que não se pode prescindir de uma
burocracia pública, moderna, eficaz e honesta.
Uma das faces menos conhecidas de seu trabalho, mas não menos
importante para nosso tema, reside nas pesquisas que ele conduziu na gran-
de indústria e que evocamos logo acima. Infelizmente não traduzida em
francês, essa grande pesquisa, intitulada "Pesquisa sobre a seleção e a adap-
tação (escola e destino profissional) dos operários nos diversos ramos da
grande indústria", estendeu-se por vários anos e foi publicada em sete volu-
mes; a citação a seguir resume bem seu espírito e, sobretudo, seu
vanguardismo.

"A presente pesquisa busca estabelecer, de uma parte, qual


influência a grande indústria exerce sobre a personalidade, o destino
profissional e o estilo de vida extraprofissional da mão-de-obra, quais
qualidades físicas e psíquicas ela desenvolve em seu pessoal, e como
estas últimas se exprimem na maneira de viver da mão-de-obra; de
outra parte, em que medida a grande indústria, em sua capacidade de
desenvolvimento e na gestão de seu desenvolvimento, está de seu lado
ligada às qualidades dessa mão-de-obra, transmitidas ou produzidas
por sua origem étnica, social, cultural, por sua tradição e suas
condições de vida. Aí estão então duas questões diferentes, que o
teórico deve e pode distinguir, mas que na pesquisa apresentam-se
quase sempre combinadas uma com outra, se bem que, no final, não se
pode responder a uma sem responder a outra" (Kaesler, 1996, p. 86).

No âmbito dessa série de importantes pesquisas na Alemanha, Weber


abordará numerosos aspectos da vida industrial que serão estudados no
século XX por outras disciplinas: as questões dos efeitos fisiológicos produ-
zidos pelo ritmo dos processos de trabalho, os das condições psíquicas e o
das conseqüências da fadiga, da poluição sonora, assim como o das atitudes
originadas pelas situações de trabalho. Além do mais, a grande pesquisa, cujo
escopo foi resumido anteriormente, devia ser completada por uma pesquisa
26
similar com o pessoal técnico e operacional. Ainda não está terminada a
descoberta das contribuições de Weber para o management, pois o acesso
completo a essa grande pesquisa permanece restrito aos que dominam a
leitura e a compreensão da língua alemã.
No âmbito da compreensão da ação humana, a obra de Freud constitui
outra referência obrigatória, porque põe o problema do sentido com base
nos processos inconscientes. Revelando ao mundo a vida interior, a
Psicanálise busca apreender as significações profundas dos atos humanos.
Essa disciplina, que Freud definia como uma psicologia social, teve influência
fundamental no modo de pensar nossas relações com o outro (Gay, 1991;
Enriquez, 1983). A influência que ela teve e ainda tem nas Ciências Humanas
conduziu alguns pesquisadores a interessarem-se por ela no campo das
organizações. Seus trabalhos estão principalmente direcionados para a
dinâmica dos grupos restritos (Bion, 1959; Jacques, 1978; Anzieu, 1975), a
articulação do psíquico e do social (Enriquez, 1983, 1992, 1997; Revue
Internationale de Psychologie, 1997) e a personalidade dos dirigentes
(Zaleznick, 1970; Zaleznick e Kets de Vries, 1975; Lapierre, 1992, 1993, 1994).
Cada um desses trabalhos pode colocar em evidência o papel que exerce o
inconsciente psíquico no comportamento das pessoas e como a dimensão
afetiva é constitutiva do relacionamento social.
Nos últimos anos, as ciências da linguagem contribuem igualmente para
esclarecer a questão do sentido. Porque não existe construção do sentido
sem linguagem. É pela linguagem e graças a ela que a humanidade pode
desenvolver pensamentos, sistemas de significações e relações sociais. Toda
existência social repousa, de fato, sobre comunicações que supõem uma
forma de linguagem. O mundo da gestão é um universo que não escapa a
essa lei da vida em sociedade. Durante muito tempo fechados em uma
concepção mecânica e telegráfica da comunicação, os gestores viram re-
centemente algumas reflexões ampliar sua visão no campo da linguagem
(Boden, 1994; Girin, 1990; Chanlat e Bédard, 1990; Boutet, 1994). Nesse
momento, os gestores começaram a colocar a questão do sentido e das sig-
nificações nas trocas, e mesmo em todos os aspectos da vida coletiva, pois a

27
informação não era mais sinônimo da comunicação. O management abria-se
assim à dimensão simbólica da vida humana.
Essa insistência sobre as significações será igualmente realçada por
outros pesquisadores que, vindos de diferentes ramos do conhecimento, vão
dedicar-se a analisar os aspectos simbólicos das organizações. Esse movi-
mento será em parte resultante da avidez do management pela cultura da
empresa. Entretanto, contrariamente a muitas pesquisas na área de
management sobre essa cultura, as análises da corrente simbólica procura-
rão restituir as significações que emergem da prática gestionária dissociadas
das preocupações de produtividade ou de eficácia (Turner, 1990; Gagliardi,
1996; Czarniawska-Joerges, 1992; Sievers, 1995; Bouchard, 1990). Essa
dissociação permitirá rever o espaço real ocupado pelas culturas corporativas
fabricadas em série que florescerão nos anos 80 do século XX e demonstrar o
quanto a questão do sentido está associada não só à questão das
significações, mas também às relacionadas com a direção e a liderança, não
tendo a técnica, isoladamente, nenhuma significação.

A questão da solidariedade

Uma das grandes questões que estão também no centro das reflexões
em Ciências Sociais é a do viver coletivamente. Uma das contribuições fun-
damentais a ressaltar-se nesse campo é, seguramente, a de Durkheim (1893),
um dos pais da Sociologia moderna que, em sua tese de doutorado, De Ia
division du travail: étude sur Vorganisation dês sociétés supérieures,
desenvolve uma análise da solidariedade social. Ele aí distingue duas grandes
concepções históricas: a solidariedade mecânica, típica das sociedades
primitivas, que se caracteriza por forte ligação entre o indivíduo e o grupo ao
qual pertence, e uma solidariedade orgânica, típica das sociedades
industrializadas, que resulta da grande desigualdade social existente nessas
sociedades. Todavia, essa nova solidariedade não se produz sem rupturas
violentas, mudanças muito rápidas, podendo levar à anomia, isto é, a uma
ausência total de regras. Essa reflexão sociológica desenvolvida na virada do
século XIX teve, como se sabe, grande influência nas Ciências Sociais e, em
28
conjugação com o estudo que Durkheim (1897) consagrou ao suicídio,
constitui as bases das Ciências Sociais modernas. Em management, essas
preocupações foram retomadas parcialmente por Elton Mayo.
Australiano instalado nos Estados Unidos da América e figura central do
movimento de relações humanas, Mayo, que também foi influenciado por
Pareto, passou a interessar-se pelos problemas provocados pela civilização
industrial americana. Por meio desse interesse, ele contribuiu para de-
senvolver em parte a visão que se tinha do homem nas empresas. Mediante
os conhecidos estudos efetuados na fábrica da Western Electric de
Hawthorne, os empregados passavam desde então a ter sentimentos,
valores: a fábrica era um sistema social em equilíbrio ao qual se devia prestar
muita atenção. Com base nos resultados dessa pesquisa e de outros
trabalhos, Mayo irá declarar que o futuro da civilização depende de gestores
dotados de sólido saber sociológico. Porque, para ele, era no meio industrial
que se podia recriar a solidariedade perdida. A Sociologia Industrial
americana fazia sua entrada em pé de igualdade no universo do
management (Desmarez, 1986; Mayo, 1945, 1946). Essa reflexão, que foi
condicionada inicialmente por exigências de eficácia, desJoca-se logo depois
para as questões da coesão e da cooperação. O gestor Chester Barnard
(1938) aí se inspirou para escrever seu livro, The functions of the executive,
cuja influência foi considerável entre executivos e no ensino do
management.
O movimento das relações humanas na indústria não foi influenciado
unicamente por problemas de eficácia. Foi também profundamente marcado
pela crise de 29 e pelos impactos que ela tinha nas pessoas e nas questões
que decorriam da urbanização. Mesmo permanecendo preocupados com os
problemas de produção, os pesquisadores tornaram-se muito sensíveis à
questão da coesão social. É por essa razão que eles preconizavam a susten-
tação de grupos informais e falavam com freqüência em equilíbrio. Seus
trabalhos iriam exercer influência determinante durante mais de 30 anos
sobre o mundo da gestão.
No início dos anos 80, essa preocupação centrada na coesão e na coo-

29
peração voltaria à tona com o aumento em potencial do modelo japonês de
gestão e a questão da cultura da empresa. Face à concorrentes asiáticos cuja
solidariedade resistia a toda prova, alguns especialistas norte-americanos
passaram a considerar que a cultura e o espírito corporativo, que Fayol tanto
apreciava, eram os remédios contra o declínio das empresas norte-
americanas (Ouchi, 1981; Deal e Kennedy, 1982; Peters-e Waterman, 1982).
Entretanto, esse movimento iria muito cedo chocar-se com as novas reali-
dades do management que, no início dos anos 80, tornam-se com freqüência
contraditórias com essa preocupação de desenvolver um núcleo solidário
(Reichheld, 1996; Aubert e De Gaulejac, 1991; Enriquez, 1997; Bron e De
Gaulejac, 1995; Pagès e colaboradores, 1979).
Paralelamente a essas reflexões, vários sociólogos igualmente interes-
saram-se pela questão da solidariedade. Do ponto de vista da sociologia da
empresa em emergência, alguns pesquisadores destacaram alguns fatores
esquecidos ou pouco tratados, como a identidade e a socialização ou, ainda,
o papel que exercia a cultura nacional na lógica social da empresa
(Sainsaulieu, 1997; Iribarne, 1993; Dupuis, 1995; Bélanger e Lévesque, 1996).
À sua moda, eles colocavam também a questão da solidariedade. Nos últi-
mos anos, essa questão passou a ocupar importância capital em razão do
aumento das taxas de desemprego, da precariedade crescente e da expansão
da exclusão social que conhecem vários países de economia central e
emergente. A questão central é se se pode ainda ter senso do coletivo quan-
do o trabalho evapora-se e o espaço-tempo torna-se raro (Meda, 1995; De
Bandt, Dejours e Dubar, 1995; Montelh, 1997; Rifkin, 1996; Gastei, 1995;
Gorz, 1997).

