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Processo Penal Cautelar

Brasília-DF.
Elaboração

Coordenação do Curso de Direito

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO................................................................................................................................... 5

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA...................................................................... 6

INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 9

UNIDADE I
PROCESSO CAUTELAR......................................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1
PROCESSO E AÇÃO CAUTELAR............................................................................................... 11

UNIDADE II
PRISÃO CAUTELAR............................................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1
GENERALIDADES.................................................................................................................... 14

CAPÍTULO 2
PRISÃO TEMPORÁRIA.............................................................................................................. 23

CAPÍTULO 3
A PRISÃO NO CRIME DE PORTE DE DROGAS........................................................................... 28

CAPÍTULO 4
PRISÃO EM FLAGRANTE. FORMAS DE FLAGRANTE.................................................................... 30

CAPÍTULO 5
PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO EM FACE
DE DENÚNCIA....................................................................................................................... 38

CAPÍTULO 6
PRISÃO EM FACE DE SENTENÇA DE PRONÚNCIA..................................................................... 44

CAPÍTULO 7
PRISÃO EM FACE DE SENTENÇA RECORRÍVEL.......................................................................... 46

CAPÍTULO 8
PRISÃO EM FACE DE SENTENÇA RECORRÍVEL PENDENTE DE JULGAMENTO
DE RECURSO ESPECIAL OU DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO..................................................... 48

UNIDADE III
LIBERDADE......................................................................................................................................... 51

CAPÍTULO 1
GENERALIDADES.................................................................................................................... 51
CAPÍTULO 2
A INCOERÊNCIA DA FIANÇA.................................................................................................. 53

CAPÍTULO 3
REVOGAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA..................................................................................... 56

CAPÍTULO 4
DIREITO A RECORRER SOLTO.................................................................................................. 58

PARA (NÃO) FINALIZAR....................................................................................................................... 60

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 61
Apresentação
Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

7
8
Introdução
Este Caderno tem vital importância para o entendimento do Direito Processual Penal como ramo
do Direito Público, com atuação nas formas de manifestação do Estado como ente ordenador e
disciplinador das relações jurídicas, com foco nas ações criminais.

Ao introduzirmos o estudo do Processo Penal Cautelar, releva notar que, para grande parte da
doutrina pátria, não existe propriamente um processo cautelar ou ações cautelares no
âmbito do processo penal, podendo ser aplicadas tão somente medidas cautelares. No
particular, Rogério Lauria Tucci destaca, in verbis:

Inadequando-se, como visto, a transposição do conceito de pretensão ao


processo penal, é de ter-se presente, outrossim, que: a) no âmbito deste, só
há lugar para a efetivação de medidas cautelares, desenroladas no curso da
persecução ou da execução penal, e não para ação ou processo cautelar, que
exigem, para sua realização, a concretização de procedimento formalmente
estabelecido em lei; b) dispicienda mostra-se a concorrência dos pressupostos
da atuação (e respectiva concessão) cautelar – periculum in mora e fumus boni
iuris –, para que seja concedida ou determinada, até mesmo de ofício, medida
cautelar penal. (TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual
Penal. São Paulo: RT, 2002, p. 107.)

Não é outro o entendimento de Vicente Greco Filho, in verbis:

Também inexiste ação ou processo cautelar. Há decisões ou medidas cautelares,


como a prisão preventiva, o sequestro, e outras, mas sem que se promova uma
ação ou se instaure um processo cautelar diferente da ação ou do processo de
conhecimento. (GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São
Paulo: Saraiva, 1991, p. 101/102)

Vamos estudar as diversas medidas cautelares admissíveis na processualidade criminal, com


enfoque especial sobre a prisão como instrumento imprescindível à atuação do Estado. Todavia, tal
estudo não pode ser divorciado da análise das medidas de contracautela agasalhadas na legislação
pátria, a fim de fazer prevalecer direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal
e outros dispositivos legais que os consagram.

Será feita uma breve introdução em que serão analisados aspectos básicos da processualidade
criminal pátria para dizer que, acerca das prisões e liberdade provisória, é possível vislumbrar
revogação de todos dispositivos do Código de Processo Penal sobre a matéria.

É necessário conhecer o pensamento doutrinário sobre o tema, refletindo sobre os conhecimentos


que formam nossa disciplina de estudo. A doutrina tem importante papel na formação da
jurisprudência dos tribunais, não sendo concebível engessar a doutrina a ponto de refletir unicamente
a jurisprudência e as doutrinas consolidadas em provas de concursos públicos.

9
É lamentável que o Brasil tenha uma realidade social tão ruim, a ponto de refletir no estudo científico
do Direito; eis que não mais existem juristas e livros doutrinários dispostos a evoluir que tenham
grande aceitação no mercado. Com isso, as editoras param de publicar livros que não tenham como
escopo principal o concurso público, o que é péssimo para o Direito nacional, o qual se encontra em
verdadeiro ostracismo, mormente em matéria criminal.

Um curso de especialização objetiva ser mais profundo que a graduação e não pode ser um curso
preparatório para concurso público travestido de pós-graduação lato sensu. Destarte, neste curso,
teoria jurídica e prática dos tribunais terão que caminhar juntos, isso no sentido de que muitas
distorções serão indicadas, a fim de evitar que haja uma acomodação ao discurso repressor que
domina a cultura judicial e de grande parte da sociedade complexa brasileira.

É momento de discutir a efetividade do Direito sob as perspectivas garantista e funcionalista, a fim


de evitar a construção de uma jurisprudência que estabeleça processualidade criminal alopoiética e
tópica, capaz de violar direitos e garantias constantes da Constituição Federal.

A perspectiva garantista orientará nosso estudo, visto que se espera que a processualidade criminal
brasileira seja, acima de tudo, respeitadora de direitos humanos fundamentais, estando sempre
atenta às garantias estabelecidas na Constituição Federal. Caso isso não tenha ocorrido, mais que
um direito, é dever do sistema jurídico criticar a alopoiese consolidada.

Certos de que encontraremos alunos dispostos a refutarem as distorções consolidadas e ávidos por
novos conhecimentos é que adotamos a linha de pesquisa deste Caderno.

Sucesso!

Objetivos
»» Discutir temas controversos no âmbito do Processo Penal Cautelar.

»» Fomentar o conhecimento do aluno em relação ao Processo Penal Cautelar, em


nível de legislação, doutrina e jurisprudência, capacitando-o a um raciocínio crítico
e sedimentado do tema.

»» Distinguir cada um dos Procedimentos Cautelares Específicos, enumerando suas


respectivas características.

10
PROCESSO UNIDADE I
CAUTELAR

CAPÍTULO 1
Processo e ação cautelar

Processo e procedimento cautelares

Diferenciação conceitual entre processo


e procedimento
Diz-se que o processo é a própria relação jurídica, enquanto que procedimento é o conjunto de
atos coordenados entre si para a prolação da sentença1. Tal distinção simplista não satisfaz, sendo
preferível verificar que o conceito de processo vem sendo apresentado finalisticamente, enquanto
o procedimento é a explicitação dos seus caminhos2. Daí mantermos a visão inicial, construída no
sentido de que o processo é o conjunto coordenado de atos tendentes à aplicação da lei material ao
caso concreto, enquanto o procedimento é a exteriorização do processo, é o seu rito.

Processo, como decorrente de procedere, significa marcha, um caminhar cadenciado para a frente, o
que significa dizer que não se pode errar no curso da marcha senão será punido, ou seja, serão impostas
sanções processuais à parte que não atender adequadamente ao seu múnus. Este é explicitado no
procedimento, o qual marcará o ritmo da marcha, bem como o dever de cada parte. Nesse sentido,
oportuno é o seguinte exemplo: o processo seria como uma linha férrea, enquanto o procedimento seria
o desenho desta linha, dizendo em que estações o trem deverá parar, bem como todo itinerário que
deverá percorrer.

Não pretendemos aqui discorrer sobre as teorias desenvolvidas em torno da natureza jurídica do
processo. Discutir se o processo tem a natureza de contrato, de quase contrato, de serviço público,
de instituição, de situação jurídica ou de relação jurídica é uma análise de teoria geral que nos
afastaria do objetivo de apresentar o processo cautelar.

Sobre a natureza jurídica do processo, recomendamos a leitura de exposição sucinta,


mas didática, contida em:

MENDONÇA, Andrei Borges de. Reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Método, 2008. p. 4.
1

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais. Belo Horizonte:
2

Del Rey, 2004. p. 3.

11
UNIDADE I │ PROCESSO CAUTELAR

ALVIM, Elementos de teoria geral do processo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2.001.
p. 133-148;

BAUCHÉ, Eduardo German. Teoria general del derecho procesal. Buenos Aires:
Ediciones Juridicas, 2.008. p. 60-72;

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada


Pellegrini. Teoria geral do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1.998. p. 276-283.

Neste momento, é importante destacar apenas que a teoria predominante é a que entende ter o
processo a natureza de relação jurídica de direitos e obrigações entre as partes e o juiz. Daí ser
oportuno o exemplo desenvolvido no sentido de não se poder pretender confundir uma viagem com
o itinerário utilizado para alcançar o objetivo. A viagem em si seria o processo e o itinerário eleito
seria o procedimento3.

Classificações

Os processos, na doutrina pátria dominante, podem ser classificados em: de conhecimento; cautelar;
executório. De modo diverso, os procedimentos são classificados em: comum ordinário, sumário
e sumaríssimo.

Processo e medida cautelares


Na terminologia jurídica, cautela tem o sentido de precaução. Desse modo, toda providência que
evidencie uma precaução judicial para que a ação principal não fique prejudicada, em matéria
criminal, constituirá uma medida cautelar. Seus pressupostos básicos serão a fumaça do bom
direito (fumus boni iuris) e o perigo da demora (periculum in mora). Em matéria criminal, em face
da prisão cautelar, esses dois pressupostos são conhecidos, respectivamente, como fumus comissi
delicti e periculum libertatis.

Parte da doutrina processualista em matéria criminal diz que os dois pressupostos nupercitados
constituem o próprio mérito da ação e do processo cautelar. De qualquer modo, é oportuno concordar
com Antônio Alberto Machado, no sentido de que as medidas cautelares apresentam caracteres que
lhes são específicos, a saber: provisoriedade, facultatividade, revogabilidade, instrumentalidade e
modificalidade.4

A facultatividade faz com que a medida cautelar só tenha cabimento quando as medidas do processo
principal não forem suficientes. Outrossim, nem toda cautelar demanda processo ou procedimento
próprios, podendo ser decretada no curso do processo principal e, muitas vezes, de ofício.

O processo cautelar típico é aquele que é movido pela parte para obtenção de uma medida cautelar
que terá mérito próprio. Tal processo será autônomo e independente do principal porque tramitará
em separado e sua procedência não interferirá na sentença do processo principal, podendo ser esta
improcedente. É, portanto, mais fácil vislumbrar processo cautelar típico na processualidade cívil.

ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos de teoria geral do processo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 145.
3

MACHADO, Antônio Alberto. Curso de processo penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 449.
4

12
PROCESSO CAUTELAR │ UNIDADE I

Liminar
Liminar deriva do latim liminaris, de limen (porta, entrada), indicando tudo que se faz inicialmente,
no começo5. Desse modo, a liminar propriamente dita é aquela que se profere inaudita altera pars
(sem ouvir a parte contrária). É, em regra, uma medida cautelar, mas já se pode falar em sentença
de liminar de mérito.

Dispõe o caput do art. 285-A do Código de Processo Civil:

Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver


sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos,
poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor
da anteriormente prolatada.

Muitas vezes, a liminar de mérito será proferida após a oitiva do réu, sendo que, em matéria criminal,
a absolvição liminar está prevista no Código de Processo Penal da seguinte maneira:

Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A e parágrafos deste


Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:

I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;

II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente,


salvo inimputabilidade;

III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou

IV – extinta a punibilidade do agente.

Hipótese mais radical de liminar de mérito, em matéria criminal, é a da Lei no 8.038, de 28.5.1990,
que prevê a absolvição sumária antes do recebimento da denúncia, isso nos procedimentos dos
crimes de competência originárias dos tribunais (art. 6o).

Algumas dúvidas podem nos assolar: como fica o devido processo legal em face de sentença liminar
de mérito? Tal medida só é possível na processualidade cível? Por que só é cabível sentença liminar
de mérito nos casos de improcedência do pedido?

5
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 493.

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PRISÃO CAUTELAR UNIDADE II

CAPÍTULO 1
Generalidades

Conceito e espécies básicas de prisão

Conceito e “distinção” de detenção


Prisão decorre do latim prehendere, que significa prender, segurar ou agarrar coisa ou pessoa. Por
isso, não se pode admitir manter uma pessoa impedida do direito de ir vir para averiguação ou como
detenção decorrente do poder de polícia estatal sem justo motivo.

É comum os policiais militares dizerem que não estão prendendo pessoas que praticaram supostos
crimes, mas apenas levando-as perante a autoridade policial. Data venia, retirar a pessoa de onde
gostaria de estar, ainda que não a retire do lugar, poderá caracterizar crime de sequestro ou de
cárcere privado (Código Penal, art. 148) e, no caso de policiais, o crime poderá ser o de abuso
de autoridade (Lei no 4.898, art. 4o, alínea “a”). Como é incabível a prisão para averiguação na
atualidade, é necessário certo cuidado em admitir a prática de conduzir à delegacia sob o manto de
estar praticando simples detenção.

Reclusão e detenção são espécies de pena privativa de liberdade, ou seja, espécies de prisão. Não se olvide
que tanto a reclusão como a detenção são espécies de prisão. Nesse sentido, o Projeto de Lei no 3.473/2000,
por exemplo, não fala mais em referidas espécies de pena privativa de liberdade, mas unicamente
em prisão.6

Espécies

Podemos afirmar que, doutrinariamente, as prisões classificam-se em: a prisão criminal e prisão
civil. Esta classificação tem em vista unicamente quem é o prolator do decreto da prisão, pois se a
ordem provém de juízo criminal a prisão terá essa natureza, mas se provier de qualquer outro juízo,

O problema de se fazer modificações pontuais na legislação é o surgimento de preceitos incompatíveis entre o CP e o CPP, haja
6

vista que aquele, no que concerne à liberdade provisória, vê importância na distinção, a qual, se suprimida unicamente no CP e
na LEP, criará para a interpretação da lei processual. A Itália, recentemente, enfrentou esse problema, o que foi criticado pela
doutrina (para verificar maiores considerações a respeito, vide: GRAZIANO, Giuseppe. Il futuro del diritto penale. Roma: Seam,
1999. p. 43-65).

14
LIBERDADE │ UNIDADE II

a prisão será civil. No entanto, a classificação é insuficiente para o que se pretende, razão da nossa
opção por outra.

Em classificação que consideramos mais técnica, verificamos as seguintes espécies básicas de prisão.

Civil – tal espécie não foi consagrada em nosso Direito. Ela, acima de tudo,
representa prisão decorrente de uma sanção civil, o que é defeso em nosso
direito.

