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Antharez 7 7 7

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

[#5] Alquimia, Individuação e Ourobóros: Símbolos e


Imagens Arquetípicas
“Vivo minha vida em círculos cada vez maiores que se estendem sobre as coisas.
Talvez não possa acabar o último, mas quero tentar.”
- Reiner Rilke

Símbolos e Imagens Arquetípicas

Símbolo

A palavra símbolo remete ao do grego symbolon, derivado do verbo sym-


ballein, que significa “lançar com, pôr junto com juntar”. A etimologia da palavra
remete que símbolo é, a priori, uma dualidade, que se forma uma. A própria
definição da palavra já remete a integração dos opostos e pode ser associada
com a imagem do Ourobóros.
Primeira gravura do "Uraltes chymisches Werck" de Abraham Eleazar

Os conceitos simbólicos foram desenvolvidos em diversas religiões como


reflexo de diferentes concepções do mundo e de novas linguagens.

“No seio da multiplicidade de crenças


desenvolvidas pelo ser humano, a primeira distinção
efetuada pelo homem foi entre o Bem e o Mal. Nas
culturas pagãs, este conceito de dualidade moral
poderia ser identificado nos símbolos positivos com o
lado masculino, o Sol ou o céu, e nos símbolos
negativos como o preto, o lado feminino, a Lua, a água
ou o inferno. Da mesma forma, nas religiões, como por
exemplo o cristianismo, o poder do Bem encontra-se
simbolizado em Deus e em Cristo, e a força do Mal em
Satanás. No que respeita a mitologia, tal como
acontece no hinduísmo, a luta travada entre as forças
superiores e as força inferiores é representada através
do conflito entre a ave solar Garuda e as serpentes
Nagas, hindus e, na tradição ocidental, entre a águia e
o dragão. Na maioria das culturas a verdadeira
perfeição apenas poderá ser alcançada através da
conciliação e da união das forças opostas do universo.
Nesta sequência, o símbolo taoista de Yin-Yang e, na
alquimia, a figura do Andrógino representam ambos
estes ideais, à semelhança do que acontece na
psicologia.” (CHEVALIER, 2008, 10)

Jung (1964) introduz a noção de símbolo como um conjunto de significados


que transcendem sua própria imagem concreta. Um símbolo remete a algo maior
que o próprio símbolo; um conjunto de ideias orientadas através de um sutil
emaranhado de padrões.
Como possível gênesis de símbolos, Jung compreende que os sonhos
revelam através de suas férteis imagens arquetípicas, grande parte do mistério do
símbolo, e que, ao sonhar, o homem bebe da fonte do desconhecido e inicia sua
jornada pelo conhecimento. Compreendendo os sonhos como manifestados
também por conteúdos inconscientes, logo se percebe que a busca de
conhecimento através dos sonhos, nada mais é do que buscar conhecer a si
mesmo. Através de sua consciência, o homem aprendeu a viver através da parcial
previsibilidade das coisas, mas seu inconsciente demonstra ao menos metade de
um grande escopo de possibilidades antes fora do seu campo de compreensão.
Cosmic, arte de Geometria Sagrada de Daniel Martin Diaz

Jung rompe com a escola psicanalítica quando define que o valor do


conceito de “libido não está em sua definição sexual, mas no seu ponto de vista
energético” (JUNG, 1989, p. 127-8), ou seja, define como energia psíquica todas
as pulsões provenientes da psique e do inconsciente, estabelecendo que a libido
freudiana é só mais um dos canais de expressão desta energia. O que difere
empiricamente na interpretação do fenômeno é que na teoria freudiana parte-se
da causa para o efeito, engessando a percepção interpretativa num molde teórico,
a teoria da sexualidade. Ao partir dos efeitos para depois compreender as causas,
Jung consegue analisar a psique de forma dinâmica, e superar a teoria sexual. A
energia psíquica é a fonte de toda a movimentação humana em busca de
crescimento.

Ourobóros

Mas o que é um Ourobóros? Quem nunca ouviu a expressão ‘morder a


própria cauda’? É normalmente utilizada para descrever o momento em que
alguém, inconsciente de si, repete ações sem atingir os objetivos estabelecidos, e
por isso, exige um olhar para si, reavaliando seus métodos de ação.
O Ourobóros é a resolução do conflito dialético atingido na busca da
individuação à unidade da separação, ou solve et coagula (dissolve e solidifica),
representando metaforicamente todo o processo alquímico descrito no capítulo
anterior. É uma imagem alquímica presente em diversas esferas sociais e
religiosas, na qual uma cobra, ou dragão, morde a sua própria cauda num
movimento circular. A imagem revela o paradoxo do infinito, onde tudo se inicia
em seu próprio fim, e acaba em seu próprio começo.

