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SENAC

MOVIMENTO ARTE CONTRA A BARBÁRIE, PARLAPATÕES E ANÁLISE DA


MONTAGEM ​OS MEQUETREFE​.

“O chapéu nós passamos na rua para garantir o nosso


sustento. O tijolo é o símbolo do peso do nosso trabalho e a flor
é para pôr um pouco de poesia nessa merda toda”

Lema dos Parlapatões

Elis Nunes, Stella Vargas e Suelen Santos


Turma de Teatro 58
Profº Walmir Pavam

São Paulo, 2020.


CONTEXTO HISTÓRICO: BRASIL PÓS DITADURA E MOVIMENTO ARTE
CONTRA A BARBÁRIE

No final dos anos 1980, o Brasil sofria com uma economia problemática
causada pela ditadura militar (1964-1985). Devido a inflação alta logo na virada da
década, a moeda brasileira não valia nada, e por todo o Brasil, funcionários de
comércios tinham que remarcar o valor dos produtos pelo menos duas vezes ao dia,
ninguém sabia como seria seu salário no final do mês, pois, o valor da moeda era
corrigido diariamente. Na primeira eleição após a ditadura militar, surge Fernando
Collor, um candidato a presidência com o discurso de combater a corrupção e a
inflação do país. Ele se considerava inovador e usava até camisetas com frases de
efeito para chamar atenção do povo e da mídia, isso fazia parte de sua campanha
de ​marketing​ durante a candidatura, e com o apoio da mídia foi eleito em 1990.
Mesmo nesse cenário economicamente caótico, o fim da ditadura e o começo
de uma nova década, trouxe um ar de novas possibilidades para alguns. Com a
crença em inovações, o barateamento da tecnologia no mundo, a crescente troca de
​ ouve uma retomada nas
informação com a recente chegada da internet​, h
atividades, inclusive do meio artístico. Houve mais liberdade de expressão,
movimentos sociais, novos grupos de artistas na música, artes plásticas, cinema,
teatro, entre outros. No meio disso, em 1991, é fundado pelos artistas Alexandre
Roit, Arthur Leopoldo e Silva, Hugo Possolo, Luiz Amorim, Marcelo Milan e Regina
Lopes, o grupo Parlapatões, Patifes e Paspalhões, hoje chamado apenas
Parlapatões​, grupo que ​desde o início teve com base a comédia em todos os
espetáculos, nos quais sempre se vê o arquétipo do palhaço e o apelo popular na
comunicação direta com o espectador, que vem do manejo das técnicas circenses e
do teatro de rua. Essas características do grupo é vista na montagem ​Bem debaixo
do seu nariz,​ que em setembro de 1991 ainda se chamava ​Aqui ninguém é patrão,
não!,​ no espetáculo seguinte, ​Nada de novo ​(1992), uma compilação de números de
picadeiro, onde protagonizou a dupla Roit e Possolo no papel dos palhaços Pirulão
e Tililingo, como eram apelidados no início da carreira. Em 1993, Raul Barretto
contracenou com os dois na peça Sardanapalo,​ apontada pela crítica como
revelação da Jornada SESC de Teatro naquele ano, e em 1995, a peça ​Zérói​, que
foi montada ao ar livre, no Parque da Independência (São Paulo), simbolizou a
capacidade dos Parlapatões de agregarem novos artistas, com integrantes de
grupos como o Circo Mínimo e a Cia. Linhas Aéreas. Nas peças seguintes, o humor
se difundiu por temas sociais e políticos, evidenciando o caráter sarcástico dos
comediantes.
Durante esse período de ascensão dos Parlapatões, a situação política no
Brasil continuava em caos. Com o ​plano Collor​, o estado confiscou a caderneta de
poupança da população, fazendo com que perdessem o capital e entraram em
falência. Também surgiu a denúncia de corrupção no governo Collor, essa feita por
seu próprio irmão, isso escancarou os superfaturamentos e os ​caixas 2 de seu
governo. Collor tentou o apoio para seu eleitorado, e pediu para que as pessoas
saíssem vestidas de verde e amarelo em apoio a ele, mas o que ele conseguiu foi
manifestações contra seu governo, manifestações feitas pelo movimento estudantil
conhecidos como ​Caras-Pintadas,​ eles vestiam preto e pintavam a cara para
protestar contra o governo corrupto que estava envolvido nas denúncias, e pedir o
primeiro impeachment da história do país. Para tentar fugir do impeachment, Collor
renunciou a presidência mas o processo de impeachment, já em andamento, foi
aprovado em 1992, e ele foi substituído pelo vice, Itamar Franco, que ficou dois
anos no cargo, de 1992 a 1995.

