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A FORMAÇÃO DE UM JOVEM FORTE

Thaís Alves:
Uma das épocas mais difíceis e importantes na formação de uma pessoa é a juventude. Conte-
nos como foi a sua?

Reverendíssimo Watanabe:
“Bem, minha mãe morreu quando eu tinha 15 anos, Sentia muita falta dela. Ia sempre ao
cemitério levar flores. Às vezes escrevia bilhetinhos de promessas a ela, colocava discretamente
no meio das flores, embaixo das pedras. Isso me fazia sentir mais próximo. Me reconfortava”.
Meu pai continuava com seu trabalho missionário na obra de Meishu-Sama. Ele viajava muito.
Estava sempre fora, ocupado. Eu estava cursando o científico, nessa época. Estudava muito.
Nunca me achei inteligente, então para compensar, me esforçava mesmo. Tirava o primeiro
lugar. A Família ficava orgulhosa. Os professores diziam que como eu era muito esforçado,
conseguiria entrar na melhor universidade do Japão. Quando diziam isso, eu sentia um enorme
vazio dentro do peito, não ficava satisfeito.
Comecei a descarregar todas as minhas ansiedades de juventude na prática de esportes. Kendô
(espadachim de samurai). Fiquei capitão, mestre, faixa preta, terceiro Dan, e aí eu pude
ensinar. Escalava montanhas durante 20 ou 30 dias. Ao invés de estudar, lia poemas franceses,
japoneses. Gostava muito de escrever poesia. Às vezes, ficava até de madrugada escrevendo.
Eu era muito romântico.
Era muito tímido também namorava a distância. Só amor platônico.
Elas lá e eu aqui. Não tinha coragem de chegar perto e nem de me declarar. Elas nunca sabiam
que eu gostava delas. Beijo, então nem se fala. Nunca!

(O Reverendíssimo deu um risinho, achando graça dele mesmo.)

“Eu era machão, esportista e tímido. Ah, que saudade dessa época”.
Uma vez, eu e três amigos subimos a montanha. Tudo ia bem, lá no topo, quando o clima
mudou à frente. Não podíamos dar um passo, senão cairíamos quase 3.000 metros de altura.
Ficamos muitos dias isolados. Acabou-se a comida. Achamos que íamos morrer. Escrevemos até
nossos testamentos. Tínhamos um caderno na mochila. E foi lá que escrevemos. Lembro-me,
que começava assim:
“Quem encontrar este caderno, faça assim...” Todos pessimistas. Eles me perguntaram, por
que eu não ia escrever: E eu respondi “Não vou escrever porque não vou morrer. A gente vai
viver. Sei que o dia vai amanhecer com o tempo bom e com o sol. Vamos subir no topo mais
alto da montanha, e lá em cima vou fazer um xixi a 3.000 mil metros de altura”.
Mesmo com medo, eu era otimista. A gente não podia dormir, pois se dormisse, morreria de
frio. Então cantávamos, conversávamos. Eu era o único animado. No dia seguinte, o sol
apareceu brilhante. Todos nós chorando. E depois da imensa alegria, todos me acompanharam
para fazer o xixi prometido, lá no alto da montanha. O mais gostoso e cumprido xixi de toda
minha vida.

(Nesse momento o Reverendíssimo Watanabe deu uma grande risada. Até ficou vermelho de
tanto rir ao lembrar-se das traquinagens da juventude).

