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Análise Psicológica (1991), 1 (IX): 67-87

Ensaio Sobre a Depressão Infantil (*)

TERESA FERREIRA (**)

i. PREÂMBULO mantendo-se outra parte como objecto


totalmente estranho. O desconhecimento do
1.1. «Bruxas más e bruxas piores»
objecto obriga o Eu a confrontar-se com o
desconhecido que há em si próprio.
De todas as crianças tristes que encontrei, Duas soluções extremas, se o conflito se
este era o menino' em que mais se via a tristeza. alarga:
Contou-me a história de um menino perdido
Delirar - a regressão psíquica;
a noite numa floresta. Ali encontra uma mulher Morrer - a desistência física.
que o atrai a uma cabana, oferecendo-lhe
chocolates mas logo tenta matá-lo num forno A terceira, intermédia: sobreviver na dor do
de assar pão. desconhecido em si próprio, na ferida narcísica
Alguém aparece e ajuda-o a fugir e a aberta desde o início da vida.
sobreviver. - (NÉ como um sonho com uma
bruxa má)), digo-lhe eu... bastante
impressionada pela tristeza da sua voz). Senti 2. A DEPRESSÁO NA CLíNICA
que ele tentou animar-me - «Sabes, há bruxas PEDOPSIQUI~TRICA
más, mas há bruxas piores!...))
Aprendi muito com ele sobre Depressão A nossa reflexão de agora, é apenas uma
Infantil. tentativa de sistematizar uma longa experiência
clínica de observação e terapia de crianças como
Pedopsiquiatra e Psicanalista.
A criança deprimida organiza um imago A patologia depressiva parece-nos cada dia
materno, não de mãe abandonica ou de mãe mais frequente, quer como queixa directa dos
persecutória, mas de uma mãe que se deixa familiares, quer como um dado da observação
«olham pelo bebé mas a uma distância tal que em consulta diagnóstica. Desde 1984 que este
só parcialmente é introjectada no Eu', estudo vem sendo feito na minha Equipa do
Centro de Saúde Mental Infantil e Juvenil de
(*) Trabalho apresentado ao Curso do Internato
de Pedopsiquiatria do Centro de Saúde Mental Lisboa.
Infantil de Lisboa, em 1988. Relacionamos sintomas e estrutura de base,
(**) Pedopsiquiatra e Psicanalista. por um lado, com pontos de fixação anteriores,
' Rapaz de 7 anos, forçadamente adoptado por por outro, o que permitiu a organização de
uma tia paterna após a morte da mãe (carcinoma) modelos teóricos, segundo o predomínio de
e o internamento psiquiátrico do pai (alcoolismo).
Permitindo-lhe alucinar a satisfação do desejo pontos de fixação de nível oral, anal, fálico ou
mas não alucinar o objecto como portador de uma edipiano.
experiência criativa. O diagnóstico de Depressão Manifesta era,

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em 1984, cerca de 18% da totalidade dos Introduziram-se modificações e continuou-se a
pedidos de consulta d a nossa área de testar a sua validade, como ele nos sugeriu. A
intervenção. finalidade última desta tarefa ((classificativa))
Parece-nos bastante maior na actualidade. seria apenas o ponto de partida para uma
Referimo-nos a crianças de um grupo etário intervenção terapêutica mais precisa.
entre os 3 e os 15 anos, embora recentemente Tratar o quê? Como? Que técnico está
pudessemos contar com observações de bebés indicado? Quem mobilizar numa Equipa de
em regime de internamento hospitalar Saúde Mental?
prolongado sem apoio familiar3. Da experiência de observação e tratamento
A descrição de casos de interacção precoce de muitas crianças podemos salintar:
recentemente publicados por vários autores, Que a depressão na criança não é o
ajudou-nos também nesta reflexão sobre a
reconhecimento da tristeza manifesta, o
organização precoce do movimento depressivo. que nem sempre sucede;
Outra experiência importante da nossa
Os sintomas que trazem as crianças a
Equipa foi o estudo e intervenção preventiva consulta são de diversos tipos: insta-
na gravidez, permitindo observar a organização bilidade, anorexia, queixas somáticas,
do desejo do bebé, de fantasias e sonhos sobre gaguêz, tiques, encoprese, enurese e
o bebé imaginário, antecipando o risco de uma insucesso escolar na latência;
falha relaciona1 precoce.
O diagnóstico é feito ou confirmado
Em todos os casos de depressão manifesta
através do estudo da relação de objecto
na criança há também uma patologia familiar,
com o observador ou terapeuta, logo, da
mais ou menos evidente: pais separados,
análise de transferência e contra-
separações precoces da figura maternal, relação -transferência vivida nesta relação;
dos pais de tipo sado-masoquista, etc., e como
Muitas vezes são crianças vivas que não
regra núcleos depressivos num ou em ambos
têm a atitude sedutora das histerias
os pais. infantis, nem a angústia persecutória das
Não nos referimos, porém, a depressão como
psicoses, mas que nos fazem sentir
um sintoma episódico de tristeza numa situação interiormente a sua própria tristeza. Estão
de crise familiar.
muito atentas ao interlocutor terapeuta
Distinguimos da Depressão Manifesta e como
(avidez do olhar, atenção específica, etc.),
variantes do Normal: tentando por vezes reparar em nós o efeito
1 - Afecto depressivo normal depressivo provocado pela nossa
2 - Vivência depressiva episódica identificação ao seu próprio sofrimento.
3 - Luta anti-depressiva (Mecanismos psíquicos de projecção
4 - Depressão latente identificativa e identificação projectiva);
A depressão pode surgir em formas de
Falamos de quadros clínicos em que
denegação por defesas maniformes.
predomina o funcionamento depressivo a ponto
de alarmar os pais, familiares, educadores ou
professores. Cada vez mais, vemos crianças que
aos 4, 8 ou 10 anos de idade nos dizem «não 3. REFLEXÃO TEÓRICA
gostei de ter nascido)), «é melhor morrer do
que vivem ou «não gosto de brincar nem de Os trabalhos referentes a depressão na criança
ir A escola)), etc.. são ainda em número reduzido quando
A grelha nosológica experimental foi comparados com o número de publicações sobre
apresentada e discutida pelo Prof. Serge a depressão no adulto.
Lebovici em Julho de 1985 durante a sua visita Vamos referir alguns dos conceitos que
a Portugal como Delegado da O.M.S.. melhor se adaptam ? nossa
i vivência clínica.
Depressão Infantil - seria a perturbação da
Hospital de S. Roque, Santa Casa da Misericórdia organização do sentimento de auto-estima
de Lisboa. concentrando-se a volta de uma ferida narcísica,

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com consequente alteração funcional do como uma resposta afectiva fundamental.
psiquismo. Brenner (1975), fala de dois afectos primários:
Só podemos compreende-la com uma a angústia e a depressão. O equílibrio do EU
construção metapsicológica ligada a uma fase consistiria em evitar os dois afectos: desprazer
específica do desenvolvimento libidinal. e angústia.
Como construção metapsicológica podemos Nacht, refere-se ao plano pulsional no
encará-la sob o ponto de vista: deprimido: a depressão surgiria determinada por
uma difusão instintiva, ficando em minoria as
1. TÓPICO ____ cs L > PCS-ICS pulsões de amor.
2. DINÂMICO - (tipo de conflito)
3. E C O N ~ M I C O- (seguindo modelos de uma A falha libidinal atribui-se A falha ou
economia depressiva) desaparecimento do objecto, ou ainda se o amor
do objecto ou para o objecto não é reconhecido.
4. GENÉTICO - (específico em cada caso)
Fica apenas o medo interior de só poder viver
5 . ESTRUTURAL - (do Eu - seguindo o
predomínio defensivo do o ódio. O potencial agressivo aumenta pelo
momento desejo intenso do objecto (mãe,substituto, a
humanidade inteira).
É Freud, em 1915, quem pela primeira vez A depressão seria o último e desesperado
define as características do Eu na melancolia, modo de preservar as pulsões de amor e a
referindo-se a Clivagem interna e ao conflito esperança de poder amar de novo. Na relação
reactivo A perda de um objecto amado. com o objecto, o deprimido funcionaria com
Em «Luto e Melancolia», este autor, um compromisso de amor e de ódio,
caracteriza a depressão profunda pela suspensão procurando salvaguardar o objecto da sua
do interesse pelo mundo externo, a perda da agressividade (dirigindo-a para o Eu). Por outro
capacidade de amar, a inibição de toda a lado, a falha de uma verdadeira introjecção
actividade e a diminuição do sentimento de identifcativa leva a uma introjecção agressiva,
auto-estima (auto-censuras, castigos, etc.). mais ou menos maciça do objecto. Uma parte
Na melancolia pode ser inconsciente, ou não d o E u fica assim d e t e n t o r a d e u m a
reconhecido claramente, o que foi perdido. omnipotência punitiva sendo a vítima a parte
A clivagem do Eu, divide-o numa parte frágil do Eu. Esta é também a parte saudável
(Super-Eu) que censura a outra, sendo as críticas a que procura sobreviver, identificada pelo
dirigidas contra o objecto de amor introjectado. sofrimento e pela culpabilidade consciente,
Assim, a perda do objecto transforma-se (remorso), cuja função seria também a de
numa perda do Eu, por identificação narcísica acalmar a culpabilidade inconsciente.
com esse objecto, substitutiva do investimento Na terapia, o sofrimento e o sentimento de
amoroso perdido. incurabilidade, surgem na relação (terapêutica)
A desvalorização do objecto fica inconsciente
como uma acusação que inclui em simultâneo
mas implica a desvalorização do Eu, assim
o amor e o ódio.
empobrecido em líbido e em perigo, numa
tentativa de recuperação narcísica votada ao O masoquismo depressivo é diferente do
echec por interposição do Super-Eu. masoquismo perverso onde o objecto e o sujeito
A mania seria a libertação instintiva (a se relacionam como seres autónomos um face
sobrecarga do Super-Eu), levando o Eu, de ao outro.
contenção insuficiente, a ser submerso pelo O depressivo tem poucos objectos e são todos
afluxo energético (ICS) que é incapaz de duplicados ou sucessivos do objecto original -
elaborar, assimilando-se temporariamente a um a mãe.
Ideal (muito regressivo), até ali inacessível. Procura incessantemente provas de amor,
Bibring refere-se a depressão como um estado cola-se ao objecto, mostra-se incapaz de estar
particular do Eu com sentimento de impotência só, como diria Winnicott. Procurando a imagem
(helplessness) e desespero (hopelessness). Ideal, defende-se da realidade do objecto, com
Joffe e Sandler, falam de reacção depressiva receio de o apreender na totalidade - a relação
que acompanha todas as entidades nosológicas, é sempre parcial e frustrante. Sujeito e objecto

