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FACULDADE SANTA MARCELINA

CURSO BACHARELADO EM CANTO POPULAR

AULA DE FISIOLOGIA – PROFESSORA JOANA MARIZ

TEMA: O USO DE FONEMAS NA IMPROVISAÇÃO DO JAZZ

FOCO DE ESTUDO: INGLÊS E ESPANHOL

ALUNA: ANA CECÍLIA STEPHAN PORTO

NOVEMBRO, 2019
1- COMO SE DÁ A IMPROVISAÇÃO NO JAZZ

A improvisação no Jazz “acontece” pela existência de guias específicas que providenciam uma
rede para o músico – por exemplo a tonalidade, a progressão harmónica, a métrica e a forma
da música (Azzara 1999). Para Gridley (2006, p. 16-17) as valências que um improvisador deve
possuir são 1) O domínio do seu instrumento, 2) conhecimentos bem fundamentados de
harmonia, 3) um ouvido bem desenvolvido para o reconhecimento da afinação e ritmo, 4) uma
boa memória aural (auditiva), 5) um conhecimento de grande número de melodias e
progressões harmónicas.

Em termos estritamente artísticos, o vocalista de jazz, para além da interpretação que faz
das melodias e das letras, deve ter a capacidade de improvisar através de palavras, sons e
melodia, de forma espontânea em cada atuação (Yanow 1998). Portanto, admitindo que a
improvisação representa um discurso onde “os músicos tomam emprestado, citam,
transformam e invertem a música de vários tipos de repertório na sua performance”3 (Ibidem,
p. 313), é possível pensar no instrumento como portador de uma voz que dá vida a esse
discurso, uma voz que carrega significados e é imbuída de carga histórica e cultural. Como
ressalta Murray a respeito do blues: As nuances tonais do blues são também uma questão de
cantores tocando com suas vozes como se estivessem tocando um instrumento, e de
instrumentistas usando seus metais, madeiras, cordas, teclado e percussão como extensões da
voz humana (Murray, 1976, p.114). Apesar de todas estas opiniões e formas de pensar e
reconhecer o jazz vocal é possível chegar à conclusão que a capacidade improvisatória é
aquela na qual se alicerça toda a experiência do vocalista de Jazz, seja ela em que forma for.

Segundo Walter Bishop Jr. existem três fases pelo que passa o improvisador: a imitação, a
assimilação e por último a inovação (Berliner 1994). É uma síntese da experiência por que
passa o músico em evolução. Através da imitação o estudante cria um vocabulário de ideias
melódicas, padrões de pensamento, formas de resolver passagens harmonicamente mais
complexas que com a repetição e a capacidade de reconhecimento, fruto da especialização
aural, acabam por ser assimiladas numa linguagem própria do improvisador. A utilização cada
vez mais frequente destas fórmulas, linhas, licks, vai acabar por tomar um cunho pessoal e o
improvisador atinge um estado de proficiência que permite a evolução dessas ideias e
consequentemente inovar e criar a sua própria voz. Torna-se então necessário o conhecimento
e o estudo dos improvisos dos mestres para que seja possível uma relação cada vez mais
profunda com a linguagem. Vários músicos encontraram influências e modos de alargar os
seus conhecimentos musicais através do estudo de outros artistas e instrumentistas através da
transcrição de solos.
2- O SCAT SINGING – HISTÓRIA E TÉCNICA

A forma de improviso vocal mais comum e talvez mais conhecida é o Scat, segundo o Grove
a utilização de sons e sílabas de forma a criar improvisações vocais (Robinson, 2000). De
acordo com a mitologia jazzística (Pinfold 1997; Giddins 1998; Yanow 2008), o Scat surge por
acidente quando durante a gravação do tema “Heebie Jeebies” Louis Armstrong deixa cair a
folha com a letra continuando a cantar com sons inventados, embora como Giddins (1998:
p.95) refere “se não tivesse caído teria sido atirada ao chão”. Na realidade estas improvisações
eram já habituais, pode-se referir o caso de Cliff “Ukelele Ike” Edwards, mas é com Louis
Armstrong que ocorre uma das primeiras e mais importantes revoluções a nível da linguagem
do jazz vocal. Para além da utilização do Scat, Armstrong variava as melodias alterando notas,
modificando ritmos, adicionando trechos intercalados com as melodias originais. Esta forma
inovadora de canto foi recriada por uma grande quantidade de vocalistas e tornou-se
referência na época. Aliás citando Yanow, “Ele (Louis Armstrong) não foi o primeiro vocalista
de Jazz, nem o primeiro a utilizar o Scat, mas popularizou ambos e impulsionou a arte do canto
Jazz uma década”. (2008: p. xi)

