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Universidade de Brasília

Instituto de Relações Internacionais

Disciplina: História das Relações Internacionais Contemporâneas

Professor: Pio Penna Filho

Aluna: Júlia Corrêa Ramos


Matrícula: 15/0061251

O Terceiro Mundo e as faces da Guerra Fria

Ao mesmo tempo em que se reconhece que não existe um “ponto


arquimediano”, há uma dificuldade em reconhecer a posição de que se fala. No
caso da historiografia é quase sempre do grupo dominante, sob um disfarce
neutro, como a caracterização do período da Guerra Fria. Assim chamada pela
ausência de confronto direto entre as superpotências, “apenas” guerras
regionais onde cada uma apoiava um dos lados, essa denominação pode,
portanto, ser questionada: “fria” para quem?

Eis uma resposta quase consensual: fria para as potências rivais; para
os países do então chamado Terceiro Mundo, cujos próprios povos viveram
essas guerras regionais nos próprios territórios, nem tanto. Pode-se
argumentar que era fria não em relação a quem é afetada, mas em relação a
outras guerras, possíveis (a hecatombe nuclear que cuja sombra pairou sobre
o período) e passadas (as grandes guerras do século XX). Mas diferentemente
do experimento utilizado para explicar a relatividade da sensação térmica
(coloca-se uma mão em uma bacia com água quente, a outra em uma com
água fria, e depois as duas em uma com água morna, que para primeira parece
fria, e para a segunda, quente), a relatividade das duas perspectivas não pode
ser comparada na mesma bacia. No caso das grandes guerras, não só a perda
humana é dificilmente comparável, como, trata-se mais uma vez de quem é
afetado; no caso da guerra nuclear (que por sua vez afetaria a todos), mesmo
que fosse algo mais presente no imaginário popular então do que veio a ser 1,

1
A literatura fantástica tem exemplos interessantes, em especial os contos de Ray Bradbury. Um pouco
mais afastado da paranoia estadunidense, o filme Luz de Inverno, do sueco Ingmar Bergman, conta a

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comparações com possibilidades são bem menos comuns do que com eventos
concretos.

Apesar dessa exclusão conceitual, na Guerra Fria os países do Sul


global ganharam destaque significativo, seja em sua tentativa de constituir um
“terceiro bloco” não-alinhado, seja como palco das guerras do período ou nas
lutas de descolonização. Independentemente da capacidade do Movimento
Não Alinhado de cumprir seu objetivo principal, os países do Terceiro Mundo
obtiveram reconhecimento como tal suficiente para o termo “terceiro-
mundismo” continuar sendo comum apesar do seu anacronismo.

A descolonização em conjunto com o Movimento Não Alinhado serviu


também para mostrar a presença, na Guerra Fria, de uma das ideias mais
importantes para as relações internacionais: o nacionalismo. A luta pela
independência em si já é sua clara expressão, mas acrescentada ao
Movimento pode demonstrar a continuidade da importância do nacional mesmo
frente ao ideológico, a ponto de, quando o mundo aparentava estar dividido em
duas ideologias, nações recém-formadas buscando estabelecer-se se unirem
para criar uma terceira via.

Para os países em processo de descolonização, a Guerra Fria foi um


período não só de esforços de emancipação política e econômica, mas
também intelectuais. As teorias pós-coloniais de Gayatri Spivak, Frantz Fanom
e Edward Said abriram caminho para os questionamentos epistemológicos da
descolonização de saberes (o saber histórico, em particular), úteis tanto para a
reinserção e reinterpretação do então Terceiro Mundo na história, como para a
destruição dos mitos criados pelo colonizador. Nada mais justo, portanto, que
os mitos construídos sobre o período sejam destruídos com os instrumentos
durante ele forjados.

Referências bibliográficas:

SARAIVA, José Flávio Sombra. “Détente, diversidade, intranquilidade e ilusões


igualitárias (1969-1979)”. In: (org.). História das Relações Internacionais

história de um homem que fica perturbado ao ler nos jornais que a China pretende usar a bomba
atômica.

2
Contemporâneas – da Sociedade Internacional do século XIX à era da
globalização. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 253-316.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo:


Companhia das Letras, v. 2, 1995.

MCMAHON, Robert J. The Cold War: a very short introduction. OUP Oxford,
2003.

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