A questão dos valores

As Ciências Humanas têm também uma exigência de avaliação que


comporta uma crítica das práticas em nome dos valores. Em gestão, o ques-
tionamento ético, pois se trata aqui desse valor, ficou muito tempo na som-
bra. Foi apenas nos últimos 20 anos do século XX e, principalmente, durante
a última década, que a questão ética emergiu como importante elemento de

30
reflexão. Os escândalos financeiros, os numerosos casos de corrupção, a
publicidade enganadora, os problemas de poluição ambiental, a oferta de
produtos potencialmente perigosos ou de serviços duvidosos, as desigual-
dades profissionais escandalosas, algumas práticas de gestão particular-
mente discutíveis forçaram o mundo das empresas e outras instituições -
Estado, associações, sindicatos, grupos de pressão - a interessarem-se pelas
questões do justo e do injusto, do bem e do mal, da eqüidade e da responsa-
bilidade, ou, dito de outra forma, pela questão da legitimidade da ação dos
gestores (Jackall, 1988; Pasquero, 1997). Face à lógicas de gestão impreg-
nadas sobretudo por uma racionalidade instrumental e técnica e uma fina-
lidade financeira a curto prazo, a interpelação ética lembra aos atores ani-
mados por essas lógicas que as questões fundamentais do porquê, para
quem e em nome de quem não podem ser totalmente descartadas das esco-
lhas feitas pelos gestores.
Como acabamos de ver, as Ciências Sociais e o management mantêm
relações estreitas desde o início do século e inscrevem-se no movimento
racionalizante crescente identificado por Weber. Partido do chão das fábricas
e das usinas, esse movimento foi inicialmente alimentado por engenheiros.
Em seguida, alguns pesquisadores de Ciências Humanas juntaram-se a eles e
integraram o social nesse movimento e, posteriormente, eles o ampliaram
para a esfera das organizações. Durante os 10 últimos anos, essa vontade de
racionalização gestionária impôs-se com o advento da sociedade programada
em todas as esferas da vida social. Touraine (1992, p. 284) lembra, com
efeito, que "o poder de gestão consiste, nesta sociedade, em prever e
melhorar opiniões, atitudes, comportamentos e a modelar a personalidade
da cultura".
Nessa antropologia restrita, o ser humano aparece na maior parte do
tempo como um ser abstrato, um objeto econômico e um indivíduo sem
afeto, sem história e sem cultura. Ele inscreve-se em um projeto instrumen-
tal que confere todas as virtudes a uma só lógica: a lógica técnica.
Entretanto, segundo Habermas (1972), existem duas outras, a lógica da
prática e a lógica emancipadora, que são ambas importantes.

31
A lógica da técnica parte da idéia de que o mundo humano é um con-
junto de processos objetiváveis que se procura conhecer e controlar. Apro-
xima-se deles como se fossem independentes e facilmente manipuláveis.
Utiliza intensamente o cálculo a fim de medir os resultados obtidos. O re-
sultado que se espera é o de fazer recuar a "irracionalidade" do mundo
social. Estamos aqui na lógica científica clássica que mencionamos anterior-
mente. A lógica prática tem por finalidade atingir melhor compreensão
mútua. Encontramos aqui a perspectiva compreensiva já abordada neste
livro. Na lógica prática, não se busca controlar ou prever melhor, mas facilitar
a comunicação social, o que só pode ser feito ao se colocar em relevo o
quadro de referência de cada um, que são sempre quadros socialmente
construídos. Insiste-se então, particularmente, nos aspectos simbólicos da
vida coletiva (Habermas, 1987). Os trabalhos desenvolvidos sob a lógica
prática podem ser, por outro lado, reinterpretados e utilizados pelos parti-
dários da lógica técnica.
Enfim, a lógica emancipatória visa colocar um fim aos sofrimentos
inúteis provocados por determinadas práticas sociais. Em vez de considerar
os fenômenos observados como dados próprios sem levar em conta seus
aspectos políticos, essa lógica procura revelar como os modelos de conduta e
as significações que lhes podem ser atribuídas estão enraizados nas estru-
turas de dominação. Essa lógica tem suas raízes na obra dos filósofos do
Iluminismo, na de Marx e nos principais teóricos da escola de Frankfurt, da
qual Habermas é um descendente. Para Habermas, essa terceira lógica não
deve substituir as duas outras, porque elas preenchem funções importantes
em matéria de saber. Sua presença é indispensável para evitar que, princi-
palmente, a lógica técnica se imponha sem nenhuma reflexão crítica e de-
semboque em novas formas de dominação ou em uma civilização incons-
ciente, para retomar o título do último livro de Saul (1997).
Dessas três lógicas, o management reteve essencialmente a primeira. E
não foi por acaso, como se pode bem duvidar. A natureza da gestão, en-
quanto uma prática que visa à eficácia, e suas visões, amplamente influen-
ciadas pelos conceitos dos engenheiros, só podiam deixar de lado as duas

32
outras lógicas. Como vemos agora, as conseqüências dessa lógica abando-
nada a si mesma afetam profundamente o tecido econômico e social.

Cap. 4
RACIONALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE GESTÃO:
Resultados Pouco Conclusivos

"As grandes empresas não se orgulham mais dos benefícios


generosos que elas podiam oferecer a seus empregados. Ao
contrário, elas se orgulham de oferecer hoje benefícios reduzidos
e baixos salários. Esta é a principal explicação da recuperação
das grandes empresas norte-americanas."
(Wolman e Colamosca, 1997)

Há cerca de 10 anos sob a influência dessa lógica técnica, observa-se


uma racionalização acelerada dos modos de gestão. Esse movimento toma
várias formas: as fusões e as aquisições, as reestruturações em massa, o
agendamento controlado e a utilização de técnicas que buscam reduzir o
tempo de resposta e os custos operacionais das organizações. É sob a pres-
são de imperativos muitas vezes financeiros e em nome da globalização e da
competitividade que as grandes empresas lançaram-se nessas reestru-
turações na maioria das vezes radicais. Os resultados obtidos até o presente
estão longe de atingir os objetivos que foram estabelecidos inicialmente.
Contrariamente ao período anterior dos 30 gloriosos anos que conju-
gavam com mais freqüência crescimento, produtividade, emprego e enri-
quecimento individual e coletivo regular, os últimos 20 anos foram marcados
pela desaceleração do crescimento, redução da produtividade, deterioração
dos salários, queda dos benefícios sociais, aumento do desemprego,
expansão do trabalho precário e aumento da miséria nos países industriali-
zados.

33
Tomamos como exemplo os Estados Unidos da América do Norte e o
fazemos por duas razões: de um lado, porque esse país representa para
alguns o modelo a seguir e, de outro lado, porque é o país que levou ao ex-
tremo a lógica dominante que conhecemos atualmente.
Thurow (1996) lembra com razão que nesse país as estatísticas oficiais de
desemprego não refletem a realidade completa. De fato, considerando-se as
pessoas que querem trabalhar, mas que não satisfazem aos critérios de
admissão, os trabalhadores em tempo parcial involuntário, as pessoas em
idade de trabalhar mas que são excluídas, os trabalhadores temporários, os
teletrabalhadores, os trabalhadores autônomos entre os quais muitos têm
poucos clientes, obtém-se um resultado bastante diferente, ou seja, uma
taxa real de desemprego de 14% e uma taxa de mão-de-obra subempregada
igualmente de 14%. Estamos bem longe das taxas que são divulgadas
regularmente.
O diretor responsável pelas páginas econômicas da Business Week,
William Wolman (1997), e uma jornalista dessa mesma revista, Anne
Colamosca, fazem um balanço bastante contraditório da experiência norte-
americana. Suas constatações reforçam outras análises recentes feitas nos
Estados Unidos da América por numerosos defensores da economia de
mercado que se inquietam com as derivas da dinâmica capitalista contem-
porânea (Thurow, 1996; Medoff e Harless, 1996; Soros, 1997; Reichheld,
1996). Como todas essas reflexões ilustram justamente os estragos que uma
concepção antropológica redutora pode ter sobre a sociedade e os
indivíduos, permitam-me lembrar seus elementos principais.

Salários sob pressão e desigualdades sociais crescentes

A primeira constatação que se pode fazer diz respeito a salários e desi-


gualdades sociais. Nos Estados Unidos da América, observa-se, de fato, que
os salários reais não aumentaram desde 1973 e que o crescimento da renda
familiar, a despeito da prolongação da semana de trabalho e do número
crescente de pessoas que trabalham em cada família, não ocorre desde 1989.