Numa outra vez, quando eu tinha 19 anos, aconteceu o maior tufão da história do Japão. Mais
de 1.500 pessoas morreram naquela calamidade.
A região que eu morava ficou alagada. As pessoas subiam em cima dos telhados e pediam
socorro.
Lembro-me de que, no dia seguinte cheguei à escola com muita dificuldade. O diretor e os
professores se reuniram para discutir se haveria continuidade das aulas ou não, pois estávamos
em período de provas e exames. Apenas 2/3 dos alunos tinham conseguido chegar a escola. Os
alunos ficavam andando de um lado para o outro, sem saber o que fazer. Tive uma idéia. Fui à
sala do alto falante, peguei o microfone, desliguei o som da sala dos professores, e disse alto
para o resto da escola: “Atenção todos os alunos. Dirijam-se ao pátio da escola. Agora”.
Quando todos chegaram, falei: “Vamos ajudar os flagelados. Nós estudantes precisamos dar o
exemplo. Quero que todos deixem tudo que tiverem nos bolsos”. Todos deram tudo.
Consegui juntar um bom dinheiro. 50% mandei para o jornal chamado Assai, em nome do
presidente da escola. Mandei para o jornal por que, em ocasião de calamidade esses órgãos é
que centralizam as ajudas à população. O 50% restantes mandei comprar biscoitos e doces e
falei: “Vamos para casa e cada um trará de volta três garrafas de chá bem quente e 30
bolinhos de arroz. Vamos salvar quem está com fome e sede. Voltem o mais rapidamente que
puderem”.
Quando os professores terminaram a reunião, não havia nem um aluno sequer, em toda a
escola. Na hora eles não entenderam nada.
Três horas depois, estávamos todos organizados e prontos, distribuindo os alimentos
arrecadados. Entrávamos na água, e dávamos chá, bolinho de arroz e biscoitos. Todas as
pessoas a quem ajudávamos, ficavam muito agradecidas. No dia seguinte, pensei que fosse ser
expulso, pois não tinha pedido autorização do diretor para fazer o que fiz. Quando cheguei, fui
logo chamado à sala do diretor, que disse: “Watanabe, você é nosso orgulho. Graças a você,
nossa escola foi a única que teve uma ação rápida, na ajuda aos flagelados. Obrigado”. Aquele
Tufão matou mais de 1.500 pessoas. Mas nós conseguimos ajudar a alimentar outras.
Aprendi como é bom ajudar e se sentir útil a alguém. Essa foi sem dúvida uma grande lição.
Eu meditava muito nessa época. Sempre perguntava a mim mesmo: “Qual a missão do
homem? O que é a vida e a morte? O que é a família? De onde viemos? Para onde vamos? Será
que existe a eternidade da alma?” Perguntas que todos os jovens no mundo fazem.
Alguns conseguem respostas, outros se perdem na busca.
Uma vez, estava decidido a achar as respostas. Resolvi ir a um templo budista para meditar.
Pedi autorização ao meu pai, para ficar 10 dias no templo e ele me respondeu assim: “Cumpra
o que você está dizendo. Não volte antes de 10 dias”.
Subi a montanha, sentei na posição de Zen e pensei: “Só saio daqui quando compreender o
que é a vida”. Depois de algumas horas, minhas pernas adormeceram, doía muito, e eu
continuava a não saber nada da vida. Passou uma semana e eu comecei a evacuar sangue.
Como eu não tinha comido nada, aquelas fezes saiam como água. Não doía nada. Amanheceu,
me lembro de ter pensado: “Será que os bichos pensam na vida? Será que só eu penso e me
aflijo com isso? Só eu reclamo de não entender a vida?”.
Depois de muito pensar e nada de brilhante acontecer, cheguei a seguinte conclusão: “Vou
deixar minha vida caminhar na correnteza do rio da vida. Criarei duas pessoas dentro de mim.
Uma delas será o próprio barco e a outra, aquela que vai no convés apreciando a vida. Não
quero ficar sofrendo e pensado. Vou deixar a água me levar, para onde eu tiver que ser levado.
Não vou me preocupar. Vou apenas viver”.
Para chegar a essa conclusão levei 11 dias.
Aí voltei para casa.
Sem comer. Sem me mexer. Apanhado sol e chuva.
Eu estava um trapo faminto e fedido. Mancava por que as pernas e pés doíam muito. Um
horror.
Peguei o trem de volta. Quando entrei no vagão e sentei no banco, todos se afastaram
correndo. E eu fiquei sossegadão, com todo espaço para mim.
Quando cheguei, minha família estava apavorada. Até na polícia já tinha ido. Foi aí que me
lembrei, que quando saí de casa, falei a todos, que estava indo ao templo, só que ao chegar lá,