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estão mal diferenciados mas não confundidos Posição Depressiva de Melanie Klein;
como na psicose.
Separação-Individuação de M. Mahler;
Grunberger, o grande teórico do narcisismo Pensamento Operacional de P. Marty;
da escola francesa, distingue o angustiado que Conflito Estético de Meltzer;
investe a vida (a angústia seria uma reacção de Capacidade de «rêverie» e Função Alfa
defesa a um perigo vital), do deprimido, em da Mãe - a capacidade de identificação
que é o investimento da vida que parece ao estado de sofrimento psicossomático
diminuido ou falta na totalidade em casos de criança. Semelhante ao pensamento
extremos: «A vida não vale a pena ser vivida.)) do sonho, de Freud, transformando a
Este autor salienta a importância do vivência psicossomática de criança em
investimento narcísico como ponto de partida vivência psíquica através da experiência
do estado depressivo. emocional da mãe, de Bion.
Angelergues cita o «movimento subjectivo
optimista» como uma antecipação inconsciente,
cuja ausência ou desaparecimento abre a porta 4. EVOLUÇÃO DO NARCISISMO
$ depressão,
i como a perda de uma Ilusão Vital.
Pierre Luquet (1981), define depressão como
uma defesa contra a agressividade pré-genital. «Le narcisisme est l’effacement de la trace
de 1’Autre dans le desir de 1’Un.» (A. Green)
No Eu infantil em organização seria o destino
das pulsões agressivas que marcava o
Freud (1914), em « I n t r o d u ç ã o a o
funcionamento depressivo em cada nível
Narcisismo)), refere-se a origem da vida: «De
evolutivo do Eu.
início o bebé não distingue sensações
Desde o nascimento, o estado ideal de Bem exteroceptivas de excitações interoceptivas. A
Estar implica uma constância do Bom Objecto
sua vida está totalmente dependente dos
interno. A criança deprimida, não tendo um
cuidados maternos formando com ela uma
bom objecto interiorizado (totalmente), crê-se
unidade. Este estado corresponde ao narcisismo
obrigada a introjectar um mau objecto. inicial como conceito limite de um Paraiso
Desenvolve mecanismos defensivos para que o
Narcísico.))
mau objecto não se confunda com o Eu. O mau
Segundo a definição do Glossário Americano
objecto no Eu clivado, vai reforçar o Super-Eu, de Psicanálise de Moore e Fine (1967), o
na luta contra o Eu. narcisismo seria a concentração do interesse
«O deprimido é um Super-Eu feroz, que psicológico sobre o Eu (sela e não pode
destrói e persegue o seu Eu, o se&» entender-se senão como uma abstracção, pois
Catherine Parat, diz-nos que o deprimido não teria existência no estado puro, o que torna
falha no luto do objecto de amor, mas seria complexo o seu estudo e compreensão.
mais grave a falha do investimento do Amor, Seguindo o pensamento de Grunberger, o
como valor narcísico insubstituível, mesmo narcisismo está obrigatoriamente associado a
quando mascarado de amor de objecto. outros factores, de um modo sintónico ou
«Admito que amo mais a minha paixão, que conflitual, pelo que podemos falar de
propriamente a si...» (in Cartas de uma narcisismo,
Religiosa Portuguesa).
O objecto pode servir de suporte ao Centrífugo - Centrípeto
Primário - Secundário
narcisismo.
Positivo - Negativo
«Só o amor partilhado estabelece um
equilíbrio entre o que deriva do narcisismo e
(Integrado) - (Culpabilizado)
do anti-narcisismo)) (Pashe, 1960).
São - Patológico
Maturo - Imaturo
Outros conceitos teóricos de base são
fundamentais como complemento do estudo da e ainda fundido com o componente pulsional
depressão na criança. Referimo-nos aos ou opondo-se a ele.
conceitos: Lou Salomé, refere-se a dupla orientação do

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narcisismo pela contradição existente entre a E m relação a o narcisismo, mesmo
atitude do narciso que procura individualizar- pressupondo a existência de uma boa mãe, que
-se, quando, por outro lado, não pode viver fora se esforça por manter um ambiente próximo
de uma relação fusional permanente. do da vida intra-uterina, o bebé passa do regime
Vemos o mesmo factor narcísico em quadros aconflitual a um registo em que não funciona
clínicos de fenomenologia diversa ou oposta: este automatismo.
na ninfomana que é levada a entrgar-se a todos O Narcisismo Absoluto, com a magia
os homens por necessidade narcísica incoercível omnipotente, entra num declínio necessário, que
de ser amada, e na vamp frigida que deve se deseja lento e progressivo, mas que seria
seduzir os homens pela mesma razão mas que traumático se a sua integração na relação
os recusa por narcisismo. objectal for abrupta ou vivida com excesso de
O narciso ama-se muito, mas ama-se mal ou tensões, por falha da capacidade materna, desta
nada ... identidade instintiva - a capacidade de
O narcisismo é do homossexual, mas também «rêverie» citada por Bion.
do heterossexual que exibe a sua virilidade. De início o bebé descobre o corpo, orgãos
Para Grunberger o Paraíso Narcísico situa-se (Eu-corporal de Freud), antes do Eu ter a
na vida pré-natal, e este autor refere-se-lhe como dimensão do Eu-psíquico. Este, liga-se ao Eu-
um período de elação narcísica omnipotente e -corpo e ao mundo objectal, o que permite ao
mágica. bebé alucinar a satisfação das necessidades
Num certo plano, a vida intra-uterina pode internas e organizar o desejo do objecto,
considerar-se um modelo de aconflitualidade, construido pela satisfação repetida dessas
se a encararmos como um estado em que as necessidades. Todo o excesso de tensões faz
necessidades básicas são automaticamente recuar o processo de integração Eu-corpo.
satisfeitas: alimento, protecção a estímulos Falamos de Narcisismo integrado, se não há
externos num clima envolvente de suavidade complicações traumáticas precoces, ou de Ferida
líquida regulando uma homeostasia contínua. Narcísica (oral), se a adaptação do Eu inicial
Este estado estaria em oposição ao meio ao mundo objectai não permite esta organização
exterior em que haveria estímulos sensoriais de uma integridade Narcísica.
intensos de luz, som, temperatura, cor, etc,
A renúncia a vida pré-natal e A omnipotência
capazes de provocar ao recém-nascido uma
narcísica deve ser progressiva, mas não deixará
vivência emocional complexa a que Meltzer
de funcionar como um apelo profundo em
chama «Conflito Estético» - como um
todas as etapas da vida humana (desde o desejo
conjunto de sensações perturbadoras de que o
de dormir normal a regressão depressiva ou i
bebé não pode entender o significado, mas que
recusa do exterior do autista).
seria um símbolo de Beleza do Mundo do poeta
Keats, citado pelo autor. Para Grunberger a vida intra-uterina
É através da vida relaciona1 com a mãe, e simboliza o modelo de uma adaptação perfeita
de uma capacidade de identidade instintiva Continente-Conteúdo,que no plano afectivo se
desta com o bebé, que progressivamente, este traduz por um estado de Completude Narcísica
Exterior, tomará sentido, numa dialéctica - o afecto positivo de bem-estar ideal.
comparativa entre o Dentro e o Fora do interior No movimento oral do Eu, este modelo de
da mãe. completude narcísica inicial poderia refazer-se,
reorganizado no modelo oral, pela fusão Boca-
1) No estado Oral falamos de um nível de -Seio da mãe (continente-conteúdo) com nova
prazer assente no acto de chupar o seio materno vivência de prazer elacional repetido - a perda
estimulando a zona bucal, mas este modelo da omnipotência mágica seria gradual e
incorporativo, inclui toda a actividade do bebé manteria a integridade narcísica através dos
que absorve com o olhar tudo que o rodeia, bons momentos de prazer integrado, narcísico
ou agarrando as coisas que mete avidamente e objectal.
na boca, etc.. Se há rupturas e frustrações o bebé tem que
A Avidez é o termo que melhor a define. lutar pela recuperação dessa omnipotência