Esta mutação foi ainda determinante na criação da figura do vocalista de jazz que seria
instituído de forma mais visível durante a era do swing (Giddins 1998). Na realidade, os anos
30 foram determinantes para o jazz vocal. Todas s Big Bands de swing tinham vocalistas (por
vezes mais do que um), e foram a rampa de lançamento para muitas das vozes emergentes
que mais tarde se tornariam figuras de destaque como por exemplo Ella Fitzgerald (com a
banda de Chick Webb), Frank Sinatra (Tommy Dorsey), Jimmy Rushing (Count Basie), Billy
Eckstine (Earl Hines), Anita O’Day (Gene Krupa), Peggy Lee, (Benny Goodman) ou Sarah
Vaughan (Billy Eckstein). Com o advento do Be-Bop o jazz sofreu uma mudança de rumo que o
levou das pistas de dança para os clubes onde os músicos iniciaram de forma mais consistente
a interpretação de temas originais e o desenvolvimento da expressão e linguagem da
improvisação. Cada vez mais instrumentistas (Babs Gonzalez, Dizzy Gillespie, Roy Eldridge,
entre outros) se apresentavam a cantar solos e não só, alargando e intensificando o
património artístico que Armstrong havia criado. Os vocalistas aderiram a esta nova tendência,
pois encontravam nela mais liberdade para a expressão das suas ideias musicais e surgiram
mesmo casos paradigmáticos, como o excêntrico Leo Watson ou Betty Carter, na altura
conhecida por Betty Be-Bop pelos seus improvisos (Bauer 2002).

À medida que a linguagem do jazz se foi tornando mais complexa e com o progressivo
desaparecimento das orquestras, o papel do vocalista foi perdendo importância, apesar da
popularidade de vozes como Ella Fitzgerald, Frank Sinatra, Billie Holliday ou Bing Crosby. A voz
foi tendo cada vez mais uma função de interpretação, ficando os solos por conta de
instrumentistas. E à medida que os instrumentistas encontravam as suas “vozes”, as gravações
dos seus improvisos tornaram-se tão apetecíveis como as interpretações das vozes que tinham
dominado as vendas. Foi por volta do fim dos anos 40 que Eddie Jefferson começou a escrever
as letras para os solos famosos de instrumentistas da época, técnica essa que ficou conhecido
por Vocalease. Outros nomes importantes do vocalease foram Annie Ross, Mark Murphy, King
Pleasure e o “James Joyce do Jive”, Jon Hendricks. Segundo o Grove - “Vocalease” é o termo
utilizado para a prática do Jazz vocal em que textos (criados para o efeito) são adaptados a
improvisações gravadas. A palavra é um trocadilho do termo “vocalise” (exercício vocal),
combinando as ideias de Jazz “vocal” com linguagem particular (indicada pelo prefixo “-ese”
(Robinson 2000: p. 1250)

A voz é a grande referência do Jazz pois, como atrás foi referido, foi a partir dela que se
desenvolveu. Aliás, são frequentes as citações da influência do canto na maioria dos
instrumentistas “...Instrumentistas procuram imitar as frases e as inflexões de vocalistas nas
suas improvisações” (Berliner 1994: p. 157-158). Considera-se que o improviso vocal está ao
mesmo nível de qualidade artística dos outros instrumentos.

Voltando a falar estritamente da técnica do Scat, de acordo com Bob Stoloff, autor que
desenvolveu um método amplamente difundido para o estudo desse estilo de improvisação
vocal, o Scat singing seria: (...) a vocalização de sons e sílabas que são musicais, mas sem uma
tradução literal. Os artistas utilizam diferentes abordagens estilísticas similares a dialetos da
língua. Em uma certa extensão, a escolha das sílabas é enigmática, exceto pra dizer que um
som, ou seu contraste com outros, cria a sintaxe dele mesmo (Stoloff, 1998, p.6).

Aqui a questão da língua se faz ainda mais presente. Dado que o Scat Singing depende de
uma escolha silábica, até que ponto essas sílabas fariam sentido enquanto elemento
discursivo, argumento da retórica musical? Esses fonemas seriam aleatórios? Do ponto de
vista musical, no caso do Scat, a escolha silábica parece estar em algum nível relacionada com
o fraseado rítmico, ou seja, com a escolha das células rítmicas utilizadas, as quais seriam
melhor articuladas com o uso de determinadas consoantes/vogais (por exemplo, consoantes
plosivas, fricativas, vogais mais abertas ou mais fechadas). É interessante notar que no método
escrito por Stoloff, a introdução dos fonemas mais utilizados no Scat está vinculada com a
introdução das células rítmicas, evidenciando a interdependência desses dois elementos. No
entanto, ressalta que a escolha silábica não deve ser o ponto de partida para a improvisação,
mas na verdade, um movimento espontâneo do cantor. Um pouco mais a frente, o autor
sugere que “o Scat singing tradicional utiliza combinações particulares de sílabas que podem
ser aprendidas assim como alguém aprende uma língua estrangeira” (Ibidem, p.15), traçando
um paralelo importante que denuncia a ideia do improviso vocal enquanto discurso, enquanto
ferramenta linguística. As primeiras tentativas de utilizar o Scat estão relacionadas com a
imitação de línguas estrangeiras, ou seja, uma simulação do que seria o chinês ou o árabe com
base apenas na percepção auditiva do cantor. Grupos, incluindo Slim e Slam, apresentaram
uma oportunidade igual da reificação do Scat, indo do faux chinês com o “Chinatown, My
Chinatown” (1938) ao pseudoYddish em “Matzoh Balls”(1939). E até a vocalização de uma
barbárie africana, “African Jive” (1941). (Edwards, 2002, p.627) Essa é uma característica
importante do estilo, que mais uma vez busca a aproximação da língua falada e ainda segundo
o autor, representa a relação com a alteridade, através do fascínio pelo que é estrangeiro.