Mesquita Júnior sustentou inexistir prisão por dívida, aduzindo:

No RE 466343/SP, o STF tende a declarar inconstitucional a prisão do


depositário infiel de arrendamento mercantil. Por isso, vem concedendo ordens
de habeas corpus em outros casos, até o julgamento definitivo daquele processo.
(Esclarecedores são os informativos do STF no 449, 450, 498 e 502, disponíveis
em: <http://www.stf.gov.br/portal/informativo/pesquisarInformativo.asp>.
Acesso em: 14.9.2008, às 18h50”)7

O julgamento do RE 466343/SP foi concluído, conforme Informativo no 531 do STF,

Em conclusão de julgamento, o Tribunal concedeu habeas corpus em que se


questionava a legitimidade da ordem de prisão, por 60 dias, decretada em
desfavor do paciente que, intimado a entregar o bem do qual depositário, não
adimplira a obrigação contratual — v. Informativos 471, 477 e 498. Entendeu-
se que a circunstância de o Brasil haver subscrito o Pacto de São José da Costa
Rica, que restringe a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável
de prestação alimentícia (art. 7o, 7), conduz à inexistência de balizas visando à
eficácia do que previsto no art. 5o, LXVII, da CF (“não haverá prisão civil por
dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável
de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;”). Concluiu-se, assim,
que, com a introdução do aludido pacto no ordenamento jurídico nacional,
restaram derrogadas as normas estritamente legais definidoras da custódia
do depositário infiel. Prevaleceu, no julgamento, por fim, a tese do status de
supralegalidade da referida Convenção, inicialmente defendida pelo Min.
Gilmar Mendes no julgamento do RE 466343/SP, abaixo relatado. Vencidos,
no ponto, os Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau,
que a ela davam a qualificação constitucional, perfilhando o entendimento
expendido pelo primeiro no voto que proferira nesse recurso. O Min. Marco
Aurélio, relativamente a essa questão, absteve-se de pronunciamento. HC
87585/TO, rel. Min. Marco Aurélio, 3.12.2008. (HC-87585).8

A tese que prevaleceu foi de que a norma de Direito Internacional é materialmente constitucional,
não se concebendo qualquer norma infraconstitucional que estabeleça prisão por dívida. De

7
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prisão e internação provisórias: natureza. Disponível em: <http://www.sidio.pro.br/
InternacoesNaturezas.doc>. Acesso em: 28.2.2009.
8
STF. Informativo n. 531. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/informativo/ verInformativo.asp?s1= depositário%
20e%20infiel&numero=531&pagina=4&base=INFO>. Acesso em: 28.2.2008.

15
UNIDADE II │ LIBERDADE

qualquer modo, ainda que fosse admitida a prisão do depositário infiel, esta seria coercitiva, não
uma sanção pelo descumprimento do dever civil.

Coercitiva – a prisão do depositário infiel judicial, salvo nos casos de


alienação fiduciária, bem como do alimentante que injustificadamente deixar
de prestar alimentos, caso seja admitida, será coercitiva, visto que, ao contrário
de sancionar, visará a obrigar a pessoa a adimplir obrigação.

Paira dúvida na jurisprudência sobre a possibilidade de determinar a prisão por dívida do


alimentante e do depositário judicial, discussão que não ficou muito bem esclarecida nos processos
em que o STF refutou a possibilidade da prisão do alienante fiduciário depositário do bem. Em
qualquer caso, a espécie básica de prisão será coercitiva, não prisão civil. É forte a tendência de se
manter a possibilidade da prisão do alimentante e do depositário infiel judicial. Aliás, tais prisões
coercitivas vem sendo decretadas sem maiores obstáculos.

É necessário indagar se a prisão do depositário infiel judicial, ainda que seja em


processo de arrendamento mercantil, é razoável.

Administrativa – a única prisão administrativa que é admitida é a do


militar, a qual independe de mandado judicial (Constituição Federal, art. 5o,
inc. LXI). Qualquer lei que venha autorizar prisão de caráter sancionatório
administrativo será inconstitucional.

Qualquer prisão, ainda que seu fundamento seja eventual descumprimento de norma administrativa,
dependerá de autorização judicial. Todavia, com respeito ao art. 319, inc. II, do Código de Processo
Penal, há quem sustente que a natureza continuará sendo administrativa9. Por entendermos que a
prisão administrativa é a decretada por autoridade administrativa, como sanção administrativa, a
reservamos ao caso de transgressão disciplinar militar.

A prisão de estrangeiro que estiver ilegalmente no Brasil só se justificará se presentes os requisitos


gerais das cautelares, ou seja, fumaça do bom direito e perigo da demora da decisão de retirada
do ilegal do país. Sua fundamentação será cautelar para uma providência administrativa, mas
dependente de determinação judicial. Todavia, ratifica-se, o decreto da prisão decorrerá da
necessidade de assegurar providência administrativa.

O estrangeiro que está ilegalmente no Brasil pode ser preso até o término do
processo. Pergunta-se: qual é a natureza da prisão?

A natureza cautelar da prisão do estrangeiro parece-nos evidente. O Estatuto do Estrangeiro (Lei


no 6.815, de 19.8.1980), a partir do seu art. 57, disciplina a deportação, a qual será imposta ao
estrangeiro que entrar ou permanecer ilegalmente no território nacional. Prevê o art. 61 da referida
lei que o Ministro da Justiça poderá decretar a prisão pelo prazo de 60 dias, prorrogável por igual

AQUINO, José Carlos G. Xavier de. NILINI, José Renato. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 219.
9

16
LIBERDADE │ UNIDADE II

prazo. A prisão até será possível, mas somente por ordem judicial e sendo incabível a prisão quando
possível a liberdade com ou sem fiança (CF, art. 5o, inc. LXVI), somente a sua cautelaridade poderá
justificar, ou seja, não terá a natureza de sanção a ser imposta por descumprimento de norma
administrativa.

Sanção – é a prisão que tem natureza de pena. Assim, somente a decorrente


de juízo criminal, em sentença condenatória transitada em julgado, será
prisão sanção.

A medida de segurança não terá natureza sancionatória. Destarte, ainda que o


juízo criminal imponha internação ao doente mental, esta não terá a natureza
de sanção, nem de prisão, mas de tratamento que se impõe ao doente mental
e que deve ser analisada sob a ótica do denominado Direito Sanitário. [ideia]

A execução da pena será examinada sob a ótica do Direito de Execução Criminal, o qual tem sua
autonomia declarada desde 1930, cujas regras estão expostas em nosso Código de Execução Criminal
(Lei no 7.210, de 11.7.1984)10. Daí não a enfrentarmos no presente momento.

Processual – proferida no curso de um processo como medida cautelar


necessária, cujos pressupostos básicos são: fumaça do bom direito (fumus boni
iuris) e perigo da demora do provimento judicial (periculum in mora).

O processo cautelar é autônomo, no sentido de que sua decisão pode ser diversa da proferida no
processo principal, bem como independente, visto que anda em separado, não ficando apensado ao
principal. Não obstante isso, ele visa a um provimento a ser proferido no processo principal. É em
tal contexto que emerge a prisão provisória, a qual pode ser: temporária, preventiva, decorrente de
sentença de pronúncia ou decorrente de sentença condenatória recorrível.

Estudamos as garantias constitucionais anteriormente. Verificamos que o Brasil,


em várias unidades federativas tem mais presos provisórios do que condenados. A
pergunta que se deve fazer é sobre a necessidade da prisão cautelar, tendo em vista
que ela pode estar sendo arbitrariamente determinada. Será que podemos prender
com muita frequência pessoas que têm em seu favor o estado de inocência, sabendo
que provavelmente a maioria não será condenada?

O advento da Lei no 12.403/2011


A lei no 12.403, de 04 de maio de 2011, alterou por completo a disciplina relativa à prisão cautelar. No
modelo anterior, o Juiz não tinha muitas opções para, de forma cautelar, restringir o indiciado ou acusado
de forma diversa à prisão. Na verdade, ou o indivíduo ficava livre, quase sem obrigações legais, salvo a
de comparecer em Juízo quando chamado e a de não se mudar da comarca em um ano ou ficava preso,
o que acabou gerando uma superlotação nas penitenciárias brasileiras de presos que sequer haviam
sido condenados.

MESQUITA JÚNIOR Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 4-6.
10

17
UNIDADE II │ LIBERDADE

Em sendo assim, a Lei no 12.403/11 criou uma terceira via, que seria a possibilidade de se impor
uma medida cautelar diversa da prisão cautelar. Tal alteração não foi a única, mas demonstra
claramente a intenção do legislador em racionalizar a prisão, a fim de que ela venha a cumprir
o preceito constitucional de ser utilizada unicamente como medida extrema e necessária para a
prevenção e repressão do crime.

Os artigos 282 a 300 dispõem sobre os aspectos gerais da prisão cautelar e das outras medidas
cautelares. Entretanto, para compreendê-los, faz-se imprescindível analisarmos o artigo 319 do CPP
que dispõe sobre as medidas cautelares diversas da prisão. São elas, segundo o referido artigo:

»» comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz,


para informar e justificar atividades;

»» proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias


relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais
para evitar o risco de novas infrações;

»» proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias


relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

»» proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou


necessária para a investigação ou instrução;

»» recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado


ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

»» suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica


ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de
infrações penais;

»» internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência


ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável
(art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

»» fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do


processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada
à ordem judicial;

»» monitoração eletrônica.

O §4o, do artigo 319 também prevê que a fiança poderá ser cumulada com outras medidas cautelares.
Por sinal, tal disposição é inútil, haja vista que o artigo 282, ao falar da aplicação das referidas
medidas afirma que estas podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente.

O artigo 282 impõe as regras para aplicação das medidas cautelares. Segundo o referido artigo, as
medidas serão aplicadas observando-se:

»» necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal


e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

18
LIBERDADE │ UNIDADE II

»» adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições


pessoais do indiciado ou acusado.

Dessa forma, não se pode exigir a proibição de manutenção de contato com alguém que nada tem a
ver com o crime ou a modalidade de crime praticada pelo indiciado/acusado. Da mesma forma, não
se pode suspender alguém do exercício da função pela prática de crime que em nada se coaduna com
seu labor. Todavia, nada impede, como já dito antes, de o Juiz aplicar diversas medidas, todas a fim
de adequá-las à gravidade do crime ou até mesmo às condições pessoais do indivíduo.

Ao se verificar o rol das medidas cautelares do artigo 319, tem-se clara a influência de leis como a
Maria da Penha e as medidas restritivas do sursis processual. Entretanto, algumas mudanças são
visíveis: não há período mínimo ou padrão de comparecimento, podendo até ser inferior a um mês.
Outra medida salutar foi a possibilidade de internação provisória de indivíduo incapaz ou semi-
incapaz, haja vista a dificuldade que antes da edição da lei havia, haja vista a falta de previsão legal.

E quem pode decretá-las? Aí se tem um problema de redação da lei. Dispõe o §2o que as medidas
cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso
da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do
Ministério Público.

Analisando o §2o, pensa-se em uma leitura rápida que o Juiz pode decretá-la de ofício em qualquer
momento. Entretanto, o parágrafo separa em dois blocos claros: a fase processual e a inquisitorial. Na
fase processual, o Juiz pode decretar de ofício ou a requerimento das partes. No curso da investigação
criminal só poderia ser por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do
Ministério Público. É o segundo diploma acerca de medidas cautelares que limitam o poder do Juiz
em, de ofício, atuar na fase inquisitorial.

O §3o prevê uma audiência preliminar, salvo nos casos de urgência ou de perigo de ineficácia da
medida, designada pelo Juiz, à qual o requerido da medida cautelar será intimado, a fim de apresentar
eventual justificativa a fim de impedir a aplicação da medida, respeitando-se, assim, o contraditório.

Na hipótese de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante


requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá:

»» substituir a medida;

»» impor outra em cumulação;

»» em último caso, decretar a prisão preventiva.

Caso não seja mais necessária, o Juiz poderá revogá-la ou substituí-la, bem como pode voltar a
decretá-la, caso sobrevenham razões que a justifiquem. Em não cabendo nenhuma medida cautelar,
em substituição à medida originária, o Juiz deverá decretar a prisão preventiva do acusado.

O artigo 283 faz uma síntese do sistema de prisão no Brasil. A prisão só pode ser decorrente de
sentença condenatória transitada em julgado, sendo aí prisão-pena, ou decorrente de flagrante
delito ou ordem judicial, sendo aí prisão de natureza processual ou cautelar.

19
UNIDADE II │ LIBERDADE

Entre as hipóteses de prisão cautelar decorrentes de ordem judicial só persistem hoje duas formas:
a prisão temporária e a prisão preventiva. Tais modalidades serão tratadas especificamente
mais abaixo.

O §2o, do artigo 283, faz remissão às limitações constitucionais relativas à inviolabilidade do


domicílio. Vale lembrar que o artigo 5o, XI, da Constituição Federal permite a violação do domicílio
na hipótese de flagrante delito e, mediante ordem judicial, sendo esta apenas durante o dia.

Por sinal, muito se discute sobre o conceito constitucional de dia, sendo o mais correto aquele que
entende que, em cada cidade, tem-se o horário no qual o Sol ainda está ativo. Em sendo assim,
a invasão de um domicílio, a fim de se cumprir um mandado de prisão, deverá respeitar não um
horário, mas, sim, ser verificada de acordo com a duração do dia em cada localidade.

Durante a prisão, não será permitido o emprego da força, salvo a indispensável no caso de resistência
ou de tentativa de fuga do preso, inclusive no tocante a terceiros, em que a força poderá ser utilizada,
não só para que se cumpra o ato, como para a própria defesa, devendo, nesse último caso, nos
moldes do artigo 292 do Código de Processo Penal, ser lavrado um auto subscrito também por duas
outras testemunhas.

O mandado de prisão será passado em duplicata, e o executor entregará ao preso, logo depois da
prisão, um dos exemplares, com declaração do dia, hora e lugar da diligência. O preso dará recibo
no outro exemplar. Caso recuse, não saiba ou não possa escrever, o fato será mencionado em uma
declaração, a qual será assinada por duas testemunhas.

Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará à prisão, e o preso, em
tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado. Da mesma forma,
ninguém será recolhido à prisão, sem que seja exibido o mandado ao respectivo diretor ou carcereiro,
a quem será entregue cópia assinada pelo executor ou apresentada a guia expedida pela autoridade
competente, devendo ser passado recibo da entrega do preso, com declaração de dia e hora.

A lei no 12.403/2011 alterou também o artigo 289, inserindo o 289-A. O primeiro artigo trata da
carta precatória, segundo a qual, estando um indivíduo com mandado de prisão dentro do território
nacional, mas fora da jurisdição do juiz processante, será deprecada a sua prisão. Agora, qualquer
meio de comunicação é admitido, em caso de urgência, devendo constar sempre o motivo da
prisão, bem como o valor da fiança, devendo a autoridade a quem se fizer a requisição verificar a
autenticidade da comunicação.

Outra inovação da lei foi a exigência de remoção do preso pelo juiz processante pelo prazo máximo
de trinta dias, contados da efetivação da medida.

Já o artigo 289-A prevê que todo mandado de prisão deverá ser registrado em um banco de dados
mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que regulamentará a matéria. Em pleno século
XXI, é inadmissível que não haja um cadastro nacional confiável de mandados de prisão, precisando
a lei estipular tal previsão com a reforma. Em sendo assim, qualquer agente policial poderá, a partir
da edição da lei, efetuar a prisão determinada no mandado de prisão registrado no CNJ, mesmo
que fora da competência territorial do juiz que a expediu. A ideia é que em pouco tempo, com a
alimentação desse sistema, a busca por indivíduos foragidos seja bem mais eficiente.