o encontrei fechado.
Tinha apenas um monge de plantão que me avisou que todos estavam de férias e que eu
poderia ficar lá apenas um dia. Como eu estava querendo ficar sozinho, mudei meu destino
para a montanha. Mas esqueci de avisar minha família.
Minha irmã telefonou ao templo, alguns dias depois. Ela queria saber como eu estava. E
recebeu a notícia que eu tinha passado apenas uma noite lá. Foi isso que a família se apavorou.
Meu pai me olhou e não disse nada.
Fui para o banho, fiquei limpinho. Minha irmã então, disse: “Papai quer ter uma conversa muito
séria com você”. Eu sabia que ia levar uma bronca. Dirigi-me à sala. Minha irmã, atrás. Ela quis
ficar junto, e ele disse: “Não, é uma conversar de homem para homem. Saia!”
Pensei: “Acho que vou ser expulso”.
E ele começou: “Você está bem? Pensei muito em você nesses dias. Como Reverendíssimo
missionário que sou, coloquei no meu peito muitas pessoas. Como se minhas orientações
tivessem braços, e com elas eu pudesse abraçar a cada pessoa que oriento. Coloquei nesse
meu abraço muitas pessoas, mas não consigo colocar você no meu círculo. Quando abraço
você, os pés escorregam; se abraçar os pés a cabeça sai. Seu círculo é maior do que eu”.
Lembro-me de que ele fez um gesto de estar abraçando uma enorme bola, uma enorme
árvore. E continuou: “Então como você não entra no meu, eu vou entrar no seu círculo. Tudo o
que você quiser que eu seja, eu serei”.
Fiquei atônito e ele continou: “Se você acha que devo parar de trabalhar eu paro”.
Eu vou obedecer você em tudo. O que você quer de mim? Falou isso e se calou sério.
Eu pensei por alguns segundos, e percebi que ele estava sendo muito inteligente. Estava
falando o oposto do que eu poderia imaginar. Respondi: “como o Senhor vai me obedecer a
partir de hoje, quero que: (e falei com a voz solene): Quero o Senhor continue a ser como é.
Faça sempre o que quiser e me deixe fazer o que eu quero. Não se preocupe. Confie em mim.
As reclamações que eu tenho, não são contra sua maneira de ser, são contra mim mesmo.
Preciso quebrar a cabeça”.
Preciso saber aprender. Preciso escolher meu caminho. Confie em mim. “E acrescentei:” Não
quero ir à universidade. Quero conhecer a realidade da vida. Quero seguir a carreira
missionária. “Quero ser um seguidor de Meishu-Sama, como o Senhor O é”. Quando falei isso,
nos olhamos firmemente nos olhos. “Acho que naquele instante, estávamos um reverenciando
o outro”.
Foi aí que resolvi seguir a carreira missionária.
No ano de 1959, aos 19 anos, entrei no primeiro semestre do curso de Ministros para o Exterior
que a igreja organizava.
Minha vida mudou depois dessa resolução.
Eu que tinha sido sempre mimado, pela mãe, e depois pelas irmãs, pela madrasta, já que meu
pai casara-se novamente.
Eu tinha motorista, serviçais, e até que me enxugasse.
Agora eu era outro homem.
Até os meus 15 anos era meigo e bonzinho.
Depois, Me tornei resoluto.
Aos 17 anos me chamavam até de briguento. Eu não admitia ver injustiças na rua. Quando isso
acontecia, brigava mesmo.
Após cursar um ano de formação sacerdotal, quis trabalhar em Tókio, para conhecer a vida da
sociedade. Escolhi um trabalho bem simples, onde eu pudesse ser um aprendiz. Fui trabalhar
numa loja de tintas.
Morava no fundo dessa loja, num quartinho bem modesto.
Eu que tinha todo o conforto no lar, agora limpava banheiro, carregava caixas, balaios de roupa
suja e latas de tinta. Fazia as entregas de bicicleta.
Depois de uns meses. Meu pai pediu que eu voltasse e o ajudasse como líder de jovem na
divulgação da igreja.
Passei a ministrar Johrei em hospitais, casas, para quem precisa, sem parar.
Um dia, chegaram dois Reverendíssimos: Nakamura e Shoda, para pedir ao meu pai que ele
arranjasse um aluno, um discípulo para mandar ao Brasil. Meu pai me chamou e perguntou:
Você não quer ir para o Brasil?”E eu respondi:” Preciso resolver agora?”E ele continou:” Não.
Sorri e disse: “Está bem. Eu vou!”.
Não tive nenhuma dúvida em resolver naquele mesmo segundo. Lembrei-me do barco que a
correnteza da vida ia conduzir. Era para o Brasil que o barco estava sendo levado.
Eu, e mais sete jovens viemos para cá.
E isso em 1962. Ia fazer 22 anos.
Foi assim a mais sábia decisão de minha vida, “concluiu Watanabe”.