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perdida, perante a ferida narcísica precoce ligada As fezes tornam-se num objecto
a falha objectal maternal. simultaneamente narcísico e objectal e o seu
A agressividade do bebé exprime-se por investimento coloca a criança pela primeira vez
tensões descarregadas no movimento, no corpo, perante uma escolha entre a afirmação do seu
a que a capacidade de «rêverie» da boa mãe poder (narcísico), como por exemplo: fazer a
pode transformar em vivência afectiva, psíquica, caca fora do penico ou o amor da mãe
com representação mental, dando-lhe um (objectal) dando-lha de presente. Esta dicotomia
sentido relacional (função alfa da mãe). liga-se a formação do Super-Eu, e define o
A dependência do objecto é aqui absoluta modelo relacional do Eu anal pela ambivalênciu
e total e a integridade narcísica vai permitir a dos seus afectos.
perda progressiva dessa dependência, como uma Ferenczi refere-se a o sentimento d e
nova conquista do Eu. A vivência de uma boa omnipotência nesta fase em que a força
unidade simbiótica organizativa de introjecções pulsional seria a força do Eu dominador, que
estáveis de bom objecto permite a permanência exige uma obediência servil dos seus desejos
de um dmago Fundamental)) que por sua vez irresistíveis.
facilita o movimento seguinte de separação e Freud refere-se a possessão como o traço anal
individualização progressivas. e salienta o apport positivo da analidade a
evolução normal do indivíduo - nela assentam
2) O estado Ana1 é diferente na sua essência as forças mais evoluidas do psiquismo (o Pcs):
e no modo relacional específico. «Toda a civilização humana pode ser
A estrutura anal opõe-se a anterior pela considerada como uma tentativa de sublimação
descoberta de nova zona erógena, pela do erotismo anal.»
possibilidade de novos investimentos - os Nas estruturas anais a agressividade sádica
produtos fecais - que fazendo parte do corpo, aparece na relação objectal pelo prazer de
separam-se dele sem perigo de destruição do domínio e controlo do objecto, escolhendo
se& sempre o mais fraco: o pequeno, castrado,
O Eu vive este aumento progressivo da sua passivo, os animais, ou no jogo com os
capacidade de domínio e controlo do objecto brinquedos, etc., que são maltratados ou
como uma confirmação narcísica fundamental. destruidos.
A expulsão do bolo fecal torna-se equivalente O objecto fraco permite ao sujeito viver-se
a expulsão do mau objecto, do mau imago como forte, e esta é a necessidade básica do
interno (confusão fezes-objecto). O mesmo Eu na evolução anal. O momento de
mecanismo de separação activa serve para completude narcísica anal seria o de poder reter
guardar o bom objecto ou para oferecê-lo como ou largar as fezes da ampola recta1 (continente
presente. Vive-se uma Solidez do Eu, uma vez e conteúdo em perfeita adaptação) como
que a fragmentação do selfe do objecto não expressão do erotismo anal.
é equivalente A sua perda, permite uma A Boa Mãe permite a criança, nesta fase,
Eparação. viver-se e afirmar-se no seu poder e aceita esta
A agressividade transforma-se em potência nova necessidade de Confirmação Narcísica,
mágica (sadismo anal) e vive-se com um Self sem conflitualizar demasiado a relação (por ex.:
Grandioso(Edith Jacobson). impondo-se demasiado, ameaçando ou super-
O universo anal organiza a Retenção, -protegendo o bebé nas tentativas simultâneas
protótipo de controlos sucessivos, cada vez mais de afastamento e exploração do meio, etc.).
evoluidos, pelo reforço do aparelho motor, Mães demasiado ansiosas e apressadas
músculos lisos e esfíncteres, a par com o prazer bloqueiam totalmente toda esta evolução,
(anai) de reter numa área fechada, prazer agora automatizando de modo externo e precoce o
obtido de modo autónomo (nele próprio e por controlo anal aos 5 ou 6 meses de vida, o que
ele próprio - Nacht). traz profundas alterações psíquicas,
Põe fim a dependência oral da mãe podendo nomeadamente falhas de confirmação narcísica
reparar esta ferida narcísica pela possibilidade anal e fixações depressivas importantes.
de opor-se ao meio, de modo activo. É também nesta fase que se estrutura de

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modo activo a curiosidade pela exploração do Castração fálica -Perda do poder, da
espaço exterior, só possível pela descoberta deste auto-estima
Poder do Eu anal, que mais tarde é deslocado Castração sexual - perda talionica de parte
para sublimações e interesses da latência de si, impotência
(necessária ao sucesso da escolaridade). 'Reforça-
-se ou inibe-se esta curiosidade bem como a Nesta etapa evolutiva a criança atribui o pénis
criatividade, a fantasia, o simbolismo, quase a quem tem poder (mãe ou pai) e só mais tarde
toda a vida fantasmática e defensiva do Eu. separa masculino de feminino.
O Narcisismo reforça-se pelo Amor Próprio De início o pénis paterno é investido como
afirmado no Poder Anal. um poder equivalente ao seio, ou ao falus anal.
A mãe deve confirmar este narcisismo. A mãe é fantasmaticamente detentora desse
A ferida narcísica na analidade, vai manter poder, possuindo-o de modo fálico, nas
a continuação do Dependência dando ao Eu primeiras fantasias da cena primitiva, encarada
a vivência de uma fragilidade e impossibilidade sucessivamente como uma devoração oral ou
de expressar pulsões agressivas. Estas são como uma relação sádica destrutiva anal.
inibidas ou expressas em sintomas, quase sempre O rapaz luta pela posse sádica da mãe
de expressão somática - enurese, encoprese, indentificando-se ao imago paterno.
gaguez, etc.. Pior solução seria a desistência A rapariga cria um pénis fantasmático com
psíquica para uma regressão a dependência oral que domina a mãe.
e a psicose. Uma primeira ameaça de castração é sempre
atribuida a mãe fálica. Contrapõe-se-lhe a
3 ) O movimento Fálico do Eu organiza-se imagem fálica de 'si próprio que exprime a
pelo deslocamento dos investimentos para a integridade narcísica neste momento evolutivo.
zona genital de modo predominante. A A vivência das ameaças maternas como uma
diferença dos sexos vai marcar definitivamente castração representa simultaneamente a síntese
a evolução psicológica do rapaz e da menina. de todas as dificuldades no esforço de construir
O pénis, pela sua presença ou ausência, vai a integridade narcísica.
decidir a orientação do movimento fálico e Ambos os pais nesta etapa são igualmente
edipiano de modo diverso nos dois sexos. As elementos de valorização naxkica, podendo um
imagens de Pai e Mãe reconhecem-se pela suprir a falha do outro e reparar narcisicamente
diferença dos sexos equivalente a uma diferença a criança.
de poderes, nesta fase.
O Falus seria o representante psíquico da 4) No movimento Edipiano cimentam-se as
Integridade Narcísica para Grunberger. identidades pela escolha do objecto heterosexual
Integridade equivale a valorização e, no plano como suporte do desejo erótico genital.
inconsciente, a ausência desta valorização seria A menina investe todo o corpo numa
vivida como uma falha, uma castração. tentativa de sedução do Pai e o sadismo dirigido
Falus seria tudo o que valorize narcisicamente. a mãe inverte-se em movimento masoquista
(Luquet & Parat).
Falus oral - o bom seio O rapaz atribui ao pai um poder penetrante
Falus mal - o controlo fezes-objecto e agressivo mas ligado e localizado a esta função
Falus genital - a união dos Pais no fantasma paternal.
da cena primitiva O poder receptivo da mãe e o prazer ligado
'

Opondo-se a castração como tudo o que a união de ambos, corresponde ao fantasma


desvaloriza (falta de poder no Ies). central da cena primitiva, que na imaginação
da criança é realizado pelos Pais juntos numa
Castração primitiva - o nascimento nova Completude Sexual, continente (vagina),
Castração oral - sevrage conteúdo (pénis), em perfeita adaptação. É esta
Castração anal - perda do controlo das a noção de Primado Genital de Freud atingida
fezes, mais tarde do pela vivência da neurose infantil e sua resolução
dinheiro, etc. ao longo da latência.