20
LIBERDADE │ UNIDADE II

Mesmo que não haja o registro no CNJ, qualquer agente policial poderá efetuar a prisão, adotando
as precauções necessárias para averiguar a autenticidade do mandado. Nesse caso, ele precisa
comunicar ao juiz que a decretou, devendo este providenciar o referido registro.

A comunicação ao juiz não será apenas ao juiz que ordenou a prisão, mas ao juiz da localidade do
cumprimento da medida, devendo também ser comunicado à Defensoria Pública, caso o preso não
informe o nome do seu advogado, sendo o preso informado de seus direitos.

Caso o réu venha a ser perseguido e passar a um outro município, a Polícia pode efetuar a prisão
onde alcançar o indivíduo, devendo apresentá-lo imediatamente à autoridade local, que após a
lavratura da prisão em flagrante, providenciará para a remoção do preso. A perseguição do réu
ocorre quanto tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido
de vista e quando, sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há
pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal tem antigo entendimento que a não apresentação do preso
à autoridade local não gera nulidade e sim, mera irregularidade, praticamente tornando inócuo o
referido artigo11.

O CPP também prevê que, se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se
encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não
for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na
casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se
não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça,
arrombará as portas e efetuará a prisão. Obviamente pode o morador responder, se for o caso, por
favorecimento pessoal.

A prisão especial vem prevista no artigo 295. Ressalte-se que ela só ocorre antes da condenação
definitiva, devendo o preso se juntar ao restante da população carcerária após o trânsito em julgado
da decisão. Tem-se aí uma medida preconceituosa, segundo a qual alguns presos provisórios têm
direito de ficar em um estabelecimento de melhor qualidade. A Lei no 10.258/2001 diminuiu essa
distinção, incluindo os §§ 1o a 5o, afirmando que a prisão especial consiste exclusivamente no
recolhimento em local distinto da prisão comum, devendo ser recolhido o preso especial em cela
distinta caso não haja estabelecimento adequado. Outra distinção é a proibição do transporte de
presos comuns e especial de forma conjunta.

A questão é: quem tem direito a prisão especial? O CPP aponta as respectivas pessoas:

»» Ministros de Estado;

»» Governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito


Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os
chefes de Polícia;
11 HABEAS CORPUS. VÍCIOS DE INQUERITO POLICIAL. SENDO O INQUERITO POLICIAL MERO PROCEDIMENTO
INFORMATIVO, OS VÍCIOS NELE ACASO EXISTENTES NÃO AFETAM A AÇÃO PENAL. AUTO DE FLAGRANTE LAVRADO
COM INFRINGENCIA DO ARTIGO 290 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SUA NULIDADE GERA APENAS A INEFICÁCIA
DA PRISÃO, NÃO INFLUINDO NA AÇÃO, JÁ INICIADA, COM DENÚNCIA RECEBIDA. RECURSO IMPROVIDO. (RHC 65289,
Relator(a): Min. CARLOS MADEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/8/1987, DJ 04-09-1987 PP-18287 EMENT VOL-01472-
02 PP-00306)

21
UNIDADE II │ LIBERDADE

»» Membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das


Assembleias Legislativas dos Estados;

»» Cidadãos inscritos no “Livro de Mérito”;

»» Oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios;

»» Magistrados;

»» Diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;

»» Ministros de confissão religiosa;

»» Ministros do Tribunal de Contas;

»» Cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando


excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função;

»» Delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.

Vale lembrar que não se pode misturar preso provisório com preso com condenação definitiva (art.
300), devendo os militares serem recolhidos a quartel da instituição a que pertencerem.

Dessa forma, essas regras comuns às modalidades de prisão são complementadas pelas normas
específicas de cada uma destas.

22
CAPÍTULO 2
Prisão temporária

Conceito
Prisão temporária é a prisão a ser concedida na fase do inquérito policial, com prazo determinado,
para facilitar a investigação do fato criminoso. Sua natureza cautelar é extremamente discutível, em
face dos elásticos e vagos requisitos insertos em lei. Assim, é uma espécie de prisão que precisa ser
pensada com certo cuidado.

O instituto da prisão temporária foi introduzido, no direito brasileiro, pela Lei no 7.960, de 21.12.1989,
mediante conversão da Medida Provisória no 11, de 24.11.1989, seguindo uma tendência político-
criminal conhecida como “lei e ordem”, de endurecimento de tratamento processual criminal e
aumento de pena de diversas figuras delituosas.

Atendeu-se aos reclames de uma esfera da sociedade que então vinha sendo vítima de vários
delitos contra o patrimônio e contra a vida. Pouco mais de seis meses depois, foi editada a lei
dos crimes hediondos (Lei no 8.072, de 25.7.1990). Não se trata, porém, de medida exclusiva
da legislação brasileira, pois a adotam entre outros países, como Portugal, Espanha, França,
Itália, Estados Unidos etc. Trata-se, então, de medida acauteladora de restrição da liberdade de
locomoção por tempo determinado, destinada a possibilitar as investigações a respeito de crimes
graves durante o inquérito policial.12

Os movimentos de lei e ordem são criticados pela doutrina pátria e estrangeira, não obstante terem
servido de palanques eleitorais para políticos inescrupulosos, sendo notória a campanha de Jorge
Walker Bush, em nome do combate ao terrorismo e de um certo prefeito que sustentou “tolerância
zero ao crime”. Não é isso que o cientista do Direito deve pretender. Uma análise científica do Direito
nos leva à seguinte conclusão: “...o açodamento do legislador, diante dos emergentes reclamos sociais
então existentes, redundou numa lei que, no mínimo, peca pela ausência de técnica processual”.13

É importante salientar que assiste razão à corrente doutrinária que sustenta ser a lei inconstitucional
por vício de origem14, o qual não pode ser sanado pela simples conversão da medida provisória em
lei, pois a Constituição Federal, ao vedar a instituição de norma processual por medida provisória
(art. 62, § 1o, alínea “b”), tinha em vista um procedimento legislativo mais seguro, mediante discussão
bicameral, o que não ocorreu em relação a referida lei. Entretanto, em sentido contrário, o STF decidiu:

EMENTA: – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA


PROVISÓRIA No 11/89. PRISÃO TEMPORÁRIA. PEDIDO DE LIMINAR. – Os
conceitos de relevância e de urgência a que se refere o artigo 62 da Constituição,
como pressupostos para a edição de Medidas Provisórias, decorrem, em

12
FABBRINI, Renato Nalini; MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 424.
13
DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALUF, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 187.
14
Nesse sentido: RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 616.

23
UNIDADE II │ LIBERDADE

princípio, do Juízo discricionário de oportunidade e de valor do Presidente


da República, mas admitem o controle judiciário quando ao excesso do poder
de legislar, o que, no caso, não se evidencia de pronto. – A prisão temporária
prevista no artigo 2o da referida Medida Provisória não é medida compulsória a
ser obrigatoriamente decretada pelo juiz, já que o despacho que a deferir deve
ser devidamente fundamentado, conforme o exige o parágrafo 2o do mesmo
dispositivo. – Nessa oportunidade processual, não se evidencia manifesta
incompatibilidade entre o parágrafo 1o do artigo 3o da Medida Provisória no
11 e o disposto no inciso LXIII do artigo 5o da Constituição, em face do que
se contém no parágrafo 2o do artigo 3o daquela, quanto à comunicação do
preso com o seu advogado. – Embora seja relevante juridicamente a arguição
de inconstitucionalidade da criação de delito por Medida Provisória, não
está presente o requisito da conveniência, pois o artigo 4o da citada Medida
Provisória, impugnado sob esse fundamento, apenas se destina a coibir abuso
de autoridades contra a liberdade individual. – A disposição de natureza
processual, constante do artigo 5o da Medida Provisória no 11, que estabelece
plantão de 24 horas em todas as Comarcas e Sessões Judiciais do País, não tem
o relevo jurídico necessário para a concessão de providência excepcional como
é concessão de liminar, em ação direta de inconstitucionalidade. – Pedido de
liminar indeferido.”15

O STF tem o dever de decidir juridicamente, reservando sua decisão política aos casos que houver
efetivo interesse público, sendo que a instituição policialesca não pode interessar a toda população,
senão àqueles afetados pelos crimes inseridos no rol do inc. III, do art. 1o, da Lei no 7.960/1989.
Outrossim, o gravame pela possibilidade de prisão temporária sequer foi mencionado pelo relator.

A prisão temporária surgiu como uma resposta à proibição constitucional de prisão para averiguação.
Trata-se de uma prisão que SÓ PODERÁ SER DECRETADA NA FASE DE INQUÉRITO. Seu
tratamento vem na lei no 7.960/89.

As hipóteses de cabimento vêm em seu artigo 1o. A redação desse artigo é, sem dúvida, uma das
piores da legislação brasileira. Dispõe o artigo 1o que:

Art. 1° Caberá prisão temporária:

I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II – quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos


necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida
na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2o);

b) sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1o e 2o);

“STF. Pleno. ADI-MC 162/DF. Min. Moreira Alves. Julgamento: 14.12.1989. DJ, Seção 1, de 19.9.1997. p. 4525.
15

24
LIBERDADE │ UNIDADE II

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1o, 2o e 3o);

d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1o e 2o);

e) extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, e seus §§ 1o, 2o e 3o);

f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo
único);

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art.
223, caput, e parágrafo único);

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo
único);

i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1o);

j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal


qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) genocídio (arts. 1o, 2o e 3o da Lei n° 2.889, de 1o de outubro de 1956), em


qualquer de sua formas típicas;

n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei no 6.368, de 21 de outubro de 1976);

o) crimes contra o sistema financeiro (Lei no 7.492, de 16 de junho de 1986).

É necessário atender aos três incisos do art. 1o da Lei no 7.960/1989 para a prisão
temporária, ou basta o atendimento a um deles?

Caberia, por exemplo, uma prisão temporária pelo simples fato de o indivíduo
praticar um delito grave? Ou imagine qualquer indivíduo não precisar mais ser preso
pelo simples fato de fornecer sua identidade e ter residência fixa?

Ante essa péssima redação, a jurisprudência pátria pacificou o entendimento da


necessidade da ocorrência do inciso III e da existência de um dos requisitos dos
incisos I e II. Dessa forma, caberá prisão temporária nas seguintes hipóteses:

»» Inciso I + Inciso III

»» Inciso II + Inciso III

É prisão processual e, portanto, não pode prescindir dos pressupostos básicos de toda cautelar, a
saber, fumaça do bom direito e perigo da demora do provimento judicial. É, portanto, necessário
analisar com prudência a lei. Com efeito, a péssima redação do art. 1o, inc. I, levaria a uma “norma
legal odiosa e contrária à tradição do processo penal brasileiro”16; eis que sua interpretação literal
levaria à possibilidade de pessoas que, sabendo do crime, não tivessem parte no mesmo.

FABBRINI, Renato Nalini; MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 425.
16

25
UNIDADE II │ LIBERDADE

Não se pode pretender estabelecer uma prisão calcada apenas na ideia da sua utilidade para
esclarecimento do fato. Nesse sentido, importante é a posição de Mesquita Júnior, no sentido de
que Niccolò Machiavelli afirmou que “toda ação é designada em termos do fim que procura atingir”,
não corresponde à máxima “os fins justificam os meios”17. Com efeito, a análise deve ser outra,
sendo oportuno expor:

A razão para Maquiavel não dizer isso se torna muito clara. Ele não está de
forma alguma interessado na justificação dos meios, pois considera-os como os
racionalmente destinados a chegar a um fim. A justificativa não é necessária,
e tal problema só surge quando precisamos comparar essa racionalidade em
termos da necessidade da situação com alguma convicção moral, religiosa ou
ética. Foi esse precisamente o problema que Maquiavel eliminou quando disse
que a própria organização, ou seja, o Estado, é o valor mais alto além do qual
não existe um limite.18

A fumaça do bom direito, essencial à prisão cautelar, é o fumus comissi delicti, o qual significa
plausividade de que a pessoa tenha cometido o delito, sendo imperiosos os indícios de autoria e a
prova da materialidade do crime, não bastando os elementos objetivos do fato, pois crime é algo
mais que fato típico.

Procedimento
O procedimento, de acordo com o art. 2o da Lei no 7.960/1989, é de que a prisão temporária pode
ser decretada “em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério
Público”. Não se prevê, portanto, a possibilidade de decretação de ofício pelo juiz, mesmo porque
a medida só se justifica durante o inquérito policial. Mesmo que o inquérito inconcluso chegue
às mãos do juiz, por exemplo, com pedido de prazo para ultimação etc., não pode o magistrado
determinar, sem pedido, a custódia, que é sempre condicionada à iniciativa de autoridade policial
ou do Ministério Público.

Apresentada a representação da autoridade policial, antes de decidir, deve ouvir o Ministério


Público, que opina, livremente, em favor ou não da representação, não vinculando seu parecer à
decisão do magistrado. É evidente que tanto a representação quanto o requerimento devem conter
as razões que indicam a necessidade ou conveniência da medida, expondo seu subscritor quais os
fundamentos em que se apoia o pedido.

O juiz tem o prazo de 24 (vinte e quatro) horas, contado a partir do recebimento de representação
ou do requerimento, para decidir sobre a prisão, em despacho fundamentado, sob pena de nulidade.
Como a medida cautelar se justifica pela urgência no esclarecimento dos fatos, dispõe a lei que, em
todas as comarcas e seções judiciárias, deverá haver um plantão permanente de vinte e quatro horas
no Poder Judiciário e no Ministério Público para apreciação da prisão temporária.

17
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Mudanças são necessárias: o Brasil precisa mudar sua Constituição Federal, seus
representantes e, talvez, seu povo. Considerações sobre o reajuste dos subsídios dos parlamentares. Teresina: Jus Navigandi,
ano 11, n. 1271, 24.12.2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9322>. Acesso em: 4.4.2009.
18
FHIEDRICH, Cel. J. Uma introdução à teoria política. In MOREIRA, Marcílio Marques. Maquiavel: vida e pensamentos. São
Paulo: Martin Claret, 1997. p. 85.

26
LIBERDADE │ UNIDADE II

Terminado o prazo legal (ou realizada a diligência), não sendo o caso de prorrogação, o preso
deve ser posto em liberdade, salvo se já tiver sido decretada sua prisão preventiva, sob pena de
responsabilização por crime de abuso de autoridade (Lei no 4.898/1965, art. 4o, inciso I).

O prazo de duração da prisão temporária é de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período, em
caso de extrema e comprovada necessidade. A Lei no 8.072/90 em seu artigo 2o, §4o, dispôs que na
hipótese de crime hediondo, a prisão será de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período.

Vale lembrar que o tempo de prisão temporária conta para fins de detração da pena. Todavia, a
prisão temporária é absolutamente independente dos prazos previstos no CPP acerca da tramitação
do inquérito. Em outras palavras, nada impede que uma prisão em flagrante seja convertida em
preventiva e, antes do encerramento do prazo da autoridade policial ou durante o prazo para
oferecimento de denúncia pelo Ministério Público, seja decretada a prisão temporária, cujo efeito
será o de uma verdadeira suspensão do prazo.

