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Geórgia Kyriakakis - ESCULTURA HOJE?

1/8/2010

Segundo Rosalind Krauss, em seu texto A escultura no campo ampliado, o termo


escultura aponta para uma transformação importante na história da arte e no
desenvolvimento do que hoje se convencionou chamar de linguagem tridimensional.

Durante centenas de anos a escultura, outrora chamada de estátua, esteve


vinculada àquilo que a autora denomina como lógica do monumento: uma obra
figurativa, cuja forma e local de inserção tinha como função representar e
homenagear um fato ou personagem histórico, mitológico ou religioso.

Segundo Krauss, Rodin foi o principal artista responsável pela quebra desse
paradigma. Na passagem do século XIX / XX, o artista realizou, sob encomenda,
uma série de projetos para monumentos que teriam sido recusados em virtude do
grau de subjetividade que atribuía ao sentido de monumento e homenagem. Dentre
eles, o mais exemplar nesse sentido, foi o Monumento a Balzac. Para Rodin,
homenagear o escritor significava evidenciar o “humano” em Balzac, ou seja, reduzir
a distância entre a figura ilustre do grande escritor francês e do homem Honoré de
Balzac.

Com isso, a escultura adquire uma certa autonomia que só viria a crescer nos anos
subsequentes. Vale mencionar também que Rodin é responsável por elevar a
modelagem à um nível de importância jamais visto. Até então, os procedimentos
envolvidos na produção de esculturas ficavam restritos ao entalhe em madeira, ao
desbaste da pedra, à fundição em bronze e à modelagem em cera e argila,
compreendida como etapa preparatória e de menor valor.

Mas Rodin não foi o único responsável por produzir rupturas fundamentais no campo
da escultura e as transformações acompanham as mudanças que se estabeleceram
na arte com o surgimento da fotografia, no final do século XIX.

As primeiras construções cubistas de Picasso; as colagens de Kurt Schwitters; a


subversão da base escultórica e as superfícies espelhadas da escultura de Brancusi;
os Relevos de Canto de Tatlin e os ready-mades de Duchamp são apenas alguns
exemplos significativos de como a escultura (e a arte), no começo do século XX,
ampliou seus procedimentos técnicos e alterou a forma de entender as relações
entre o espaço do mundo e o espaço da arte.

De lá para cá, muitas outras rupturas se processaram e na busca por novos


suportes podemos dizer que o campo escultórico se expandiu de tal forma que
tornou-se difícil chamar de “escultura” uma infinidade de proposições artísticas que,
embora mantivessem uma relação com o espaço tridimensional, com a concretude
do mundo ou com certa tradição escultórica, apontavam para outras e múltiplas
direções. Construções, colagens, assemblages e objetos, são alguns termos criados
pelos artistas para indicar a distinção de suas produções, frente ao conceito de
escultura.

A partir dos anos 50/60 a arte foi tomada por proposições efêmeras, tais como,
happenings, performances, body art, arte ambiental, entre outras. Com forte ênfase
na experiência e na vivência, colocavam o objeto artístico em segundo plano. Nesse
momento, a escultura é concebida e explorada como situação escultórica ou como
práxis. Tais procedimentos, que têm no processo sua matriz, florescem com
intensidade na arte conceitual nos anos 70, cujos pressupostos prosseguem no
horizonte de muitas manifestações contemporâneas.
De todos esses termos, criados ao longo da história da arte, talvez os dois que
abrangem uma gama mais ampla de experiências e que são mais usados na
atualidade sejam objeto e instalação. Os termos construção e assemblage, parecem
ter sido relegados à um plano operacional para designar uma ação ou procedimento,
e ficaram circunscritos ao âmbito do fazer. Em contrapartida, objeto e instalação são
utilizadas hoje tão indiscriminadamente que passam a incorporar um sem número de
experiências e conseqüentemente passam a dizer muito pouco. No uso desses
termos, entretanto, há uma intenção manifesta de distinção.

Uma das primeiras diferenças fundamentais entre objeto e escultura está na escala
das coisas. No Kroller-Muller Museum, na Holanda, há uma enorme pá-de-pedreiro
fincada no chão, de aproximadamente 5 metros de altura. É difícil chamar de objeto
essa obra de Claes Oldenburg, embora ela seja uma reprodução em escala
monumental de um objeto cotidiano e banal e esteja colocada como tal (fincada no
chão, tal como o fazem os pedreiros nas obras). Os objetos guardam uma
correspondência, uma relação ou proximidade, com as coisas do mundo cotidiano,
seja pelo tamanho, que remete ao uso e à manipulação humana, seja pela
funcionalidade ou pelo fato de serem apropriadas ou poderem se confundir com
esses objetos banais.

Obviamente não se pode generalizar. Não podemos, por exemplo, conceber como
objeto uma pequena escultura de Sergio de Camargo. São de fato pequenas
esculturas, pois sua forma e material as diferencia das coisas do mundo, possuem
uma qualidade plástica e uma artesania, que nos remete à toda uma tradição
escultórica que nela se atualiza.