34
Segundo o economista Schor (1991), no início dos anos 80, mais de um terço
dos trabalhadores americanos ganhava, de fato, uma remuneração
insuficiente para permitir-lhes sair da pobreza. Um artigo publicado recen-
temente no The Globe & Mail, de Toronto, revela que os canadenses traba-
lham também cada vez mais e têm menos lazer (Mitchell e colaboradores,
1997).
Retomando a distribuição salarial nos Estados Unidos no período, só os
5% da população no topo da pirâmide salarial conheceram uma taxa de
crescimento de 7,1% entre 1989 e 1994. Os outros membros da elite dos
assalariados conheceram redução ou aumentos bem modestos no período.
Entre 1977 e 1987, enquanto a renda das pessoas situadas nos 10% das
categorias de mais baixos salários conhecia uma redução de 10%, a dos 10%
mais elevados aumentava 24,4% e a de 1% mais elevada crescia 74,2%. Se
considerarmos atualmente o salário dos presidentes das 362 maiores
empresas, ele cresceu, entre 1990 e 1995, 90%. O salário médio era, em
1990, de 1,95 milhões de dólares para o presidente de uma grande empresa
e de 22.976 dólares para o trabalhador, ou seja, ele subiu, em 1995, 1,8
milhões de dólares para o primeiro e 4.000 dólares para o segundo.
O contraste é ainda mais acentuado quando se trata da concentração da
riqueza. Enquanto se observou redução da concentração da riqueza no fim
dos anos 20 até o meio dos anos 70, os anos 90 são, segundo dados
existentes, sem precedentes na história contemporânea. Em 1992, 1% da
população dos Estados Unidos da América detinha 49,6% das ações, 62,4%
das obrigações e 61% do capital das empresas. Levando-se em consideração
os primeiros 10%, obtém-se os dados seguintes: 86,3% para as ações, 91,3%
para as obrigações e 91,1% para o capital das empresas. E esse estudo não
inclui os efeitos do boom da bolsa dos anos 1995-1996. Como podemos
constatar, sobram apenas migalhas para os 90% restantes da população.
A explicação não pode ser atribuída a desigualdades de competências,
mas, segundo os autores, ao fato de que algumas pessoas têm posição pri-
vilegiada em relação ao que conta hoje em uma economia globalizada:
capitais transnacionais. Enquanto os salários não conheceram mudanças

35
entre o fim da recessão de 1990-1991 e 1996, os mercados da bolsa conhe-
ceram uma alta vertiginosa no mesmo período.

O declínio da seguridade social

A segunda constatação diz respeito à proteção social. O declínio da parte


que se atribui ao trabalho na redistribuição da riqueza manifesta-se
igualmente pela diminuição dos diversos benefícios sociais. E nesse contexto
que dois economistas da Harvard, Bloom e Freeman (1997), demonstraram
em seu estudo que a porcentagem de empregados americanos cobertos por
um programa de aposentadoria por meio de uma empresa baixou de 75%,
em 1988, para 42%, em 1994, e de um seguro-saúde nos mesmos moldes de
57% para 45% no mesmo período. No campo da saúde e segurança no
trabalho, observa-se aumento dos dias perdidos por acidentes, embora se
observe no mesmo período redução sensível do número de trabalhadores
que ocupam postos de trabalho de alto risco nos últimos 20 anos. No
domínio fiscal, transfere-se para os assalariados o fardo essencial da
arrecadação em impostos diretos e indiretos, principalmente quando se
comparam as reduções substanciais de impostos concedidas aos detentores
de capitais no mesmo período. Após ter conhecido uma progressão dos pro-
gramas sociais, os Estados Unidos da América entraram em um período de
regressão social, um fenômeno que se observa em diversos graus em outros
países industrializados (Lipietz, 1996).

Um endividamento crescente

A terceira constatação diz respeito à taxa de endividamento das famílias.


Durante os últimos 20 anos, outra manifestação das dificuldades que fazem
parte do cotidiano da maior parte da população norte-americana é, de fato,
o aumento considerável de seu endividamento. Enquanto o peso da dívida
em relação à renda familiar era de 29,7%, em 1949, ele passou para 83,9%,

36
em 1994.
Esse endividamento está diretamente relacionado, de um lado, com a
facilidade em se obter crédito e, de outro lado, com a estagnação dos salá-
rios e a política monetária mantida há vários anos, principalmente em
matéria de taxas de juros reais, elevadas para hipotecas, empréstimos para
consumidores, cartões de crédito etc., reduzindo conseqüentemente a renda
familiar disponível, como sublinhou Thurow (1996, p. 301): "...com o
desenvolvimento e a grande facilidade de se obter um crédito hipotecário e
de consumo (em 1994, os empréstimos eqüivaliam a 107% da renda
disponível), qualquer pessoa pode ter qualquer coisa pagando depois mais do
que antes".
Como os assalariados tendem sobretudo a ser devedores, as políticas
econômicas permitiram transferir a riqueza para os detentores do capital,
isto é, os credores. Buscando manter seu nível de vida, a maior parte dos
norte-americanos foi então obrigada a endividar-se. Esse endividamento
pessoal conjugou-se com um endividamento coletivo, igualmente enorme,
em parte provocado pelas políticas econômicas conduzidas pelos governos
anteriores (Medoff e Harless, 1996). Esse fenômeno também se observa no
Canadá, onde a taxa de endividamento das famílias em relação a sua renda
disponível passou de 50%, em 1984, para perto de 100%, em 1997 (Dutrisac,
1997).

Reestruturações ineficazes

Outra constatação remete-nos aos resultados obtidos pelas reestru-


turações. Esse movimento conduzido em nome da eficácia não parece ter
contribuído muito para a melhoria da eficácia e da produtividade nas em-
presas. Numerosos estudos norte-americanos demonstram-no de modo
eloqüente. Um estudo da Associação Americana de Management sobre
reestruturações que ocorreram entre 1989 e 1995 demonstra que somente
um terço das empresas conheceu aumento da produtividade após tais tur-
bulências. Pesquisa realizada em 1991 por Ernest & Young e pela Fundação
Americana da Qualidade já caminhava para a mesma conclusão, ao lado de
37
outros estudos realizados no mesmo período. Quando se consideram os
efeitos das fusões e aquisições de empresas, obtém-se resultados análogos.
Segundo um estudo da Mercer e da Business Week, essas fusões e aquisições
conduziram a uma baixa de rendimento da ação na metade dos casos e um
rendimento marginal de um terço das empresas envolvidas, e as empresas
que não conheceram movimentos de fusões e de aquisições importantes
tiveram melhores resultados. Essas conclusões são similares em inúmeros
outros estudos. Por exemplo, uma pesquisa realizada por uma empresa de
experts de Cambridge identificou que nove entre dez empresas que obtive-
ram melhores resultados em sua indústria em um período de dez anos ti-
nham estruturas estáveis e não conheceram nenhuma mudança em sua
direção. Torna-se perfeitamente admissível, portanto, que Frederick
Reichheld (1996), apoiando-se em inúmeros estudos e observações práticas,
fale do efeito da lealdade na eficácia das organizações. Quando se sabe que a
metade das empresas norte-americanas perde a metade de seus assalariados
e a metade de seus investidores em quatro anos, a metade de seus clientes
em cinco anos e a metade de seus investidores em menos de um ano, pode-
se compreender melhor por que a infidelidade reduziria os resultados das
empresas de 25% a 50%.
A despeito de todos os discursos sobre as novas tecnologias da infor-
mação e sobre os resultados benéficos da reengenharía, a produtividade
também não progrediu. Esse fato o Prêmio Nobel de Economia, Robert
Solow, já tinha assinalado em 1989: "Podeis constatar a revolução da
informática por toda a parte, com uma exceção, nas estatísticas relacionadas
com a produtividade. " Nos Estados Unidos da América, os dados oficiais
federais mostram, de fato, que a produtividade horária anual aumentou 1,1%
entre o fim de 1993 e o fim de 1995 quando ela aumentou 2,9% entre 1950 e
1973 e que ela conheceu uma média secular de 2,2% a partir do fim da
guerra civil, isto é, mais do dobro do que se observa nos últimos anos deste
século.
Finalmente, o que se observa também é que, contrariamente ao discurso
oficial, as reestruturações não diminuíram a supervisão e o controle. Fontes

38
do secretariado do trabalho indicam que a proporção da população ativa em
tais atividades cresceu. E quando se adicionam os numerosos postos de
experts que substituem aqueles geralmente ocupados por executivos, não se
pode mesmo concluir por uma redução do número de postos de supervisão
e de controle.
Como escrevem Wolman e Colamosca (1997, p. 84):
"a lucratividade das empresas norte- americanas
certamente aumentou depois do fim da guerra fria não
porque as empresas tornaram-se mais eficazes, mas,
sobretudo, porque a ampliação da economia de mercado
para o mundo inteiro impediu os salários reais americanos
de aumentar... O crescimento da eficácia prometido por
todos os apóstolos da reengenharia e os advogados das
grandes fusões permanece invisível".

Uma economia cada vez mais dominada pelos imperativos da finança

Outra constatação, e não das menores, que podemos fazer sobre o plano
econômico diz respeito ao papel cada vez mais importante exercido pela
lógica financeira. No jogo econômico atual, o peso dos interesses financeiros
tornou-se considerável não somente pelo volume das atividades, mas
também pela parte que os serviços financeiros se atribuem sobre os lucros
realizados. Após um estudo realizado para o ano de 1987, um economista da
Harvard, Lawrence Summers, que se tornou depois Subsecretário do Tesouro
na administração Clinton, estimava que os serviços financeiros tinham
consumido 25% dos benefícios realizados pelas empresas inscritas na Bolsa
de New York. Pode-se razoavelmente pensar que essa porcentagem não
diminuiu durante os 10 últimos anos quando assistimos a um crescimento
sem precedentes dos mercados financeiros e a uma explosão das aplicações
em bolsa.

