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2019-2020
Hélder Chambel
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técnica entre 1910 e 1915. Dentro do movimento psicanalítico oficial, com excepção de
Sandor Ferenczi, a técnica definida por Freud não foi questionada até 1950.
“O histérico entra em hipnose profunda e, neste estado, pode recordar aquilo que está
fora da sua consciência, ou seja, a circunstância onde pela primeira vez apareceu o
sintoma. Esta única recordação cura o sintoma”
Freud (1889)
A ciência positivista era a escola do ateu Freud, curiosamente é da articulação entre duas
áreas rejeitadas pelo positivismo da época, a histeria e a hipnose, que Freud, um
reconhecido neurologista, desenvolve as ideias que o ajudam a tratar os seus pacientes.
Desde o início a psicanálise pouco ou nada deve à medicina, a não ser talvez o espírito
científico que Freud sempre lhe quis imprimir, herança do tempo que passou nos
laboratórios de Brücke e das teorias de Helmholtz que o influenciaram, por exemplo na
ideia de um equilíbrio energético do aparelho psíquico.
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A partir de 1892 incentivado por Breuer, seu colega e amigo, Freud passa a interessar-se
pelo tratamento da histeria através do método hipnótico, mais precisamente pelo método
catarquico sob hipnose. A histeria era uma doença muito frequente no final do século
XIX, aparentemente relacionada com um contexto cultural de repressão da sexualidade.
A descrição sintomatológica feita por Freud tinha uma grande variabilidade de sintomas,
desde os característicos ataques histéricos às paralisias, cegueiras, estados de ausência de
consciência e alucinações. Da parte médica havia uma completa ignorância sobre esta
doença que não tinha nenhuma lesão anatómica associada e cujos sintomas apareciam e
desapareciam de forma aleatória e sem sentido aparente. A medicina considerava a
histeria exclusivamente feminina e estas mulheres eram acusadas de simularem os
sintomas. Entre os tratamentos estavam as idas a banhos, massagens, a estimulação
eléctrica, intervenções cujos resultados não satisfaziam Freud.
Freud vai trabalhar duas temáticas rejeitadas pela medicina da altura, a histeria e o
hipnotismo, para na articulação entre as duas encontrar um sentido e um tratamento para
os sintomas histéricos. Freud e Breuer observam no caso Anna O., descrito nos Estudos
sobre Histeria (1885), que os sintomas desapareciam à medida que a paciente, sob
hipnose, conseguia recordar a sua origem e revivia com uma intensidade apropriada
a emoção originária a eles associada. Era o método catárquico sob hipnose.
É nesta altura que Freud conhece Charcot em Paris. Charcot considerava a histeria como
uma entidade nosológica definida e afirmava que os sintomas eram de origem psíquica.
Utilizava a hipnose para fazer aparecer e desaparecer os sintomas e assim demonstrar a
sua origem psíquica. Charcot utilizava a hipnose como demonstração clínica e não como
método de tratamento. É com a sugestão sob hipnose de Bernheim, em que se ordenava
aos pacientes o fim dos sintomas e com o método catárquico sob hipnose usado com Anna
O. por Breuer, que Freud vai começar a utilizar a hipnose como psicoterapia da histeria
de forma sistemática.
Em termos teóricos Freud e Breuer avançam que há um incidente, uma causa, que
provocou pela primeira vez o sintoma histérico, trata-se de um traumatismo psíquico na
origem da histeria. Esse traumatismo age como um corpo estranho ao paciente na
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medida em que não tem lembrança dele, no entanto mesmo esquecido o traumatismo
tem um papel activo no paciente.
Num processo gradual Freud vem a perceber que se pedisse aos pacientes para dizerem
tudo o que lhes vem à mente, em associação livre de ideias, conseguia não só chegar às
lembranças patogénicas recalcadas como também conseguia perceber as resistências que
se oponham a que essas lembranças se tornassem conscientes. A associação livre de ideias
viria a ser uma regra fundamental em psicanálise, a exigência de que o paciente
verbalize tudo o que lhe ocorre mesmo que lhe pareça sem sentido ou desapropriado.
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estava consciente, entendendo Freud como uma vantagem que os pacientes estivessem
acordados pois assim apercebiam-se dos mecanismos que utilizavam,
consciencializavam-nos e desta forma eles modificavam-se. No caso do método hipnótico
com sugestão, Freud considera que as sugestões dadas aos pacientes, sob hipnose,
tendiam a perder o efeito com o tempo.