27
CAPÍTULO 3
A Prisão no crime de porte de drogas

Não houve descriminalização


Com a redação atual do art. 28 da Lei no 11.343, de 23.8.2006, o delito de porte de drogas não é mais
punido com pena de detenção, tampouco pagamento de multa, como o era no art. 16 da Lei no 6.368
de 1967. Desde 8 de outubro de 2006, o usuário, flagrado portando maconha, cocaína, crack, não
poderá sequer ser preso (art. 48, § 2o da mencionada lei), ante a vedação legal.

Consoante a nova lei, através do art. 28, as penas previstas para o usuário de drogas consistem em:
advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; e medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo.

Além de retirar a pena de detenção e a de multa do usuário condenado, ainda prevê a lei atual
uma desconcertante e desafortunada advertência sobre os efeitos das drogas. Para prever tal
reprimenda, partiu o legislador da premissa que o usuário desconhece os consectários do uso de
drogas? Caso afirmativo, é de se lamuriar estar o legislador desprovido de informações sobre a
hodierna sociedade, pois os usuários são, geralmente, aqueles que mais conhecem os efeitos das
drogas, sendo os malefícios, por mais que isso possa incomodar a inteligência de quem redigiu a lei,
um dos atrativos do uso.

Luiz Flávio Gomes et al. afirmam que, legalmente, no Brasil, “crime” é a infração penal punida com
reclusão ou detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa); não há dúvida de
que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser “crime”, porque as sanções
impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a
programas educativos – art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão19.

Afirma o autor que justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal
(que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). Em outras palavras: a nova lei de
tóxicos, no art. 28, descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-
lhe a etiqueta de “infração penal”, porque de modo algum permite a pena de prisão. E, sem pena
de prisão, não se pode admitir a existência de infração “penal” no nosso país. Infração sui generis:
diante de tudo quanto foi exposto, conclui-se que a posse de droga para consumo pessoal passou a
configurar uma infração sui generis. Não se trata de “crime” nem de “contravenção penal”, porque
somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a pena de prisão. De qualquer
maneira, o fato não perdeu o caráter de ilícito (recorde-se: a posse de droga não foi legalizada).
Constitui um fato ilícito, porém não penal, mas, sim, sui generis.20

19
GOMES, Luiz Flávio. Dos crimes e das penas. GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Nova lei de drogas: Lei no 11.343, de 23.8.2006.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 118-119.
20
Ibidem.

28
LIBERDADE │ UNIDADE II

Não se pode, de outro lado, afirmar que se trata de um ilícito administrativo, porque as sanções
cominadas devem ser aplicadas não por uma autoridade administrativa, mas, sim, por um juiz (juiz
dos juizados ou da vara especializada). Em conclusão: nem é ilícito “penal” nem “administrativo”: é
um ilícito sui generis.

Poder-se-ia afirmar que se a posse de droga para consumo pessoal passou a ser infração sui generis
(não se trata mais nem de “crime” nem de “contravenção penal”), parece ser coerente afirmar que
esse fato tampouco pertence ao Direito “penal”. O tratamento conferido ao usuário, na nova lei de
tóxicos, constitui, então, sem sombra de dúvida, exemplo de Direito judicial sancionador.

Em sentido contrário ao exposto, Alexandre Bizzotto e Andreia Rodrigues sustentam que houve
despenalização da conduta21. Diversamente, Mesquita Júnior informa haver crime e pena no art.
38 da Lei no 11.343/200622. Criminalização, despenalização e descriminalização: antes da Lei no
9.099/95 (lei dos juizados criminais), o art. 16 da Lei no 6.368/1976 contemplava a posse de droga
para consumo pessoal como criminosa, cominando-lhe pena de seis meses a dois anos de detenção.
A conduta que acaba de ser descrita era “problema de polícia” e levava muita gente para a cadeia.
.

Essa discussão sobre o art. 28 da Lei no 11.343/2006 foi levada ao STF. Você está
apto a dizer quais são as consequências processuais da posição adotada por
aquele tribunal?

Adotava-se a política da criminalização. Porém, a partir da Lei no 9.099/1995, permitiu-se (art. 89) a
suspensão condicional do processo e, desse modo, abriu-se a primeira perspectiva despenalizadora
em relação à posse de droga para consumo pessoal. Afastou-se a resposta penal dura precedente,
sem retirar o caráter criminoso do fato.

21
BIZZOTTO, Alexandre; RODRIGUES, Andreia de Brito. Nova lei de drogas: comentários à Lei no 11.343, de 23 de agosto de
2.006. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 39-40.
22
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Comentários à lei antidrogas: Lei no 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. p. 34.

29
CAPÍTULO 4
Prisão em flagrante. Formas de flagrante

Conceito de prisão em flagrante e


sua natureza
Flagrante decorre do latim flagrans, significando ardente, abrasador. Desse modo, prisão em
flagrante é a privação da liberdade que se dá no momento em que o crime ainda arde, ainda está
“em brasas”. Assim, é a prisão que se dá no momento do crime ou logo depois de sua realização.

A prisão em flagrante tem a natureza de medida cautelar que visa a resguardar a ordem social,
servindo de meio preventivo para inibir a prática de outros delitos. Também constitui um
expediente facilitador das evidências do fato-crime e um relevante elemento de prova, no que toca à
culpabilidade. Flagrante é uma qualidade do delito, é o delito que está sendo cometido, praticado, é
o ilícito patente, irrecusável, que permite a prisão do seu autor, sem mandado por ser considerado
a “certeza visual do crime”.

Flagrante é um ato complexo: consiste na detenção, voz de prisão, encaminhamento à delegacia,


lavratura do respectivo auto e encerramento. A voz de prisão é a legitimidade da detenção, enquanto
o encaminhamento para a delegacia serve para a autoridade policial autuar o flagrante, afim de
que seja verificada a legalidade da prisão. Esta também deverá ser imediatamente comunicada ao
juízo competente, à família do preso ou à pessoa por ele indicado, ao Ministério Público (art.10
da Lei Complementar no 75/93) e ao Defensor Público, conforme art. 306 do CPP, com redação
dada pela Lei no 11.449/2007, nos casos previstos. Tanto o delegado de polícia, em um primeiro
momento, como o juiz tem o dever de avaliar a necessidade da lavratura do flagrante e a legalidade
e necessidade da prisão.

A prisão é a privação da liberdade de locomoção por determinação escrita da autoridade competente


ou em caso de flagrante delito. Assim, por permissão constitucional, pode-se efetuar a prisão sem
mandado judicial nas hipóteses de flagrante delito (art. 50, inciso LXI da Constituição Federal
de 1988).

Em regra, qualquer pessoa pode ser presa em flagrante. Todavia há exceções, pois não podem ser
presos em flagrante delito: os diplomatas estrangeiros a serviço de seu país; o Presidente a República
(art. 86, § 3o, CF). No entanto, os membros do Congresso Nacional e deputados estaduais só podem
ser presos em flagrante nos crimes inafiançáveis (art. 53, § 2o c/c art. 27, §1o, CF), bem como os
magistrados (art. 33, II da Lei Complementar no 35/79) e membros do Ministério Público (art. 40,
III da Lei no 8.625/93).

Impede o flagrante a apresentação espontânea à autoridade competente, a chamada “prisão


por apresentação”. Contudo o flagrante só será ilegal, quando ignorada a autoria do delito, ou
se fracassada a perseguição empreendida contra o infrator conhecido. Neste sentido: STF – RT

30
LIBERDADE │ UNIDADE II

616/400; 584/447. Em qualquer caso de prisão em flagrante, a autoridade ou seus agentes digam
ou se registre no auto a expressão “voz de prisão”, mencionada no art. 307.

Vê-se o seguinte precedente:

HC 90526/SP – SÃO PAULO HABEAS CORPUS

Relator(a): MARCO AURÉLIO

Julgamento: 24/04/2007

Órgão Julgador: Primeira Turma

Publicação: DJ 22.6.2007. p. 40

Ementa

HABEAS CORPUS – ENVERGADURA – VERBETE no 691 DA SÚMULA


DO SUPREMO – TEMPERAMENTO. A necessidade de compatibilização do
Verbete no 691 da Súmula do Supremo com a Constituição Federal é conducente
a examinar-se caso a caso, partindo-se para a admissibilidade da impetração
uma vez configurado ato ilícito a alcançar, na via direta, a liberdade do cidadão.

PRISÃO EM FLAGRANTE – RELAXAMENTO. As circunstâncias e a gravidade


do crime não servem à manutenção da prisão, ainda que formalizada em
flagrante.

Decisão

A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.


Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra
Cármen Lúcia. 1ª. Turma, 24.04.2007.

Deve-se observar que a regra da manutenção da prisão por ser resultante de crime hediondo era
inconstitucional. Daí a Lei no 11.764, de 28.3.2007, ter alterado o art. 2o, inc. II, da Lei no 8.072,
de 11.12.1990. Com isso, prevalece a regra constitucional de que ninguém deve ser mantido preso
quando couber liberdade provisória (com ou sem fiança).

O artigo 301 do CPP prevê que qualquer um do povo pode efetuar uma prisão em flagrante,
enquanto as autoridades policiais devem. Trata-se, na primeira hipótese de um exercício regular
de direito e de um estrito cumprimento do dever legal no segundo caso. Entretanto o que configura
a prisão em flagrante?

Espécies
O art. 302 do Código de Processo Penal, que considera flagrante de delito quem “está cometendo
a infração penal” (inciso I) e quem acaba de cometê-la (inciso II), estabelece o que se denomina de
flagrante próprio, real ou flagrante propriamente dito. A lei igualou duas situações diversas, mas
em dispositivos diversos: a de quem foi surpreendido no ato da execução do crime e a de quem já

31
UNIDADE II │ LIBERDADE

esgotou os atos de execução, causando o resultado jurídico de dano ou de perigo (morte, lesões,
dano material etc.), encontrando-se, ainda, no local do fato ou nas suas proximidades, em situação
indicativa de que cometeu o ilícito.

Dá-se a denominação de flagrante impróprio, ou quase-flagrante, à prisão daquele que é perseguido


em situação que faça presumir ser o autor da infração. Há, nos termos da lei, uma presunção da
autoria da conduta delituosa que, pela tradição jurídica, é equiparada à flagrância própria para
o efeito da prisão, mas que dela se distingue, porque, enquanto esta diz respeito ao próprio
cometimento do crime, na sua evidência de atualidade, aquela se refere ao tempo e lugar próximos
da infração. O que deixa dúvidas é a expressão “logo após”, havendo um entendimento de que esta
expressão é tempo que ocorre entre a prática do delito e a colheita de informações a respeito da
identificação do autor, que passa a ser imediatamente perseguido após essa rápida investigação
procedida por policiais ou particulares.

A título de curiosidade, o Superior Tribunal de Justiça já aceitou como legal o flagrante ocorrido 3
horas após a prática do crime, na hipótese do inciso III23.

O nome flagrante presumido decorre do fato de não ser sequer quase flagrante, o flagrante decorre
de indícios da ocorrência de crime com base em objetos e instrumentos de crime noticiado, mas sem
outros elementos que vincule a pessoa ao fato. É o caso da prisão do que é encontrado, logo depois
da infração, como instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da
infração (art. 302, IV). É o caso em que a pessoa é encontrada e não perseguida. Nessa hipótese,
nada mais é exigido além de estar o autor na posse de coisas que o indigitem como agente do delito
acabado de cometer. Não permite a lei que, fora dessa situação, se prenda o agente meramente por
ter confessado a prática do ilícito. É necessário, para a caracterização do flagrante presumido, que a
prisão ocorra “logo depois” do crime.

Há decisões do STJ admitindo um intervalo grande, que ultrapassa 10 horas24. Todavia, tal prazo
não pode ser tão elástico, a ponto de se imaginar que outra conduta fora praticada, como é no caso

23 HC. PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO DOLOSO PROVOCADO POR VEÍCULO QUE, PROPOSITADAMENTE, FOI
ARREMESSADO CONTRA MOTOCICLISTA. FLAGRANTE IMPRÓPRIO.
Improcede a alegação de que não foram encontrados com o paciente instrumentos, armas ou objetos que indicassem a autoria.
É que o instrumento fatal que provocou o decesso da vítima foi o próprio veículo automotor conduzido pelo paciente. Ademais,
subsiste nos autos o reconhecimento da autoria e da materialidade do delito, haja vista que o condutor do veículo foi localizado e
preso ao socorrer uma das vítimas e em momento algum negou ter sido ele o causador do evento. Prisão efetuada 3 horas após a
ocorrência do fato delituoso em circunstâncias que configuram a chamada quase flagrância prevista no art. 302, inc. III, do CPP.
Precedentes.
Ordem denegada.
(HC 8.303/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 8/6/1999, DJ 16/8/1999, p. 78)
24 HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO EM FLAGRANTE. FLAGRANTE PRESUMIDO
(ART. 302, INCISO IV, DO CPP). HIPÓTESE CONFIGURADA. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. INSTRUÇÃO
CRIMINAL CONCLUÍDA. SÚMULA Nº 52/STJ.
Não há que se falar em nulidade da prisão em flagrante se a mesma encontra fundamento no art. 302, inciso IV, do CPP
(flagrante presumido).
“A expressão ‘logo após’ permite interpretação elástica, havendo maior margem na apreciação do elemento cronológico, quando
o agente é encontrado em circunstâncias suspeitas, aptas, diante de indícios, a autorizar a presunção de ser ele o autor do delito,
estendendo o prazo a várias horas, inclusive ao repouso noturno até o dia seguinte, se for o caso.” (HC nº 7622/MG, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJ de 08/9/1998).
Concluída a instrução criminal e estando o feito pronto para a prolação de sentença, incide a Súmula nº 52/STJ, afastando a
alegação de excesso de prazo da prisão processual.
Ordem denegada.
(HC 21.111/RN, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 11/06/2002, DJ 1/7/2002, p. 367)

32
LIBERDADE │ UNIDADE II

de um roubo, em que o bem já poderia ter sido repassado e, com isso, ter-se-ia, no máximo, uma
receptação dolosa por parte do agente.

Há o flagrante em crime permanente e crime habitual, previsto pelo art. 303, nas infrações permanentes,
que é o caso do agente em flagrante de delito enquanto não cessar a permanência do mesmo. Nessa
espécie de ilícito, a consumação se prolonga no tempo, dependendo da vontade do agente, como
ocorre nos crimes de sequestro (art. 148, do CP), de extorsão mediante sequestro (art. 159, do CP) etc.
Nesses casos, o crime está sendo cometido durante o tempo, a consumação, havendo, pois, caso típico
de flagrância.

O flagrante em crime de ação de iniciativa privada, o art. 301 não distingue, referindo-se
genericamente a todos que se encontram em “flagrante delito”. Assim, nada impede que a captura
ocorra nos crimes que se apuram mediante ação penal pública dependente de representação ou de
ação privada.