(E mais uma vez, eu me sentia diante de um líder, de um mestre.


Tudo que o Reverendíssimo Watanabe falou naquela tarde, me impressionou muito. Seu jeito
decidido, obstinado, resoluto, e alegre, precisava servir de exemplo para tantos outros jovens,
que espero, um dia possam ler este livro.
Que vontade de dividir com meus filhos, a importância da juventude decidida, boa, corajosa,
que pensa no amor ao próximo, como eu acabara de ouvir do Reverendíssimo Watanabe.
Lembrei-me de um ensinamento de Meishu-Sama, que vinha muito calhar, com o que
acabaram de ouvir.
Aquela frase, que desde a primeira vez que ali, nunca mais saiu de dentro do meu pensamento:
Nós é que traçamos nosso destino.
E a consciência deste fato permite transformar o pessimismo em otimismo.
Permite fortalecer o caminho a ser trilhado.
Permite ter coragem de recomeçar e saber que nossa vida pode ser mudada, de acordo com
nossa vontade.
Se a sociedade moderna, no Brasil, no Japão, na América, ou em qualquer outro lugar no
mundo, tivesse consciência desse fato em sua profundidade, muitas coisas seriam melhoradas:
Andaríamos com mais firmeza pela vida;
Olharíamos o próximo, com mais respeito;
E acima de tudo, não nos queixaríamos mais, sabedores de que nós mesmos somos os
responsáveis, por tudo de bom ou ruim que a vida nos reserva.
Ter vontade abraçar cada jovem, que passa na minha frente, e olhar bem dentro de seus olhos
e dizer com toda a sinceridade da minha alma:
“Você é o responsável por seu destino”.
Tudo que semear, você mesmo colherá.
Plante coisas boas, que sua vida será maravilhosa.
Seu destino está: unicamente em suas mãos.)

O MESTRE MAIOR: MEISHU-SAMA

Thaís Alves:
Reverendíssimo, conte-nos alguns momentos mais marcantes, entre o senhor e Meishu-Sama, o
líder espiritual da Igreja Messiânica.