A associação de ideias permite deduzir sobre o trauma recalcado, mais à frente chegaria
a interpretação como forma de consciencializar o inconsciente obtendo assim o mesmo
resultado que no método catárquico sob hipnose. O psicanalista deduz do discurso do
paciente o trauma originário e usa a interpretação como forma de o trazer para a
consciência.
Freud, em ruptura com a escola positivista a que pertencia, não chegou às teorias
psicanalíticas pela análise neuropatológica de cérebros de crianças, coisa que inicialmente
foi fazer a França, chegou pelo hipnotismo de Charcot. É com Breuer e com a experiência
de Anna O., com a ab-reacção, as reminiscências e a catharsis sob hipnose que se inicia
a psicanálise. A descarga emocional sob hipnose de um afecto ligado a um evento
traumático expurga o seu efeito patogénico. Era o princípio da psicanálise. Freud segue
para a sua primeira teoria neurótica na ideia de que os eventos traumáticos recalcados
são sempre de carácter sexual, Breuer não o acompanha nesta ideia, teria em Fliess um
correspondente disponível para o ouvir.
Sobre a passagem da hipnose para a psicanálise diz Freud em 1905: “Observo que o
método psicanalítico é confundido com o tratamento hipnótico por sugestão. (...) Ocorre
que há seis anos que não uso a hipnose (...). Na verdade, há entre a técnica sugestiva e a
psicanalítica a maior antítese possível, aquela que o grande Leonardo da Vinci resumiu,
em relação às artes, nas fórmulas per via di porre e per via di levare. A pintura, diz
Leonardo, trabalha per via di porre, pois deposita sobre a tela incolor partículas
coloridas que antes não estavam lá; já a escultura, pelo contrário, funciona per via di
levare, retira da pedra tudo o que encobre a superfície da estátua nela contida. De
maneira muito semelhante, a técnica de sugestão opera per via di porre; não se importa
com a origem, a força e o sentido dos sintomas, deposita algo - a sugestão - que espera
ser forte o bastante para impedir a expressão da ideia patogênica. A terapia psicanalítica
não pretende introduzir nada de novo, mas antes tirar, trazer algo para fora, e por isso
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preocupa-se com a gênese dos sintomas, cuja eliminação é o seu objectivo. Em todos os
casos graves, vi a sugestão introduzida desmoronar, e reaparece a doença. Além disso,
critico essa técnica por ocultar o entendimento do jogo de forças psíquicas; não nos
permite, por exemplo, identificar a resistência com que os doentes se agarram à sua
doença, chegando em função disso a lutar contra a sua própria recuperação; é a
resistência que nos permite compreender o comportamento.”
Obras de Freud:
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ocorrido na infância do paciente, as neuroses actuais derivam de comportamentos sexuais
desadequados na vida actual do paciente.
Freud considera que o motivo da defesa da consciência estaria no conteúdo das ideias
recalcadas, era esse conteúdo que gerava angústia e despoletava o mecanismo de
recalcamento. Essas ideias seriam traumas derivados de uma cena sexual infantil. Uma
sedução do adulto à criança, normalmente o pai da criança. Este evento na infância não é
patológico nem é recalcado, mas na adolescência, com a resignificação da sexualidade,
torna-se inaceitável para a consciência e é recalcado, excluído da consciência, mas não
podendo ser totalmente expulso da mente resultará num retorno do recalcado sob a
forma de sintoma. São definidos dois tempos do processo traumático: a criança exposta
sexualmente, visualmente, verbalmente ou mesmo abusada não fica traumatizada na
infância, é a resignificação desse acontecimento na adolescência que traumatiza, à
posteriori, com o entendimento da sexualidade.
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pensamento noutras cadeias de pensamento, integrando e diluindo o seu potencial
energético. É nisto que Freud acredita enquanto abandona a hipnose, que sendo um facto
que até pode facilitar a recordação, não deixa que fique evidente e trabalhável a defesa da
consciência em relação às imagens não aceites na consciência. Nesta elaboração Freud
encontra um sentido para o sintoma e uma forma de tratamento.