Exemplo de um Dragão Ourobóros

Se reduzirmos o símbolo em imagens ainda mais primordiais, como círculo,


o dragão e a sepente começamos a desvelar o significado deste símbolo. Seguem
transcrições do “Dicionário de Símbolos”, de Nadia Julien:

Círculo

- Representa “o desenvolvimento contínuo da criação”. E mais, ele


representa o ciclo do tempo, o movimento perpétuo de tudo que se move, os
planetas em torno do sol (círculo do zodíaco) que se projeta nos tempos
circulares, a arena, o circo, a dança circular.
- Símbolo da perfeição para o Islamismo, da divindade (disco solar) e da luz
no Egito, expressão do que não tem começo nem fim, simbolizando a eternidade
representada pela serpente que morde a cauda, cuja divisa é um, o todo, a
substância universal rarefeita até a imperceptibilidade para constituir a essência
íntima das coisas, o fundamento imaterial de toda a materialidade, ou a prima
matéria dos alquimistas.
- O círculo é também o zero de nossa numeração e representa as
potencialidades, o embrião. Comportando um ponto central, o círculo é a
representação do ser manifestado, evocando o conceito de ordem, de cosmo e de
harmonia. Nos sonhos o círculo é um símbolo do Eu, e indica o fim do processo
de individuação, da evolução da personalidade para a sua unidade.

Diagrama em círculos dos planetas alquímicos

Dragão

- Para os alquimistas, as atitudes do dragão simbolizam as etapas da


grande obra.
- Imagem arcaica das energias mais primitivas, o dragão representa o
inconsciente durante tanto tempo enquanto não possuirmos acesso a ele, onde as
paixões os complexos inconscientes, os desejos ocultos conduzem a uma vida
arcaica. Isto que se explica a fundo com os poderes do psiquismo, que luta com o
dragão, pode recuperar uma parte das energias inconscientes que pode utilizar
para dominar sua vida.
- A luta com o dragão é um símbolo do amadurecimento... então, ele terá
ganho o tesouro que os dragões guardam em quase todas as mitologias. Libertará
sua alma, esta virgem que o dragão mantinha prisioneira.
O Dragão Smaug protegendo seu tesouro na gravura "There He Lay" de Justin Gerard

Serpente

- A serpente representa o conjunto dos ciclos da manifestação universal. No


processo de criação, rodeando o ovo cósmico (o caos), simboliza a fecundação
pela incubação do espírito vital divino, semente de todas as coisas, assim
liberadas dos elos da matéria inerte pelo poder divino.
- Símbolo da imortalidade, enrolada em torno da árvore de maçãs de ouro
do jardim das Hespérides; rodeia o Ônfalo, ou a montanha cósmica (eixos do
mundo), simbolizando o conjunto de ciclos da manifestação universal, o Samsara,
a cadeia do ser no ciclo indefinido de renascimentos, o percurso indefinido e
renovado das existências.
- A serpente do paraíso é o símbolo do conhecimento perigoso (descoberta
da sexualidade). Daí transformar-se num símbolo fálico e sexual (a serpente
tentadora, portadora de forças perigosas e maléficas cuja a arma é a sedução
empregada por Eva, a Anima).
- Em suas relações com o inconsciente coletivo, o ofídio representa num
nível inferior a agressividade, e num nível superior o poder e a sabedoria. É a
representação do inconsciente, onde se acumulam todos os fatores rejeitados,
recalcados, desconhecidos ou ignorados e as possibilidades desmedidas em nós.
- São estas forças muito primitivas, aglomeradas em constelação, que
colocam em jogo a serpente no sonho. É a manifestação de uma energia psíquica
dormente pronta a se tornar concreta, em positivo ou negativo, em razão da
ambivalência do simbolismo deste animal de sangue frio (pavor, angústia), como
do melhor (propriedades curativas e salvadoras).
"De Zondeval" de Cornelis van Harleen

Segundo Erik Hournung (1999), a primeira aparição conhecida do símbolo


Ourobóros está no Netherworld, um texto funerário egípcio encontrado na tumba
de Tutancâmon, no século 14 AC. Referindo-se a união do deus Ra e Osíris no
submundo. Em uma ilustração deste texto, duas serpentes, mordendo as caudas.
Ambas as serpentes são manifestações da divindade integrada que representa o
início e o fim do tempo.
O texto alquímico “Chrysopoeia de Cleópatra”, datado do século está
grafado com o os dizeres ‘hen to pan’, em tradução livre: “o um é o todo” além de
uma imagem de uma cobra, metade branca, metade preta, mordendo a própria
cauda. Novamente a figura circular ofídia como uma dinâmica polarizada, cíclica
que se integra tornando-se Um. O Ourobóros de Chrysopoeia poderia ser
interpretado como o equivalente ocidental do símbolo taoista Yin-Yang.

