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A coletividade afro-pacífica
constituiu-se habitando as ribeiras dos rios. Ao longo da história, rios são eixos da
organização social negra. Como conceito, o território-água alude à fluidez, o que permite
compreender peculiares dinâmicas territoriais a partir das quais se imiscuem fronteiras entre
rural e urbano, entre doméstico e político, entre Estados-nação. Nesse sentido, o território
água assinala aspectos geográficos e simbólicos.
Os rios, de modo geral, são elementos de conexão. São o vetor de comunicação entre a
coletividade negra, desde o povoamento da região
Nesse sentido, a força das águas se faz sentir não apenas nas condições materiais da vida
desse povo, mas também na construção de seus afetos. No plano cosmológico e espiritual,
permitem articular mundo, inframundo e supramundo.
Ou seja, o rio é abundância. É a seiva dessa coletividade, assim como o leite é o alimento
da criatura recém-nascida.
A partir das reflexões de Ratts (2014), entendo que se trata de uma ancestralidade política,
uma pertença que remete a um “retorno cíclico, mítico, estético e político” à África
diaspórica (Ratts, 2014: 14).
González (2002), sobre o pertencimento a uma família extensa cujo antepassado foi a
primeira pessoa a utilizar tal terreno. Nesse caso, a tradição pode ser herdada por patri ou
matrilinearidade: el padre le da a sus hijo sin importar que sean de distintas mujeres y, la
madre les llega a los suyos pero no a los engendrados por su cónyuge con otras mujeres.
Estos últimos reciben de sus respectivas madres y padres; por consiguiente, los hilos
invisibles del parentesco, trazados tanto por la linealidad materna como paterna, regulan el
uso del territorio de manera colectiva (González, 2002: 127-128).
Do ponto de vista da Red de Mujeres Negras del Pacífico211, a partir dos últimos anos da
década de 1980, a coletividade negra é continuamente ameaçada e violada pela
intromissão e a expropriação do território por parte de colonos e agentes institucionais
nacionais e internacionais, com interesses econômicos e políticos, no contexto de relações
de dominação próprias do sistema de produção capitalista (Red de Mujeres Negras del
Pacífico, 1997: 37). A visão da Rede de Mulheres Negras do Pacífico converge com a de
Grueso, Rosero e Escobar (1999), que situam na década de 1990 a abertura da economia
colombiana aos mercados mundiais, especialmente no tocante à sua integração com outros
países do Pacífico.
Elas assumem desafios e adotam condutas que abrem caminho para uma reconstrução do
feminino e do masculino afro-pacíficos. Ademais, o reconhecimento como ponto de apoio e
referência para a coletividade, assim como o compartilhar com outras mulheres são
aspectos ressaltados pelas mulheres do Baixo Rio Mira como focos de empoderamento. Y
otra cosa que uno siente que la gente tiene más confianza a uno de decir: mire que me está
pasando eso. Mire que la líder de aquí es ella, cuando ella llegue que la diga tal cosa. Ya
como que la gente cree en uno. Pues ahí dentro de la misma organización, del consejo,
donde uno comparte con la compañera, con las otras mujeres, comparte de sus problemas,
sus ideas. Para nosotras es algo muy grande que ya podamos juntas con otras mujeres
hacer asamblea y que ellas hagan propuestas, que digan lo que quiere, como lo quiere -
Mailen Aurora Quiñones.
Como as mulheres estão também envolvidas na gestão produtiva e simbólica familiar e
comunitária– são “agricultoras, marisqueiras e médicas” –, as matronas se empoderam no
aspecto produtivo, tendo em vista formas organizativas tradicionais.
Os rios são metáfora da pessoa afro-pacífica. As práticas produtivas tecidas em torno das
águas constituem caminhos de atualização das tradições territorialmente enraizadas. Por
esses caminhos, as mulheres vinculam-se com o fazer político no âmbito dos movimentos
negros mistos. Dentro de organizações étnico-territoriais, como os Conselhos Comunitários,
elas propõem uma lógica de exercício do poder que se orienta à coletividade, desde uma
perspectiva que parte do âmbito familiar, estendendo-se ao comunitário e irradiando-se pelo
“processo de comunidades negras”.