Antes de entrar na primeira tópica, primeira versão de um aparelho psíquico, Freud altera
de forma radical a sua teoria das neuroses. Já não acredita na sua neurótica, confessa
numa carta a Fliess em 1897. Não lhe serve mais a ideia de meio mundo com pais
perversos e abusadores sexuais, incluindo o seu próprio pai, constatação decorrente do
que conclui sobre si na sua auto análise. Na ocasião da morte do pai, Freud vem
teoricamente a desculpabilizá-lo e a culpabilizar-se a si próprio, não é possível que o pai
seja perverso, é a criança que imagina, nasce a ideia de fantasma psíquico, de
realidade psíquica e surge o inconsciente que não distingue a realidade da ficção.
Obras
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A Hereditariedade e a Etiologia das Neuroses (1896)
“Sofri uma espécie de neurose. Estranhos estados que o consciente não pode
compreender: pensamentos nebulosos, dúvidas, e só de tempos a tempos um raio de luz.
(…) Parece que estou metido num casulo. Só Deus sabe que bicho dele sairá.”
A teoria da sedução cai por terra em 1897, a partir daqui Freud inicia uma viagem para
dentro de si próprio, para o interno, e também a psicanálise, num movimento “de não foi
um acontecimento, foi a fantasia desse acontecimento” passa para o campo da realidade
psíquica, ficando a realidade externa, o trauma, para segundo plano. A ideia de Freud
em 1900 é que o trauma sexual não aconteceu, a criança fantasiou e, em adulto, o paciente
tomou a fantasia infantil por realidade, no entanto só a teoria da sexualidade viria a
concretizar a forma, o conteúdo e a dinâmica da fantasia infantil.
Freud conclui em 1899 uma obra decisiva para a Psicanálise: A Interpretação dos Sonhos.
É no campo da fantasia e do desejo inconsciente que Freud vai chegar à sua terra
prometida: a explicação dos sonhos.
Diz-nos Freud que os sonhos são uma atividade psíquica com sentido, como todas as
outras atividades psíquicas. Num primeiro plano corta com a ideia de os sonhos serem
mensagens de alguma entidade externa, relativiza e enquadra a sobrevalorização daquilo
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a que chama de restos diurnos, que apareceriam nos sonhos apenas porque tinham algum
tipo de associação com algo mais importante, minimiza a importância do que acontece ao
redor da pessoa que dorme e dos estímulos somáticos como a sede ou a fome.
Diz Freud que o sonho pertence a quem o sonha, e só a ele diz respeito, e diz respeito a
assuntos de importância maior, vai mais longe e generaliza a função do sonho: os sonhos
são a concretização de um desejo inconsciente do sonhador.
Mas como passar do absurdo, do non sense dos sonhos para a ideia da concretização de
um desejo? Torna-se chave a ideia de conteúdo manifesto do sonho, o que sonhamos,
ou pelo menos o que recordamos ter sonhado, e a sua relação com o conteúdo latente,
oculto e inconsciente para o sonhador mas que é o propulsor do sonho.
O latente, processo primário inconsciente tem por característica não ter a realidade em
consideração, não tolerar contradições, não conhecer a temporalidade e acima de tudo
procurar a todo o custo a realização dos seus desejos, o desejo do processo primário quer
irromper para a consciência para se tornar acção. Sucede a linguagem do processo
primário não poder ser aceite pela consciência, o confronto com outras partes da
consciência, com as ideias morais, gera uma angústia insustentável. É aqui que surge a
ideia de censura, um operador psíquico de dupla face entre a pré-consciência e o
inconsciente que bloqueia o advir do desejo à consciência e obriga a uma transformação
do processo primário em processo secundário.
Só uma deformação dos conteúdos do processo primário permitirá ao desejo passar pela
censura e entrar na consciência, trata-se de um compromisso entre instâncias psíquicas.
A censura só autoriza a passagem do desejo numa forma que não incomode a consciência
e a sua moralidade. E assim a consciência torna-se uma espécie de baile de máscaras, de
desejos mascarados para que o porteiro, a censura, os deixe entrar na sala da consciência
sem a perturbar. Se a censura não faz bem o seu trabalho o sonhador acorda
imediatamente, a angústia que gera o desejo pouco disfarçado na consciência não o
deixará dormir, daqui a função do sonho enquanto guardião do sono. Esta seria a
explicação de Freud para os sonhos de angústia, onde seria mais difícil perceber a ideia
da concretização de um desejo.
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Inconsciente, Pré-consciente e Consciente, instâncias psíquicas numa dialética
constante mediadas pelo processo de Censura. O inconsciente viria a andar para o desejo
psicobiológico, pulsional, somatopsíquico e até filogenético, as ideias morais estão na
origem do superego. A estrutura base do aparelho psíquico proposto por Freud fica
definida no Cap. VII da Interpretação dos Sonhos.