Embora a lei processual silencie-se a respeito, é pacífico, na doutrina e na jurisprudência, capturado


o autor da infração penal, que se apure por essas espécies de ação; deve ser ouvida a vítima ou
seu representante legal, para que ofereça a representação ou manifeste o desejo de oferecer queixa
oportunamente. Como afirma Fernando de Almeida Pedroso, a prisão deve ser ratificada pela vítima
ou seu responsável dentro do prazo para a expedição da nota de culpa (24 horas).

Evidentemente, como nas hipóteses, a denúncia ou a queixa deverão ser oferecidas no prazo de 5 dias
da vista ao Ministério Público, no primeiro caso, ou de distribuição dos autos ao juízo competente,
no segundo, sob pena de relaxamento da prisão. Na segunda hipótese, de ação privada, aplica-se
o art. 46, por analogia. O relaxamento da prisão não impedirá, entretanto, a denúncia ou a queixa,
respeitado o prazo de decadência (art.38).

Flagrante preparado é o caso da súmula no 145 do STF, “não há crime quando a preparação do
flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. A jurisprudência, com fundamento nesse
enunciado, tem afirmado que não pode ser autuado em flagrante o agente de crime provocado,
ou seja, quando o agente é induzido à prática de um crime pela “pseudovítima”, por terceiro ou
pela polícia, no caso, chamado de agente provocador. Não há crime nesse caso. Tal situação não se
confunde, segundo se tem decidido, com o flagrante esperado, em que a atividade policial é apenas
de alerta, sem instigar o mecanismo causal da infração, em que procura colher a pessoa ao executar
a infração, frustrando a sua consumação, quer porque recebeu informações a respeito do provável
cometimento do crime, quer porque exercia vigilância sobre o delinquente.

Crime é fato típico ilícito culpável, sendo que para o estudo do crime impossível é mais importante
a análise do fato típico. Este é a conduta humana que se adequa ao tipo, produzindo um resultado
(normativo ou naturalístico) proibido pela lei penal. Dessa forma, são elementos do fato típico:
conduta; resultado; relação de causalidade; e tipicidade. Seu estudo passou por diversas
transformações, na medida em que evoluimos do causalismo para o finalismo, deste para a doutrina
social e, finalmente, para a imputação objetiva.

Interessa para o estudo do crime impossível a análise da tipicidade, visto que ele é aquele “crime”
que, na verdade, não existiu, seja por absoluta impropriedade do objeto ou ineficácia do instrumento.

33
UNIDADE II │ LIBERDADE

Mas não é somente a tipicidade que nos interessa. Aqui, são importantes os conceitos de conduta e
de resultado, visto que eles estão intimamente ligados ao art. 17 do Código Penal.

Preceitua o art. 17 do CP: “Art. 17 – Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio
ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.

Nos delitos de resultado (materiais), a consumação depende da produção do resultado destacado


da conduta. Como a lei consagra em alguns tipos o resultado naturalístico, tornando obrigatória sua
ocorrência para a consumação, nesses casos, torna imperiosa a análise do crime impossível.

O Código Penal se refere expressamente à “ineficácia do meio ou absoluta impropriedade


do objeto”, tornado imperioso destacar que não há qualquer inconveniente em se falar em
impropriedade do meio e do objeto, tendo em vista que impropriar significa “aplicar mal”,25 sendo
que a má aplicação do instrumento, seja devido à técnica, ou por incapacidade para a produção
do resultado, resultará na sua ineficácia. Outrossim, aplicar um instrumento contra um objeto
impróprio também é “aplicar mal”, razão pela qual não foi feita aqui a distinção entre ineficácia
e impropriedade.

A impropriedade, nos termos da lei, deve ser absoluta, para ser capaz de gerar o crime impossível.
Acerca de tal espécie de delito, ensina João José Leal:

... também denominado de tentativa impossível ou tentativa inidônea, ou


ainda, tentativa de consumação impossível, ou ‘tentativa inútil’. É o exemplo
de quem, querendo matar uma pessoa, utiliza-se de um revólver sem munição,
ou de um revólver de brinquedo (o meio empregado é totalmente inadequado
para causar a morte de uma pessoa). É também o caso de quem, querendo
apenas furtar, penetra no interior de uma casa e a encontra completamente
vazia, sem nenhum objeto de valor.26

Não gera, portanto, crime impossível a impropriedade relativa do objeto ou do meio. Assim, se uma
pessoa tentar subtrair dinheiro do bolso esquerdo da calça de outra e ali não houver dinheiro algum,
mas este estiver no bolso direito, entende-se que a impropriedade é relativa. Destarte, deve o agente
ser punido por furto tentado.

Embora estando previsto na lei brasileira, o crime impossível não é admitido em alguns países. No
Código Penal Alemão, por exemplo, consta a possibilidade de se punir a tentativa inidônea.27

Cezar Roberto Bitencourt defende a teoria esposada pelo Código Penal, que é a objetiva, pela qual
a tentativa inidônea é impossível porque jamais se completaria o delito, em face da ausência de
seus elementos.28 Não obstante, somos partidários da teoria subjetiva, visto que o que é decisivo é
a intenção do agente. Mais, há outra teoria, a sintomática, que não deve ser desprezada, tendo em
vista que o agente que tem coragem de tentar um delito impossível tem periculosidade, ou seja,
apresenta sintomas relevantes ao DCrim, merecendo censura.

25
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da Língua Portuguesa. 1. ed. 4. tir. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1975, p. 754.
26
LEAL, João José. Direito Penal |Geral. São Paulo: Atlas, 1998, p. 240.
27
Cf. LEAL, João José. Direito Penal |Geral. São Paulo: Atlas, 1998. p. 242.
28
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. vol. 1, p. 369.

34
LIBERDADE │ UNIDADE II

Na verdade, ficamos em relativo conflito porque existe a máxima nullun crimen sine iniuria, pela
qual não há crime se não há ofensa ou risco concreto ao objeto jurídico tutelado.29 Outrossim, não se
pode olvidar da subsidiariedade do DCrim, bem como de seu aspecto garantista, o que se concretiza
pelo princípio da intervenção mínima. Desse modo, conforme ensina Cezar Roberto Bitencourt, a
teoria objetiva está em melhor consonância com a nova defesa social.30 Porém, conforme ensina
Welzel, o DCrim deve estar fundamentado em estruturas ontológico-objetivas, que só pode ser
concretizado se apreciados os elementos subjetivos do autor.31

Por oportuno, recorde-se que o próprio código penal, em vários momentos, considera crime a simples
ameaça aos objetos jurídicos tutelados. No crime impossível, poderia se dizer, não houve perigo
(ameaça) ao objeto jurídico, portanto, a pena seria aplicada segundo os sintomas de periculosidade do
autor. Porém, não se trata de se resgatar um DCrim de autor (baseado unicamente na periculosidade
do agente), mas na própria censura do fato, verbi gratia, quem aperta o gatilho de arma desmuniciada
tentando matar pratica fato censurável e sua conduta é potencialmente perigosa.

Ademais, as novas tendências do DCrim migram para a imputação objetiva do resultado e esta se dá
segundo os elementos subjetivos do autor. Desse modo, continua sendo mais importante a intenção
do agente, que o resultado propriamente dito. Com efeito, uma tentativa de homicídio, em que o
agente tenha errado todos os disparos, descarregando sua arma, sem atingir a vítima, restando ela,
portanto, ilesa, deve ser visto como mais grave que a lesão negligente que causa deficiência física ou
mental permanente. Nesse sentido, nosso Código Penal, admite o perdão judicial no homicídio e na
lesão corporal negligentes (arts. 121, § 5o e 129, § 8o). Porém, mesmo que não haja qualquer lesão, o
homicídio tentado deve ser apenado, não sendo possível o perdão judicial.

Finalmente, cumpre lembrar que tanto pela ineficácia do meio, quanto pela impropriedade do
objeto, a não obtenção do resultado, no crime impossível, só não se dá por circunstância alheia
à vontade do agente. Desse modo, se suprimido o art. 17 do Código Penal, subsistirá a tentativa
prevista no art. 14, inciso II, do mesmo diploma legal, com as penas do parágrafo único de tal artigo.

O flagrante forjado ocorre quando policiais ou terceiros criam provas de um crime inexistente,
colocando, por exemplo, substância entorpecente no bolso de um cidadão. Desta maneira, o flagrante
forjado ocorre quando se criam provas de um delito que não existiu com a intenção de se prender
alguém em flagrante delito. Nesta hipótese não há crime consumado ou tentado do preso, mas sim
uma mera situação de abuso de autoridade, infelizmente comum na atualidade. Diferencia-se do
flagrante preparado, pois neste a atividade policial consiste em um induzimento à pratica do crime
de um cidadão já propenso a tal ato, ou seja, mais dia menos dia esse indivíduo cometerá novamente
determinado delito, que até então não pode ser interceptado pela atividade policial, pois este ato foi
provocado pela própria polícia ou terceiro. Já no flagrante forjado o indivíduo não cometeu e não
cometeria crime algum, é pois um flagrante nulo, não houve provocação ou instigação da polícia e
sim, simplesmente, um abuso de autoridade pelas pessoas que efetuaram a prisão. Ora, se o conteúdo
material do flagrante é o crime que o enseja, o flagrante forjado, por estar despido do conteúdo material
capaz de possibilitar a intervenção pública, deve ser rejeitado e abolido de nosso País.

29
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. passim.
30
BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit.. p. 369.
31
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. passim.

35
UNIDADE II │ LIBERDADE

O flagrante retardado está previsto no art. 20, inciso II, da Lei no 9.034/1995, denominada de Lei
do Crime Organizado e consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por
organizações criminosas ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento
para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de
provas e fornecimento de informações.

Neste caso, o agente policial percebe que alguém está em estado de flagrância, e deveria, deste
modo, dar-lhe voz de prisão. No entanto a lei confere ao policial certa discricionariedade para deixar
de efetuar a prisão em flagrante no momento em que se presencia a prática da infração penal e
aguarde o momento em que julgar conveniente, não agindo precipitadamente, e sim, no momento
mais oportuno para a instrução da investigação criminal ou da colheita de provas.

Esse tipo de ação só será permitida, nos termos da lei, no caso de organização criminosa, ou seja,
somente em ações praticadas por organizações criminosas a elas vinculadas. Segundo o professor
Fernando Capez: “exclusivamente no crime organizado é possível tal estratégia interventiva. Fora
da organização criminosa é impossível tal medida”.32 Destarte o flagrante prorrogado ou retardado,
difere-se do esperado, pois neste o agente não pode aguardar o melhor momento, ou seja, não lhe
é arbitrada a discricionariedade para efetuar a prisão, devendo esta ser executada no primeiro
instante em que ocorrer o crime.

Quando se tratar de infração permanente, entende-se que o agente estará em flagrante delito
enquanto não cessar a permanência.

O procedimento da lavratura do auto de prisão está disposto nos artigos 304 a 306 do CPP. Sendo
o preso apresentado à autoridade competente, esta ouvirá o condutor e colherá, desde logo, sua
assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso, prosseguindo, em seguida,
à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que
lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal,
o auto. De acordo com as respostas, a autoridade policial é quem fará o juízo sobre o cabimento
da prisão. Vale lembrar que não há prisão em flagrante na hipótese de crime de menor potencial
ofensivo, onde, ao invés de se lavrar o auto de prisão, tem-se a lavratura do Termo Circunstanciado.

Caso a autoridade policial não tenha atribuição, deverá enviar o feito para a autoridade que a seja,
nada impedindo que lavre o auto de prisão em flagrante.

Em não havendo testemunhas, assinará com o condutor duas testemunhas, chamadas de


instrumentárias, que testemunharam a apresentação do preso à autoridade. Caso o acusado se
recuse, não saiba ou não possa assinar, o auto de prisão será assinado por duas testemunhas, que
tenham ouvido sua leitura em sua presença. Qualquer pessoa pode lavrar o auto, na hipótese de
falta ou impedimento do escrivão, desde que preste o compromisso legal.

Efetuada a prisão, esta será comunicada:

»» Ao Juiz competente

»» Ao Ministério Público
CAPEZ, Fernando. Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.222.
32

36
LIBERDADE │ UNIDADE II

»» À família do preso ou à pessoa por ele indicada

»» À Defensoria Pública, na hipótese do autuado não informar o nome de seu advogado

E como é feita essa comunicação? Na hipótese do Juiz, do MP e da Defensoria Pública, o Auto de


Prisão em flagrante tem que ser enviado em até 24 horas após a realização da prisão. No mesmo
prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o
motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas.

Nota-se que não há prazo de 24 horas para a prisão. Essa figura lendária nada mais é do que uma
confusão com o prazo para entrega da Nota de Culpa.

A grande alteração da lei no12.403/2011 está no artigo 310. A partir de agora, de forma expressa, o
Juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, deverá de forma fundamentada:

»» Relaxar a prisão ilegal

»» Converter a prisão em flagrante em preventiva, na hipótese de estarem presentes


seus requisitos e serem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas
da prisão

»» Conceder liberdade provisória, com ou sem fiança, especialmente na hipótese de


estar presente alguma causa excludente de ilicitude.

Portanto, a partir de agora, a prisão em flagrante nada mais é do que um prisão de natureza
extremamente curta, a qual ou o juiz converterá em prisão preventiva ou soltará o preso para que
responda o processo em liberdade. Tem-se uma clara medida com o intuito de reduzir o número
de presos provisórios que cumprem, muitas das vezes, suas penas antes da sentença condenatória.

37
CAPÍTULO 5
Prisão preventiva. Prisão em face
de denúncia

A expressão prisão preventiva tem uma acepção ampla para designar a custódia verificada antes
do trânsito em julgado da sentença. É a prisão processual, cautelar, chamada de “provisória” no
Código Penal (art. 42) e que inclui a prisão em flagrante, a prisão decorrente de pronúncia, a prisão
resultante de sentença condenatória, a prisão temporária e a prisão preventiva em sentido estrito.
Nesse sentido restrito, é uma medida cautelar, constituída da privação de liberdade do indigitado
autor do crime e decretada pelo juiz durante o inquérito ou instrução criminal em face da existência
de pressupostos legais, para resguardar os interesses sociais de segurança.

A prisão preventiva pode ser decretada quando houver indícios suficientes de autoria do crime (art.
302, in fine). A primeira exigência refere-se à materialidade do crime, ou seja, à existência do corpo
de delito que prova a ocorrência do fato criminoso (laudos de exame de corpo de delito; documentos;
prova testemunhal etc.).