Se a escala das coisas fosse o único critério de diferenciação os Bichos, de Lygia


Clark, por exemplo, poderiam ser considerados como pequenas esculturas, como as
peças de Sergio de Camargo. O fato de terem sido criados para serem manipulados
pelo público, retira deles todo o status de objeto artístico. São os não-objetos,
segundo termo criado por Ferreira Gullar. Vale mencionar que Lygia Clark e Helio
Oiticica, com suas propostas plurissensoriais e interativas ampliaram
consideravelmente o conceito de objeto no Brasil e continuam influenciando novas
gerações de artistas. Oiticica via o objeto como ação no ambiente, no qual os
objetos existem como sinais e não simplesmente como “objeto”. Os Parangolés, os
Bólides, são como ativadores de experiências e segundo o artista, só existem
quando vestidas, quando manipuladas. Helio e Lygia operavam intensamente no
âmbito da des-institucionalização do objeto artístico. Não por acaso, Oiticica viria a
criar a anti-arte ambiental, que pode ser considerada como uma origem da
Instalação no Brasil.

A denominação Instalação costuma abranger genericamente um sem número de


experiências diversas na arte atual. Não há muitas informações sobre a origem do
termo. Sabemos que não foi criado por determinado artista, como alguns termos
citados anteriormente. Mas a prática que posteriormente passou-se a nomear
Instalação é corrente desde os anos 60, principalmente na América do Norte. Alguns
historiadores apontam para o uso genérico do termo Instalation view na margem de
fotos publicadas em livros, revistas e catálogos. Em seu significado literal a
expressão Vista da instalação propõe considerar não somente a obra em si, mas a
circunstância de unidade entre a obra, ou obras, e o espaço expositivo.

Como vimos no início desse texto, a relação entre o lugar da escultura e a obra
remonta há mais de 500 anos - era um dos fatores que determinava a lógica do
monumento. Mas a relação espaço físico/obra, em sua especificidade, é distinta e
tem alguns antecedentes na Arte Moderna. Podemos evocar operações intencionais
análogas em Malevich, quando montava seus quadros de forma singular nas
paredes; o uso do canto arquitetônico nos Relevos de Tatlin ou as instalações dos
grandes painéis de Monet.

Durante a década de 60 ainda não havia o conceito de instalação, apesar de alguns


livros publicados venham assim denominá-las posteriormente. Os trabalhos da Land
Art, dos minimalistas e em especial alguns trabalhos de Richard Serra, como por
exemplo, o Tilted Arc - e toda a polêmica sobre a impossibilidade de sua remoção –
foram concebidos no âmbito da escultura e talvez por isso as rupturas tenham sido
tão impactantes. Certamente, os procedimentos minimalistas, apresentados pela
primeira vez em 1966, na exposição Primary Structures, tornaram muito mais flexível
o território das significações escultóricas.

Com suas obras, os minimalistas queriam evidenciar uma situação espacial


intransferível. A redução plástica obtida através da seriação e repetição (a estratégia
de uma coisa depois da outra), o uso de materiais e procedimentos industriais, onde
não há indício da mão do artista e o uso de formas geométricas regulares e
precisas, retira do trabalho toda uma interioridade e permite a percepção do
envolvimento concreto da obra com o espaço circundante. Não se trata, entretanto,
da apropriação de um espaço virtual, transcendente ou simbólico. Trata-se do
espaço físico e da concretude das salas de museus e galerias, de ruas e prédios e
algumas vezes até da paisagem, com suas especificidades arquitetônicas ou
naturais.

Há portanto, inerente na concepção dos minimalistas, uma idéia de totalidade


formada pela relação espaço/obra que se intensifica na Instalação, na qual o sujeito
torna-se parte integrante, formando assim uma espécie de unidade tripartida
indissolúvel.

A idéia de totalidade, tão cara para muitos dos artistas da década de 60, inclusive
para Helio Oiticica, no Brasil, ampliou as possibilidades e levou os artistas a unir
diversos meios em um único trabalho e a explorar outros sentidos além da visão.
Som, luz, cheiro, paladar, vivência, interatividade são elementos capazes de ativar
uma experiência artística. O que parece implícito nessas proposições é a intenção
de inserir a arte no real do mundo e de estabelecer o intercâmbio incessante entre
ambos.

Esse breve recorte histórico procurou apresentar algumas passagens importantes


que transformaram o conceito de escultura e ampliaram o campo de ação dos
artistas. De fato, para o artista, importa pouco a especificidade ou a denominação
que cada categoria tem e muito as possibilidades de experiência que cada obra
suscita. É isso que motiva sua realização e ativa as transformações (inclusive no
nome das coisas). Contudo, é importante ressaltar, que mesmo sendo ainda usado
na arte contemporânea, o termo escultura (ou instalação, ou intervenção, ou objeto,
ou colagem, ou assemblage, ou pintura/objeto, ou...) jamais significará a mesma
coisa, ou melhor, sempre significará algo distinto. No limite, indica uma operação na
qual alguma tradição histórica é atualizada a partir dos dados e especificidades do
aqui e agora.

Geórgia Kyriakakis
Texto escrito para o projeto De lá...prá cá, da Pinacoteca do Estado de SP

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