Acresce a importante ideia de simbolismo, que tanto podem ser símbolos individuais
como universais, sendo que Freud fecha a porta a interpretações tipo dicionário de sonhos,
o sonho, como o seu simbolismo tem de ser visto no contexto e na associação livre de
quem o sonha. Só aí o símbolo ganha significado para quem o sonhou.
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divide-se o sonho nos seus diversos fragmentos e pede-se ao sonhador que para cada um
deles diga o que lhe vem à cabeça, se assim o fizer, de representação em representação,
com mais ou menos defesas da consciência, Freud acredita poder chegar à fonte dos
sonhos, o desejo inconsciente.
No estudo dos sonhos típicos Freud fala-nos daquilo que tornaria um tema central em
psicanálise: o Complexo de Édipo. Diz: “Se alguém sonhar que o pai ou a mãe (...)
morreu. (...) Diria que o sonhador desejou essa morte na infância.” Freud considera que
temos sentimentos amorosos e hostis para com os nossos pais, esses sentimentos
desempenham um importante papel na psicosexualidade infantil e nas psiconeuroses. Vai
encontrar na antiguidade clássica, o Rei Édipo, que assassinou o pai e casou com a mãe,
esta tragédia grega seria é a realização do desejo de infância dos meninos. A mitologia ao
mesmo tempo que explica o nosso mundo interno é explicada, porque se construída por
homens em algum lado eles se inspiraram, neles próprios, diz Freud.
É na procura de compromissos entre instâncias psíquicas que Freud vai colocar sintomas,
actos falhados, o humor e a generalidade do comportamento humano. A partir de 1900
aprofunda a ideia de continuidade entre o normal e patológico, parece que tinha mesmo
esse objectivo em três obras desse tempo: A Interpretação dos Sonhos, Sobre a
Psicopatologia da Vida Quotidiana e em o Dito Espirituoso e o Inconsciente. O
mecanismo de formação do sonho, do humor e dos lapsos são equivalentes ao da
formação de sintomas, todos, mais ou menos loucos, temos os mesmos mecanismos de
funcionamento. Em 1905 chegaria a Teoria Sexual, Freud traz as perversões sexuais para
esta linha de ideias, dizendo que em crianças todos temos o potencial perverso.
Obras
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perversões, Predisposição perversa polimorfa, Fases oral, anal e fálica, Fase da
latência, Fase genital, Teorias sexuais infantis, Perversão adulta, Homossexualidade,
Bissexualidade originária.
Freud em 1905 apresenta os Três Ensaios da Teoria Sexual. Esta obra complementa e
concretizara a ideia de desejo infantil inconsciente deixada em aberto em A Interpretação
dos Sonhos. Uma das dimensões do inconsciente freudiano ganha uma face que permite
concretizar o que Freud tinha dito antes. Esta obra carimba Freud, a partir daqui será quem
tudo explica com sexo. Neste trabalho Freud estende a ideia de sexualidade para além do
que é normalmente entendido como sexual e desmonta a ideia da origem da sexualidade
na puberdade, quando não no próprio dia do casamento, e escândalo dos escândalos,
coloca a origem da sexualidade na primeira infância. Apresentou um desenvolvimento
psicossexual da infância até à idade adulta. Para explicar esse desenvolvimento estabelece
conexões entre o considerado normal e anormal na sexualidade. Freud procura perceber,
com o desassombro que a situação exige, a sexualidade humana no conjunto das suas
manifestações. Sem fazer juízos de valor sobre os comportamentos sexuais.
Considera que a criança tem um potencial perverso polimorfo, ou seja, todas as partes
do seu corpo podem ser utilizadas como fontes de prazer, considera também que na
infância não é certa uma escolha de objecto sexual do sexo oposto. O desenvolvimento
psicossexual tenderá a conduzir a criança para centrar a sexualidade nos órgãos genitais
e a procurar uma pessoa do sexo oposto, mas nem sempre assim acontece.
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Freud propõe o termo pulsão para exprimir uma pressão, uma força, interna, que
impulsiona a pessoa para a acção. A sua natureza é somatopsiquica, a libido é a energia
móvel resultante desta pressão constante. O objectivo da pulsão é a descarga energética.
A pulsão sexual é composta por diferentes pulsões parciais relacionadas com as zonas
erógenas. As zonas erógenas são partes do corpo associadas ao prazer, embora Freud
venha a dizer que todo o corpo tem propriedades erógenas, há zonas que pelas suas
características estão predestinadas a essa função.