Conseqüências humanas muito visíveis


39
Em seu livro sobre blues de colarinhos brancos, Charles Heckscher
(1995), titular da cadeira de relações do trabalho de Rutgers, mostra muito
bem como os 250 gerentes que ele entrevistou e que tinham conservado seu
emprego no momento da reestruturação perderam, é claro, não só todo
sentimento de segurança, mas também a liberdade de experimentar novas
idéias. Outro dos efeitos dessas profundas transformações foi o de deteriorar
a coesão social. As pessoas tornam-se mais prudentes. Eles sentem
dificuldade em estabelecer relações informais e acordos espontâneos entre
colegas. Ou seja, a organização torna-se mais rígida e burocratiza-se. E não é
o novo discurso sobre a empresa virtual que lhes permitirá a recuperação da
segurança, considerando-se que esse discurso leva ao extremo a lógica atual
da segmentação e da flexibilidade. Nessa lógica, o tipo ideal é, de fato, uma
empresa cotada na bolsa, reduzida a poucos dirigentes que teriam por
função controlar os numerosos subcontratados encarregados de assumir
atualmente as atividades feitas anteriormente pela própria empresa. Em um
tal sistema de organização, é fácil compreender, a prioridade já não é o
emprego, mas a maximização da rentabilidade a curto prazo em um mercado
cada vez mais globalizado. A empresa confunde-se então com a gestão do
portfólio financeiro. Dois resultados dão-nos um belo exemplo dessa
estratégia. Em 1994, quando as grandes empresas norte-americanas cons-
tataram que seus benefícios tinham aumentado 40%, elas eliminaram
516.000 empregos. Em 1990, durante uma recessão, elas eliminaram apenas
316.000, isto é, 200.000 menos. "O paternalismo que caracterizava as
empresas norte-americanas no passado cedeu lugar a uma nova dinâmica
competitiva transnacional; as empresas norte-americanas tornaram-se
distanciadas afetivamente de seus empregados, mesmo dessa elite de
trabalhadores que elas valorizavam anteriormente." (Wolman e Colamosca,
1997, p. 129)
Essa situação observa-se também em outros países industrializados. De
fato, a recente decisão tomada, por exemplo, pela direção da empresa sueca
Electrolux de suprimir 12.000 empregos porque o acionista principal estava
insatisfeito com o rendimento financeiro - ele era de 9% quando o acionista
queria que ele atingisse 15% - ilustra bem que esse comportamento propaga-
40
se um pouco por todos os países (Lê Monde, 1997).
Pode-se então compreender que o nível de stress profissional aumenta,
que a confiança degrada-se, que o cinismo desenvolve-se, que a angústia
econômica estrangula cada vez mais as pessoas, que o sindicalismo retoma e
reformula sua posição e que as pessoas ligadas à economia de mercado e aos
princípios democráticos inquietam-se, a despeito de todos os discursos
triunfalistas sobre os contornos da situação atual, que pode ser resumida no
título de uma obra de Perret e Roustand, a economia marcha atualmente
contra a sociedade. Uma estatística tirada de Thurow (1996) dá-nos outra
ilustração. Enquanto no início dos anos 70, no governo da Califórnia, a
parcela da dotação de seu orçamento para prisões era de 3% e para o ensino
superior era de 12%, atualmente essa parcela é de 12% para as prisões e de
9% para o ensino superior.
A história do capitalismo ensina-nos de fato que, quando a lógica fi-
nanceira predomina sobre a lógica econômica, uma tendência observada
inúmeras vezes em sua história, as sociedades entram então em uma zona
perigosa, e mesmo em crises profundas, se nada é feito para se colocar um
fim nessas crises. Schumpeter e inúmeros outros autores estavam bem cons-
cientes dessa dinâmica autodestrutiva do capitalismo, no trecho citado por
Wolman e Colamosca (1997, p. 221): "O capitalismo criou um esquema de
pensamento racional que, após ter destruído a autoridade moral de um gran-
de número de instituições, retorna-se no fim contra si."
O período no qual vivemos parece corresponder inteiramente a essa
constatação. Se tal é o caso, que podemos fazer enquanto professores em
uma instituição de ensino de management? Essa questão é primordial para
nós, porque ela nos atinge duplamente. De uma parte, enquanto cidadão
interessado no presente e no futuro de nossa sociedade e, de outra parte,
enquanto produtores, difusores de conhecimentos sobre o assunto e forma-
dores dos gestores que vão colocar na prática as técnicas de management de
hoje e de amanhã. Quanto a nós, no último capítulo, insistiremos sobre a
necessidade da ampliação de nossa visão do ser humano e para que essa
antropologia geral crie raízes nas singularidades históricas e sociais.

41
Cap. 5
CIÊNCIAS SOCIAIS E MANAGEMENT NO SÉCULO XXI

"Qualquer que seja sua idade (ou seu sucesso), todas as Ciências
Humanas são 'encruzilhadas' ou, se se prefere, pontos de vista
diferentes sobre o mesmo conjunto de realidades sociais e
humanas."
(Fernand Braudel)

"...atrás de todo fato social existem história, tradição, linguagem


e hábitos culturais."
(Marcel Mauss)

Desde o início da Revolução Industrial até nossos dias, a concepção de


que o mundo da gestão se fez do ser humano permaneceu muito marcada,
na maioria das vezes, por esquemas do pensamento mecânicos, econômicos
e financeiros, principalmente sob o domínio dos engenheiros, dos eco-
nomistas e dos financistas. Mesmo que essa lacuna tenha sido destacada por
numerosos observadores, é indiscutível que os aspectos propriamente
humanos permaneceram com mais freqüência na sombra, e mesmo total-
mente esquecidos (J. F. Chanlat, 1990, 1992, 1994, 1996). Ainda recente-
mente, Michael Hammer, um dos apóstolos da reengenharia, que, como
vimos no Capítulo 3, foi sobretudo sinônimo de demissões em massa e de
péssimos resultados financeiros e operacionais, confessava publicamente
para um grupo de participantes, que tinham pago caro para escutá-lo, que
ele havia de fato dado pouca atenção às dimensões humanas em razão de
sua formação em engenharia e que havia descoberto depois que estas di-
mensões eram críticas. White (1996) Al, A13. Todas as pessoas e as organi-
zações que foram vítimas de seu método devem hoje apreciar sua franqueza!
Em face dos graves problemas que estamos afrontando (fragmentação
social, empobrecimento, precariedade, desemprego, exclusão, risco eco-

42
lógico etc.), problemas onde o management está inserido, a urgência em
ampliar nossos horizontes torna-se inadiável. Essa ampliação passa pela
reafirmação de um certo número de constatações sobre o que consiste a
especificidade da espécie humana e por uma contribuição mais ampla das
Ciências Humanas neste campo do conhecimento. Essa vontade de edificar
uma Antropologia ampliada não é nova na história das Ciências Humanas.
Somente no século XX, várias grandes figuras intelectuais de língua francesa
defenderam essa idéia. Em face do esmigalhamento do conhecimento,
parece-nos importante, como Mareei Mauss, Fernand Braudel, Georges
Gusdorf, Edgar Morin o fizeram em diferentes momentos deste século, par-
ticipar com outros da unificação das Ciências Sociais (Mauss, 1968; Braudel,
1967; Gusdorf, 1967; Morin, 1973; Caillé, 1993 e, entre os anglo-saxões,
Wallerstein, 1985). Uma tal unicidade do saber foi igualmente enfatizada nos
programas de formação em gestão tanto na América do Norte como na
Europa (Morgan, 1989; Collectif Dauphine, 1987; Enriquez, 1992; Brabet,
1995; Clegg, Hard e Nord, 1996; Dufour e Chanlat, 1985; Aktouf, 1989;
Chanlat, 1990; Pitcher, 1995; e Pauchant, 1996).
A Antropologia das Organizações para a qual convidamos cada um a
contribuir é uma Antropologia Adisciplinar. Ela quer ser uma síntese dos
conhecimentos fundamentais que temos sobre a humanidade ou, para falar
como Mareei Mauss, ela remete à "totalidade das ciências que consideram o
homem como ser vivo, consciente e sociável" (1968, p. 285). Uma tal
Antropologia repousa, de um lado, sobre certa abertura disciplinar e, de
outro, sobre o retorno de dimensões centrais freqüentemente esquecidas
pelo mundo da gestão.

