Você está na página 1de 3

Trata-se de produzir uma crônica a partir de uma notícia de jornal: uma mãe dá à luz um

filho, às portas do hospital, e é socorrida por populares, que envolvem a criança na


Bandeira do Brasil, pois participavam do desfile de 7 de Setembro.

     Para a realização do texto, apresenta-se a crônica de Fernando Sabino, em que o aluno


observa, entre outros fatos, o estilo (frases curtas, nominais, repetições, etc.). Apresenta-se
também pequeno trecho do poema "Morte e Vida Severina" de João Cabral de Melo Neto.

     A tarefa consiste em produzir a crônica apropriando-se do estilo de Fernando Sabino e


inserindo adequadamente passagens do poema

Notícia de Jornal

Fernando Sabino

     Leio no jornal a notícia de que um homem morreu de fome. Um homem de cor branca, 30 anos
presumíveis, pobremente vestido, morreu de fome, sem socorros, em pleno centro da cidade,
permanecendo deitado na calçada durante 72 horas, para finalmente morrer de fome.
     Morreu de fome. Depois de insistentes pedidos e comentários, uma ambulância do Pronto
Socorro e uma radiopatrulha foram ao local, mas regressaram sem prestar auxílio ao homem, que
acabou morrendo de fome.
     Um homem que morreu de fome. O comissário de plantão (um homem) afirmou que o caso
(morrer de fome) era da alçada da Delegacia de Mendicância, especialista em homens que morrem
de fome. E o homem morreu de fome.
     O corpo do homem que morreu de fome foi recolhido ao Instituto Anatômico sem ser
identificado. Nada se sabe dele, senão que morreu de fome.
     Um homem morre de fome em plena rua, entre centenas de passantes. Um homem caído na
rua. Um bêbado. Um vagabundo. Um mendigo, um anormal, um tarado, um pária, um marginal, um
proscrito, um bicho, uma coisa - não é um homem. E os outros homens cumprem seu destino de
passantes, que é o de passar. Durante setenta e duas horas todos passam, ao lado do homem que
morre de fome, com um olhar de nojo, desdém, inquietação e até mesmo piedade, ou sem olhar
nenhum. Passam, e o homem continua morrendo de fome, sozinho, isolado, perdido entre os
homens, sem socorro e sem perdão.
     Não é da alçada do comissário, nem do hospital, nem da rádiopatrulha, por que haveria de ser
daminha alçada? Que é que eu tenho com isso? Deixa o homem morrer de fome.
     E o homem morre de fome. De trinta anos presumíveis. Pobremente vestido. Morreu de fome,
diz o jornal. Louve-se a insistência dos comerciantes, que jamais morrerão de fome, pedindo
providências às autoridades. As autoridades nada mais puderam fazer senão remover o corpo do
homem. Deviam deixar que apodrecesse, para escarmento dos outros homens. Nada mais
puderam fazer senão esperar que morresse de fome.
     E ontem, depois de setenta e duas horas de inanição, tombado em plena rua, no centro mais
movimentado da cidade do Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, um homem morreu de fome.

Morte e Vida Severina

João Cabral de Melo Neto

De sua formosura
já venho dizer:
é um menino magro,
de muito peso não é,
mas tem o peso de homem,
de obra de ventre de mulher.

De sua formosura
deixai-me que diga:
é uma criança pálida,
é uma criança franzina,
mas tem a marca de homem,
marca de humana oficina.

Sua formosura
deixai-me que cante:
é um menino guenzo
como todos os desses mangues,
mas a máquina de homem
já bate nele, incessante.

Sua formosura
eis aqui descrita:
é uma criança pequena,
enclenque e setemesinha,
mas as mãos que criam coisas
nas suas já adivinha.

De sua formosura
deixai-me que diga:
é belo como o coqueiro
que vence a areia marinha.

De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como o avelós
contra o Agreste de cinza.

De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como a palmatória
na caatinga sem saliva.

De sua formosura
deixai-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa.

É tão belo como a soca


que o canavial multiplica.
Belo porque é uma porta
abrindo-se me muitas saídas.
Belo como a última onda
que o fim do mar sempre adia.
É tão belo como as ondas
em sua adição infinita.

Belo porque tem do novo


a surpresa e a alegria.
Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.
Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.

E belo porque com o novo


todo o velho contagia.
Belo porque corrompe
com sangue novo a anemia.
Infecciona a miséria
com vida nova e sadia.
Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria.

Você também pode gostar