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A criança vai querer quebrar esta união, a normal, através das identificações sucessivas,
completude genital dos pais, separá-los. Porém de formação do Eu ideal e do Ideal do Eu como
esta destruição equivale a castrar o Pai (destruir parte do Super-Eu.
o Falus). I? a castração do Pai que é primitiva, Um certo tipo de qualidade relaciona1 parcial
e o medo da castração é o medo da retaliação pode ser vivida pelo bebé como uma decepção
que cairia sobre o próprio. precoce, que se vai repetir, abrindo a ferida cada
O rapaz vai querer ser ele a realizar esta união vez maior que o separa do Paraíso perdido da
com a mãe, possuir o Falus, a semelhança do completude de omnipotência narcísica pré-natal.
vivido em fases anteriores em que a criança tem Falamos de pontos de fixação em cada nível
a intuição de uma prioridade do seu ponto de estrutural como núcleos depressivos específicos
vista. Para ele, o Pai é que seria o intruso. e característicos:
É inevitável a vivência de ameaças de
1) Do nível precoce (oral) - primeiros meses
castração, sempre reforçadoras de uma ferida
de vida, ou
narcísica edipiana que pode bloquear toda a
2) De um núcleo primário, quando já há um
evolução futura na latência, impedindo a
Eu corporal e psíquico coerente, separado
organização da auto-estima básica: seria o
da mãe, mas desvalorizado pela vivência
núcleo de uma depressão neurótica pela falha
negativa da experiência de separação e
de integração narcísica ou valorização narcísica
individuação (falha de organização anal
na evolução edipiana.
do Eu e do selfgrandioso);
Em cada etapa evolutiva há uma luta, uma
3) Referimo-nos a um núcleo depressivo
nova possibilidade de restabelecimento narcísico,
fálico, se predomina na criança a vivência
de reparação.
sistemática de um sentimento de submissão
A completude narcísica perfeita nunca é
a o poder fálico materno (ferida
atingida: a satisfação elacional é sempre pontual
narcísico-fálica). Se a personalidade
e sempre procurada.
narcísica da mãe não permite a criança a
A realidade da vida humana seria assim uma
integração do seu narcisismo fálico,
sucessão de elans, num movimento dinâmico
podemos também afirmar que a figura
de afirmações e negações.
paterna não funcionou como reparadora,
O restabelecimentonarcísico em cada fase não
porque não existe, é ausente ou também
é uma substituição do anterior, mas uma adição
submetida ao matriarcado familiar;
de uma nova possibilidade.
4) O núcleo depressivo edipiano neurótico
A Fase Genital contém todas as outras
pode considerar-se parte integrante da
anteriores, dispondo por isso de uma gama
neurose infantil normal, como reacção
extensa de virtualidades.
depressiva face a exclusão (de gerações, da
A valorização narcísica feminina deve-se
cena primitiva.
sobretudo A relação paternal, e a do rapaz a
relação maternal aceitanto e limitando as O sentimento de exclusão, solidão, abandono
vivências conflituais próprias d o seu gera sempre sintomas nesta fase (tensões
desenvolvimento. nocturnas, ansiedade, pesadelos) em que a
tristeza e a angústia se combinam e manifestam
no mesmo sintoma-sinal de alarme.
5. ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL E Se o abalo narcísico é insuportável supõe-se
VIVÉNCIA DEPRESSIVA que ele se reforçõu agora, após falhas de
integridade narcísica em etapas anteriores.
Do nascimento A latência a criança vive e Pode dominar a tristeza, a inibição e o
decide também, a sua evolução num movimento desinteresse, face as ansiedades normais desta
contínuo do Eu em que a dependência deve ser fase.
decrescente (do narcisismo da própria mãe). Em crianças de latência, vemos por vezes no
O bebé deve ser confirmado e valorizado estudo da evolução genética a inexistência de
narcisicamente ao longo desta trajectória, até pontos de fixação claros na linha do narcisismo,
A integração do narcisismo na auto-estima embora não se organize o núcleo básico de uma

74
FIGURA 1
Evolução Narcísica

(VIDA PRÉ-NATAL I- COMPLETUDE NARCfSICA


4 OMNIPOTENTE E MhGICA
FORMAS DE DEPRESSÃO

I
I
( NARCISISMO
PRIMARIO
\ MANIFESTA NA CRIANÇA

Dependência
MOVIMENTO Total
ORAL DO EU 10 núcleo depressivo
DEPRESSÃO PRECOCE

!I
i
1 INTEGRIDADE NARCÍSICA Ri

MOVIMENTO
ANAL
-
I
Depressão Anaclitica
29 núcleo depressivo
2 DEPRESSÃO PRIMARIA
CONFIRMAÇÃO N A R C SICA
~
- Depressão Branca
,1 1 (psicossomãtica)

11
I

MOVIMENTO
F~LICO
II

I
I
I
'1
fáiico

FhLICO
39 núcleo depressivo
VALORIZAÇÃO NARCLSICA
FhLICA
3 DEPRESSÃO FhLICA

I
I

MOVIMENTO ~culino
49 núcleo depressivo
EDIPIP.iV0
I
' fenllnino 7 VALORIZAÇÃO NARCIsICA
4 DEPRESSÃO NEUR~TICA
1

I
GENITAL
I
I

'L - - - .-- - - - - - - -
EVOLUÇÃO DEPRESS IVA

AUTO-ESTIMA NORMAL [ '=~n~~~~C:es T


- AFECTO DEPRESSIVO NORMAL
Identificações
- VIVENCIA DEPRESSIVA EPIS6DICA
- LUTA ANTI-DEPRESSIVA
püiTmüJ/
INVESTIMENTOS.OBJECTAIS MÚLTIPLOS - modelos

75
QUADRO 1
Depressão Manifesta

A NfVEL PRÉ-GENITAL i - DEPRESSÃO PRECOCE

2 - DEPRESSÃO PRIMÁRIA
- Depressão Anaclítica
- Depressão Branca

3 - DEPRESSÃO FÁLICA

B NÍVEL EDIPIANO 4 - DEPRESSÃO NEUR~TICA

5 - EVOLUÇÃO DEPRESSIVA
(crise da latência)

6 - DEPRESSÃO DA ADOLESCÊNCIA

auto-estima necessária ao equilíbrio psíquico. reage a estímulos vindos através do corpo da


Falamos de evolução depressiva nestes casos mãe. O diálogo não verbal existe desde o início
de Fagilidade básica, em estruturas edipianas. da gravidez através de mensagens recíprocas
Referimo-nos a conceitos que podemos mãe-bebé imaginário, ou bebé real-mãe
concretizar: «continente».
Será aconflitual, como diz Grunberger este
A noção de pontos de fixação - como
período pré-natal e de perfeita adaptação
pontos de apelo regressivo, determinantes da
continente-conteúdo? A experiência de
evolução mental; entrevistar grávidas em Saúde Mental faz-nos
Eu ideal - herdeiro do narcisismo primário
prever que nem sempre assim será. E nestes
omnipotente. Deve diluir-se no Ided do Eu.
casos o nascimento teria outra dimensão, outra
Se se mantém num fenómeno negativo - vivência; talvez menos perturbadora e positiva
uma insuficiência na organização mental.
que a descrita por Meltzer no Conflito
Estético... - o mundo não seria tão belo. Mas
a boa «contensão» pressupõe uma continuidade
6. A DIVERSIDADE NA CLÍNICA
após o nascimento, urna espectativa, uma
esperança global. A mãe seria esse «todo» capaz
Em esquema, dividimos a Depressão
de conter o bebé que já a investiu antes de a
Manvèsta do modo como se apresenta no
perceber como objecto real.
Quadro 1. O nascimento é para a mãe um momento de
confronto do Bebé Imaginário com o Bebé Real,
um ponto de confrmação narcísica. Para o
7. NÍVEL PRÉ-GENITAL
bebé, seria antes a primeira rotura da
omnipotência narcísica. Trata-se de manter uma
7.1. Depressão Precoce Integridade no seu narcisismo - compatível
com a elaboração - digestão do «conflito
«La mére est investi avant d’être perçu par estético», que seria a saída para o fora da mãe.
le bébé et Iui crée sa mére.» (Lebovici, 1960). Freud fala de um tipo de «relação maternal
específica», que pela satisfação pulsionaí do
Na vida intra-uterina o bebé conhece o bebé tornaria as pulsões toleráveis pelo Eu. Esta
Dentro da mãe, antes de ser conhecido por ela, acção específica daria 2i criança o sentimento

