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ARTIGO/ LACRÈME 67

Educando crianças –
para quê?
por Roberta Ecleide Kelly*

Nascemos sem estratégias, desamparado, dependendo de outros hu- liberdade das crianças. Ser livre é ser responsável pelos atos e felicitar-se com
manos integralmente. A humanidade chega ao bebê por volta dos 03 meses, a capacidade de assumi-los. As crianças não são livres. Como, então, podem
ocasião do sorriso social – gesto de reconhecimento que atrai o cuidador para ser perenemente felizes?
uma ação específica de permanência e alívio da tensão de existir sem instinto. A tolerância (à frustração) é aprendida na delicadeza das proibições, na
A falta de natureza impõe-nos sermos feitos pelos outros. E esta “feitura” aspereza dos limites. Sem ela, não suportamos a dor (física, das perdas, da
exige que a transmissão de cada detalhe se faça minuciosamente, miudinha- saudade) nem a dificuldade (infelizmente onipresente) da convivência. É da to-
mente, a cada traço cotidiano: educação. lerância cotidiana de nossos defeitos e achaques que podem brotar a flor da
É preciso, pois, educar as crianças. paciência, o fruto da aceitação.
Nossos tempos (pós) modernos são infelizes ao tentar nos desobrigar des- Para quê educar as crianças? Para dar-lhes a chance de aprenderem o
ta tarefa – essencial para todos –, ao dizer: “não precisa! Espera que depois quanto antes a difícil arte de conviver na dificuldade. Não se aprende a conviver
aprende!”. Educar é necessário, não é fácil e nem pode sê-lo. melhor no passar das décadas. Aprende-se que é difícil, mas, com tolerância
Pior: é chato – dizer não, redizê-lo, tirar daqui e dali, re-tirar, orientar, e paciência, vem a aceitação da dificuldade e do valor de se ficar junto, sim-
repetir! Educar é ensinar o que deve ser feito para ter tempo e espaço de fazer plesmente isso.
o que se quer e gosta, e arcar com as conseqüências do feito. Aprendemos, ao educar as crianças, que ficar junto é bom quando esta-
Educar crianças é a tarefa mais importante da humanidade e não pode ser mos em função dos outros – de todos nós, por todos e cada um. Educar é uma
banalizada por ditames apressados – “criança é tudo de bom!”. Nem sempre é ocupação, uma ação que nos ocupa, diverte e compromete.
bom ser criança. O bom (que o adulto vê) está na inconseqüência, na presumida

*Roberta Ecleide Kelly é psicanalista, doutora em psicologia clínica,


pós-doutora em filosofia da eduação, consultora do Centro Educacional
Primeiro Espaço, coordenadora do NEPE (Núcleo de Psicanálise).

Informações sobre o NEPE com Roberta ou Fernanda,


às quartas-feiras, das 13hs às 18hs, pelo tel.: 35 3721 4469

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