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11m RESENHAS

de Uzawa Hirofumi (1928); dos valores sociais e cres- Valendo-se da interpretação de Hegel feita por Ale-
cimento industrial de Murakami Yasusuke (1931); da xandre Kojeve, Fukuyama defende a tese de que a hu-
sociedade formada por redes de informações de lmai manidade chegou ao ponto final de sua evolução
Kenichi (1931); e, finalmente, da tecnologia e o pensa- ideológica com o triunfo da democracia liberal sobre
mento econômico de Sawa Takamitsu (1942). o fascismo e, mais contemporaneamente, sobre o co-
Antes de terminar esta resenha, que a quantidade e munismo. Vitorioso na Europa e, agora, em expansão
importância dos assuntos e autores relatados por si só pela Ásia (Japão, Coréia do Sul, Taiwan), este regime
justificam a leitura do livro por todos os estudiosos se estenderá, mais cedo ou mais tarde, a todos os po-
do Japão, especialmente os das áreas de Economia e vos civilizados, após a eliminação dos resíduos de
Administração e os de Ciências Políticas e Sociologia, passado histórico, localizados nas regiões subdesen-
resta-nos sugerir à editora Routledge, que já publicou volvidas do Terceiro Mundo: nacionalismos e funda-
a história econômica da Austrália, da Suécia e do mentalismos impregnados de toxinas ideológicas e
Canadá; a publicação da história econômica do Brasil. tensões étnico-políticas. Mais do que propriamente
É óbvio que a publicação de tal obra só pode ser término dos conflitos ou mudanças circunstanciais, o
realizada após sua produção e, assim sendo, resta-nos fim da história representa, na realidade, o esgotamen-
o seguinte questionamento: é a história econômica to de qualquer possibilidade alternativa para o capita-
brasileira pouco interessante que não merece ser lismo e suas manifestações democrático-liberais.
estudada ou são nossos cientistas sociais pouco Obviamente a finitude da história humana tem cus-
interessados que não estão preocupados com nossa tos: ideais heróicos dissipados na monotonia rotineira
história econômica? [J de comprar, consumir e votar, a arte e a filosofia defi-
nhadas e a imaginação política e moral substituídas
pela razão pragmática dos cálculos técnicos. Mas, em
compensação, estão abertos, em definitivo, os hori-
zontes ilimitados de desenvolvimento econômico.
Por se tratar de uma variante otimista e claramente
política do discurso filosófico do fim da história, cuja
tradição remonta ao final do século XVIII, a concep-
ção de Fukuyama ganhou ampla difusão na mídia,
numa estratégia de marketing, que o transformou num
dos mais divulgados ideólogos neoconservadores da
atualidade.
Mas a controvérsia pública gerada pela idéias de
Fukuyarna seguiu de perto a amplitude de sua divul-
gação: por motivos diversos, sociais-democratas, co-
munistas e mesmo alguns liberais e conservadores
criticaram e rejeitaram suas teses. No âmbito da es-
querda destacou-se, particularmente, Perry Ander-
son, antigo editor da prestigiada New Left Review, com
O FIM DA HISTÓRIA: o livro O Fim da História: de Hegel a Fukuyama, lançado
no Brasil, em 1992, por Jorge Zahar Editor.
DE HEGEL A FUKUYAMA Para Anderson, a versão de Fukuyama do fim da
história, apesar de ser produto atual da crise da URSS
de FRANCIS FUKUYAMA e do colapso do Leste Europeu, tem atrás de si uma
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 145 p.
"substancial e intrincada história" um background inte-
• Por Rosa Maria Vieira, Professora do Departamento de lectual, cujo desvendamento esclarece as questões po-
Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da líticas embutidas nesta concepção. Por isto, nos três
EAESP/FGV. primeiros capítulos do livro, faz um levantamento
das diferentes versões do fim da história elaboradas a
m 1989, Francis Fukuyama, funcionário do de- partir de Hegel, um dos principais avalistas filosófi-

E partamento de Estado norte-americano, publi- .


cou em Washington o ensaio The End of His-
tory?, transformado, três anos depois, no livro The
End of History and Last Man que, logo a seguir, tam-
cos invocados por Fukuyama.
Tendo sempre como contraponto a vertente hege-
liana do final do século XVlll, Perry Anderson analisa
as idéias de teóricos como Antoine-Augustin Cour-
bém foi editado no Brasil (0 Fim da História e o Último not, o pioneiro da moderna teoria do preço: Alexan-
Homem, Rocco, 1992). dre Kojeve, a segunda declarada inspiração de Fuku-