A abertura disciplinar

Nenhum ramo do conhecimento pode cobrir todos os aspectos da exis-


tência humana. E por essa razão que existem várias disciplinas. Mas, fre-
qüentemente, o espírito disciplinário oculta os outros aspectos da realidade,
arrastando por esta via os vícios intelectuais bem conhecidos que são o

43
reducionismo e o imperialismo que reduzem todo esforço de compreensão
verdadeira. A Antropologia que insistimos em propor é resolutamente
pluridisciplinar. Baseado nas observações da historiadora das ciências
quebenquence Camille Limoges (1996), mas também em Stengers (1987), o
que nós reclamamos não é a erradicação de disciplinas, com objetos próprios
e métodos diferenciados, mas o reconhecimento do direito e mesmo do
dever de circular, a valorização do livre trânsito, o levantamento de barreiras
à associação com pessoas diferentes, sociólogos, economistas, psicólogos,
biologistas, filósofos, administradores e tantas outras disciplinas que
consideram o homem como ser vivo, consciente e sociável, resumindo, a
liberdade de estabelecer redes segundo sua vontade e interesse de
complementaridade. Entretanto, o que nós advogamos, principalmente, é
que as formações sob nossa responsabilidade tragam em menor escala a
marca de nossos interesses tão bem protegidos pela instituição
monodisciplinária e incitem em primeiro plano os esforços mais ampliados
do conhecimento. Sem dúvida, existe o desconforto em se reconhecer a
contingência das configurações da organização dos conhecimentos e os
limites da fecundidade da pesquisa multidisciplinar; existe a dificuldade em
ultrapassar a opacidade das linguagens e de se prevenir constantemente do
diletantismo. Mas quem disse que conforto e facilidade são condições de
conhecimento? Esta vontade de circulação precisa ser assumida como ponto
central do projeto de Ciências Humanas, projeto onde não se proíbe a
acumulação disciplinar de conhecimentos, mas que se define sobretudo pela
exigência da retomada reflexiva das experiências humanas e de suas
resultantes em multidimensionalidade.

Se todas as disciplinas são convocadas, cada uma deve estar bem cons-
ciente de que desvenda apenas uma parte da realidade estudada. É a razão
pela qual esta Antropologia geral só pode ser apenas complementarista se-
gundo Georges Devereux (1972). Por complementaridade entendemos, de
fato, que todo fenômeno estudado tem sempre várias explicações. Segundo
os aspectos que se estudam, psicológico, sociológico, econômico, adminis-
trativo etc., será valorizada uma série de elementos particulares. No entanto,

44
só levando em conta diferentes aspectos será permitido apreender a rea-
lidade estudada, como enfatiza Fernand Braudel: "qualquer que seja sua
idade (ou seu sucesso), todas as Ciências Humanas são 'encruzilhadas' ou, se
se prefere, pontos de vista diferentes sobre o mesmo conjunto de realidades
sociais e humanas" (p. 38).
Poder-se-á assim evitar conclusões apressadas, ressituando a comple-
xidade dos fenômenos observados.
Finalmente, a antropologia geral que propomos deseja encorajar o
nomadismo, a queda de fronteiras e a hibridação. A história das ciências em
geral e a das Ciências Humanas em particular são, certamente, marcadas por
pioneiros que, colocando novas questões, inventam disciplinas e traçam
novos territórios, mas elas são também movidas pelos franco-atiradores, os
indisciplinados que vão de um campo a outro, carregando em suas mochilas
novas idéias. Ora esses híbridos Dogon e Pahre (1991) estão nas origens da
maioria das inovações nas Ciências Sociais contemporâneas. "Sem a
contribuição de novas idéias vindas do exterior, sustenta o antropólogo
Turner, as especialidades que se isolam tornam-se moribundas." Os exemplos
dessa constatação são inúmeros. Em ciências, é um geógrafo, Braudel, que
revolucionou a história moderna. Herbert Simon em sua autobiografia insiste
em lembrar que essas lealdades tribais são fracas. "Eu sou um pesquisador
em Ciências Sociais, antes de ser um economista ou um psicólogo, e eu
espero ser um ser humano acima de toda outra coisa. "(1991, p. 366). Hayek,
Prêmio Nobel de Economia, estava da mesma forma convencido, ele não
hesitava em escrever que "ninguém pode ser um grande economista se ele é
apenas um economista" ou, ainda, "que um economista que é apenas um
economista tem todas as chances de se tornar prejudicial e mesmo perigoso"
(Dogon e Pahre, 1991). Os híbridos são, então, criadores que vêem de forma
diferente e inovam na periferia, nunca no centro, este último estando
sempre ocupado pelos guardiões da ortodoxia. Na escala social, eles são a
ilustração da teoria enunciada pelo Prêmio Nobel Ilia Prigogine, a das
estruturas dissipativas onde se constata que é na periferia da matéria que se
formam as novas estruturas e que é longe do equilíbrio que a complexidade

45
emerge (Prigogine, 1994). Desencorajar os pensamentos desviantes,
nômades e híbridos é, portanto, condenar-se à reprodução do idêntico e
condenar os sistemas sociais à estagnação e mesmo ao desaparecimento.
Entretanto, em nossos universos discretamente silenciosos, quantas vezes
não vemos a ortodoxia e o fechamento intelectual executar sua obra de
demolição ou de purificação acadêmica? Sempre que essas forças colocam-
se em movimento, elas reduzem na mesma dimensão o campo dos possíveis.
Elas transformam o universo da reflexão em um espaço político cujo único
objetivo é o de usufruir do poder e onde o pensamento verdadeiro
desaparece em benefício do que se chama atualmente o pensamento único.
Entretanto, em nossos dias, estamos de fato unidos com mais freqüência
pelo objeto que se estuda, o questionamento que é colocado, do que pela
disciplina stricto sensu. A abertura de fronteiras e o nomadismo de conceitos
estão cada vez mais inscritos em nossa experiência, o que confirma uma
pesquisa realizada recentemente no Estados Unidos da América ( The
Economist, 1997). A disciplina do management é naturalmente aberta a to-
dos os campos do conhecimento, como o demonstrou Richard Déry (1997),
sendo, neste contexto, um grande usuário das contribuições de outras dis-
ciplinas, prestando-se também a inúmeras releituras artesanais. A antro-
pologia geral que propomos inscreve-se bem nessa tradição.

O retorno de dimensões fundamentais

Em numerosas publicações em management, as dimensões humanas e


sociais são, como se diz atualmente, incontornáveis, mas a realidade da
prática oferece-nos outra imagem. A humanidade que se celebra é na maio-
ria das vezes uma humanidade amputada de algumas dessas dimensões
fundamentais. No agente calculador racional, emissor e receptor de men-
sagens, móvel e gestor de sua vida que nos descrevem as inúmeras publica-
ções em management, faltam, com efeito, muitas coisas sem as quais não
podemos considerar-nos plenamente humanos. As contribuições tanto em
Ciências Humanas como em Ciências Naturais confirmam-nos todos os dias.

46
Enquanto a gestão é um mundo que privilegia prioritariamente a ação, a
frieza, o conformismo, a masculinidade, a homogeneidade, a racionalidade
instrumental, a certeza e o universalismo abstrato e a tecnocracia são, com
freqüência, seu meio natural e a figura do tecnocrata brilhante, a imagem
mesmo do gestor eficaz, sabemos que a realidade concreta do management
é também e sobretudo cheia de paixões, de manobras de panelas, de desejos
inconfessáveis, de resultados incertos, de comportamentos desviantes, de
sociabilidade paralela, de inveja, de ciúmes, de diferenças e de criatividade
por vezes transbordantes (Enriquez, 1997). Ao mundo sério e racional das
obras e dos discursos do management opõe-se o mundo real e concreto do
vivido. Pode-se perguntar, então, porque o universo oficial da gestão deixa
tão pouco espaço a esses aspectos da condição humana?
Para além da vontade de organizar alguma coisa estável, tal situação
explica-se pelo medo de certo número de coisas que Enriquez (1997) soube
tão bem resumir: medo do disforme, medo das pulsões, medo do desconhe-
cido, medo dos outros, medo da palavra livre e medo do pensamento.
O mundo do management tem, com efeito, horror ao que é imprevisível,
espontâneo, agitado e que tem suas origens em um movimento social de
qualquer origem. Ele prefere nitidamente a ordem e a disciplina das
estruturas e dos papéis bem definidos. Se essa reação.é compreensível, dis-
forme não conduzindo a parte alguma, permanece o fato de que o medo de
toda e qualquer espontaneidade e de todo movimento social priva a gestão
de um elemento vital. Quantas técnicas desenvolvidas por especialistas das
Ciências Humanas tiveram por finalidade, a exemplo do Panopticon de
Bentham no século passado, de supervisionar e controlar os movimentos
desse gênero, a supervisão em vídeo que se desenvolve atualmente não é
somente em virtude de problema de segurança. O mundo do management é
igualmente refratário a tudo que é sentimento, emoção e afetividade. É o
famoso "não estou neste cargo para administrar sentimentos". Isso porque
sentimentos muito fortes entre empregados e colegas de trabalho podem
minar a eficácia em proveito da solidariedade. O mundo da gestão é igual-
mente um universo que dá pouco espaço à palavra espontânea e às idéias

47
inovadoras que solucionam problemas. Em numerosos locais de trabalho,
proíbe-se mesmo falar, porque, como cada um sabe, conversas são impro-
dutivas; o sonho e o imaginário são freqüentemente vistos também como
suscetíveis de ameaçar a ordem estabelecida. Mesmo quando, em alguns
casos, declara-se gostar dos indivíduos criadores, estes não devem afastar-se
muito da norma estabelecida sob pena de pagar preço elevado. De modo
geral, o mundo da gestão caracteriza-se por uma rejeição apoiada em refle-
xão. O prazer de pensar por pensar ou a faculdade de julgar as decisões de
modo não convencional são, freqüentemente, rejeitados em proveito de
pensamentos preconcebidos refletindo as últimas idéias em moda; cultura
reflexiva é arquivada na prateleira dos acessórios inúteis. O que é de ordem
na prática social torna-se natural e não pode ser discutido. O costume trans-
forma-se em necessidade e o conformismo reina por toda parte. Entretanto,
como escreveu Tocqueville, "o que se chama as instituições necessárias são
apenas as instituições com as quais estamos acostumados" (Enriquez, 1997,
p. 25).
Ensinar Ciências Sociais em uma instituição de formação em
management é estar no coração desta realidade. É, também, defender e
reafirmar o caráter socialmente construído de todos esses fenômenos. Em
um mundo que é, freqüentemente, cheio de certezas e de suficiência, tal
posição não é sempre fácil de ser mantida. Em numerosas instituições de
formação em management ocorre a redução da presença das Ciências Sociais
em proveito de disciplinas mais técnicas ou menos pertubadoras, ou mesmo
de práticas que se aproximam mais da magia do que outra coisa (Amado e
Deumie, 1990; Gendron, 1997). Neste momento, as contribuições das
Ciências Humanas passam pela afirmação de algumas dimensões.