Em verdade, a prisão preventiva é a principal forma de prisão cautelar existente no nosso sistema
jurídico. Regulada nos artigos 311 a 350, tem, no seu artigo 312 os requisitos de seu cabimento que são:

»» Garantia da ordem pública

»» Garantia da ordem econômica

»» Conveniência da instrução criminal

»» Assegurar a aplicação da lei penal

Os requisitos mencionados em lei são de aplicação bastante complexa. Conceituar ordem pública é um
desafio dos mais difíceis, haja vista que diversos são os entendimentos sobre o assunto. O Supremo,
por exemplo, não admite o clamor público como motivo para decretação da prisão preventiva, de
forma isolada33. Há decisões, no sentido de que o clamor público não isolado mas cumulado com a
credibilidade do Poder Judiciário34, seria fundamento suficiente para a referida decretação.
33 Habeas corpus. 2. Tráfico de drogas e associação para o tráfico. 3. Prisão preventiva. Decreto que, a título de garantir a ordem
pública e a conveniência da instrução criminal e de assegurar a aplicação da lei penal, baseia-se no clamor público causado pela
gravidade do fato. Inadmissibilidade. 4. A prisão preventiva, pela excepcionalidade que a caracteriza, pressupõe decisão judicial
devidamente fundamentada, amparada em elementos concretos que justifiquem a sua necessidade, não bastando aludir-se a
qualquer das hipóteses do art. 312 do Código de Processo Penal. 5. Constrangimento ilegal configurado. 6. Ordem concedida
para tornar definitiva a liminar.(HC 95358, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 8/6/2010, DJe-
145 DIVULG 5-8-2010 PUBLIC 6-8-2010 EMENT VOL-02409-03 PP-00680)
34 EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E
DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA E CLAMOR PÚBLICO. TENTATIVAS CONCRETAS DE
INFLUENCIAR NA COLETA DA PROVA TESTEMUNHAL. ORDEM DENEGADA. 1. O conceito jurídico de ordem pública
não se confunde com incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF/88). Sem embargo, ordem pública se constitui
em bem jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo personalizado com que se dá a concreta violação da
integridade das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes
e drogas afins). Daí sua categorização jurídico-positiva, não como descrição do delito nem cominação de pena, porém como
pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como imperiosa necessidade de acautelar o meio social contra fatores de perturbação
ou de insegurança que já se localizam na gravidade incomum da execução de certos crimes. Não da incomum gravidade abstrata
desse ou daquele crime, mas da incomum gravidade na perpetração em si do crime, levando à consistente ilação de que, solto,
o agente reincidirá no delito ou, de qualquer forma, representará agravo incomum a uma objetiva noção de segurança pública.
Donde o vínculo operacional entre necessidade de preservação da ordem pública e acautelamento do meio social. Logo, conceito
de ordem pública que se desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e do patrimônio alheio (assim como da violação
à saúde pública), mas que se enlaça umbilicalmente à noção de acautelamento do meio social. 2. É certo que, para condenar

38
LIBERDADE │ UNIDADE II

É pacífico o entendimento de que a gravidade do crime deve ser analisada de forma concreta e
não apenas no plano abstrato. Não basta a hediondez, por exemplo, do crime, devendo ser
demonstrado pelo Juiz o perigo causado pela ofensa à garantia da ordem pública35. Por outro lado,
réus que reiteradamente praticam condutas delituosas, bem como demonstram a possibilidade de
eventualmente praticar tais atos, são passíveis de terem contra si um decreto prisional com esse
fundamento legal.

A custódia será decretada ainda como garantia de ordem econômica, quando a conduta tendo
por objeto possa limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre
iniciativa; dominar mercado relevante de bens ou serviços; aumentar arbitrariamente os lucros; e
exercer de forma abusiva posição dominante.

A garantia da ordem econômica, por sua vez, afeta os crimes da lei no 8.884/94, como, por exemplo,
a prática de cartel.

A prisão preventiva por conveniência da instrução criminal pode se dar na hipótese de ameaça ou
compra de testemunhas, destruição de provas ou situações que venham a tumultuar o processo. A
prisão para aplicação da lei penal se aplica no caso do concreto risco do indivíduo vir a fugir ou na
hipótese de ele já estar revel ou sequer tenha sido citado pessoalmente, já que não teria como ele
responder pelos eventuais atos praticados.

Não basta, todavia, a decretação da prisão preventiva e existência do fumus comissi delicti e o
periculum libertatis, sendo indispensável a presença das chamadas condições de admissibilidade
(art. 313 do CPP). Em primeiro lugar, a cautelar só pode ser decretada em casos de crimes dolosos,
sendo incabível nos crimes culposos e nas contravenções penais. Além disso, em regra, exige-se que
o delito seja apenado com reclusão.

penalmente alguém, o órgão julgador tem de olhar para trás e ver em que medida os fatos delituosos e suas coordenadas dão
conta da culpabilidade do acusado. Já no tocante à decretação da prisão preventiva, se também é certo que o juiz valora esses
mesmos fatos e vetores, ele o faz na perspectiva da aferição da periculosidade do agente. Não propriamente da culpabilidade.
Pelo que o quantum da pena está para a culpabilidade do agente assim como o decreto de prisão preventiva está para a
periculosidade, pois é tal periculosidade que pode colocar em risco o meio social alusivo à possibilidade de reiteração delitiva
(cuidando-se, claro, de prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública). 3. Não se acha devidamente motivado
o decreto de prisão que, quanto à ordem pública, sustenta risco à credibilidade da justiça e faz do clamor público fundamento da
custódia preventiva. É que tais fundamentos não se amoldam ao balizamento constitucional da matéria. 4. Na concreta situação
dos autos, esse ponto de fragilidade não se estende, porém, ao segundo fundamento do decreto de prisão preventiva. É falar:
a segregação cautelar para o resguardo da instrução criminal não é de ser afastada pela carência de fundamentação idônea.
Isso porque, no ponto, o decreto de prisão preventiva está assentado em manobras operadas pelo paciente para tentar alterar
depoimentos de testemunhas. O que é suficiente para preencher a finalidade do art. 312 do Código de Processo Penal, no ponto
em que autoriza a prisão preventiva para a preservação da instrução criminal, mormente nos casos de crimes dolosos contra
a vida. Crimes cujo julgamento é timbrado pela previsão de atos instrutórios também em Plenário do Júri (arts. 473 a 475 do
CPP). 5. Ordem denegada.
(HC 102065, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 23/11/2010, DJe-030 DIVULG 14-2-2011 PUBLIC
15-2-2011 EMENT VOL-02464-02 PP-00366)
35 EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS INDEFERIDO LIMINARMENTE NO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CAUTELAR IDÔNEA PARA A PRISÃO PREVENTIVA:
OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO AOS CORRÉUS. 1. O temperamento da Súmula n.
691 somente pode ocorrer em situações excepcionalíssimas, quando patente a transgressão às normas vigentes pela decisão
questionada, sujeitando a pessoa a constrangimento não fundamentado no sistema jurídico, o que, à evidência, não é o caso
dos autos. Precedentes. 2. A jurisprudência predominante deste Supremo Tribunal afasta a prisão preventiva que se funda
na gravidade abstrata ou concreta do delito imputado, definido ou não como hediondo. 3. Concessão da ordem para deferir a
liberdade provisória ao Paciente e aos corréus.
(HC 104128, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 16/08/2011, DJe-179 DIVULG 16-9-2011 PUBLIC
19-9-2011 EMENT VOL-02589-01 PP-00041)

39
UNIDADE II │ LIBERDADE

Não se decreta prisão preventiva em infrações apenadas somente por multa. Quando os crimes são
apenados com detenção, a medida somente será aceita de apurar que o agente é vadio ou, havendo
dúvida sobre sua identidade, não fornecer ou indicar elementos para esclarecê-la.

A prisão preventiva pode ser decretada de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do


querelante (ação penal privada ou subsidiária) ou mediante representação da autoridade policial.
Nada impede a permanência da prisão anteriormente decretada, mesmo que tenha sido anulado o
flagrante por vícios, desde que persistam os motivos autorizados devidamente fundamentados (STJ
– RSTJ 84/302).

Sobre a prisão preventiva, vejamos:

HC 86175/SP – SÃO PAULO HABEAS CORPUS

Relator(a): EROS GRAU

Órgão Julgador: Segunda Turma

Publicação: DJ 10.11.2006. p. 65

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA.


GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO
CRIMINAL. NECESSIDADE.

1. Prisão preventiva para garantia da ordem pública. O Supremo Tribunal


Federal vem decidindo no sentido de que esse fundamento é inidôneo
quando vinculado à invocação da credibilidade da justiça e da gravidade
do crime. Remanesce, sob tal fundamento, a necessidade da medida
excepcional da constrição cautelar da liberdade face à demonstração da
possibilidade de reiteração criminosa.

E quem pode decretar a prisão preventiva? A lei no 12.403/2011 alterou o artigo 311 dispondo que
caberá a prisão preventiva de ofício pelo Juiz APENAS na fase processual, cabendo o requerimento
do Ministério Público, do querelante, do assistente ou a representação da autoridade policial tanto
na fase inquisitorial como na fase processual.

Também caberá a prisão preventiva em caso de descumprimento de qualquer das obrigações


impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).

O artigo 313 prevê as hipóteses de cabimento para a prisão preventiva. Dessa forma, só se poderá
decretar a prisão preventiva quando se tiver um dos requisitos do artigo 312 cumulado com uma das
hipóteses do artigo 313. São elas:

»» nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4
(quatro) anos;

»» se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado,
ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7
de dezembro de 1940 – Código Penal;

40
LIBERDADE │ UNIDADE II

»» se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança,


adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das
medidas protetivas de urgência.

Verifica-se que é plenamente possível se prender preventivamente alguém pelo crime de ameaça,
por exemplo, no caso de se tratar de violência doméstica, para garantir a execução das medidas
protetivas de urgência, não havendo uma relação direta entre a gravidade do crime e o cabimento
da prisão.

Já o parágrafo único do artigo 313 prevê que também caberá a prisão preventiva quando houver
dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para
esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo
se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

O artigo 314 faz a ressalva de que não caberá prisão preventiva se tiver presente nos autos a hipótese
de excludente de ilicitude. O 315 afirma que a decisão será sempre motivada, respeitando o artigo 93,
IX da Constituição Federal, enquanto que o 316 dispõe que o juiz poderá revogar a prisão preventiva
se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-
la, se sobrevierem razões que a justifiquem

Os artigos 317 e 318 regularam a prisão domiciliar, substituindo os artigos que versavam sobre a
apresentação espontânea do acusado, o que deu azo a muitas críticas, já que o texto anterior dava
uma garantia ao indivíduo de não ser preso em flagrante na hipótese de apresentação espontânea.
Todavia, apesar de revogado, o espírito do texto ainda se faz presente na redação atual do Código
Penal, não cabendo, na verdade, prisão em flagrante, nada impedindo que o indivíduo seja preso
preventivamente.

Segundo a redação do CPP trazida pela Lei no 12.403/2011, a prisão domiciliar consiste no
recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com
autorização judicial, tendo como hipóteses de cabimento quando o agente for:

»» Maior de 80 (oitenta) anos;

»» Extremamente debilitado por motivo de doença grave;

»» Imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou


com deficiência;

»» Gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

O juiz exigirá prova idônea dos requisitos para efetuar a substituição.

A lei no 12.403/2011 deu nova força a um instituto que estava bastante fragilizado no processo penal
brasileiro. Como na lei anterior, tanto a Autoridade Policial como o Juiz podem conceder fiança.
Entretanto, nas penas privativas de liberdade até quatro anos, inclusive, a Autoridade Policial tem
legitimidade para arbitrá-la, podendo o Juiz, nos demais casos, a requerimento da parte, decidir seu
cabimento e valor em 48 horas.

41
UNIDADE II │ LIBERDADE

Não caberá fiança nas hipóteses previstas constitucionalmente ou seja:

»» nos crimes de racismo; nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e


drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos;

»» nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem
constitucional e o Estado Democrático

Do mesmo modo, não será também concedida fiança:

»» aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou


infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327
e 328 deste Código. Em caso de prisão civil ou militar;

»» quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva


(art. 312).

O valor a ser fixado para a fiança deverá levar em consideração a natureza da infração, as condições
pessoais sociais da pessoa e sua vida pregressa, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade,
bem como a importância provável para as custas do processo, podendo ser de 1 a 100 salários
mínimos, quando a infração for até 4 anos e de 10 a 200 salários mínimos nas penas superiores a tal
quantum, podendo o Juiz dispensá-la, reduzi-la até o máximo de 2/3 ou aumentá-la em 1000 vezes,
de acordo com a situação econômica do preso.

Com a fiança reduzida a termo, o afiançado deverá comparecer perante a autoridade sempre que
intimidado, considerada quebrada a fiança quando não comparecer. Outra hipótese de quebramento
é a mudança de residência sem prévia permissão da autoridade ou a ausência por mais de 8 dias de
sua residência sem comunicar a autoridade o lugar onde possa ser encontrado.

A fiança consistirá em depósito de dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida
pública, federal, estadual ou municipal, ou em hipoteca inscrita em primeiro lugar, sendo feita a
avaliação, se necessária, por perito nomeado pela autoridade. Na hipótese de títulos públicos o valor
será determinado pela sua cotação em Bolsa e exigir-se-á prova de que se achem livre de ônus.

A fiança será concedida independentemente de audiência do Ministério Público, que só terá vista
do processo após sua concessão, requerendo o que entender conveniente. A fiança servirá para o
pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, caso o réu
venha a ser condenado. Caso haja prescrição em abstrato, a fiança também terá essa destinação.

Todavia, caso o réu seja absolvido ou seja declarada extinta a ação penal, o valor da fiança será
restituído, sem qualquer desconto, atualizado. Dessa forma, caso haja suspensão condicional do
processo, por exemplo, o indivíduo, cumprindo todas as medidas, receberá de volta, corrigido, o valor
integral depositado.

A fiança concedida em delito inafiançável ou em hipótese vedada de cabimento será cassada, sendo
exigido o reforço da fiança quando a autoridade tomar, por engano, fiança insuficiente, quando
houver depreciação material ou perecimento dos bens hipotecados ou caucionados, ou depreciação

42
LIBERDADE │ UNIDADE II

dos metais ou pedras preciosas ou quando for inovada a classificação do delito. Caso o réu não a
reforce, deverá ele ser recolhido à prisão.

Já as hipóteses de quebra da fiança ocprrem quando o acusado:

»» regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo;

»» deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo;

»» descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança; resistir


injustificadamente a ordem judicial;

»» praticar nova infração penal dolosa.

Com o quebramento, a fiança resultará na perda da metade de seu valor, devendo o juiz decidir
sobre a imposição de outras medidas cautelares e a decretação da prisão preventiva. Caso o acusado
venha a ser condenado e não se apresentar para o início do cumprimento da pena, será perdida a
fiança na totalidade, sendo, nesse caso, o valor recolhido ao fundo penitenciário.

Caso haja saldo positivo após todas as deduções legais, inclusive os encargos relativos ao cumprimento
de sua pena, o valor será restituído.

Dessa forma, a fiança ganhou uma nova força, haja vista sua maior aplicabilidade, já que a antiga
redação do artigo 310, § único, antes da Lei no 12.403/2011, praticamente tornava-a inócua, salvo na
hipótese de crime de detenção.

43
CAPÍTULO 6
Prisão em face de sentença de pronúncia

Os crimes dolosos contra a vida (homicídio, participação em suicídio, infanticídio e abortamento,


tipificados nos arts. 121-127 do Código Penal) serão julgados perante o tribunal do júri, os quais
têm procedimento especial previsto a partir do art. 406 do Código de Processo Penal.

Alertamos que, embora seja incoerente, o latrocínio (roubo com resultado morte, previsto no art.
157, § 3o, in fine, do Código Penal) e o genocídio próprio (aquele em que se mata para extinguir um
grupo, no todo ou em parte, em função da raça, da etnia, da cultura ou da religião) são crimes da
competência do juiz singular.