​Figura 1: Caras-pintadas
em manifestação em
frente ao Congresso
Nacional, em Brasília, em
setembro de 1992.
Com a mudança da presidência, o país passou por uma estabilidade da
​ oeda atual do Brasil​. ​O sucesso do
moeda brasileira e em 1994 surgiu o ​real, m
plano econômico (plano real: programa brasileiro com o objetivo de estabilizar e
reformar a economia) do ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso, fez com
que o mesmo se candidatasse à presidência, ganhando as eleições duas vezes
seguidas e ficando no cargo de 1995 a 2003. Seu governo é conhecido pelas siglas
de seu nome: FHC. Um pouco antes do governo FHC, o Brasil e o mundo estavam
de olho na ​guerra fria​, as pessoas tinham medo de que os EUA e a União Soviética
começassem uma guerra com suas bombas nucleares, mas 1991 a União Soviética
foi dissolvida, com isso, acabou no imaginário de uma parte da população, o
chamado “perigo comunista”, e a tendência do neoliberalismo econômico começou
a crescer. O ​plano real​, citado anteriormente, seguiu as diretrizes do neoliberalismo,
houve privatizações de sistemas e serviços que deixaram de ser cuidados pelo
estado, reduzia-se o investimento público na espera de que o mercado regulasse
seu próprio funcionamento, e isso teoricamente melhoraria a situação económica,
criando uma competição de mercados. Houve também a redução de funcionários
públicos, abertura do mercado nacional para empresas estrangeiras e a
terceirização de trabalhadores e vários serviços do estado. Segundo Costa (sem
ano), “​foi entregue à exploração pelo capital o que até então fora definido como
direito do cidadão e dever do Estado: ​educação​, saúde, cultura e previdência
social.”
Nesse período de ascensão neoliberalista, foram realizadas reformas na ​Lei
Rouanet (antiga Lei Sarney), que é a política de incentivos fiscais que possibilita
empresas (pessoas jurídicas) e cidadãos (pessoas físicas) aplicarem uma parte do
IR (imposto de renda) devido em ações culturais. Em teoria, a lei iria incentivar a
cultura do país, mas fez com que o estado fosse apenas um intermediário e não o
responsável direto da cultura, passando esta importante responsabilidade para
empresas privadas. A cultura passa a ser marketing institucional de grandes
empresas, que mostravam preferencialismo por grandes produções, até
internacionais, por grandes nomes do meio artístico, e por espetáculo de
entretenimento, ​não barateando o preço dos ingressos, não ampliando o acesso aos
bens culturais.
Direitos civis transformam-se em negócios, cultura
transformam-se em grandes negócios de arte e o pensamento vira
mercadoria. (Arte Contra a Barbárie, 2002)