O retorno do ator e do sujeito

Nas Ciências Sociais contemporâneas, observa-se nos últimos anos o


retorno do ator e do sujeito. Até o presente, esse movimento não tocou o
mundo da gestão de forma marginal. Absorvido entre a noção econômica do

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agente e a realidade das estruturas, da tecnologia e do ambiente próximo, o
mundo da gestão deixou pouco lugar para estas duas noções essenciais.
Quando por acaso ele lhe concede um espaço, fala mais de ação que de
subjetividade, restrita ao quadro dirigente na maioria das vezes. É impor-
tante lembrar aqui que toda pessoa é um ator e que a realidade das organi-
zações se produz, se reproduz e se transforma por meio da interação dos di-
ferentes grupos e indivíduos que as compõem, compreendendo também
aqueles e aquelas que estão no nível inferior da hierarquia (Crozier e
Friedberg, 1977; Sainsaulieu, 1997; Amblard, Bernoux, Herreros e Livian,
1995). Assim, o saber autêntico é sempre acompanhado do poder de dizer
"eu acho, eu penso". O sujeito está ao lado da imaginação, da criação, da
crítica e da reflexão sobre si mesmo. Ele participa da transformação do
mundo, ele é criador da história mesmo tendo consciência de sua fragilidade.
Logo, ele se opõe ao indivíduo hipernormal, definido pela psicanalista Joyce
McDougall, que respeita todas as regras e não as transgride jamais, mesmo
em imaginação ou, ainda, ao tecnocrata manipulador que é possuído pelo
fantasma do domínio total dos homens e das coisas, que transforma as
relações humanas em relações de objetos e vê o mundo de um ponto de
vista estritamente econômico. Essa subjetividade em ação, signo da huma-
nidade, está por outro lado estreitamente interligada à existência de um
outro sem o qual nós não seríamos nada, o que nos mostra ainda uma vez
mais que não existe individualização sem socialização e que a ligação social é
antes de tudo uma ligação afetiva (Todorov, 1995).

O retorno da afetividade

A dimensão afetiva é central no desenvolvimento de todo ser humano


assim como na formação de um grupo. Pudemos constatar uma expressão
extraordinária com o desaparecimento da princesa de Gales. Em
management, essa dimensão é, como vimos, a maior parte do tempo
substituída em proveito de um discurso racional. Essa separação entre a
razão e as paixões, herdeira do pensamento cartesiano é não só colocada em
questão por nossa experiência cotidiana, mas também por numerosos
49
trabalhos contemporâneos em Neurobiologia e em Ciências Sociais. Em uma
obra particularmente estimulante, Antônio Damasio (1995, p. 9) sustenta a
partir de determinado número de pesquisa sobre o sujeito que "a capacidade
de exprimir e de ressentir emoções é indispensável ao desenvolvimento dos
comportamentos racionais e, quando ela intervém, ela exerce o papel de nos
indicar a boa direção, de nos colocar no bom lugar no espaço onde exerce a
tomada de decisão, em um lugar onde nós podemos colocar em ação
corretamente os princípios da lógica". Dizendo de outro modo, o autor de
Eerreur de Descartes sustenta a idéia de que a incapacidade de exprimir e de
ressentir emoções pode-se revelar tão problemática para a racionalidade
quanto seu contrário, o carregado de emoções.
A questão da subjetividade é igualmente abordada em Ciências Sociais,
principalmente por pesquisadores inspirados pela Psicanálise e a Psicologia
existencial (Laing, 1974; Enriquez, 1983). Seus trabalhos nos lembram que a
construção de si é sempre a resultante de relações afetivas e que esta
história vai determinar em grande parte as relações que teremos mais tarde
com os outros. Somos todos, então, o produto de relações sociais, historica-
mente situadas, que vão condicionar nossas relações com o outro e
contribuir para a construção de nossa identidade. Se essa relação com o
outro está na origem de nosso ser, a afetividade que é nela uma
manifestação essencial condiciona a qualidade da vida em um grupo. O
mundo da gestão que a esquece com freqüência ganharia muito ao levá-la
em consideração, porque esse fato condiciona em grande parte a dinâmica
coletiva e, por conseqüência, a qualidade do trabalho efetuado. Isso porque
essa relação com o outro coloca em jogo um elemento-chave da existência
humana, o reconhecimento sem o qual não existe nenhuma vida comum
(Todorov, 1995). O mundo da gestão constitui um desses teatros onde se
exprimem essa afetividade e esse reconhecimento. Sem eles, os universos
sociais constituem então desertos afetivos onde a construção da relação
torna-se difícil; como demonstra Reichheld (1996) sobre o efeito da lealdade,
as empresas não escapam a esta lei do viver em comum.

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O retorno da experiência vivida

A existência humana é por definição uma experiência, isto é, um reen-


contro entre o espírito e a realidade exterior por meio dos sentidos. Mobili-
zando todos os aspectos de nosso ser, a experiência encontra-se no cerne da
condição humana. Tomada nesse sentido, ela engloba ao mesmo tempo o
conhecimento que se tem de uma atividade e o modo como a pessoa a vê.
Em management, fala-se muito da primeira e pouco da segunda. Essa au-
sência da experiência vivida está ligada ao lugar que ocupam os elementos
prescritos, formais e abstratos no discurso em gestão. O management prefe-
re tornar públicos princípios de eficácia que se impõem a todo mundo. De
Taylor à reengenharia, numerosas foram as tentativas deste gênero. Ora,
assentadas como estão sobre suas certezas, todas essas concepções rejeitam
mais ou menos a experiência vivida de forma concreta. Cabe às Ciências
Sociais com seu conhecimento da prática, em particular as ciências do tra-
balho, o fato de terem colocado em evidência o distanciamento entre o que
é concebido e que é vivido cotidianamente. O exemplo desenvolvido por
Villette (1996, 1998) a propósito do "engenheiro das motivações" ilustra bem
a utopia tecnocrática que é encontrada com freqüência nas empresas.
Acrescente-se, também, os estudos em sociologia do trabalho, em
ergonomia, em psicodinâmica do trabalho, e em antropologia industrial
(Terssac, 1992; Daniellou, 1996; Clot, 1995; Dejours, 1990,1993; Reynaud,
1989; Bouchard, 1990; Guigo, 1994).

Nenhuma descrição de tarefas, nenhuma instrução de serviço e ne-


nhuma exigência formal não será jamais capaz de englobar totalmente a
realidade de um trabalho ou de uma atividade na prática cotidiana. O que é
pensado com freqüência nos gabinetes de especialistas, executivos ou di-
rigentes é sempre recomposto mais ou menos pelas pessoas que executam
as tarefas. Porque a realidade do trabalho é sempre mais ou menos movedi-
ça, incerta e mesmo totalmente imprevisível. A tomada em consideração da
experiência vivida é, portanto, indispensável ao bom funcionamento de uma
organização. É fazendo apelo a sua experiência prática, o que os gregos