“El signo del Yin-Yang, según la filosofía oriental,


simboliza un concepto fundamentado en la dualidad de
todo lo existente en el universo. Describe las dos
fuerzas fundamentales, aparentemente opuestas y
complementarias que se encuentran en todas las
cosas” (BADANO, 2010).
Ourobóros de Chrysopoeia comparado ao símbolo oriental do Yin e Yang

Outra alegoria religiosa que podemos associar com a simbologia da serpente e


seus movimentos circulares estão na cultura Hindu, através da serpente Kundalini,
que em sânscrito significa “serpente enrolada”. Nesta cultura yogue, o corpo
humano é divido em sete centros básicos de manifestação de energia, ou
Chakras, e Kundalini, a origem desta manifestação energética, estaria
‘adormecida’ no primeiro centro, abaixo da coluna vertebral.
Conforme o indivíduo se purifica e pratica as técnicas que envolvem
controle da respiração, postura e meditação, ele ‘desperta’ a ‘serpente’ que sobe
pelos centros de energia, fazendo com que o praticante atinja a iluminação, ou
individuação. A figura da esquerda representa este processo enquanto a figura da
direita ilustra os centros de energia:

Ilustração da subida de Kundalini e a referência do trajeto pelo "Chakras"

Esse mesmo simbolismo pode ser encontrado no Caduceu de Hermes,


símbolo da medicina, visto no capítulo anterior. Curioso a correspondência entre
as cores dos sete centros de energia com as sete etapas alquímicas que vimos
aqui.
Limitemos nossa análise a simbologia religiosa Alquímica, apesar de todos
os sincretismo encontrados em diversas culturas religiosas acerca da imagem do
Ourobóros. Quem sabe os posts futuros não possam tratar desses assuntos.

“O Ourobóros é um símbolo dinâmico para a


integração e assimilação de opostos, i.e., da sombra...
Simboliza o Um, que resulta no conflito do opostos, e
portanto constitui o segredo da prima matéria...” (JUNG,
1976, 365)

Esta é uma imagem arquetípica bastante rica, contextualizado sob o


paradigma de integração, ou conjunção, de aspectos opostos. Fica evidente que a
figura representa não só a união dos opostos complementares da psique como
todo o potencial do processo alquímico.

“Os alquimistas, de sua própria maneira sabiam


mais sobre a natureza do processo de individuação que
nós modernos, expressavam este paradoxo através do
símbolo do Ourobóros, a cobra que morde a própria
cauda. Do Ourobóros é dito ter o significado do infinito
ou completude. Na antiga imagem do Ourobóros está o
pensamento de se devorar e se transformar em um
processo cíclico, pois era claro para os alquimistas
mais astutos que a arte da matéria prima era o próprio
homem. O Ourobóros é um símbolo dramático para a
integração e assimilação dos opostos, ou seja, da
sombra. Este processo de "feed-back" é ao mesmo
tempo um símbolo da imortalidade, uma vez que é dito
dos Ourobóros que ele mata a si mesmo e se traz à
vida, fertiliza a si mesmo e dá a luz a si mesmo. Ele
simboliza o Um, que procede do choque de opostos, e,
portanto, constitui o segredo da prima matéria que [...]
decorre, sem dúvida, do inconsciente do homem."
(JUNG, 1976, 513)
Gravura de "Uma Coleção de Emblemas Antigos e Modernos" de George Whiters (1635) 

No livro “A tábua de esmeralda: Alquimia para transformação pessoal”, Dennis


Hauck explícita sobre o símbolo ourobórico e o associa com etapas alquímicas:

"Descrições mais alegóricas abundam na


literatura medieval e representações, entre as quais
estão aqueles que compreendem tanto aspectos
"esotéricos", quanto "exotéricos" da Alquimia. Tal
símbolo, cujas origens podem ser traçadas de volta
para o Egito Antigo é a dos Ourobóros, a serpente
mordendo a cauda, simbolizando a imortalidade, e os
ciclos eternos de mudança do mundo. Isso também
pode ter significado para refletir a integração e
reversibilidade de certas transformações alquímicas
como a "destilação" e "condensação". (HAUCK, 1999,
156)
Gravura encontrada no Castelo de Ptuj, Slovênia (Séc XII)

Ou ainda nas palavras de Von Franz, no livro Introdução a Alquimia:

“O que tem luz se cria na escuridão da luz.


Mas quando alcança sua perfeição, recupera-se
de suas enfermidades e debilidades e então
aparecerá esta grande corrente da cabeça e da
cauda. [...] É uma luz nova que nasce na
escuridão, e então se vão todos os sintomas
neuróticos e a enfermidade e a debilidade [...].
Aqui é mister recordar ao Ouroboros, que come
a cauda, onde os opostos são um: a cabeça está
em um extremo e a cauda no outro. São um,
mas têm um aspecto oposto e quando a cabeça
e a cauda, os opostos, encontram-se, nasce uma
corrente, que é ao que os alquimistas se referem
[...] como uma manifestação do Si mesmo. Tal é
o resultado da coniunctio neste caso. Em muitos
outros o descreve como a pedra filosofal, mas,
como dizem também muitos textos, a água da
vida e a pedra são uma mesma coisa” (VON
FRANZ, 1985, 134).

A partir deste levantamento bibliográfico e imagético da simbologia do


Ourobóros, é possível perceber correspondências encontradas entre a imagem e
o processo de individuação, porém, tais associações serão melhor elaboradas no
capítulo seguinte, assim como os paralelos dos temas individuação e Ourobóros
com os processos alquímicos.

Assarice às 20:46

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