Em 1998, em oposição a essa mercantilização da cultura, artistas e grupos


de teatro de São Paulo, se reuniram para discutir as políticas culturais existentes,
além da relevância das produções teatrais que estavam sendo criadas para a
sociedade, e o papel da arte, nesse momento surgiu o movimento ​Arte Contra a
Barbárie, ​que foi o movimento que defendia a responsabilização da cultura pela
estado. Em seu manifesto diziam que “a cultura é prioridade do estado por
fundamentar o exercício crítico da cidadania, na construção de uma sociedade
democrática”. Nas assembléias promovidas pelo movimento, eles buscaram
soluções para atender as necessidades de grupos teatrais que criaram espetáculos
que geraram debate, reflexão. Foi assim que, em 1999, foi lançado o primeiro
manifesto do movimento, assinado pelos grupos teatrais: Companhia do Latão,
Folias D'Arte, ​Parlapatões​, Pia Fraus, Tapa, União e Olho Vivo, Monte Azul e os
artistas Aimar Labaki, Beto Andretta, Carlos Francisco Rodrigues, César Vieira,
Eduardo Tolentino, Fernando Peixoto, Gianni Ratto, Hugo Possolo, Marco Antonio
Rodrigues, Reinaldo Maia, Sérgio de Carvalho, Tadeu de Sousa e Umberto
Magnani.
Em seu segundo manifesto, também assinado em 1999, o movimento ​Arte
Contra a Barbárie conseguiu ampliar a discussão sobre o papel do teatro na
sociedade e os incentivos do Estado, bem como aumentar o número de seus
integrantes. Já no terceiro manifesto, lançado em 2000, criticavam fortemente a
distribuição dos recursos e os privilégios concedidos ao mercado, mostravam como
a política de renúncia fiscal não proporcionava melhorias à cena teatral, e não
garantia a produção continuada, as pesquisas e experimentação necessárias aos
grupos e coletivos.
Diante desse cenário, o movimento elaborou o projeto de lei que deu origem
ao Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo (Lei
13.279/02). Apresentado pelo então vereador Vicente Cândido, (PT-1996-2002), o
programa foi aprovado em 2001 e promulgado em janeiro de 2002, pela então
prefeita, Marta Suplicy (PT- 2000-2004).
Segundo Santos (2015), “o programa tem um forte incentivo a produções
locais, que nascem em bairros periféricos, auxiliando na identidade deste local,
configurando de maneira significativa a geografia da cidade. O programa também
incentiva grupos artísticos que vão aos espaços públicos, seja como intervenção ou
como teatro de rua, numa maneira de intervir na vida da cidade de outra maneira.
Como contrapartida social, o programa tem em seu regulamento (SÃO PAULO,
2002) que grande parte dos grupos devem comprometer-se a realizar projetos extra
cênicos, como oficinas, debates, seminários etc., fortalecendo assim, as relações
entre eles e a comunidade.”
O programa contempla 30 projetos teatrais por ano, selecionados por
comissão mista (metade indicada pela Secretaria de Cultura e a outra metade pelo
conjunto dos trabalhadores) e um presidente, com orçamento nunca inferior a R$
6.000.000,00, corrigidos anualmente pelo IPCA-IBGE (SÃO PAULO, 2002). A partir
desta aprovação, muitos grupos puderam se manter ativos, com incentivo para
pesquisa e criação de espetáculos que fossem além dos teatros burgueses da
cidade, mas que tivessem sobretudo, uma responsabilidade social.
Em seu documentário, o movimento ​Arte Contra a Barbárie defende que “um
país sem cultura perde sua identidade e sua dignidade. A ditadura e o pensamento
econômico vencem”, esse pensamento permeia as decisões do movimento, e suas
conquistas possibilitaram uma mudança de pensamento crítico nos artistas da
cidade, causando reflexões e organização coletiva, para conquistar mudanças para
grupos que fogem das regras do mercado, e se propõem a realizar um teatro que
leve a discussão de questões sociais.
Durante todo esse ativismo político do movimento, os grupos de teatro
paulista fizeram montagens de cunho crítico, como a “manifestação teatral
indignada”: o evento ​Caguei pros Quinhentos​, ocorrido em 21 de Abril de 2000, e
que teve participação dos ​Parlapatões​, inspirados na “Me Cago Para Los 500” que
ocorreu na Colômbia. Com as palavras de Krüger (2008), “a performance paródica
era crítica às comemorações ufanistas dos quinhentos anos do descobrimento do
país, contando com a presença de diversos artistas, entre eles os grupos Pia Fraus
e La Mínima, o ator José Rubens Chachá (ex-integrante do Ornitorrinco), a ala
jovem da bateria da escola de samba Vai-Vai, além do Coro Collegium Musicum de
Abel Rocha, entre outros.”