Inicialmente, o Scat representou uma tentativa de imitação de outras línguas– existe uma
gravação datada de 1917 da música “From here to Shanghai” onde o cantor de vaudeville
Gene Green tenta imitar o mandarim (Edwards, 2002, p.619), o que representa mais um
indício da manifestação da linguagem através do improviso vocal, mesmo sem um conteúdo
semântico. O que importa aqui é a representação da língua e a comunicação através de
símbolos inscritos no discurso musical, as notas escolhidas, células rítmicas, e mais ainda,
nesse caso, pela manifestação da melodia através de fonemas específicos.

Existe uma escolha inconsciente dos fonemas, que resulta na construção de um significado,
seja ele sintático ou mesmo retórico. Se pensarmos na expressão musical, mais
especificamente no improviso vocal através do Scat, como sendo o fruto da expressão
individual e coletiva do indivíduo, das suas referências e bagagem cultural/histórica, é possível
este improviso conter lamento, melancolia, alegria, raiva, etc, em sua performance - o que se
manifesta também na escolha das sílabas utilizadas. Essa é mais uma forma de “dizer”, de
“contar” algo através da performance vocal, que se apropria de fonemas, e não da letra
propriamente dita, como aparelho da expressividade.

O pesquisador Aniruddh Patel demonstrou através de experimentos que tanto a sintaxe


musical quanto a sintaxe gramatical são processadas no cérebro de forma a utilizar a mesma
fonte de recursos neurológicos. Apesar de possuírem gramáticas diferentes, música e
linguagem compartilham elementos que devem ser organizados de forma hierárquica para que
o outro a compreenda (Ibidem, p.8-9). Por exemplo, na língua existe uma hierarquia entre as
palavras que requer uma organização específica (preposição, artigo, adjetivo devem seguir
uma ordem para que a frase faça sentido). Apesar de na música não haver uma dependência
tão forte entre os elementos, pelo menos na música ocidental como a conhecemos, é
necessária uma organização e uma estrutura que requer a escolha correta de acordes e
notas10 . Ainda de acordo com Patel, a percepção musical se relaciona intimamente com a
percepção dos fonemas. Experimentos demonstraram que indivíduos que apresentam maior
habilidade musical possuem a aprendizagem mais rápida de uma segunda língua (Patel, apud
Wong et. al., 2007, p.27-28). Esse experimento se deu através da observação da resposta das
frequências sonoras que está localizada em uma parte do cérebro chamada colliculus inferior,
e concluiu que em músicos essa resposta se dá de maneira mais acentuada do que em não
músicos, fazendo com que estes sejam capazes de reconhecer mais fonemas dos que os
segundos.

Teóricos como Luiz Tati acreditam que a própria composição musical é construída a partir de
elementos da prosódia da fala, o que influenciaria a elaboração de contornos melódicos que,
no caso da canção, estariam relacionados com a letra (Tatit, Lopes, 2008, p.16-17). Outra
pesquisa interessante é a do já citado Anihudd Patel, que investigou a influência da língua
materna na maneira de compor de grandes compositores ingleses (como Delius, Elgar e Holst)
e franceses (como Debussy, Fauré e Ravel) através da análise de cerca de 300 temas
conhecidos. Patel descobriu que a música inglesa apresenta um maior contraste do ponto de
vista rítmico, assim como a língua inglesa, de forma inversa funciona a música e a língua
francesa, que apresentaram menor contraste12 (Patel, 2008). Considerando que o improviso
nada mais é do que “compor, ou simultaneamente, compor e interpretar, no calor do
momento e sem nenhum tipo de preparação”13 (Berliner, 2009), a influência da língua e da
prosódia da fala também estariam presentes na criação espontânea de um improviso, seja
através de um instrumento ou da própria voz.
BIBLIOGRAFIA:

- Factores que influenciam a aprendizagem do Improviso no Jazz Vocal Por Francisco António
Pereira Mestrado em Interpretação Artística Variante de Jazz

- A voz como ferramenta do discurso: paralelos entre a linguagem falada e o improviso vocal
Discplina MS 102 – Música, percepção, cognição e afeto Prof.: José Eduardo Fornari Novo
Júnior, prof. Vilson Zattera (Música, performance) Luisa De Athayde Meirelles)

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