É discutível a constitucionalidade da previsão de levar militar a julgamento perante o tribunal do júri


por crimes praticados em atos de manutenção da segurança pública. Célio Lobão afirma ser norma
inconstitucional a do art.9o, parágrafo único do Código Penal Militar36. Corrobora Mesquita Júnior ao
afirmar: “Ao nosso sentir, trata-se de preceito inconstitucional porque os crimes militares, conforme
preceituam os arts. 124 e 125, § 4o, da CF, serão julgados pela Jusiça Militar”37. Não obstante isso,
os tribunais entenderam que consagramos um novo conceito de crime militar que é o processual,
ou seja, o parágrafo único do art. 9o do Código Penal Militar agasalha a ideia de que é crime militar
aquele que é julgado pela justiça militar.

O crime que será julgado perante o júri terá procedimento que consagrará duas fases. A primeira
é denominada juízo de acusação (iudicium acusationis) porque o Juiz verificará a plausividade de
mandar os fatos ao juízo da causa (iudicium causae).

Ao final da primeira fase, o juiz poderá decidir se pronunciará o réu, mandando-o à segunda fase
(iudicium causae) ou se extingue o processo por meio de sentença de mérito (absolvição sumária).
Além dessas duas decisões (pronúncia e absolvição sumária), o juiz poderá impronunciar o réu
ou desclassificar o crime (para crime de competência diversa do tribunal do júri ou mantendo a
competência dele).

Na decisão de pronúncia (que não é propriamente sentença), o Juiz decidirá motivadamente sobre
a liberdade do pronunciado (Código de Processo Penal, art. 413, §§ 2o e 3o). Assim, a prisão em
flagrante será mantida até a pronúncia, depois terá sua espécie modificada para prisão decorrente
de pronúncia.

Em uma hipótese, caso o juiz verifique que a prisão em flagrante é ilegal, poderá determinar seu
relaxamento. Não obstante isso, poderá determinar a prisão temporária no curso do inquérito
e, ao receber a denúncia, poderá converter a prisão temporária em prisão preventiva. Na fase da
pronúncia, novamente a espécie de prisão provisória será modificada para prisão decorrente de
decisão de pronúncia.

36
LOBÃO, Célio J. Direito Penal Militar. Brasília: Brasília Jurídica, 1999. p. 112.
37
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 154.

44
LIBERDADE │ UNIDADE II

A prisão provisória é gênero de várias espécies de prisão cautelar. Todas elas exigem os pressupostos
básicos de todas as cautelares, ou seja, a prisão só poderá ser decretada se presentes a fumaça
do bom direito e perigo da demora. Destarte, não estará demonstrada a necessidade da prisão na
fase da pronúncia se, até ser proferida, o réu estiver solto e não houver qualquer inovação que a
justifique. No mínimo um dos fundamentos do art. 312 do Código de Processo Penal deverá estar
devidamente provado nos autos.
.

O Juiz poderá decretar prisão na sentença de pronúncia se ela não for requerida pela
acusação?

45
CAPÍTULO 7
Prisão em face de sentença recorrível

Trata-se de medidas cautelares pessoais. Em ambos os casos, há que se distinguir se o réu se encontra
preso ou solto. Com efeito, estando o acusado preso durante o processo, permite-se que o juiz, ao
condená-lo, e na própria sentença, recomende-o na prisão, ratificando os motivos que autorizam a
custódia cautelar anteriormente decretada. Por outro lado, se o réu permaneceu solto durante a lide,
o juiz, proferindo veredito condenatório, deverá justificar, fundamentalmente, na própria sentença,
se assegura ao acusado o direito de recorrer em liberdade ou, se presentes o fumus comissi delicti e
o periculum libertatis (que, na verdade, são os mesmos motivos da prisão preventiva), decretar-lhe
a prisão cautelar, a qual, no caso, decorrerá de sentença condenatória recorrível.

É pacifico que a sentença condenatória recorrível, por si só, não autoriza a medida cautelar restritiva
de liberdade. A prisão não decorre pela só prolação da decisão, sob pena de ofensa ao constitucional
estado de inocência, assegurado até o trânsito em julgado da condenação, razão de remeter-se às
observações relativas à prisão preventiva.

Em caso de impronúncia ou absolvição, não há de se falar em prisão cautelar, devendo o acusado ser
colocado imediatamente em liberdade, se por outro motivo não estiver preso, isso porque a decisão
constituirá presunção de descabimento da acusação, opondo-se ao fumus comissi delicti e ao
periculum libertatis.

Imagine-se que o preso em flagrante assim esteja até a prolação da sentença condenatória recorrível.
Na sentença, caso o Juiz recomende o réu na prisão que se encontra, a natureza da prisão continuará
sendo cautelar, como toda prisão provisória, mas a espécie se modificará, em face do seu decreto.

A Lei no 8.072/1990 prevê que, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente
se o sentenciado poderá apelar em liberdade (art. 2o, § 3o). Daí os tribunais estarem dizendo que o
Juiz não precisa motivar a recomendação na prisão. A fundamentação para manutenção da prisão
é, na visão dos tribunais, op legis. Destarte, o direito de apelar em liberdade é aquele que precisa
ser motivado.

Em primeiro lugar, a fundamentação precisa estar adstrita ao fato e o art. 93, inc. IX da Constituição
Federal não excepciona, razão de todas as decisões judiciais necessitarem de motivação, salvo quando
fundamentadas na própria Constituição Federal. Assim, o direito de permanecer em liberdade
durante o processo, como garantia constitucional que constitui, não poderá estar condicionado à
motivação.

O art. 93, inc. IX, da Constituição Federal classifica-se entre os de eficácia plena. Destarte, ela
não pode estar condicionada à regulação infraconstitucional, ainda que data por interpretação de
julgadores. Não se pode pretender dar maior vigor à legislação infraconstitucional ou à decisão
judicial que contraria a literalidade da Constituição Federal. Daí constituir grande avanço a previsão
do art. 741, parágrafo único do Código de Processo Civil, o qual autoriza, inclusive considerar ineficaz
o título fundamentado em sentença ou qualquer outro ato normativo inconstitucional.

46
LIBERDADE │ UNIDADE II

A existência de sentença recorrível não induz à presunção de culpabilidade, sendo pífia a interpretação
judicial do art. 2o, § 3o, da Lei no 8.072/1990, que entende haver fundamentação em tese (fundamentada
em uma previsão legal genérica) capaz de justificar a proibição de apelar em liberdade em todos casos
de condenação recorrível.

47
CAPÍTULO 8
Prisão em face de sentença recorrível
pendente de julgamento de recurso
especial ou de recurso extraordinário

A natureza da prisão decorrente de sentença condenatória pendente de recurso especial ou de


recurso extraordinário é cautelar. Não seria necessária a separação do assunto em capítulo próprio
se os tribunais não insistissem em manter equívocos escritos em leis. O pior é que, além de preservar
os equívocos, construíram teses absurdas que precisam ser aqui mencionadas.

Mesquita Júnior criticou duramente a posição do Supremo Tribunal Federal, construída no sentido
de que a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, mas pendente de julgamento de
recurso extraordinário ou especial, constitui execução provisória da sentença. Aduz o autor que a
posição da jurisprudência viola o art. 5o, inciso LVII, da Constituição Federal.38

Fernando Capez sustenta a possibilidade de conceder efeito suspensivo à sentença condenatória


recorrível porque o art. 27, § 2o, da Lei no 8.038, de 28.5.1990, viola a garantia do estado de
inocência.39 Somente agora que o STF percebeu seu erro, passando a reconhecer a cautelaridade da
prisão anterior ao trânsito em julgado, ainda que só pendam de julgamento os recursos especial e
extraordinário. Observe-se o que consta do Informativo no 534 do STF:

Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução


Provisória – 5

Ofende o princípio da não culpabilidade a execução da pena privativa de


liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada
a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos
autorizadores previstos no art. 312 do CPP. Com base nesse entendimento, o
Tribunal, por maioria, concedeu habeas corpus, afetado ao Pleno pela 1ª Turma,
para determinar que o paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado
da sentença condenatória. Tratava-se de habeas corpus impetrado contra
acórdão do STJ que mantivera a prisão preventiva do paciente/impetrante,
ao fundamento de que os recursos especial e extraordinário, em regra, não
possuem efeito suspensivo — v. Informativos 367, 371 e 501. Salientou-se, de
início, que a orientação até agora adotada pelo Supremo, segundo a qual não
há óbice à execução da sentença quando pendente apenas recursos sem efeito
suspensivo, deveria ser revista. Esclareceu-se que os preceitos veiculados
pela Lei no 7.210/84 (Lei de Execução Penal, artigos 105, 147 e 164), além
de adequados à ordem constitucional vigente (art. 5o, LVII: “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”),
sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP, que
estabelece que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e, uma vez

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 214-216.
38

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 464-465.
39

48
LIBERDADE │ UNIDADE II

arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira


instância para a execução da sentença. Asseverou-se que, quanto à execução da
pena privativa de liberdade, dever-se-ia aplicar o mesmo entendimento fixado,
por ambas as Turmas, relativamente à pena restritiva de direitos, no sentido de
não ser possível a execução da sentença sem que se dê o seu trânsito em julgado.
Aduziu-se que, do contrário, além da violação ao disposto no art. 5o, LVII, da CF,
estar-se-ia desrespeitando o princípio da isonomia.
HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 5.2.2009. (HC-84078): 40

Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução


Provisória – 6

Em seguida, afirmou-se que a prisão antes do trânsito em julgado da


condenação somente poderia ser decretada a título cautelar. Enfatizou-se que
a ampla defesa englobaria todas as fases processuais, razão por que a execução
da sentença após o julgamento da apelação implicaria, também, restrição do
direito de defesa, com desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena
e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. Ressaltou-se que o modelo de
execução penal consagrado na reforma penal de 1984 conferiria concreção ao
denominado princípio da presunção de inocência, não sendo relevante indagar
se a Constituição consagraria, ou não, a presunção de inocência, mas apenas
considerar o enunciado normativo de garantia contra a possibilidade de a lei
ou decisão judicial impor ao réu, antes do trânsito em julgado de sentença
condenatória, sanção ou consequência jurídica gravosa que dependesse
dessa condição constitucional. Frisou-se que esse quadro teria sido alterado
com o advento da Lei no 8.038/90, que instituiu normas procedimentais
relativas aos processos que tramitam perante o STJ e o STF, ao dispor que
os recursos extraordinário e especial seriam recebidos no efeito devolutivo.
No ponto, observou-se que a supressão do efeito suspensivo desses recursos
seria expressiva de uma política criminal vigorosamente repressiva, instalada
na instituição da prisão temporária pela Lei no 7.960/89 e, posteriormente,
na edição da Lei no 8.072/90. Citou-se o que decidido no RE 482006/MG
(DJU de 14.12.2007), no qual declarada a inconstitucionalidade de preceito
de lei estadual mineira que impunha a redução de vencimentos de servidores
públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em
razão da suposta prática de crime funcional, ao fundamento de que tal preceito
afrontaria o disposto no art. 5o, LVII, da CF. Concluiu-se que, se a Corte, nesse
caso, prestigiara o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da
propriedade, não o poderia negar quando se tratasse da garantia da liberdade.
Vencidos os Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e
Ellen Gracie, que denegavam a ordem.
HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 5.2.2009. (HC-84078).40

STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/informativo/verInformativo.asp?s1= 84078&numero=534&pagina=2&base


40

=INFO. Acesso em: 4.3.2009, às 16h55.

49
UNIDADE II │ LIBERDADE

O exposto evidencia a modificação da jurisprudência do STF, acatando a impossibilidade jurídica


de executar provisoriamente sentença condenatória criminal, pois entendimento inverso conduzirá
à violação do estado de inocência. Portanto, como as prisões anteriores ao trânsito em julgado final
da condenação serão cautelares, dependerão da decisão motivada do fumus comissis delicti e do
periculum e in mora.

50
LIBERDADE UNIDADE III

CAPÍTULO 1
Generalidades

Sabe-se que é um mal a prisão do acusado antes do trânsito em julgado de uma sentença condenatória.
O direito objetivo tem procurado estabelecer institutos e medidas que assegurem o desenvolvimento
regular do processo com a presença do imputado sem o sacrifício da custódia, que só deve ocorrer
em casos de absoluta necessidade.

A liberdade é a regra. Assim, a exigência de uma garantia para sua manutenção seria contrassenso,
só se podendo imaginar tal ocorrência em casos extremos em que a prisão cautelar seja necessária.
Nesse ponto, oportuna é a lição de Eugênio Pacelli:

“Também a liberdade provisória implica a restrição de direitos, e a restrição de


quem ainda não foi definitivamente condenado. Em uma palavra, restrições de
direitos do inocente.”41

Uma leitura apressada da afirmação transcrita leva a crer que a liberdade provisória constitui
cautelar que, para ser concedida, exigiria requisitos específicos. Entretanto, melhor analisando a
posição do autor, é possível concluir que é inaceitável conceder liberdade provisória com diversas
exigências, em contraposição ao seu estado de inocente.

Perante o direito pátrio vigente, esse instituto é a liberdade provisória, que substitui a custódia
provisória, atual ou iminente, com ou sem fiança, nas hipóteses de flagrante (arts. 301 a 310), em
decorrência da pronúncia (art. 408, § 1o) e da sentença condenatória recorrível.

Por esse instituto, o acusado não é recolhido à prisão ou é posto em liberdade quando preso,
vinculado ou não a certas obrigações que o prendem ao processo e ao juízo, com o fim de assegurar
a sua presença ao processo sem o sacrifício da prisão provisória. É, pois, um estado de liberdade
que pode estar gravado nas condições e reservas que tornam precário e limitado o seu gozo. Tem a
denominação de liberdade “provisória”, porque pode ser revogada a qualquer tempo, salvo no caso
de não ser vinculada, e quando vigora apenas até o trânsito em julgado da sentença final que, se
condenatória, transforma a liberdade em definitiva.

Por sua vez, a liberdade provisória é vedada, quando couber a prisão preventiva ou quando a CF ou
a lei expressamente a proibir. Nesse contexto, a CF dispõe serem inafiançáveis a prática de racismo

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 427.
41

51
UNIDADE II │ LIBERDADE

(art. 5o, XLII), os crimes hediondos e os a eles equiparados (XLIII) e a ação de grupos armados, civis
ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. A seu turno, o art. 2o, inc. II,
da Lei no 8.072/1990 dispunha que eram insuscetíveis de fiança e liberdade provisória os crimes
hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo. Hoje,
o dispositivo só proibe a liberdade provisória com fiança.

52
CAPÍTULO 2
A incoerência da fiança

A liberdade provisória com fiança é uma garantia real do cumprimento das obrigações processuais
do réu, segundo ensina Mirabete. Trata-se de direito público subjetivo do acusado, pois, estando
previstos os requisitos, o juiz está obrigado a concedê-la (STF – RTJ 116/139).