​PARLAPATÕES: HISTÓRIA, CARACTERÍSTICAS E OS MEQUETREFE

Dentro do teatro paulista, os Parlapatões (1991), tiveram um grande


engajamento no movimento Arte Contra a Barbárie, e até hoje é um importante
grupo na cena teatral do Brasil. Seu símbolo, por si só, conta essa história;
composto por um chapéu coco virada para cima, contendo um tijolo e uma rosa, o
símbolo sintetiza toda a história da origem do grupo, que começou com
apresentações nas ruas, na região da República, centro de São Paulo, misturando o
teatro com a tradição circense, e que mais tarde, agregaria ainda mais valor ao
símbolo: a luta e construção de um espaço para um teatro em São Paulo,
comprometido com uma disseminação da cultura, e o papel social do artista. O
grupo foi também um dos gestores do jornal ​O Sarrafo,​ que debatia políticas
voltadas para a cultura.

Figura 2: Símbolo dos Parlapatões.

No ​Espaço Parlapatões​, pode-se ver o lema do grupo fixado na porta: “O


chapéu nós passamos na rua para garantir o nosso sustento. O tijolo é o símbolo do
peso do nosso trabalho e a flor é para pôr um pouco de poesia nessa merda toda”.
Localizado no entorno da Praça Roosevelt, a conquista desse espaço, em 11 de
setembro de 2006, ​integrou-se rapidamente ao movimento cultural já existente na
praça, tornando-a um marco na revitalização do centro paulistano. “Sua inauguração
foi uma festa do teatro, que começou na rua onde o grupo foi recepcionado pelos
vizinhos do grupo Satyros, com xícaras de açúcar nas mãos. Os ​Parlapatões​, com
aviões de brinquedo nas mãos fizeram a encenação de derrubar as torres gêmeas
contra todos os preconceitos, abrindo as portas para o público. Além do coro
Collegium Musicum, com regência do maestro Abel Rocha, atores convidados
(Bárbara Paz, Jairo Mattos, Marco Ricca, Rosi Campos e Marcelo Drummond) leram
trechos de peças da companhia, num evento que se encerrou a as palavras de José
Celso Martinez Corrêa, do Teatro Oficina, numa celebração histórica.
(PARLAPATÕES).
Junto com Pia Fraus, os Parlapatões mantinham um outro espaço que além
de ser a sede da Pia Fraus, era o lugar de ensaio, e também, de guardar materiais
das montagens. Mais tarde em 2013, o espaço ganha novo nome, ​Galpão
Parlapatões​, ​que continua sendo um espaço para realização de ensaios, além de
“cursos, oficinas e eventos, capaz de abrigar várias linguagens artísticas, como
Circo, Teatro, Dança, Música e Cinema.” (PARLAPATÕES)

Figura 3: entrada do Espaço Parlapatões.


Figura 4: Inauguração do Espaço parlapatões em 2006.

Os ​Parlapatões ​tiveram participação ativa, junto a outros grupos e artistas,


da criação da escola, que hoje é referência em cursos na área do teatro em São
Paulos, a ​SP Escola de Teatro – Centro de Formação de Artes do Palco​, sendo
que, atualmente, Raul Barretto coordena o Curso de Humor da escola, e Hugo
Possolo coordena o Curso de Atuação. A escola tem sede na Praça Roosevelt, e
uma segunda unidade no bairro do Brás, também em São Paulo.
O grupo acredita que “cada vez mais, que se torna necessário e fundamental
possibilitar ao público interagir e manifestar-se diante da obra teatral, para
exercermos juntos sua capacidade libertadora” (PARLAPATÕES), suas montagens
possuem vertente política, que se consolidam em repertório e, se aprofundando na
pesquisa cênica, formam novos parâmetros e estabelecem uma relação mais direta
entre atuação a artística e a cidadania, consolidando a dramaturgia e a forma de
atuar, dentro e fora de do palco. Tudo isso com humor provocativo, por ser um
grupo com a herança do Circo e do Teatro de Revista, e dramaturgia própria, eles
comentam e fazem humor com os acontecimentos enquanto eles acontecem,
usando a crítica de costumes e se valendo disso para buscar um sentido político em
sua obra, buscam o “improviso e elementos populares que trazem uma intensa
carga clássica para se atirar na criação constante e presente na vida da cidade e de
seus cidadãos.” (PARLAPATÕES)

Figura 5: Parlapatões em O Pior de São Paulo.