Reverendíssimo Watanabe:
“Desde os meus oito anos, quatro vezes ao ano, minha mãe ia assistir aos cultos, em Hakone.
Eu era o único filho que queria ir com ela. Ela dizia também, que só me levava, por que eu era
pequenino. Em Hakone, no local da celebração dos cultos, me colocavam sentado bem na
segunda fileira. Afinal, eu era filho do Ministro Watanabe, discípulo de Meishu-Sama, que
formava maior número de membros. Me lembro, como se fosse hoje. Quando terminava o
culto, o locutor dizia com voz grave:” Agora ouviremos a palestra de Meishu-Sama “. No mesmo
instante, todos os presentes abaixavam a cabeça em sinal de reverência. Eu, menino curioso,
não conseguia ficar de cabeça abaixada. Precisava ver. Precisava olhar aquele homem que
tinha modificado totalmente a vida de meu pai”.
Ele era miúdo, usava quimono, e andava muito depressa. Ofertavam-lhe chás. Depois ele
acendia um cigarro, parece que não tragava, só soltava a fumaça. Com calma, apagava o
cigarro e dizia:
“Agora vou ministrar Johrei”. E ministrava Johrei coletivo. O silêncio que reinava na sala era
absoluto. Só se ouviam alguns bocejos, mais nada. Aquele homem inspirava um respeito total.
Após o Johrei, ela pedia que lesse poesia “Warai-Kanku”, poesia que causa risos. Alegre e
engraçada. Quando acabava a leitura, Meishu-Sama ria tanto e tão alto, que aquela sua alegria
contagiava. Todos riam altos e soltos, junto com Meishu-Sama. O ambiente ficava muito
agradável.
Após um tempo grandes risos, ele começava a falar e dizia: “Quando eu ministrei Johrei, agora
a pouco, muita gente bocejou. Isso é bom. Sai de dentro o que não precisa ficar. É o Johrei
atuando, e limpando as máculas. Mas perante outras pessoas, é melhor tapar a boca com a
mão”.
Lembro-me de numa dessas palestras ter ouvido dele a explicação do significa do sol, da Lua
da Terra. Ele disse: “Lua é água”. E eu, na mesma hora, pensei: “Lua é água? É feita de gelo?
Acho que é não”.
Não foi isso que eu estudei na escola. Que besteira que ele está falando! “Eu menino, não
concordava”.
Todos se referiam a ele dizendo: o Deus vivo. Era tão respeitado como um santo. Ou mais. Mas
era tão natural. Vestia-se com simplicidade, se movimentava com naturalidade. Tudo simples.
Na minha imaginação de menino de oito anos, um santo precisava vestir-se diferente. Precisava
usar roupa de santo, sapato de santo, andar diferente, sei lá. Eu pensava: “Ele é um velho sem
pose, natural, até parece meu avô”.
Essa foi à impressão que ele me causou, na primeira vez em que o vi.
Tive um outro encontro especial com Meishu-Sama. Foi no ano de 1952. Ele foi a Nagoya,
cidade em que morávamos, conhecer a difusão que meu pai tinha formado. Toda a casa foi
preparada para sua chegada.
Lembro-me bem: ele veio de Cadilac. Aquilo me marcou muito. Achei gozado. Preparam
comidas especiais. Prepararam um peixe chamado Ayu, muito gostoso e Meishu-Sama adorava
esse peixe. Era um peixe que só dava no verão. Ele tanto gostava desse peixe, que toda vez
que meu pai ia Hakone ou Atami, levava a Meishu-Sama, alguns deles.
Até tem episódio famoso, com esses peixes e Meishu-Sama. Numa dessas vezes, em que meu
pai levou os Ayu, o cozinheiro ao prepará-los, deixou que se queimassem. Nesse dia, todos
viram Meishu-Sama muito bravo, zangado, ele disse ao cozinheiro: O que você fez foi falta de
cuidado e muita falta de amor. Você desrespeitou a sinceridade da pessoa que pescou, o
sacrifício da pessoa que trouxe os peixes até a mim. Nunca mais desrespeite o próximo. É
preciso captar a sinceridade das pessoas, para que possamos retribuir com sinceridade ao
próximo.
Por isso, temos que tomar cuidado.
Meishu-Sama dava muita importância à ordem e à sinceridade. Se alguém quebrasse um prato,
por exemplo, e escondesse o fato, se mentisse mesmo, Meishu-Sama ficava muito bravo. Se,
ao contrário, se contasse a ele, pedindo perdão com sinceridade, dizia apenas: “Tenha mais
cuidado da próxima vez, mas não se preocupe, pois pratos ainda terão muitos”.
Mas voltando a visita, que ele fez a Nagoya, me lembro de ter feito um buraco na parede de
papel, para ver Meishu-Sama comer. Molhei o dedo e furei o papel. Vi que ele não comia muito.
Meu pai, que queria agradá-lo, quis oferecer tanto, e ele só pegava um pouco de cada. Tomou
até saquê.
Anos depois, me disseram, que o saquê que ele tomava, era muito fraco era 70% saquê e 30%
água quente. E ele só tomava uma taça pequena.
Quando ele acabou de comer, e saiu da sala, entrei, e me sentei na almofada que ele havia