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yama, e, finalmente, um conjunto de pensadores con- "Se todas as pessoas da Terra possuíssem o mesmo nú-
temporâneos como Henri de Man, Arnold Gehlen e mero de geladeiras e automóveis que as da América do
Jürgen Habermas. Norte e da Europa Ocidental, o planeta ficaria inabitável.
Rastreada a "intrincada história" existente atrás da Hoje, a ecologia global de capital, o privilégio de uns pou-
versão de Fukuyama, Anderson procura mostrar co- cos, requer a miséria de muitos, para ser sustentável. Me-
rno os legados de Hegel e Kojeve aí se combinaram de nos de um quarto da população do mundo detém atual-
modo original. De Hegel vieram dois elementos: "o mente 85% da renda mundial, e a diferença entre as parti-
constitucionalismo da Rechtsphilosophie" e o "otimismo de cipações das zonas avançadas e atrasadas ampliou-se ainda
sua concepção do próprio fim como concretização da liber- mais nos últimos cinqüenta anos. (.. .) Nos anos 80, mais
dade na terra". De Kojeve, "o sentido de centralidade do de 800 milhões de pessoas - mais do que as populações da
hedonismo do moderno consumo, e da caducidade da signi- Comunidade Européia, Estados Unidos e Japão somadas -
ficação tradicional do Estado Nacional". Em resumo, uma tornaram-se ainda mais excruciantemente pobres, e uma a
síntese onde se reuniram "a democracia liberal e a pros- cada três crianças passava fome" (p. 110).
peridade capitalista num enfático nó terminal" (p. 81-82). Por isso, talvez, nem mesmo Fukuyama conceba as
Segundo Anderson, a concepção de evolução hu- relações entre "a zona pós-histórica de um afortunado ca-
mana de Fukuyama "exibe direcionalidade por causa do pitalismo liberal" e "a zona de infortúnio ainda enredada
avanço cumulativo do conhecimento técnico", impulsiona- na história" de forma harmoniosa. Prevendo colisões
do a partir do nascimento da ciência moderna. A ra- sugere, profilaticamente, a salvaguarda dos forneci-
zão científica obrigaria, com o tempo, todos os Esta- mentos de petróleo, a filtragem da imigração dos mi-
dos a modernizarem-se, caso quisessem sobreviver às seráveis para os países ricos e o bloqueio da tecnolo-
pressões dos mais adiantados tecnologicamente e "a gia avançada, notadamente, a bélica nuclear.
abrir horizontes ilimitados de desenvolvimento econômico Para Perry Anderson, entretanto, não é suficiente""
para a satisfação de necessidades materiais". mostrar que a tese de Fukuyama atenua ou ignora os
Impondo a racionalização do trabalho e da admi- defeitos da ordem dominada pelo capitalismo liberal
nistração, a ciência, de acordo com Fukuyama, elevou para reprová-la. É necessário indicar uma alternativa
os padrões de vida a níveis antes inimagináveis, possível, digna de crédito. A partir daqui seu livro
criando "uma economia industrial madura~', selecionan- sofre uma inflexão, pois não se detém mais na avalia-
do "o capitalismo co11w o único sistema eficiente - porque ção das diferentes versões do fim da história ou na
competitivo - para elevar a produtividade dentro de uma polêmica frontal com Fukuyama. Fazendo coro com
divisão global de trabalho" (p. 94-95). os intelectuais de tradição marxista, que não identifi-
Apesar de reconhecer que uma economia ca pitalis- cam na crise do Leste a derrocada do socialismo, no
ta bem-sucedida não garante necessariamente a de- capítulo final, analisa a situação contemporânea da
mocracia política, Fukuyama, conforme observa An- teoria socialista e as perspectivas de se enfrentar com
derson, vê a revolução liberal varrendo o globo e tor- êxito, a partir desta ótica, os problemas reais do mun-
nando irresistível a força de seus princípios. A de- do atual.
monstração empírica desta assertiva estaria no colap- Munido das referências de alguns paradigmas da
so de tantas ditaduras no mundo inteiro, de modo cultura de esquerda e considerando que "o estreita-
que a democracia liberal subsiste como a única aspiração
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mento dos vínculos da ordem capitalista mundial está fa-
coerente que abarca diferentes regiões e culturas em lodo o dado, de qualquer modo, a forçar as tremendas pressões de
globo", não se podendo "imaginar para nós próprios um pobreza e exploração no Sul a repercutir pela primeira vez
mundo essencialmente diferente do atual (... ) democrático e no próprio Norten, criando-se Huma nova agenda inter-
capitalista"(p. 97). nacional para a reconstrução nacional", Perry Anderson
Anderson dedica-se longamente ao desmonte desta acredita que o socialismo, capaz de equacionar as
argumentação demonstrando seus limites, contradi- tensões e os conflitos, seria "redimido como legítimo
ções e implicações ideológicas. Basta aqui, entretanto, programa para um mundo mais igual e mais habitável"
seu questionamento quanto à projeção de um futuro (p.42).
taiwanês ou coreano para todo o nlundo subdesen- Pela importância e atualidade das questões trata-
volvido. Segundo ele, mesmo supondo-se que o cres- das, pelo caráter e amplitude da abordagem, o livro
cimento de Taiwan (cuja renda per capita, entretanto, é de Perry Anderson é leitura obrigatória para quem
apenas a metade da norte-americana) possa tomar-se pretende se aproximar da polêmica quanto ao caráter
corriqueiro para o Terceiro Mundo, não existe qual- do devir histórico contemporâneo e do sentido da
quer possibilidade real de reprodução dos modelos pretensão hegemõnica do pensamento neoliberal,
de consumo das áreas desenvolvidas. O estilo de vida que apresenta a humanidade atual corno negação das
dos cidadãos do Primeiro Mundo depende necessa- possibilidades de transformações radicais do mundo
riamente de sua restrição a urna minoria privilegiada. capitalista. U

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