ALGUMAS PEÇAS DO GRUPO

● ​ Bem Debaixo do Seu Nariz:

Foi uma das primeiras peças do grupo, o resultado do espetáculo de rua


“Aqui Ninguém é Patrão, Não!”, uma experimentação circense na rua que servia
para experimentar a melhor forma de comunicação com o público, além de iniciar a
passagem do chapéu pelo público e se tornar uma fonte de sobrevivência do grupo.
Bem debaixo do seu nariz c​ omeça suas apresentações em 1991, na rua, sem
se importar com um palco, mas sim com o picadeiro que a roda do público formava.
Contava a história de dois palhaços, um anão e um gigante, que ficavam disputando
a atenção do público, brincando muito com a participação dos espectadores,
improvisos e principalmente com recursos circenses. O espetáculo mostrava a raiz
do grupo: atuando, tocando instrumentos, fazendo acrobacias e malabarismos,
“tudo para resgatar na milenar arte circense a origem da comédia: as apresentações
de rua”.

● ​PPP@WllmShkspr.Br​:

É uma remontagem do grande sucesso que tornou os parlapatões famosos


em todo o país. O espetáculo conta história de todas as obras de Shakespeare,
juntas em categorias, mas com predomínio de ​Romeu e Julieta ​e Hamlet, d
​ e formas
diversas e com diferentes abordagens.
Em sua primeira montagem, em 1998, a peça foi apresentada cerca de 500
vezes e participou dos principais festivais de teatro brasileiros. Está em cartaz em
sua remontagem com novas roupas e figurinos, e o grupo listou os motivos para
retomar a peça:

● ​Explicação 1 – ​Para quem diz que não viu e ouviu falar muito, possa ver.
● ​Explicação 2 –​ Para quem já viu, pode rever.
● ​Explicação 3 –​ Para quem não tinha idade para ver, poder ver.
● ​Explicação 4 –​ Porque a gente quis. A gente gosta de fazer a peça.
● ​Explicação 5 – Se tem bandas que fazem CD e DVD Acústico com seus
hits, porque o teatro não pode viver seus clássicos.

Agora, sério, pra valer: é uma celebração à carreira do diretor Emílio Di Biasi!

● ​Os Mequetrefe:

Um espetáculo que conta o dia totalmente ​nonsense de quatro palhaços


chamados Dias. Foi inspirado na obra de Edward Lear, o criador do termo nonsense
e disseminador do movimento​, que consiste no absurdo literário que equilibra
elementos que fazem sentido com outros que não o fazem, com o efeito de
subverter convenções de linguagem ou raciocínio lógico, mas não sem nenhum
significado, mas com excesso de significados.
A desconstrução da lógica é o que leva a identificação do público, com os
palhaços sendo nós nos deparando com os absurdos do dia a dia. Nascida da
vontade de juntar o mundo dos palhaços com o ​nonsense, ​a peça brinca com a
desconstrução da lógica, desde na ação dos personagens até o próprio cenário, que
é composto basicamente de duas escadas e barris, que durante o espetáculo se
transformam em todo tipo de coisa, como um barco, um ônibus, um carro, um avião,
brincando absurdamente com o lúdico. O figurino e maquiagem utilizados evitam a
caracterização clássica do palhaço e vai para o arquétipo da loucura, mudando
alguns elementos em cada Dias.
A peça foi construída em conjunto durante os ensaios, pois os atores queriam
explorar o lúdico, como uma criança brincando e inventando com objetos aleatórios.
Essa prática é comum no grupo, mesmo com algumas peças roteirizadas. O
espetáculo é ótimo para crianças e adultos, com muita interação com o público e
uma linguagem fácil, mas com algumas piadas mais ácidas e críticas intrigas no
roteiro.