76
de ser amada (narcisismo positivo) e a crença ponto de fixação em personalidades narcísicas,
no amor do objecto (amor primário). modelado em novas formas pelas vicissitudes
A satisfação antecipada (antes da consciência de evolução anal e fálica do Eu.
do desejo) ou dada sem amor, ou diferida face Na relação de objecto destas personalidades
?t expectativa do bebé poderia transformar a predomina a dependência, a avidez, num estilo
acção específica boa, numa acção negativa, pelo incorporativo do modo relacional.
menos em parte. Para o aparelho psíquico do Na clínica hospitalar de bebés vemos com
bebé haveria uma capacidade de reconhecer o frequência quadros de Atonia Psíquica ligados
objecto externo, mas este, só em parte poderia I? presença descontínua de mãe e durante o
conter as suas próprias angústias. O objecto período do internamento.
interno seria também precário. Dentro e fora No meu trabalho como Consultora de Saúde
só haveria refúgios precários. Mental Infantil na Santa Casa da Misericórdia
A integridade do Eu seria sacrificada. de Lisboa, tive oportunidade de intervir no
André Green distingue a angústia psicótica estudo e necessidade de reparação terapêutica
(a retirada narcísica autista, por exemplo) da de casos semelhantes com enfermeiras,
angústia narcísica, que seria a marca de um educadoras do Hospital de S. Roque, que se
núcleo depressivo precoce. sensibilizaram para este tipo de colaboração5.
Seria uma primeira decepção que põe em Kreisler refere-se & depressão do bebé expressa
causa a continuidade da evolução do EU, pela sobretudo no sintoma «anorexia mental do
constituição de um narcisismo negativo; com recém-nascido)) com reacções de oposição e
bloqueio da organização mental, da capacidade recusa. Mais tarde expressa em condutas
alucinatória de realização do desejo e do alimentares aberrantes. O bebé não mostraria
investimento objectal (pode alucinar a satisfação qualquer sinal emocional exterior sem choro,
do desejo mas não o objecto). sem sorrisos. A evolução seria crescente:
Seria também a suspensão de um projecto
relacional, mas não a sua rotura total (psicose). - atonia tímica
Não haveria do lado da mãe a preocupação - inércia motora
maternal Primária de Winnicott. - diminuição da comunicação inter-activa
Mãe sem grande capacidade de «rêverie» - vulnerabilidade psicossomática
segundo Bion, mas que se deixa ver ao bebé,
que em parte a interioriza mantendo-se Exemplo Clínico
simultaneamente distante.
A defesa activa do bebé seria a resposta pelo André.
desinteresse, a «Atonia Depressiva))de que fala Rapaz de 3 anos, internado em estado de
Kreisler, a apatia e vazio aparentes, pois debilidade física grave no Hospital de S. Roque.
mantêm-se nestes bebés uma enorme avidez Apresenta como sintoma um mericismo
secreta do objecto, a «esperança» de um complicado (regurgitação e ruminação dos
reencontro. Esta avidez observa-se na atençao alimentos ingeridos). Todos os exames médicos
espectante a certos sinais externos específicos... e laboratoriais foram negativos. Além do atraso
a possível presença de um objecto disponível. do desenvolvimento psico-motor notava-se-lhe
A falha sistemática deste objecto leva & uma apatia - desinteresse, hipersonia -
desistência d o projecto d e vida pela permanecia deitado e imóvel sem mostrar sinais
desintegração narcísica pela debilidade de agitação durante a maior parte do tempo.
progressiva até a o nível profundo e Porém a enfermeira da sala nota-lhe esta
irrecuperável, ou pela desintegração somática particularidade: o André mostra-se vivo e
(a demência do corpo), a doença e a morte. excitado quando se lhe dá banho de imersão,
A reparação deste núcleo depressivo precoce o que geralmente é feito pela mesma enfermeira.
deixará a sua marca4 funcionando como possível
Saliento neste campo a importância da
Certos graus de debilidade, personalidades frágeis, colaboração activa e directa do psicanalista Seabra
Borderline. Diniz na supervisão destas terapias.

77
Notam-lhe também sinais de uma atenção Equipa de Saúde Mental Infantil que colabora
particular a certos sons da enfermaria. com o hospital pediátrico.
O seu comportamento alimentar é bizarro
utilizando as mãos que introduz na faringe para 1.2. Depressão Primária
fazer voltar os alimentos a boca, ruminando
a comida já deglutida, o que impressionava todo Situamo-nos noutro nível de evolução do Eu,
o pessoal do staff hospitalar. ligado as flutuações da economia narcísica da
Pôs-se o problema burocrático deste caso: há criança (fim do 1P ano de vida - 2P ano), em
um internamento sem diagnóstico. vias de libertar-se da dependência do objecto
Estudou-se a situação concluindo-se por primário através de ensaios crescentes de
depressão precoce + varicela (que entretanto afastamento e aproximações sucessivas (M.
tinha sido contraída). Mahler).
Poucos dados tinhamos do seu passado. Pressupõe-se uma estruturação relativa do
Era o mais novo de uma irmandade de 5 , objecto interno, e uma constância relativa deste
e de uma família abandónica. Os pais saíam imago, a estruturação da Posição Depressiva
de casa e deixavam o André sozinho fechado de M. Klein, ainda em equílibrio instável com
com um prato de comida (papas) no chão ao possibilidades regressivas a uma desorganização
lado da cama, podendo o André arrastar-se até precoce (P.S.P.) d o Eu, em condições
lá e comer sozinho, o que ele fazia com a boca, desfavoráveis da relação mãe-bebé.
sem utilizar as mãos (o que continua a suceder A boa separação individuação (Mahler) supõe
logo após a sua entrada no Hospital). um equilíbrio narcísico na personalidade
O bolo alimentar seria nesta criança o objecto materna. A mãe simbiótica controladora ou
simbólico substitutivo do objecto materno, possessiva, dificulta este movimento na forma
sendo o sintoma, o regresso do alimento, o de uma super-protecção ou de uma ameaça. A
equivalente do jogo do Bobine (o controlo mãe abandónica bloqueia a continuidade
fantasmático da mãe). psíquica (Pcs) no bebé. A mãe suficientemente
A ligação terapêutica a uma personagem boa, aceita o risco da separação, favorece a
educadora, de forma contínua e privilegiada e autonomia, permite a afirmação do Eu do seu
a supervisão do caso (pelo Dr. Seabra Diniz) bebé. Toda a evolução da anaiidade depende
permitiram a esta criança um enorme progresso, desta conflitualidade relacional.
de que destacamos: O núcleo narcísico primário, segundo ponto
de fixação no depressivo, seria a vivência de
- A «facilidade» relacional sentida pela uma insuficiência narcísica do Eu nesta fase
educadora e a «procura» activa de objecto,
tomando a forma de uma ferida ou vazio
manifestada pelo André, tomando ele
interior que vai presidir a evolução do
iniciativas de interacções durante a sessão;
movimento anal-fálico. Não há self grandioso
- A aquisição de novas formas de mas deplecção narcísica, se a tentativa de
comunicação e prazer pela linguagem até ali afirmação do Eu equivale a uma ruptura
inexistente; relacional e perda do amor da mãe.
- O conhecimento do corpo e sua A mãe não confirma narcisicamente o Eu do
integração no psíquismo na relação de bebé, inibe-se o desejo de exploração do mundo,
maternage. a pulsão de curiosidade, em simultâneo com
Foi lenta e progressiva a utilização das mãos a falha do erotismo anal - o prazer do controlo
como auxiliares de tarefa alimentar, como se das fezes, equivalente ao poder do Eu. Não há
desconhecesse a função de «agarrar», prender, ambivalência mas submissão. Não se aprende
até ali exclusivamente atribuida a boca. a conciliação - fase de boa distância objectal,
A evolução positiva não vai, porém, evitar na vida relacional futura - o meio caminho
uma certa debilidade já organizada, mas não entre a afirmação narcísica da pulsão e a relação
de nível profundo como seria previsível se não objectal.
houvesse qualquer intervenção terapêutica, se Não podendo viver-se grandioso, nesta fase,
não fosse detectada a situação desta criança pela o Eu vai ter que reparar o negativo do seu self,