51
denominavam metis, que as pessoas que trabalham reduzem a distância
entre o prescrito e o real, o concebido e o vivenciado e desta forma permi-
tem à organização funcionar. Ao contrário, quando o management não re-
conhece essa experiência, o stress e o sofrimento passam a fazer parte do
cotidiano (Karasek e Theorell, 1990; Dejours, 1993; Carpentier-Roy, 1995;
Chanlat, 1996). É, de fato, difícil executar uma tarefa segundo as exigências
prescritas quando estas revelam-se impossíveis de satisfazer na realidade. A
tomada em consideração da experiência vivida é essencial não só ao êxito
das operações, mas também à saúde física e mental daquelas e daqueles que
trabalham. A reintrodução da experiência vivida participa assim a
humanização dos modelos de gestão que, como virtros, com muita fre-
qüência - a reengenharia sendo um dos exemplos recentes - inclina
sobretudo para o lado da normatividade e da universalidade abstrata.
Coloca-se também nesse contexto a questão da singularidade.
O conhecimento das práticas a partir da observação vivenciada e me-
diante o que dizem os principais atores, revela-nos cada vez mais particula-
ridades importantes na compreensão dos meios estudados. Ora, sobre a
dominação crescente de modelos universalizantes, o mundo da gestão tem
tendência a apagar essas diferenças constitutivas de identidades próprias. O
managerialismo, que já mencionamos, inscreve-se exatamente neste pro-
cesso de abolição das singularidades. De fato, quando se percebe o vocabu-
lário da empresa privada amplamente utilizado em outras esferas, pode-se
então questionar a natureza distintiva dessas atividades. A universidade e o
sistema hospitalar são dois exemplos, entre outros, onde se pode observar
essa confusão de gêneros. Entre nós, é cada vez mais freqüente ouvir falar
de clientes para se designar os estudantes e de produtos para os programas
de curso prático repertoriados nos últimos boletins da Association
Universitaire Cannadienne (Guéricolas, 1997; Roma in ville, 1997). Esses dois
termos remetem a uma realidade bem precisa, a realidade de mercado. Ora,
sabemos todos que a universidade não é uma empresa e que a relação
que deve unir os estudantes e os professores não tem nada a ver com essa
visão comercial, sob o risco de transformar radicalmente a identidade de
nossas instituições e, logo, de abandonar definitivamente essa denominação.
52
O mesmo fato ocorre no setor hospitalar onde o cliente tomou o lugar do
paciente. Julgando-se mediante os inúmeros artigos críticos aparecidos
recentemente, essa mudança de vocabulário não parece ter sido sinônimo
de melhoria para os referidos clientes. Ao contrário, o vocabulário tecno-
crático da empresa, infiltrando-se em um mundo onde ele era estrangeiro,
provocou profunda desestruturação dessas instituições. A natureza singular
de cada uma delas foi, na maior parte dos casos, negada em proveito de
noções abstratas e contábeis.
Essa ausência de compreensão das particularidades organizacionais é
igualmente observável no mundo industrial. Quantas reestruturações foram
efetuadas sem se levarem em conta as particularidades de cada um?
Dominado na maior parte do tempo por esquemas universalizantes, o
mundo da gestão, durante os últimos anos, destruiu, como o demonstram os
dados dos Estados Unidos, muitas organizações. O retorno da experiência e
das singularidades é um meio de lutar contra essa tendência tão perniciosa
tanto para a empresa como para as pessoas que aí trabalham. Desse ponto
de vista, as Ciências Sociais, principalmente as que pesquisam sobre a prá-
tica, têm um papel importante a exercer na tomada em consideração da
experiência vivida nos diferentes níveis da gestão operacional da empresa
(Le Goff, 1996; Brabet, 1995; Galambaud, 1996). Eles constituem um pri-
meiro antídoto aos fantasmas tecnocráticos.

O retorno do simbólico

Como todo universo social, o mundo da empresa é igualmente um


mundo de signos, um espaço onde as diferentes linguagens se entrechocam,
um teatro onde se passam comédias, tragédias e dramas, uma realidade
mais ou menos imaginária, um universo de onde saem significações
múltiplas que dão um sentido às diversas ações. Contudo, lá, ainda, em
nome da racionalidade e da eficácia, essa realidade é, na maior parte do
tempo, ocultada ou reduzida, com freqüência, a slogans vazios de sentido. O
mundo da gestão, porém, tem todo interesse em dar um espaço maior às

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disciplinas que fazem dos signos e sentidos seu principal objeto de estudo: a
psicanálise, as ciências da linguagem, a semiologia, a antropologia, a
sociologia etc., porque são elas que são as mais indicadas para apreendê-los.
Assim fazendo, o management romperia com a concepção essencialmente
instrumental e de informação que predomina ainda hoje, e renovaria a ques-
tão do sentido, que, como cada um sabe, está no cerne mesmo da existência
(Pauchant, 1995).
Todos os dias, somos testemunhas dessa irrupção do simbólico em
nossas vidas e dos efeitos às vezes desastrosos que algumas decisões insen-
síveis a essa dimensão provocam. Tomemos como exemplo o desapareci-
mento do nome Patrick Allen da nova biblioteca da École dês Hautes Etudes
Commerciales (HEC). Como se sabe, esse fato foi profundamente ressentido
pela comunidade HEC como um erro grosseiro e uma renúncia à memória
daqueles que fizeram sua história.
Existem símbolos mais fortes que outros e essa mudança de nome, para
a maioria dentre nós, não deveria nunca ter existido. Ele dizia respeito
justamente a uma pessoa que contribuiu para a existência dessa biblioteca
com a qual somos tão orgulhosos hoje. Pode-se mesmo afirmar que a venda
de salas a empresas, do modo como está sendo feita hoje, provoca um mal-
estar profundo no corpo de professores. Dando seu nome à biblioteca no
antigo imóvel, reconhecia-se o trabalho completo de seu idealizador; reti-
rando-o do novo edifício, cometiam-se duas injustiças, uma em relação a sua
pessoa, outra em relação a nossa história. Envia-se, ao mesmo tempo, uma
mensagem carregada de sentido para toda a comunidade: o dinheiro vivo
tinha mais valor que o trabalho acabado por aqueles e aquelas que
contribuíram para fazer da HEC o que ela é hoje.

O retorno da história

A história é outro dado fundamental da existência dos indivíduos ou das


sociedades. No entanto, como acabamos de ver, essa dimensão é fre-
qüentemente, também, esquecida nas organizações modernas. A História, é

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claro a cronologia, é também a oposição passado-presente, sempre
socialmente construída. São os ritmos que marcam as sociedades e os
diferentes tempos sociais e pessoais. Se a consciência histórica é uma
característica de nossas sociedades desde a Antigüidade, é verdade também
que esta consciência é mais ou menos afirmada segundo as épocas (Le Goff,
1988).
Se a história impregna todos os aspectos da vida social, é preciso reco-
nhecer que a dimensão histórica não está geralmente no centro das
preocupações dos gestores. Submergidos pela ação imediata e orientados
pelo curto prazo, eles têm tendência a eliminar a memória e a duração em
proveito do imediato e de horizontes cada vez mais curtos. No ensino da ges-
tão, a parte da história é igualmente muito fraca, pois raros são os progra-
mas de curso que lhe conferem um espaço. Essa lacuna na formação con-
juga-se em nossos dias com uma consciência histórica muito tênue, princi-
palmente na América do Norte. Nossas sociedades, tendo evacuado a histó-
ria , tanto em seu aspecto cultural quanto em relação a seu funcionamento,
não é raro hoje encontrar jovens cujo horizonte histórico se reduz a sua
própria história. A dominação do imediato, a destruição de vestígios passa-
dos e a pobreza do ensino de história conjugam-se para se chegar a uma tal
constatação. Hoje, pode-se mesmo indagar, como escreveu Castoriadis
(1996, p. 23) se "objeto de saber para alguns, de curiosidades turística ou de
hobby para outros, o passado não é fonte nem raiz para ninguém". Ora,
sabemos todos mais ou menos confusamente que o peso do passado pesa
sobre o presente e o futuro e que não há experiências sem raízes no
passado. Contrariamente ao que pensavam os animadores da revolução
cultural chinesa, não existe experiência zero nem tabula rasa, Eles não leram
ou mal compreenderam Marx (1984)

"Os homens fazem sua própria história, mas eles não a fazem de sua
própria iniciativa, nem das condições escolhidas por eles mesmos, mas,
sim, nas condições que eles encontram diretamente, e que lhes são da-
das e transmitidas."

55
Dizendo de outra forma, aqueles e aquelas que querem transformar o
mundo o modificam sempre a partir de estruturas existentes que incorporam
a experiência do passado.
A história é igualmente constitutiva da identidade dos indivíduos e das
sociedades, uma das maiores razões de sua importância. Bloquear sua his-
tória é esquecer quem se é e de onde se vem. Quando um reitor considera
que as universidades devem se inspirar nas técnicas de Wal-Mart, existem
grandes chances de que esta pessoa esqueceu a identidade secular da insti-
tuição que ele dirige; logo, tornou-se indigno de dirigir seu destino.
Porque se está inscrito na missão das universidades ser um lugar de
consciência histórica, parece impensável atribuir plenos poderes a pessoas
sem cultura, a menos que se queira que as universidades se transformem
em lugares, elas também, sem história e, portanto, desapareçam
definitivamente enquanto instituição de elevado saber (Gusdorf, 1964;
Bloom e Freitag, 1995). O momento de reestruturações massivas que se
conhece, conduzidas por muitos amnésicos, é mais do que tempo de
lembrar a importância da história por toda a parte onde possamos fazê-lo.
Trata-se não somente de um antídoto possível às derivas atuais do ativismo
deslavado, mas também de uma possibilidade de reencrustar nossa
experiência prolongada, como nos lembra com ênfase a obra de Fernand
Braudel (1969). Trata-se, de certo modo, de um dever de memória.

O retorno da ética

"Não é somente a relação entre a ética e a economia que mais do que


em qualquer outro tempo tornou-se problemática, é hoje igualmente o
sentido mesmo que se dá à ética que deixou de ter um sentido em si
mesmo" (Ladrière e Gruson, 1992, p. 21).

É por essa frase que se inicia a obra dos dois intelectuais franceses
consagrados à ética. Eles colocavam a importância da questão ética e as
dificuldades de apreendê-la em nossos dias.