De Plácido e Silva define caução da seguinte maneira:

Consoante sua própria origem, do latim cautio (ação de se acautelar, precaução),


de modo geral, quer expressar, precisamente, a cautela que se tem ou se toma,
em virtude da qual certa pessoa oferece a outrem a garantia ou segurança para
o cumprimento de alguma obrigação.42

De modo diverso, fiança significa:

Derivado do verbo fiar (confiar), originado do latim fidere, é aplicado na


terminologia jurídica no mesmo sentido da fidejussio dos romanos. Assim,
designa o contrato ou ato de uma pessoa, chamada de fiador, pelo qual vem
garantir, no todo ou em parte, o cumprimento da obrigação que outrem (devedor)
assumiu para com o seu credor, no caso em que não seja pelo mesmo cumprida.43

Está evidente que aquilo que o CPP denomina de fiança significa propriamente caução, pois
deve ser prestada pela pessoa em seu próprio favor, a fim de que pagará as custas decorrentes
do processo criminal, no caso de eventual condenação. Caso a pessoa presa não possa suportar
qualquer valor para sua liberdade provisória, a fiança (melhor falando, caução) o dever de prestá-la
deverá ser desconsiderado, soltando-se a pessoa sem o arbitramento de fiança. Nesse caso, bastará
o compromisso do preso, feito no sentido de que cumprirá as condições da liberdade provisória e, se
condenado, se submeterá à pena.

O Código de Processo Penal não disse quais crimes são afiançáveis. Preferiu apontar os casos de
inafiançabilidade. Com efeito, a fiança não será concedida nos seguintes casos (arts. 323 e 324 do
CPP): crimes punidos com pena mínima de reclusão superior a 2 anos; contravenções de ociosidade
e mendicância; crimes punidos com pena privativa de liberdade, se já tiver sido definitivamente
condenado por outro crime doloso; réu for vadio; crimes punidos com reclusão que provoquem
clamor público ou que tenham sido cometidos mediante violência ou grave ameaça à pessoa; aos
que tiveram quebrado, no mesmo processo, a fiança; motivos que autorizam a prisão preventiva;
aos que estiverem em gozo de sursis ou livramento condicional, salvo se tratar de crime culposo ou
contravenção afiançáveis.

Em regra, a fiança dever ser concedida pelo juiz. Entretanto, a autoridade policial poderá concedê-la
nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples, salvo nos crimes de sonegação fiscal
e contra a economia popular, quando só pode ser concedida pelo juiz, nos termos do § 2o do art. 325

De Plácido e Silva. Vocabulário jurídico. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 160.
42

Ibidem. p. 354.
43

53
UNIDADE II │ LIBERDADE

do CPP. Concedida a fiança, o acusado ficará obrigado a comparecer perante a autoridade, toda vez
que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento, sob pena de
quebramento da fiança.

Sendo inafiançável a infração, cabe ao réu pleitear a liberdade provisória sem fiança, pois, como
visto, estas não se confundem. Existem casos, porém, em que o réu se livra solto independentemente
de fiança. Neste último caso, a liberdade provisória é concedida sem vinculação nos casos em que é
obrigatória, quais sejam, de infração e que não for cominada, isolada, cumulativa ou alternativamente
cominada, não excede a 3 meses, desde que o réu não tenha sido condenado por outro crime doloso,
em sentença transitada em julgado, e não seja vadio (art. 321 do CPP). Aqui, o réu livra-se solto, sem
nenhum ônus de comparecimento aos atos do processo.

Por outro lado, não sendo o caso de o réu se livrar solto (sem vinculação), a liberdade concedida, se
concedida, é dita com vinculação, ficando o acusado obrigado a comparecer perante a autoridade,
toda vez que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para julgamento, sob pena
de quebramento da fiança. Do mesmo modo, o réu não poderá mudar de residência, sem prévia
permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 dias de sua residência, sem
comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado.

Diz a jurisprudência:

HC 86571/BA – BAHIA HABEAS CORPUS

Relator(a): Min. CEZAR PELUSO

Julgamento: 10.4.2007

Órgão Julgador: Segunda Turma

Publicação: DJ 8.6.2007. p. 46

EMENTA: AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Delito de tortura contra detentos.


Crime atribuído a policial civil. Prisão em flagrante. Liberdade provisória
denegada. Inexistência de constrangimento ilegal. Decisão fundamentada.
Ameaças às vítimas que estariam sob custódia do paciente. Caso de conveniência
da instrução criminal. HC denegado. Aplicação do art. 312 do CPP. É legal a
prisão preventiva de policial acusado do crime de tortura contra vítimas que
estavam sob sua custódia e foram por ele ameaçadas.

Decisão

Denegada a ordem, decisão unânime. Falou, pelo paciente, o Dr. Abdon


Antônio Abbade dos Reis. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o
Senhor Ministro Celso de Mello. Presidiu, este julgamento, o Senhor Ministro
Gilmar Mendes. 2ª Turma, 10.04.2007.”

Doutrinariamente, a fiança é vista como medida de contracautela, significando que a perda da


liberdade só pode ocorrer como medida cautelar, sendo que, ainda que existam os pressupostos da
medida cautelar, a liberdade provisória deverá ser assegurada se prestada a fiança.

54
LIBERDADE │ UNIDADE II

Considerar-se-á abusiva toda prisão que for decretada ou mantida se for cabível a liberdade provisória
com ou sem fiança, sendo que os crimes cuja a pena máxima cominada seja de 2 anos, como regra,
cabível será a liberdade provisória sem fiança, bastando a lavratura de termo circunstanciado (Lei
no 9.099, art. 69).

De forma até patética, a legislação pátria pretende resolver o problema da criminalidade por meio
de leis severas, estabelecendo que certos crimes não admitem fiança ou estarão excluidos do âmbito
do Juizado Especial Criminal.

No caso de violência doméstica, a Lei no 11.455, de 13.5.2002, como presente às mães (em
homenagem ao dia das mães) estabeleceu que o Juiz Criminal pode cumular competência cível,
própria dos juízos de família, estabelecendo a separação cautelar de corpos (Lei no 9.099/1995,
art. 69, parágrafo único). Embora a Lei no 11.340/2006 tenha sido técnica em seu art. 24, inc.
IV, ela tem em vista a partilha de bens, ou seja, reservou sua técnica ao âmbito civil.

Em inconstitucional proteção específica à mulher, a Lei no 11.340, de 7.8.2006, denominada “Lei


Maria da Penha”, diante da sua inércia e do incontrolável desejo de vingança de uma única mulher,
criou restrições, tais quais: a pena privativa de liberdade não pode ser substituida por restritiva
de direito pecuniária ou multa (art. 17); possibilitou a prisão preventiva para assegurar medida de
urgência decretada judicialmente (CPP, art. 313, inc. IV); o Juiz Criminal poderá decretar alimentos
provisionais ou provisórios em favor da mulher (art. 22, inc. V); manteve a possibilidade de decretar
a separação de corpos (art. 23, inc. IV); e) afasta a incidência da Lei no 9.099/1995 (art. 41).

Maria da Penha Maia Fernandes, em 29.5.1983, foi atingida pelo então marido,
Marco Antônio Heredia Viveiros, um economista colombiano nato e naturalizado
brasileiro. Ele foi denunciado no dia 28.9.1984 e pronunciado no dia 31.10.1986.
O júri o condenou no dia 4.5.1991, sendo que, por força de decisão proferida em
apelação da defesa, em 15.3.1996, foi submetido a novo júri e condenado a 10 anos e
9 meses de reclusão. Novos recursos foram interpostos e, em set. 2002, o condenado
foi preso. Em 20.8.1998, a própria Maria da Penha e organismos não governamentais
protocolaram representações junto à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), sendo que esta publicou,
em 16.4.2001, seu Relatório no 54 daquele ano, o qual apontou inúmeras falhas do
sistema jurídico brasileiro e levou o Brasil a aderir à Convenção de Belém do Pará
(ratificada pelo Brasil, em 27.11.2005). A respeito, vide: CUNHA, Rogério Sanches;
PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha. Comentada artigo
por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 11-15).

Diante da nova lei, crime apenado com detenção pode ser objeto de decreto de prisão preventiva,
prevalecendo a regra da prisão preventiva e da liberdade provisória mediante caução (indevidamente
denominada fiança na processualidade criminal pátria) a ser arbitrada pela autoridade judicial.
Deve-se concordar com Sérgio Romcy, no sentido de que a autoridade policial não poderá arbitrar
a fiança, ainda que o crime seja apenado com detenção, isso se a apresentação dos fatos ao juiz para
decidir imediatamente sobre serem cabíveis medidas de urgência.44

AUAD FILHO, Jorge Romcy. A liberdade provisória na Lei Maria da Penha. Teresina: Jus Navigandi, ano 12, n. 1585, 3
44

nov. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10584>. Acesso em: 5.4.2009, às 11h.

55
CAPÍTULO 3
Revogação de prisão preventiva

A prisão preventiva apresenta o caráter rebus sic stantibus, podendo ser revogada conforme o estado
da causa. Dispõe o art. 316 que o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no decorrer do processo,
verificar a falta de motivo para que subsista. Não mais presentes os fatores que recomendam a
custódia preventiva, não deve ser ela mantida só porque a autoria está suficientemente provada e
a materialidade da infração demonstrada. Assim, se foi decretada apenas para garantir a instrução
criminal, finda esta, não é mais necessária, impondo-se a revogação da medida.

Evidentemente, não se revoga a prisão preventiva se ainda persistirem as razões do seu


desencadeamento. Por outro lado, considerando-se a natureza e a finalidade da custódia provisória,
é natural que se permita ao juiz decretar novamente a prisão preventiva, mesmo porque a qualquer
momento poder ser ela necessária. É o que permite o art. 316 do CPP, em sua segunda parte.

Deve-se assinalar que não se restabelece a prisão em caso de absolvição pelo júri. Entretanto,
anulado o julgamento condenatório do júri, por força de apelo da acusação, é ela restabelecida.
A prisão preventiva, dado seu caráter provisório, é extremamente tangível, podendo ser revista a
qualquer momento pelo juiz. Pode, assim, ser revogada no decorrer do processo, se o juiz verificar a
falta de motivo para que subsista, bem como ser decretada novamente, se sobrevierem razões que a
justifiquem (art. 316 do CPP) Observe-se a jurisprudência:

HC 89750/MT – HABEAS CORPUS

Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski

Julgamento: 20.3.2007

Órgão Julgador: Primeira Turma

Publicação: DJ, 13.4.2007. p. 102

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO


QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. GARANTIA DA
APLICAÇÃO DA LEI PENAL. CONSTRANGIMENTO. INOCORRÊNCIA.

I – Prisão preventiva devidamente fundamentada na garantia de aplicação da


lei penal e conveniência da instrução criminal.

II – Impossibilidade de vincular-se o prosseguimento da ação penal à


revogação da prisão preventiva.

III – Ordem denegada.

Decisão

A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. 1ª Turma, 20.3.2007.

56
LIBERDADE │ UNIDADE II

A transcrição da ementa visa a demonstrar que o andamento da ação principal não pode estar
vinculado ao decreto da prisão provisória ou da concessão de liberdade provisória. Isso evidencia o
que já foi exposto, no tocante à autonomia da ação cautelar.

57
CAPÍTULO 4
Direito a recorrer solto

Atualmente, o STF (Primeira Turma, por unanimidade) acabou incorporando ao seu repertório
jurisprudencial garantista a tese referida: “Condenado a seis anos de prisão por crimes contra a
ordem tributária, C.D.C. Jr. teve Habeas Corpus (HC 88420) concedido pela Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal (STF). Com a decisão, o réu poderá apelar da sentença mesmo
não estando preso. Consta nos autos que C.D. estaria foragido desde a decretação de sua prisão
preventiva, antes mesmo de ser condenado definitivamente. Os advogados de defesa alegaram
que a decisão da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba (PR), bem como do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), que negou seguimento a habeas corpus idêntico impetrado naquela corte, teriam
ferido o disposto no art. 5o, LIV, LV e LVII, da Constituição Federal.

Neste habeas corpus, a defesa pedia ao STF que determinasse ao Juízo da 2ª Vara Criminal
Federal de Curitiba novo exame de admissibilidade do recurso de apelação, garantindo assim o
direito ao duplo grau de jurisdição. Voto do relator.

Para Ricardo Lewandowski, a ação trata do confronto de dois preceitos legais. Por um lado, o duplo
grau de jurisdição (conforme art. 8o, II, “h”, do Pacto de São José da Costa Rica – incorporado ao
ordenamento jurídico brasileiro por força do art. 5o, parágrafo 2o, da Constituição Federal). De outro
lado, a exigência de recolher-se o réu condenado à prisão para que sua apelação seja processada (de
acordo com art. 594 do Código de Processo Penal (CPP)). O que a defesa pretende é interpor em
favor do réu, condenado em 1o grau, recurso de apelação, independentemente de seu recolhimento
ao cárcere.

Lewandowski afirmou considerar que o direito ao duplo grau de jurisdição tem “estatura
constitucional, ainda que a Carta Magna a ele não faça menção direta”. Isso porque, prossegue o
ministro, o “due process of law”, constante do art. 5o, LXVI, contempla a possibilidade de revisão
por tribunal superior de sentença proferida por juízo monocrático.

Para ele, o “duplo grau” deve prevalecer sobre o art. 594 do CPP. “Tal direito integra o sistema pátrio
de direitos e garantias fundamentais, conforme decidido pelo Supremo na ADI 1675”, confirmou.
O relator ponderou que a incorporação desse direito foi posterior à edição do CPP (Decreto-Lei no
689/41). Isso porque a ratificação pelo Brasil da Convenção Interamericana de Direitos Humanos
(o Pacto de São José) foi em 1992. “Assim, qualquer disposição em contrário da lei processual
encontra-se, senão revogada, ao menos substancialmente mitigada”.

Quanto ao habeas corpus em julgamento, Lewandowski disse que “o reconhecimento ao duplo


grau não infirma a legalidade da custódia cautelar decretada em desfavor do paciente, podendo ela
subsistir independentemente de admitir-se o recurso”.

Assim, a Primeira Turma concedeu a ordem de habeas corpus, por unanimidade, seguindo o voto
do relator, para que seja recebida a apelação do condenado, interposta perante a 2ª Vara Criminal

58
LIBERDADE │ UNIDADE II

de Curitiba nos autos da ação penal, sem prejuízo do cumprimento da prisão preventiva contra ele
decretada, caso persistam os motivos que a determinaram.

Dois foram os fundamentos invocados pelo Relator para admitir a tese separatista (direito de apelar
versus prisão preventiva): o duplo grau de jurisdição no crime tem “estatura constitucional”; a
incorporação da Convenção Americana de Direitos Humanos ao direito brasileiro (1992) é posterior
ao art. 594 do CPP. Ou seja: norma superior prepondera sobre norma inferior ou lei posterior
derroga lei anterior. O primeiro fundamento é muito mais sólido e adequado.

59
Para (não) finalizar

A Lei no 11.343, de 23.8.2006, proíbe a concessão de liberdade, com ou sem fiança, se for preso em
flagrante por crimes dos seus arts. 33 a 37, sem que constituam propriamente crimes de tráfico ilícito
de drogas. Emerge, então a necessidade de questionar sobre a constitucionalidade de tal proibição,
uma vez que a Constituição Federal, em seu art. 5o, inc. XLIII, só proibiu a liberdade provisória
com fiança. Mais ainda, a Constituição Federal só se referiu ao “tráfico ilícito de drogas afins”, aos
hediondos e outros equiparados a este, sendo necessário indagar sobre a possibilidade de ampliar
as hipóteses de crimes assemelhados aos hediondos por norma infraconstitucional.

60
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