Figura 6: Parlapatões em Os Mequetrefe


NOTÍCIAS RECENTES

No último mês, o site da SP Escola de Teatro noticiou que o Espaço


Parlapatões, onde também funciona o café Giostri Parlapatões, estão com as portas
fechadas devido a pandemia, e para sobreviverem estão vendendo máscaras pelo
valor simbólico de R$50,00, quem colaborar com a compra-doação da máscara,
também levará um par de ingressos para quando as atividades do espaço voltarem
a acontecer.

Figura 7: Modelos de máscaras disponíveis no site​ ​http://parlapatoes.com.br/site/​.


​ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO DE ESPETÁCULOS

Adaptação do roteiro de Sílvia Fernandes

Por Walmir Pavam

1) O Ator

a)​ A
​ relação do ator com o corpo: o gesto, o movimento, a fala, o canto, a dicção:

Na cena analisada, a cena da cafeteria, os movimentos dos atores são


pequenos, e fechados, ocorrendo em um espaço pequeno. É no diálogo que o
humor da cena está. A voz dos atores é utilizada em alto volume, com variações de
velocidade e de tonos discrepantes, para demonstrar as nuances do humor do
personagem e

b)​ F
​ igurino, máscaras, maquiagem:

O figurino foge do normalmente utilizado por palhaços, com roupas comuns


do cotidiano em preto, branco e vermelho, cada personagem com um estilo
diferente de roupa: um deles usa apenas uma calça preta, blusa de botões branca,
gravata e suspensório, outros trabalham com várias camadas, sobrepondo leggings
com saias ou bermudas super largas, são usados sapatos pequenos e grandes,
mas todos usam um chapéu preto, fundamental nessa cena. A escolha de figurino
remete diretamente ao nonsense, que inspirou a peça, e a próprio cotidiano das
personagens, além de contrastar com os objetos coloridos que eles utilizam em
cena.
A maquiagem traz tipos diferentes de nariz de palhaço para cada
personagem, mas usando a mesma cor em todos: um tom bege amarelado. Eles
usam bochechas bem vermelhas, sobrancelhas bem desenhas, lábios
avermelhados e pálpebras bem marcadas de branco. Todos esses elementos
remetem diretamente ao palhaço, mas são utilizados de forma mais branda
(inclusive com a cor dos narizes), evidenciando que são palhaços mas fugindo das
características tradicionais.
c)​ A
​ relação entre os atores:

A relação dos atores mostra bastante comunhão e atenção entre si, pois
existe muito improviso e para isso requer muito atenção, e o espetáculo foi o tempo
todo bem coerente durante o texto e improvisações.

d)​ A
​ relação do ator com o texto, a construção da personagem:

Os atores se apropriam muito do texto, e por isso nas improvisações que


acontecem, eles conseguem dar o sentido das cenas e fazer o espectador entender
não só com texto mas também com gestos do corpo todo. Cada personagem mostra
do começo ao fim sua personalidade, não é linear, possui nuances muito legais de
se analisar, em questões dos sentimentos de cada um, em diferentes cenas.

e)​ A
​ relação do ator com o espectador:

Os atores mantém uma comunicação com o público durante todo o


espetáculo. Esse é um espetáculo que segue também a tradição do espetáculo de
rua, e por isso, tem essa relação direta com o público, seja quebrando a quarta
parede durante as cenas ou fazendo perguntas ao público, pedindo sugestão,
dando opções para o público escolher, e assim, continuar a encenação. Pela
observação, o público em geral se sente muito bem em participar, ri bastante e
parece gostar de estar vivenciando a experiência.

2) O Espaço Cênico

a)​ A
​ s formas do espaço cênico (palco italiano, arena...)