78
pela desistência (depressão) ou pela retirada 1P Fase de protesto
regressiva (psicose). Encruzilhada a que 2P Fase de desespero e esgotamento na réplica
chamamos estado Borderline. 3P Depressão que leva morte
Na relação terapêutica deste núcleo primário Na clínica de pedopsiquiatria vemos casos
trata-se de permitir a vivência de uma plenitude de crianças com depressões manifestas, que na
funcional valorizada e reconhecida, reparar a análise psico-dinâmica do seu funcionamento
falha narcísica que leva a construção do prazer interior, se situam ao nível anal, em luta pela
de viver (alegria) e que no deprimido tem um
independência do objecto primário, com grande
sentido negativo e invertido. fragilidade narcísica expressa na inibição,
A confirmação narckica é, porém, sempre
submissão, somatizações frequentes
incompleta, e para salvaguardar o seu (comportamentos de recusa alimentar ou
narcisismo o Eu infantil vê-se obrigado a
perturbações do sono).
projectá-lo numa figura idealizada - suporte
A luta anti-depressiva pode exteriorizar-se em
do Ideal do Eu. Este primeiro objecto ideal é
actings agressivos, defensivos de uma conversão
de origem materna e é ainda na dependência somática.
do Imago Primário que vemos o núcleo
Birras, provocações, impulsos destrutivos são
depressivo primário. O Eu da criança só pode
também, no deprimido, defesas contra a
amar se for amado pelo objecto ideal. A falha
destruturações interna.
desta imagem especular materna, suporte das
projecções narcísicas Ideais impede a
estruturação básica do sentimento de auto- 7.2.2 Depressão Branca
-estima.
Marty e Kreisler (Escola Psicossomática de
Vemos muitas vezes na Clínica, como, ao
Paris), referem-se a situações de depressão
inverso, é a figura materna que utiliza a criança
como alvo das projecções da sua raiva narcísica
ligada a estrutura psicossomática, onde a falha
do aparelho psíquico é igualmente ao nível anal
ou do seu narcisismo negativo (filho como parte
da estruturação do Pcs, conduzindo a uma
má da mãe), apesar do apelo reparador que
desorganização psicossomática.
possa estar contido na avidez e esperança de
amor da criança deprimida. Esta só pode então Depressão fria, branca, por oposição a forma
ver-se em espelho na sua própria ferida mentalizada.
narcísica, com um sentimento de pequenez e Trata-se de um quadro clínico em que a
insuficiência, base da vergonha do Eu, na relação de objecto é progressivamente esvaziada
comparação com o seu modelo Ideal inatingível. de conteúdo afectivo e vivida como uma
Psicose e depressão separam-se aqui pela frustração e um vazio. A desorganização das
existência nesta de um Eu psíquico e corporal defesas psíquicas arrasta consigo as defesas
coerentes e integrados, mas com falha na biológicas. Estes autores referem-se a estruturas
confirmação e valorização narcisica do se& psíquicas vulneráveis podendo evoluir quer para
Na psicose, seu e objecto funcionam sem uma neurose de comportamento, quer para um
membrana de contacto separadora, numa Fusão, sindroma de comportamento vazio na criança.
confusão, sujeito-objecto. Depressão Branca.
Em casos graves de inorganização psíquica
na criança, tomam a forma de nanismo ou de
7.2.1. Depressão Anaclítica perturbações graves do sono (Kreisler).
Quanto a nós, a Depressão Anaclítica descrita Fala-se de relação «vazia» - a falha
por Spitz em situação de hospitalismo, poderia relaciona1 é primária - deficiente ou
inscrever-se como uma variante deste núcleo de descontínua.
Depressão Primária, pela rotura súbita de André Green refere-se ao vazio interior como
ligação objecta1 j á interiorizada (Imago podendo ter o valor de um desejo (levando a
Fundamental) o que supõe uma boa relação incorporação anal erotizada - a
precoce. homossexualidade) ou de um desagrado levando
Spitz descreve: a renúncia depressiva.

79
Exemplo Clínico «No fim, um polícia prende a bruxa e um
senhor tira-lhe a varinha mágica, e, assim, ela
Sexo masculino, 7 anos, (apelido com nome ficou boa e deram a varinha aos pobres que
de pássaro). podiam fazer tudo o que queriam e ficaram
Habita com uma tia paterna após a morte felizes para sempre.))
da mãe há um ano. Vê o pai de modo irregular. [Varinha mágica - simbolismo de um poder
Este, também em tratamento psicológico por capaz de enfrentar o poder anal-fálico da mãe].
descompensação depressiva. A afirmação fálica por identificação ao
Era uma criança triste, com um olhar vivo, Imago Paterno permite-lhe sair da relação dual
calma, muito atenta ao que a rodeia, a mim, e situar-se num nível competitivo mais próximo
numa avidez de alguém que lhe dê também da sua idade.
atenção como eu faço com ele. Sabe ler. Gosta Melhora na escola e parece-me muito menos
de ler «mas não tem a colecção toda dos livros triste.
dos Cinco.»
Na escola nunca andou a luta «porque nunca
7.3. Depressão Fálica
se zangou com ninguém...)) (inversão do
sadismo contra o Eu). O núcleo depressivo fálico liga-se a outra fase
Gostava de saber nadar mas pensa que «pode da trajectória evolutiva, do nível do movimento
morrer afogado». fálico do Eu na criança. A organização
Desenha uma casa que «não tem nada de estrutural é triangular pré-edipiana.
especial)) (?). Um ladrão queria assaltar a casa A descoberta da diferença dos sexos e o
mas não tinha arma. interesse pela zona genital desloca o
(Sonhar?) «O que mais gostava era eu a investimento libidinal do Eu (e agressivo) para
mergulhar e nadar num mar calmo.)) a zona genital. O poder fáiico é atribuido ao
Mostra-se curioso (sublimações) e desejoso sexo, mas a uma diferença de sexos em que o
de um preenchimento interior (avidez) pelo ângulo de visão inclui:
((conhecimento)). Quer saber tudo. Quer que quem tem - poder = pénis
eu lhe explique como podem os pássaros viver
quem não tem - poder = pénis
sem telhado. «E as borboletas têm casa?))
[Desejo de autonomia, de poder afirmar-se Os seres humanos dividem-se em fáiicos e
perante um imago materno abandónico e castrados (o que não é equivalente a masculino
punitivo.] e feminino).
«Só sonho desejos.)) Trata-se aqui da construção positiva de um
Conta-me histórias de bruxas que o ameaçam poder fálico que necessita de uma Valorização
no início da terapia mas que ele enfrenta no Narcísica pelos objectos parentais, pela
final. identificação introjectiva sucessiva do Falus
«Era um menino que andava perdido numa materno depois do Falus paterno que integrados
floresta onde vivia uma bruxa. Se ele se portasse no Eu organizam o Narcisismo Fálico. Nele
mal a bruxa metia-o num florno sujo e escuro assenta a capacidade futura de enfrentar o
onde ele ficava fechado. E ele nunca mais foi movimento edipiano sem grandes oscilações,
malcriado.)) perante as ameaças de castração nos seus dois
[Fantasma de destruição - auto-imagem tempos (materno e paterno).
equivalente a um bolo fecal sujo e escuro -, Não é possível atribuir só ao objecto materno
se ousar a sua autonomia face ao imago a garantia de um bom narcisismo fálico. No
materno primitivo a que tem de submeter-se.] plano fantasmático o Pai tem aqui um papel
Seguido em psicoterapia durante um ano e fundamental em ambos os sexos.
meio. Analisamos o receio de ser forte e o medo Há na criança a percepção intuitiva da função
de que eu possa ser também uma bruxa ma. de penetração do Falus paterno e no seu
Quase todas as histórias tinham bruxas que inconsciente uma equivalência simbólica entre
faziam magias más, destruiam tudo até a fezes-bebé-falus-pénis, ligado a noção de
«R.T.P. dos homens.)) conteúdo, que preenche uma cavidade -