sentado, até poucos minutos antes. Tomei o resto de saquê, e comi toda a comida que ele
tinha deixado. Ah, e usei o mesmo hashi, (palito japonês usado para comer) que ele tinha
usado.
Quando penso no que fiz, vem muito forte a minha lembrança, o que senti na época: me senti
perto de Meishu-Sama.
Depois, quando amadureci, analisei ter comido o resto de comida dele, assim: “Eu quero
completar a obra que Meishu-Sama iniciou”. E, cada vez que penso, me vem a certeza de que
tenho que continuar com a grandiosa obra de Meishu-Sama.
Quando ele se preparava para partir da casa de meu pai, passou por mim e colocou a mão em
minha cabeça, me afagando.
Colocaram um tapete vermelho da porta da casa, até a porta do Cadilac.
Eu estava lá fora. Muitas pessoas estavam também. Tinha uma velha do meu lado. Velha de 80
anos, mais ou menos. E ela dizia: “Meishu-Sama, eu sou cega, me dê um Johrei”. Meishu-Sama
passou por nós, entrou no carro. Ela chegou até a janela, e tornou a repetir a mesma frase.
Meishu-Sama, que estava com o vidro fechado, não pode ouvi-la. Na hora que o carro estava
saindo ele olhou para ela. Olhou bem nos olhos dela e foi embora. Só eu vi aquilo. Ninguém
reparou naquela velhinha, que murmurava palavras incompreensíveis. Eu fiquei olhando e
pensando que ele poderia ter ministrado um Johrei nela. Não lhe custaria nada. Depois de 30
segundos, mais ou menos, a velhinha começou a gritar e chorando dizia: “Estou enxergando.
Estou enxergando. Obrigada Meishu-Sama”. Sentou-se no chão e agradecia. Ninguém entendeu
nada. Todos pensaram que ela era caduca ou exagerada. Só eu tinha visto o ocorrido.
No ano de 1955, minha mãe começou a ficar muito esquisita. Ela me olhava dizia: “Você já está
com 15 anos. Você já é um homenzinho. Já pode até me carregar nas costas, e me levar para
passear no jardim”.
Você é forte. E eu rapazola, não entendia o que ela queria me dizer e pedia: Mãe, me dá
dinheiro para o cinema? E ela respondia: Se você me der um beijo, eu dou. Ela começou a me
pedir para ir dormir com ela, e dizia: Você é quente e esquenta minha cama. Eram coisas que
minha mãe não costumava fazer. Ela estava estranha.
De repente, numa manhã, chegou a notícia da morte de Meishu-Sama.
No momento em que meu pai ouviu a notícia, desmaiou. Minha mãe que também estava
presente ministrou Johrei a ele, e quando recobrou os sentidos, ela desmaiou também. Meu pai
viajou para o solo Sagrado imediatamente.
Minha mãe, por sua vez, nunca mais se levantou. Ficou acamada, sem dor, nem sofrimento. Os
médicos não conseguiram entender o que ela tinha. Eles diziam que não tinha doença
nenhuma.
O mais estranho, que me entristeceu muito, é que durante todo o tempo em que ficou
acamada, não quis me ver e nem meu irmão. Só minhas irmãs conseguiam estar com ela. Mas
a mim ela não deixava entrar.
Na época, eu participava de um grupo teatral. E fomos convidados para participar de um
programa de rádio. Eu quis contar isso para minha mãe e não consegui. Mas depois, eu soube,
que ela acompanhava o programa e chorava. Eu sabia que ela gostava de batata doce assada.
Eu assava as batatas, com a esperança de conseguir vê-la. Ela aceitava o presente, mas não
me recebia. Eu ministrava Johrei pela parede, e minha irmã saia de dentro do quarto e dizia:
“mamãe agradeceu o seu Johrei”.
Ela quis ganhar tempo, para que eu e meu irmão, não tivéssemos mais apego a sua vida. Acho
que ela também quis fortalecer e encaminhar meu pai, para que ele soubesse como agir, após
a morte de Meishu-Sama, que foi momento crítico para a Igreja.
Os três meses, em que ela ficou na cama, teve total clarividência. Sabia tudo que acontecia ao
seu redor. Ela partiu no dia 11 de maio de 1955. Três meses após a morte de Meishu-Sama.
Quando Meishu-Sama morreu, ela morreu também. Meishu-Sama tinha doado cinco anos de
vida. Cinco anos tinham se passado, desde sua primeira morte. Com a morte do Mestre, a vida
dela deixaria de ter grande sentido.

(O Reverendíssimo Watanabe fechou os olhos por alguns segundos e calou-se.


Contou essa história com muito respeito. A voz embargada, os olhos avermelhados, reviveu
cada detalhe, como se fato tivesse ocorrido naquele instante.
Foi difícil para ele, falar de sua mãe. Nesse momento, não conseguiu disfarçar o orgulho e a
admiração por tudo que tinha acontecido, apesar da dor da saudade.
Pude ver em seus olhos, o brilho da vida vivida, com muita sinceridade no coração.)

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