O espetáculo é apresentado em um palco italiano, porém, pela tradição do


espetáculo de rua que o grupo segue, eles dizem que essa é uma peça que pode
ser apresentada em palco ou em qualquer lugar.

b) ​A cenografia se modifica durante o espetáculo? Quais os significados dessa


mudança? Se não há cenário, como os atores se organizam no ​espaço para criar
diferentes ambientes no decorrer do espetáculo?
Durante todo o espetáculo as cenas se modificam diversas vezes, pois
estamos acompanhando o dia no cotidiano dos personagens, logo assistimos suas
locomoções no mundo, mas não há um cenário. Os atores brincam com o lúdico,
organizando os poucos objetos em formas que remetem a cenários e objetos.
Vemos escadas e latões se transformarem de ônibus a barcos em segundos.
Nessa cena, o cenário não se modifica, os atores organizam as escadas e
latões como uma mesa, e nos transportam para uma cafeteria.

c) ​Que função os objetos têm no espaço cênico? (matéria, relação com o espaço e
com o corpo do ator, cor)

O espetáculo todo usa poucos objetos, apenas duas escadas, alguns latões,
cabides e bacias, que vão se transformando em diferentes ambientes e objetos,
como barcos, trens, carros, ônibus, mesa, televisão.
Nessa cena, as escadas e latões se transformam em uma mesa comprida e
novos elementos aparecem: a tábua com a jarra de café e xícaras, além de
utilizarem o chapéu com o mesmo significado, mas com uma nova função.

​d) ​Que papel a iluminação desempenha no espaço: ela o transforma, o recorta,


muda sua cor? Como ela age sobre os atores e espectadores?

Durante o espetáculo temos diversas mudanças na luz, que recortam ações e


movimentos.
No início da cena, enquanto os atores reorganizam o cenário, há uma rápida
luz colorida que marca a troca de cenário e o início de uma nova cena, que logo é
substituída por uma luz branca e azul que ilumina o centro do palco, onde ocorre
toda a ação da cena, mas deixa todo o palco visível, de modo que é possível ver a
ação da chegada e saída dos personagens.

​3) A Encenação

a) ​Quais os elementos você considera estruturadores do espetáculo? (texto,


interpretação, luz, som, cenografia, música, dança...)

Os objetos utilizados para nos ambientalizar e para criar o humor da cena,


assim como a interpretação dos atores.
b) ​Em que o encenador se fundamenta para criar o espetáculo? (improvisações, um
texto original, uma prática corporal...)

Para esse espetáculo todo o grupo se inspirou na obra de Edward Lear e em


seu conceito de Nonsense.

c)​ O
​ que atrapalha a encenação: quais são os momentos fortes, fracos ou tediosos?

O ponto alto da cena é o momento onde se desenvolve a aposta, tendo seu


pico na enganação do palhaço mais bobo pela segunda vez. O início da cena ainda
não tem uma linha de história definida, apenas apresentando o ambiente e
elementos para o público, sendo o momento mais fraco.

d)​ Q
​ uais as relações entre o texto e as imagens do espetáculo?

O texto é sobre o cotidiano de pessoas que acordam cedo, enfrentam ônibus


lotados, vão trabalhar, recebe insultos de um chefe que abusa do “poder” que tem, e
procuram alguns momento de lazer, como por exemplo na cena da cafeteria, em
que eles vão tomar um café para acordar e poder continuar a saga que é enfrentar
mais um dia da rotina. Abordam de forma humorística e lúdica, uma realidade
brasileira, e no meio disso colocam influências do no sense, usado para migrar de
uma cena para outra ou de um assunto para outro. A transformação desse texto em
imagem foi feita de uma forma muito inteligente pois eles usavam objetos grandes
porém simples, como escadas articuladas e tambor de metal para transformar os
ambientes da cenas, e usavam objetos menores para dar ênfase na cena, como na
cena da cafeteria, em que usaram xícaras e bules de café. Ao mesmo tempo, a
temática do espetáculo, misturado com o universo do palhaço, já presente no grupo,
que historicamente é uma personagem que “zoa” e é “zoada” por todos, causa uma
reflexão sobre como é a vida no Brasil, ou pelo menos, de uma parcela da
população que saem de suas casas e percorrem longas distâncias de transporte
público para conseguir trabalhar, e como é assistência do governo para essas
pessoas, que são tratadas como “palhaços”.

e) Que modificações o encenador realizou no texto original: tradução, ​adaptação,


reescreveu o texto ou escreveu um texto original?

É um roteiro original, criado em conjunto durante os ensaios do grupo e


escrito por Hugo Possolo, um dos fundadores do grupo Parlapatões e um dos atores
protagonistas desse espetáculo.
4) O Texto

a)​ Q
​ ue história é contada?