80
continente - atribuida ao corpo inteiro - o movimento reparador do sentimento de
interior do corpo da mãe (M. Klein & A. castração/desvalorização que domina o Eu.
Green).
O núcleo narcísico fálico da depressão Exemplo Clínico
poderia compreender-se como uma vivência de
insuficiência do seu próprio valor ligada ao sexo José é um rapaz de 5 anos a data da primeira
(pré-édipo) em que está em jogo a falha do observação, e é o filho Único do casal. Habita
investimento narcísico de ambos os pais. com a família e a avó paterna.
O Eu clivado não é valorizado pelo Ideal do A mãe queixa-se actualmente de tiques e
Eu materno o u paterno. Fica infantil, onicofagia com início após a entrada no Jardim
inadaptado, desencorajado. infantil para a classe pré-primária. A primeira
A Insuficiência Narcísica Fálica, pode ligar- tentativa de separação aos 4 anos a criança
-se a uma humilhação real, a uma perda de reagiu com anorexia e vómitos tendo a mãe
objecto (que alimentava o narcisismo), ou a desistido de forçar a entrada no Jardim Infantil.
constatação da sua imaturidade face ao enorme A mãe acha-o assustado, contraído,
poder atribuido ao objecto ideal (maior acanhado.
distância Eu - Ideal do Eu, entrando em A mãe sente-se permanentemente tensa pela
conflito permanente). presença recente da sogra na habitação da
Perguntamo-nos sempre nestes casos, qual o família.
destino relacional do objecto paterno, o que ele Sono agitado em bebé. Adormecia agarrado
não pôde fazer pela criança ou o que fez mal, a orelha da mãe.
ou o que não se organizou no narcisismo Sem problemas n a história d o
infantil, reforçando ou não fragilidades prévias desenvolvimento psico-motor.
da relação de dependência primária maternal. Mostra-se geralmente pouco sociável e
Muitas crianças sobrevivem Zi custa de apports agressivo com outras crianças.
narcísicos externos mantendo uma avidez O José é uma criança simpática, tem um ar
relacional intensa, que mais tarde pode ser triste mas vivo e intelígente. Desenha-me uma
preenchida por álcool, tóxicos, etc.. casa e um menino.
Procuram prazeres passivos mas não ousam «Era uma vez um menino que encontrou uma
a procura activa de um prazer total. A casa. A casa estava fechada a chave e
agressividade é muitas vezes manifesta e deve abandonada. Também havia um castelo
ser entendida como uma abereação pulsional, abandonado)), (com fantasmas). «Se tivesse
um protesto hesitante, uma tentativa de fantasmas não estava abandonado...))
recuperação narcísica com carácter projectivo «O menino fugiu. Queria entrar na casa mas
(protecção contra a auto-agressividade). tinha medo e não podia entrar porque não tinha
Na terapia destas crianças valorizamos chave.. .)>
sobretudo a função paterna capaz de reparar Sente-se desprotegido, impotente e
a ferida narcísica de uma mãe frustrante, que ameaçado...
no rapaz permite um movimento positivo de Desejo de conhecer o interior dos pais, de
aliança homossexual estruturante. saber o que há dentro de cada um deles, e que
Damos atenção a posição paternalista poder lhes atribuir.
(sadismo camuflado) de certos pais e educadores Nas sessões seguintes a história do menino
que a pretexto de uma protecção infringem a evolui.
pior das feridas narcísicas da infância, «Ele vai fazer recados a mãe, comprar
lembrando-lhe constantemente e de modo cenouras e peixes... na rua achou três polícias,
«traumático» a sua impotência e mantendo-a. e um ladrão a roubar um banco (?) mas ele
Na relação terapêutica, destes casos, damos escapou.
atenção predominante a necessidade da criança Também achou um cãozinho a brincar só...»
de expressar o seu valor (narcísico) e a boa Submissão a mãeheceio de punição -
organização da identidade sexual (a rivalidade passivização - depressão.
fálica no rapaz, a inveja fálica na rapariga), num As histórias passam a ter um texto idêntico.

81
«Uma menina queria ir para casa mas não 8. NÍVEL EDIPIANO
tinha chaves. Começou a chorar e ela pôs-se
ao pé de uma árvore a chorar/chegou a mãe
8.1. Depressão Neurótica
e só ela é que tinha as chaves.))
(O pai?) Mesma versão: «A menina estava Não desligaremos o conceito de neurose
a ver passar os aviões. O pai também chegou infantil de uma inevitável vivência depressiva
mas não tinha chaves. Até que veio a mãe...» manifesta, latente ou denegada em condutas
Versão da tia materna que tem as chaves. maniformes. O núcleo depressivo neurótico
Poder ligado às mulheres, identifica-se com existe sempre na evolução normal. De forma
o sexo feminino. patológica, ele pode dominar toda a elaboração
Intervenção junto do Pai. do movimento edipiano e pelo seu predomínio
sobre a ansiedade (de castração) falaríamos de
«Era uma vez um menino que tinha perdido
Depressão Neurótica na criança.
as chaves.
Diz-nos Grunberger, o neurótico não é aquele
O pai estava com ele a ver passar os aviões
que aceita a «castração» inerente a condição
e helicópteros e começou a chover.»
humana mas o que faz falhar sistematicamente
Submissão dos homens ao poder fálico das todas as hipóteses de restabelecimento narcísico
mulheres. da integridade perdida nos diferentes níveis da
Admite que eu tenho as chaves do Centro sua maturação pulsional.
(como a mãe). No nível edipiano da sexualidade infantil
Interpreta-se a defesa pela passividade e o organiza-se a representação inconsciente do falus
medo de ser crescido/forte e ter também a sua genital - representante da completude narcísica
própria chave, como se isso fosse igual a tirar genital - pela virtualidade da união perfeita
o poder (das chaves) a mãe ou a mim ... (as entre os Pais.
chaves). Falus paterno e pénis sexual confundem-se
As «chaves» eram simbolicamente o poder num único objecto e ao pai é atribuido o poder
Fálico de que se destitui atribuindo-o em e o prazer na união com a mãe, continente-
exclusivo a mãe. -conteúdo em adaptação perfeita, na fantasia
Foi seguido durante cerca de três anos no edipiana da cena primitiva.
Centro. Quase no final contava-me a Última A exclusão desta união perfeita é por si um
versão. núcleo de deplecção narcísica inevitável,
«Era um menino que vivia numa floresta e sobretudo, se os recursos de um Eu fragilizado
um dia foi brincar e esqueceu-se da chave em em fases anteriores, são insuficientes para
casa. enfrentá-lo. O confronto é assustador perante
um rival sempre dominante, e pode ser vivido
Quando veio a mãe também não tinha chave.
como uma desistência depressiva.
Era o pai que tinha e só chegava as 11 horas
Na menina a valorização narcísica pelo Pai,
e então ele tentou subir a uma árvore e chegou
ao telhado. Havia uma janela aberta e ele organiza-lhe o narcisismo especular feminino,
conseguiu chegar lá, e assim quando a mãe veio base de uma auto-estima positiva que facilita
ele disse: a renúncia edipiana e a procura de um novo
objecto na latência e adolescência (mandato
- Eu resolvo o problema. Vais ver! exogâmico paternal - Coimbra de Matos).
Entrou em casa pela janela e abriu a porta Diria o bom pai a sua menina de vestido
e a mãe pôde entrar e acabou.)) novo: «Estás muito bonita hoje! Vais com
(O pai dele ficou também contente com o certeza conquistar um menino na escola! !..A,
seu filho capaz de resolver problemas de chaves, etc..
subir às árvores, aprender na escola... como tu No rapaz a aceitação pelo Pai da rivalidade
agora que já és um rapaz crescido.) edipiana, confirma também a sua capacidade
Teve alta. de agradar às meninas (e não só A mãe) orienta-
Soubemos que vai bem na escola. -o para uma nova conquista objecta1 activa e

82
exogâmica, organizando o prazer de poder ser O mesmo elemento narcísico culpabilizado
activo nessa procura. pode surgir sob a forma de sublimações (crises
de misticismo, por exemplo), ou regredir a
formas perversas.
8.2. Evolução Depressiva
A frustração face a avidez amorosa do
Forma clínica muito frequente em crianças adolescente pode conduzi-lo quer a toxocomania
de latência. Geralmente, vêm a consulta pelo ou a o alcoolismo, quer a dedicação
sintoma do insucesso escolar, no início da vida predominante ao desporto como defesa
extra-familiar, a entrada da escola. compensatória.
Há queixas de desinteresse escolar, apatia, O Bom Narcisismo no adolescente que supõe
ausência de curiosidade, tristeza. um Bom Equilihio terá que se apoiar no amor
Trata-se aqui da continuidade evolutiva de objectal (objectos secundários).
uma estrutura de base em que sempre dominou O sofrimento depressivo funciona aqui,
a deficiente organização narcísica - precoce- sobretudo, na dependência da distância: Eu -
-oral, anal-primária, fálica e edipiana. Ideal do Eu narcísico.
A observação destes casos fica-nos a O Eu é vulnerável, suporta mal a mínima
impressão de que a criança se arrasta numa luta frustrações, a que reage com intolerância, calor
permanente contra um agravamento depressivo, emocional e de que se defende com sublimações.
evitando decepções narcísicas que a possam A escolha objectal é de tipo narcisico.
descompensar. Evitamento de confrontos e de A luta conflitual do Eu nesta fase inclui a
conflitos, refúgio numa posição passiva, inibida salvaguarda da omnipotência narcísica infantil
em que domina a culpabilidade consciente e que é projectada (antes que se perca) na figura
inconsciente. do herói mítico, símbolo da sua imagem fálica,
Exigem uma terapia longa e um também da imagem de Deus.
acompanhamento psicoterapeutico de reparação Para recuperar o Ideal narcísico perdido, o
narcísica total. Eu deve mostrar-se «merecedor» perante a
O apoio familiar no sentido da colaboração instância que personifica este Ideal, fazendo-se
dos pais neste mesmo sentido, é fundamental. amar por ele (Super-Eu), multiplicando as
Na relação terapêutica damos atenção a sublimações.
sequência: Frustração-bdio-Culpabilidade- O risco de suicídio é sempre de pressupôr,
-Auto-agressão. no adolescente deprimido. Sabemos como na
São crianças que se colam na terapia e que terapia dos adolescentes é importante não
através do novo objecto disponível podem interpretar as acusações ao meio como ataques
reparar, consciencializar, analisar o sádicos, pois eles representam apenas uma
funcionamento psíquico na relação de defesa protectora contra a auto-destruição.
transferência. É um conceito diferente do masoquista que
se faz bater por prazer, por amor do Eu.
8.3. Depressão na Adolescência (Nota sobre
o suicídio)
Seria a vivência de uma crise pubertária em
que domina o aparecimento de reacções
Suicídio
c activo