A zona oral, anal e genital, numa relação entre a sua função regular e o prazer levam a
que a pulsão se apoie, se ligue, a essa zonas. Por exemplo: na passagem do mamilo da
mãe para a chucha e para o sugar do polegar no caso da zona oral, isto é, a boca é
originalmente fonte de alimentação, mas vem seguidamente a ser fonte de prazer sem ter
valor nutricional, a chuchar e o sugar o dedo. Segue-se a mesma situação de ligamento
por apoio para a zona anal, onde de uma necessidade biológica, pulsão de
autoconservação, se pode passar ao prazer, pulsão sexual.
Referindo-se aos desvios em relação ao objecto sexual Freud critica a visão científica da
época sobre aquilo a que chamam de aberrações sexuais, entre elas a homossexualidade,
considerada na altura como uma degenerescência constitutiva. Diz-nos que são
dimensões da sexualidade adquiridas e não inatas. Mas se a homossexualidade é adquirida
como explicá-la? Para responder a esta questão Freud vai recorrer à ideia de
bissexualidade originária. A heterossexualidade é o resultado de uma evolução, onde a
ideia de bissexualidade originária é a regra. A bissexualidade, conceito conhecido da
biologia com raízes mitológicas, o terceiro sexo (andrógeno) na mitologia grega designa
uma disposição inconsciente que é própria de todos os humanos. Realça Freud que o
sujeito faz uma escolha sexual através do recalcamento de uma das duas componentes.
Há situações em que isso não acontece e onde se verifica a aceitação dos dois
componentes. Não nascemos com desejo por homens ou por mulheres, constituímos,
durante o desenvolvimento psicossexual, o objecto destinatário da nossa pulsão.
Em relação à meta sexual Freud considera que o normal seria o acto sexual com objectivo
de procriação. Para explicar os desvios em relação a essa meta diz-nos que a pulsão sexual
não está unificada. A pulsão sexual divide-se em várias componentes, as pulsões
parciais. Estas pulsões tem como fonte de excitação uma zona erógena, que poderá ser
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qualquer parte do corpo. As perversões baseiam-se na predominância de uma pulsão
parcial de origem infantil e utilizam partes do corpo ou objetos fetiches, como substitutos
do acto sexual. Assim as formas de perversão são fixações em metas sexuais preliminares,
a que correspondem pulsões parciais. Nas perversões a pulsão sexual está desintegrada e
fixada numa componente parcial da sexualidade, na sexualidade adulta normal, essas
pulsões serão reunidas na maturidade genital atingida na adolescência. Nesta linha de
ideias Freud diz-nos que a criança contém em si o potencial perverso, mas que o
desenvolvimento psicossexual a encaminha para uma sexualidade genital.
No segundo ensaio Freud lembra o facto de que se lembramos pouco da nossa infância.
A amnésia infantil para a qual não há uma explicação inteligível, para Freud trata-se de
recalcamento, o adulto mantém fora da consciência a vida sexual infantil, esse seria o
motivo da amnésia infantil. As manifestações da pulsão sexual chocam com a educação
e a moral, e são objecto de repulsa e pudor, motivo do recalcamento.
Na sexualidade infantil a criança retira prazer das zonas erógenas. A actividade sexual
infantil apoia-se nas funções de conservação da vida para depois ganhar vida própria.
Freud considerara masturbação as actividades para obtenção de prazer que não estão
relacionadas com a procriação, trata-se de um prazer dirigido ao próprio corpo e sem
objecto: um prazer autoerótico.
Freud apresenta uma organização dos destinos da libido em fases sucessivas, cada fase
corresponde à preponderância de uma zona erógena. Cada uma destas fases sobrepõe-se
à outra sem que a elimine e cada uma delas deixa uma marca permanentemente em
nós. A oralidade é marcada pela dependência do outro e a analidade pelo controlo, seria
a maior ou menor preponderância de cada uma destas fases que constituiria o nosso
carácter. Em situação de perigo regredimos à fase mais predominante e utilizamos a forma
defensiva correspondente. Por exemplo a procura de ajuda, colocarmo-nos numa situação
de dependência no caso da oralidade e a tentativa de controlo da situação no caso da
analidade.