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Que se entende exatamente por ética? A ética é, segundo a acepção
filosófica, a disciplina que busca interrogar as regras de conduta constitutivas
da moral (Russ, 1994). Ela é anterior a esta no sentido de estar em sua
fundação querendo interrogar os fundamentos ocultos de nossas obrigações.
A ética está, portanto, presente em todas as ações. Ela é uma manifes-
tação da liberdade, porque está estreitamente relacionada com a vontade de
não submeter-se aos determinismos naturais e sociais. Ela é igualmente
vivida em interação, porque é no reconhecimento do outro que a ação ética
existe realmente. Entretanto, a ética não está presente unicamente na rela-
ção interpessoal imediata. Ela está também presente na relação com os
ausentes por meio da constituição de regras, estas últimas sendo, sempre, o
fruto de escolhas éticas anteriores.
A reflexão ética toca então o essencial. Ela está no centro da relação e a
torna efetiva. Ela está, de fato, na base do que se chama a sabedoria de vida
e a civilidade (Pharo, 1991). Ela está igualmente no fundamento da
confiança, porque esta é originária do respeito da promessa (Dejours, 1995).
Questionando os valores que subentendem as ações em nome de
princípios fundamentais, a ética não constitui unicamente uma meta moral;
ela está igualmente no cerne da política, pois não se pode mesmo afirmar
que a política sobreponha-se à ética como insiste Castoriadis (1996). A ética
não pode, assim, ser confundida com a deontologia. Essa última reúne essen-
cialmente regras de conduta práticas que podem ser questionadas justa-
mente pela ética. Em conseqüência, a ética profissional é apenas uma ética
aplicada.
O que pode nos trazer esse tipo de reflexão em um mundo que está, com
freqüência, nos antípodas deste questionamento? O historiador Alain
Cottereau (1996) lembra como, do ponto de vista kantiano a gestão e a ética
são antinômicas. A ética pertencendo ao domínio dos fins e tendo os homens
como fins em si, e a gestão, pertencendo ao domínio dos meios e
considerando os humanos como recursos. De fato, o universo da empresa é o
lugar onde a racionalidade técnica ou instrumental triunfou. O problema dos
fins é, na maioria das vezes, inteiramente subordinado à questão dos meios.

57
Em outros termos, o como sobrepõe-se facilmente sobre o porquê e o para
quem. Aliás, H. Simon (1960), um dos pais da ciência administrativa moderna,
não hesitava em escrever que não havia lugar para afirmações éticas em uma
disciplina como a administração. Contudo, essa separação levanta também
muitos problemas. Essa é a razão pela qual o universo da gestão se interessa
cada vez mais pela ética. No momento em que as sociedades se fragmentam,
em que as ameaças sobre nossa preservação ambiental tornam-se claras e
estamos em crescente mercantilização dos homens e das coisas, é, de fato,
mais que tempo de reintroduzir um certo número de questões morais
(Etzioni, 1988). Esse questionamento está como apresentamos no início,
estreitamente relacionado com a reflexão em Ciências Sociais. Não podendo
tratar aqui de todos os aspectos, nós nos contentaremos em sublinhar a
contribuição de dois tipos de questionamento: o primeiro diz respeito à
noção de responsabilidade e o segundo à noção de comunicação.
A ética da responsabilidade foi desenvolvida por Max Weber. Ela reme-
te-nos às conseqüências que nossa ação pode ter sobre os outros e à refle-
xão que a precede. Logo, uma pessoa responsável procura antecipar-se, na
medida de seus meios, às conseqüências que seus atos terão sobre o outro.
Um tal posicionamento é muito exigente, principalmente em um contexto
em que não se compreende ou não se controla tudo, mas ele é essencial
para a sobrevivência da vida coletiva. Concluindo, as preocupações sociais
não podem ser escamoteadas sem correr grandes riscos a longo prazo. Para
as organizações, e principalmente para as empresas, essa ética da respon-
sabilidade tem duas conseqüências: a primeira diz respeito à responsabili-
dade social e a segunda envolve a responsabilidade em relação à natureza, o
que alguns autores chamam de contrato natural ou princípio de respon-
sabilidade.
Por uma empresa, como por toda organização, ser socialmente res-
ponsável é avaliar os efeitos de suas ações sobre a comunidade próxima. É
agir enquanto "cidadã", isto é, no respeito às regras instituídas pela socie-
dade. Schnapper (1997) sustentou com razão que a noção de empresa cidadã
era problemática, por isso utilizo aqui esta expressão entre aspas. É

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preocupar-se, além disso, com o nível de conseqüências deletérias de seus
atos ou produtos que fabrica. É possuir uma preocupação aguda de coesão e
da solidariedade social (Baum, 1996; Petrella, 1996). É preocupar-se com
todos os que tenham direito e não apenas com os acionistas. Resumindo, a
recusa em ganhar fazendo perder toda a sociedade. Em relação à preserva-
ção ambiental, é preocupar-se com os efeitos de suas atividades produtivas
sobre o equilíbrio ecológico a fim de assegurar que se legará um planeta
onde se possa viver para as futuras gerações.
Atualmente, temos numerosos desafios a superar. Os dois mais impor-
tantes acabam de ser mencionados. Eles só poderão ser superados se to-
marmos plena consciência do engajamento profundo que deve ser mobili-
zado. Neste duplo esforço de revisão do enquadramento do econômico no
social e de preservação da natureza que nos envolve, a reflexão ética deve
ser discutida e compartilhada. Para fazê-lo, como sugere Habermas (1972;
1987) é preciso dedicar à comunicação todo o espaço que ela merece. É, de
fato, pela troca e a discussão entre seres humanos autônomos e capazes de
raciocinar que nós poderemos editar normas que serão aceitas por todos
sem constrangimentos. De certo modo, retomamos, assim, o ideal demo-
crático que é constitutivo do projeto ocidental desde a Grécia Antiga
(Castoriadis, 1996). As empresas, como as outras instituições, não poderão
subtrair-se desse tipo de posicionamento por muito tempo, tal é o sentido da
obra publicada pelo centro francês de jovens dirigentes de empresas em
1995.
Apoiando-se em uma dinâmica renovada internamente, eles contri-
buirão em uma escala macroscópica para salvaguardar, de uma parte, o
equilíbrio social indispensável à paz civil e, de outra parte, o equilíbrio ecoló-
gico que é essencial a nossa sobrevivência enquanto espécie. Nesse campo, o
management tem importantes responsabilidades e aqueles e aquelas que
ensinam igualmente. As Ciências Sociais, enquanto ciências reflexivas, não
poderão, elas também, escapar a suas responsabilidades. Elas deverão se
distanciar de suas tendências operacionais históricas a fim de responder às
questões que nossas sociedades nos colocam. A antropologia ampliada e

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singular que nós defendemos com ênfase no mundo do management é, es-
peramos, um passo nessa direção.

CONCLUSÃO

Desejamos finalizar este livro com três citações: a primeira é do Bertholt


Brecht, retirada do prólogo da peça L' exception et Ia règle; a segunda é de
Ilia Prigogine, Prêmio Nobel de Química; e a terceira é de Fernand Braudel,
uma das grandes figuras das Ciências Sociais deste século.

Nós vos trazemos


A história de uma viagem.
A expedição conta com um mercador e dois subalternos.
Olhai atentamente como eles se comportam:
Sob o cotidiano, descobri vós o inexplicável.
Atrás da regra consagrada, reconheci distintamente o absurdo.
Desconfiai do menor gesto, seja ele simples em aparência.
Não aceiteis como tal o costume recebido,
Buscai nele a necessidade.
Nós vos pedimos insistentemente, não digais jamais: "É natural"
Em face dos acontecimentos de cada dia.
Em uma época em que reina a confusão, em que corre o sangue,
Em que se ordena a desordem,
Em que o arbitrário tem força de lei.
Em que a humanidade se desumaniza...
Não digais jamais: "É natural" A fim de que nada se passe como imutável.
(Bertholt Brecht - Prólogo da peça L' exception et Ia règle)

Existe hoje, no fim do século, escreveu Prigogine, como que uma


necessidade de se encontrar a unidade perdida. A unidade perdida, não
obstante de todos os sucessos da ciência e de todas suas grandes
contribuições para a civilização. Hoje, penso que um dos objetos da ciência
é encontrar essa unidade. A ciência de hoje deve buscar esta via estreita,
encontrar um caminho entre dois extremos, ambos alienantes. Um é um
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mundo determinista, que nos torna estrangeiros ao mundo que
descrevemos, e o outro é um mundo aleatório, que tornaria toda previsão
impossível. Dessa perspectiva, existem muitos futuros, o futuro não é dado,
o futuro está implicado no presente.
(Prigogine, 1997, p. 44)

Um humanismo, escreve Braudel, é um modo de esperar, de querer


que os homens sejam fraternos e que as civilizações, cada uma por sua
própria conta, e todas no conjunto, se salvem e nos salvem. É aceitar, é
desejar que as portas do presente se abram largamente sobre o futuro,
além das falências, dos declínios, das catástrofes que predizem estranhos
profetas... O presente não pode ser esta linha de paralisação que todos os
séculos, carregados eternamente de tragédias, vêem diante de si como um
obstáculo, mas que as esperanças dos homens não cessem, desde que
existem homens, de superar...
(Braudel, 1969, p. 314)

Cada uma dessas citações, que associam três mundos geralmente se-
parados, a Literatura, a Ciência e a Ciência Social, resume bem o sentido
que eu quis dar a meu propósito na aula inaugural em agosto de 1998 e ao
papel que deve exercer o intelectual na sociedade de gestores na qual vive-
mos: crítico, lúcido e portador de esperança. Às vésperas do século XXI, em
um mundo que tem bastante necessidade, essa postura nos parece indis-
pensável para poder sonhar com um mundo melhor, isto é, uma democra-
cia que saberá conjugar a autonomia individual e coletiva e o bem comum.
Castoriadis (1996, p. 162) nos lembra que "em sua verdadeira significação,
a democracia consiste em que a sociedade não se imobiliza em uma con-
cepção do que é o justo, o legal ou o livre, válida para sempre, mas se con-
solida de tal modo que as questões da liberdade, da justiça, da eqüidade e
da legalidade possam sempre ser revistas em um contexto de
funcionamento 'normal' da sociedade (...) uma sociedade é autônoma não
somente se ela sabe que faz suas leis, mas se está apta a colocá-las
explicitamente em causa".

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