hospitalismo de Spitz
anorexia mental
depressivas geralmente de início súbito. toxicomanias
Aqui a culpabilidade edipiana desempenha Mortes súbitas inexplicáveis
um papel importante, mas também a
culpabilidade específica do componente anal da O suicídio implica sempre uma evolução
sexualidade (elemento narcísico primário). psico-sexual perturbada com a dissociação dos
Vemos surgir de modo súbito, no adolescente, processos maturativos pulsionais e narcísicos.
o sentimento de inutilidade, insuficiência, Rosenfelt fala do desejo de morte como
acompanhado de projecções, mais ou menos idealização. O instinto de morte de Freud seria
delirantes, sobre o meio. activado pelas partes destrutivas e invejosas do

83
Se% ciivadas até ao extremo, postas a distância, Nacht, S. (1963). La presence du psychanaliste. Paris:
desligadas das partes libidinais e protectoras que P.U.F..
parecem ter desaparecido. Penot, B. (1973). Etude des depressions infantiles.
A totalidade d o self identifica-se a parte Psychologie de (’Enfant, XVI(2).
Rosenfelt, H. (1976). «Les aspects agressifs du
destrutiva que pretende assim triunfar sobre a narcisisme)). In Narcisses. Paris: N.R.P..
vida e a criatividade (representada pelos pais Salomé, L.A. (1921). LAmour du narcisisme. Paris:
e pelo terapeuta), destruindo a parte libidinal Gallimard.
dependente. Sandler, J. & Sandler, A.M. (1978). A propos du
Estes doentes pensam que ninguém os pode developpement des R. d’object et des affects.
ajudar. Psychologie de I’Enfant, XXI(2).
Na terapia deve (per) elaborar-se a parte Qson, P. & v s o n , R.C. (1985). Narcisisme et
libidinai do doente e tornar conscientes as partes development du sur-moi. Psychologie de I’Enfant,
omnipotentes destrutivas da personalidade. XXVIII(2).

RESUMO
BIBLIOGRAFIA
O autor salienta que o diagnóstico de Depressão
Bergeret, J. (1976). Depressivité et Depression. Paris: na criança é um dos mais frequentes na clínica actual
PUF. de Pedopsiquiatria.
Bibring, E. (1953). The mechanism of depression. Tenta situar os «núcleos depressivos))em diferentes
In Affective Disorders (P. Greenacre, Ed.), I.U.P.. níveis de organização estrutural de base, ligando-os
Diatkine, R. (1978). Le development de la relation a evolução da organização narcísica em cada fase
d’object et des affects. Psychologie de l‘Enfant, evolutiva.
xxI(2). A compreensão dinâmica da Depressão é essencial
Freud, S. (1914). «Pour introduire le narcisisme)). para uma intervenção terapêutica adequada em cada
in ia vie sexuelle. Paris: PUF. caso.
Freud, S. (1915). ((Deuil e t mélancolie».
in Metapsychologie. Paris: PUF.
Green, A. (1983). Narcisisme de vie et narcisisme de
morf. Paris: Ed. Minuit. ABSTRACT
Gruberger, B. (1975). Le narcisisme. Paris: Payot.
Joffe, W. & Sandler, J. (1967). Remarques sur la The author emphasizes that the diagnoses of child
souffrance, la depression et l’indivuation. depression is one of the most frequents in
Psychologie de 1’Enfant, X(1). childpsychiatry, nowadays.
Kernberg, O. (1976). ((Narcisisme normal et He tries to place the ((depressive nucleus» in
narcisisme pathologiquen. In Narcisses, Paris: different levels of structural organization, in
N.R.P.. connection with the evolution of the narcissistic
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Luquet, P. (1969). ((Génèse du Moi)). in La Theorie essential to do an adequate therapeutical intervention
Psychanulytique. Paris: PUF. in each case.

84
ANEXOS

QUADRO 2
Evolução

1 -1 DEPRESSÃO PRECOCE I DEBILIDADE 2 PROFUNDA


Nível Oral - Falha da Integridade Narcísica
(Relação Objectal em Organi-
zação)

2 -1 DEPRESSÃO PRIMARIA I PERSONALIDADE «BORDERLINE»


DESORGANIZAÇÃO PSICOSSOMATICA
Nível Ana1 - Falha da Confirmação Narcísica neurose de comportamento
(Relação Objectal Dual-Materna depressão branca

3 -IDEPRESSÃO FÁLICAI PERTURBAÇÕES DA IDENTIDADE


PERSONALIDADE «COMO SE»
Níve[ Fálico - Falha da Valorização Narcísica,
Ligada a o Sexo (Relação
Objectal 'Riangular)

4 -1 DEPRESSÃO NEUR~TICA I NEUROSES NARCíSICAS


Nível Edipiano - Falha da Valorização Narcí-
sica Genital (Relação
Objectal Total - masculino/
/feminino

5 -1 EVOLUÇÃO DEPRESSIVA -1 PERSONALIDADE ATÍPICAFRAGIL


- Fragiiização Evolutiva
htência - Pseudo-Latência

6 -1 DEPRESSÃO DA ADOLESCÊNCIA RISCO DE SUICfDIO

85
- T E R A P I A D E RECONSTRUÇÃO DA RELAÇÃO
PRIMÁRIA
(amaternageo)

[reparação da Força do Eu no conflito anal (activo ou passivo)/


/a dependência, a submissão]

3 - - I D E P R ~ ] I TERAPIA DE VALORIZAÇÃO NARCÍSICA 1


(reparação da Ausência de Poder ligada ao sexo)

SERES L
- FÁLICOS - com poder
CASTRADOS - sem poder

4 - - I D E P R ~ TERAPIA DE VALORIZAÇÃO NARCÍSICA GENITAL


- masculino ou
- feminino

5 -1 ~

EVOLUÇÃODEPRESSIVA) TERAPIA ANALÍTICA DO FUNCIONAMENTO


DEPRESSIVO
(frustração + Ódio >- culpabilidade + auto-agressão)

86
QUADRO 4

i -1 DEPRESSÃO PRECOCE 1 - oral -


TERAPIA -
Terapeuta como suporte e continente dos objectos
internos - organizativo de introjecções duradoiras

EVOLUÇÃO - MORTE PSíQUICA - DEBILIDADE PROFUNDA


MORTE FÍSICA

1
2 - DEPRESSÃO PRIMÁRIA I - anal -
TERAPIA - DE CONFIRMAÇÃO NARCÍSICA
Com aliança ao núcleo saudável e mais autónomo do
Eu. Reforço libidinal da capacidade de afirmação.
Análise do conflito anal e dependência e submissão

EVOLUÇÃO -
- DESORGANIZAÇÃO PSICOSSOMÁTICA
- N. de comportamento
- Demessão Branca

3 -1 DEPRESSÃO FÁLICA I - movimento fálico -


TERAPIA - DE VALQRIZAÇÃO NARCíSICA FÁLICA
Problemas de identidade sexual e poder ligado ao
sexo.
Analisar o medo de actividade e a defesa pela

EVOLUÇÃO - - PERTURBAÇÕES DA IDENTIDADE


- PERSONALIDADE «COMO SE>>
- EVOLUÇÃO DEPRESSIVA
4 --I DEPRESSÃO NEUR~TICA 1 - edipiana -
TERAPIA - DE VALORIZAÇÃONARCÍSICA (masculina/feminina)
Analisar a culpabilidade na dependência do Super-Eu
Ideal do Eu
EVOLUÇÃO - NEUROSE NARCÍSICA

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