O espetáculo conta um dia cotidiano na vida de quatro pessoas, que


precisam trabalhar para se sustentar, a passam por diversas situações desde a hora
que acordam até a volta para a casa. Ter que acordar super cedo e percorrer
grandes distâncias em ônibus lotados para chegar no trabalho, receber esporro de
chefe, ser demitido, tentar momentos de lazer como assistir TV, porém se deparar
com programas sensacionalistas, como na cena da Perseguição Policial, em que as
4 personagens vão assistir TV e ficam tão absortos no programa policial, e para
transmitirem isso, os atores dublam um episódio de um programa policial existente.
O áudio fica rolando enquanto eles dublam e encenam tudo que acontece. Só que
tudo isso, dentro do universo do palhaço, com muito humor, porém com críticas.

​ xiste texto? O tempo todo? Que outras histórias são contadas sem o​ texto?
b)​ E

Existe texto mas não o tempo todo, gestos fazem parte da encenação no
meio dos textos, visto que é preciso ser atento às atuações de cada um, para
entender suas intenções através não somente da voz, mas do corpo como um todo,
e a participação do público também faz parte, pois, de acordo com a reação do
mesmo, outros pequenas histórias podem ser contadas.

c)​ D
​ e que tipo de texto se trata?

É um texto contemporâneo, com tema cotidiano e regionalista, ecletista e que


tem um engajamento social muito presente.

d) ​A encenação conta a mesma coisa que o texto? Como essa história é ​contada
pelo ator?

Não tivemos acesso ao texto, mas pelas pesquisas, vimos que o grupo faz a
montagem do texto com todos os atores juntos. Uma ideia é apresentada e depois o
grupo desenvolve as linguagens, personagens, texto e improvisação. Cada ator,
fazendo parte da construção do espetáculo, tem total apropriação do texto e da
peça como um todo, isso faz com que consigam transmitir, de forma muito
transparente, a mensagem da peça.
e) Qual é a organização do enredo e da ação? (tempo cronológico, volta ao

passado, saltos no tempo, várias situações simultâneas, uma só ação​ ​central).

O espetáculo segue uma ordem cronológica pois mostra o cotidiano das


personagens, desde a hora em que acordam, até a hora de voltam para casa.

5) O espectador

a) Como você acha que o espectador, percebeu, compreendeu e interpretou ​o


espetáculo?

O espectador assiste e se assiste fazendo parte do espetáculo, pois os


atores interagem com o público diversas vezes. Por ser um peça que conta sobre o
dia-a-dia de pessoas, só que dentro do universo do palhaço, o enredo aproxima o
público através das cenas que se passam em ambientes como casa, trabalho, rua,
café.

b) ​Qual relação você acha que os espectadores fazem entre a peça e o ​nosso
tempo?

O público é variado entre adultos e crianças, e acredito que existam diversas


interpretações da relação da peça com o nosso tempo. Acredito que os jovens e
adultos conseguem enxergar que a peça mostra o cotidiano de uma parte da
população, e muitos podem se enxergam ali.

c)​ O
​ s espectadores foram abordados diretamente pelos atores? Como​ ​reagiram?

Sim, o público é convidado diversas vezes para participar do espetáculo,


respondendo perguntas, escolhendo opções propostas pelos atores, e também
sendo “zoados” pelos atores. As reações são diversas pois o público é formado por
adultos e crianças, os adultos participam e riem, as crianças participam bastante, só
algumas que são introvertidas e acabam não falando muito quando os atores vão
diretamente falar com elas.
d) ​Que cenas e imagens permitem interpretações ambíguas ou que ​permanecem
como um desafio para o espectador?

​ s cenas têm objetivos bem definidos, porém por causa da tradição no sense do
A
grupo, algumas transições de cenas surgem de maneira “ sem sentido”, a partir de
um som, uma palavra que é entendida como outra. Então o desafio é prestar
atenção nesses detalhes para não se sentir perdido, e entender como uma cena se
transformou em outra.
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