É o papel desempenhado pelas zonas erógenas que leva Freud a dizer que existe na criança
uma predisposição perversa polimorfa, o corpo da criança apresenta desde o início uma
sensibilidade particular para a erotização. O facto de a criança ter prazer nas zonas
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erógenas não faz dela perversa, o termo perverso no caso das crianças é uma fase de
desenvolvimento psicossexual que ainda não chegou à sexualidade genital.
Freud diz-nos que as crianças têm uma curiosidade imensa, e fazem perguntas sobre
sexualidade, de onde vem os bebes, quem tem pilinha quem não tem, essas perguntas
deixam antever um “se não sabe porque pergunta?” ou seja, a colocação da pergunta exige
um pensamento anterior e uma hipótese. São as teorias sexuais infantis, fantasias da
criança sobre a sexualidade do adulto, cujo desfecho, as conclusões a que chega, terá
reflexos da organização inconsciente da sexualidade e na psicopatologia.
O Complexo de Édipo abre-se caminho para duas outras ideias, o complexo de castração,
onde o menino teme a retaliação pelo ódio ao pai e pelo investimento libidinal na mãe, e
para a ideia de superego que seria a lei do interdito, do proibido e do medo associado à
punição da transgressão, do desejo inconsciente e do auto-erotismo. O Superego é o
herdeiro do Complexo de Édipo. Desta dialéctica relacional com base psicossexual se vai
determinar a constituição psíquica futura de cada um de nós.
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A organização inconsciente da sexualidade infantil em torno do investimento libidinal e
agressivo nos objectos da primeira infância tem um papel decisivo não só na teoria, mas
também na técnica psicanalítica, onde, a ideia de transferência da pulsão dirigida
originalmente aos pais na infância para o analista na situação analítica tem consequências
técnicas imensas.
Obras
Freud que o paciente se defende, inconscientemente, de ideias que lhe são dolorosas e por
isso o recalcamento aparece e se mantém, derivam daqui as psiconeuroses. É necessário
combater a defesa. Progressivamente, e por sugestão de uma paciente, Freud passa a
deixar de inquirir sobre a origem dos sintomas e a associação livre passa a ser a regra
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fundamental, uma exigência terapêutica, o paciente terá de dizer tudo o que lhe vier à
mente, independentemente de o considerar desapropriado ou de parecer não ter nenhuma
relação com o assunto. Espera com isso Freud, que de associação em associação o
paciente chegue à origem do sintoma.
“O paciente não recorda o que recalcou, mas expressa-o pela acção. Reproduz o passado
não como lembrança, mas como uma acção; repete-o, sem saber que está repetindo.”
“O paciente não recorda ser desafiador e crítico em relação à autoridade dos pais; em
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vez disso, comporta-se dessa maneira com o analista. Não se recorda de ter chegado a
um impasse nas suas pesquisas sexuais infantis; mas (…) queixa-se de não conseguir ter
sucesso em nada.”
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didáctica, para que o inconsciente do analista não inviabilize o processo.
Contratransferência, num primeiro momento, é a incapacidade de o analista reconhecer
os seus próprios complexos e por isso não poder compreender e analisar a transferência
do paciente. Posteriormente passa a ser o sentir do analista perante o paciente. Para Freud
o sentir do analista não deve ser tido em conta na equação terapêutica, a análise é do
mundo interno do paciente (pulsionalidade, agressividade, defesas, estrutura da mente) e
não da relação terapêutica. O sentir do analista é uma dificuldade acrescida.
Ficamos num ponto em que o paciente não tem outra saída senão aceitar à verdade do
psicanalista, terá de se encaixar nas teorias do psicanalista, quando rejeita a interpretação
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do psicanalista isso é interpretado como resistência do paciente. Trata-se de um círculo
fechado. Freud deu importância à subjectividade do Humano, colocou a
subjetividade no centro, mas fechou os pacientes dentro da subjectividade que para
eles criou.
Ferenczi chama a atenção para outros aspectos, por exemplo, quando um paciente relata
um abuso moral, físico ou sexual e isso é interpretado para o campo da fantasia, dá-se
uma retraumatização, desmente-se a vivência e a subjectividade do paciente, para se
manter na análise uma parte do paciente terá de ser enterrada viva. Para Ferenczi,
quando o trauma aconteceu seria necessária uma revivência do trauma para o poder
elaborar. Neste ponto, como diria Freud a Ferenczi, Ferenczi volta para a primeira teoria
de Freud, faz uma mudança paradigmática colocando o trauma e o factor externo como
fundadores do psiquismo humano e da psicopatologia.
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Obras
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