Edição Porto • Ano XXXI • n.º 11.

081 • 1,30€ • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • Director: Manuel Carvalho Adjuntos: Amílcar Correia, Ana Sá Lopes, David Pontes, Tiago Luz Pedro Directora de Arte: Sónia Matos

MIGUEL FERASO CABRAL

Belenenses SAD esconde salários
do Ɗsco e da Segurança Social
Vencimentos de parte dos funcionários da sociedade liderada por Rui Pedro Soares têm sido adiantados,
mas não processados. Auditoria alertou para o caso. Liga ignorou e licenciou a equipa Destaque 2 a 5

Norma que força M

Museu do Chiado Só dez estações Tribunal de
isolamento E
Exposição pronta há concentram 38% Contas chumba
de crianças d
dois meses não vai dos passageiros contratos ilegais
vai ser revista c
chegar a abrir por faltar de todo o país do Exército
Regras da DGS obrigavam v
verba para projectores Há 528 estações de comboios Ajustes directos de 2,1
menores retirados à família CCultura, 26/27 que movimentam 24 milhões milhões para fardas foram
a quarentena nos lares p14 de passageiros por mês p18/19 autorizados pelo ministro p13 ISNN-0872-1556
2 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
DESTAQUE
FUTEBOL
Belenenses SAD
esconde salários
do fisco e da
Segurança Social
Vencimentos de parte dos funcionários estão a ser adiantados
sem processamento e recibos, não sendo do conhecimento das
autoridades, que emitiram certidões de inexistência de dívidas
Paulo Curado
D
urante os últimos anos, a
Belenenses SAD fez paga-
mentos salariais a funcioná-
rios sem os processar e sem
emitir os respectivos reci-
bos de vencimento. Trata-
se de valores que rondaram um
milhão de euros no Ænal da tempo-
rada 2018-19. Desta forma, a entidade
gerida por Rui Pedro Soares não
pagou ao Estado os impostos na altu-
ra devida, podendo incorrer num
crime de fraude Æscal.
Aparentemente desconhecendo
esta prática, tanto a Autoridade Tri-
butária (AT) como a Segurança Social
emitiram certidões de inexistência de
dívidas, documentos fundamentais
no licenciamento para as competi-
ções organizadas pela Liga Portugue-
sa de Futebol Profissional.
Esta eventual ilegalidade é assumi-
da nas próprias contas da SAD e subli-
nhada por um dos auditores que as
certificou. “Em 30 de Junho de 2019
[último relatório e contas], a rubrica
‘Remunerações a Pessoal’ diz respei-
to a pagamentos efectuados a funcio-
nários [998.810,12 euros], cujo pro-
cessamento salarial não foi realiza-
do”, como pode ler-se no anexo às
demonstrações financeiras. Aliás, nas
contas de 2017-18, a administração da
SAD assume que “esta situação impli-
ca a falta de pagamento de retenções
na fonte na AT e de contribuições
para a Segurança Social”.
A 30 de Junho de 2018, o valor de
ordenados não processados era de
913.977 euros e mereceu uma reserva
da Sociedade de Revisores Oficial de
Contas (SROC) Oliveira, Reis & Asso-
ciados. “Encontra-se em curso um
processo de conferência de saldos
devedores relacionados com remune-
rações do pessoal (…), o qual à data do
relatório [29 de Março de 2019] ainda
não se encontra concluído”, como é
mencionado no documento de certi-
ficação legal das contas (CLC).
O auditor prossegue, referindo que
os elementos que lhe foram disponi-
bilizados pela administração da SAD
não permitem “estimar com certeza”
o risco associado ao “desfasamento
temporal” entre os adiantamentos
pagos ao pessoal e o efectivo proces-
samento das dívidas. “Nestas circuns-
tâncias, não nos encontramos em
posição de concluir sobre o efeito que
eventuais regularizações possam vir
a originar nas demonstrações finan-
ceiras”, alertou.
Na mesma CLC, é referido que os
responsáveis da SAD estão na posse
de certidões do Estado que garantem
que as contribuições estão em dia,
ambas com data de 14 de Março de
2019. “As estimativas das eventuais
coimas ou multas e juros moratórios
[pelos atrasos nos processamentos
salariais] não se encontram quantifi-
cadas”, alerta.
ROC mais brando
No relatório seguinte, referente às
contas de 2018-19, a Belenenses SAD
mudou de ROC, passando a ser Mar-
ta Black a auditar as contas. A nova
auditora é omissa na sua CLC em
relação a adiantamentos de venci-
mentos, referindo-se apenas através
de uma “ênfase” à conta de passivo,
de “remunerações não processadas”
e ressalvando que o valor em causa
“tem vindo a baixar”. Isto, num rela-
tório e contas no qual a própria
administração da SAD voltou a admi-
tir que tinha feito pagamentos a fun-
cionários sem que o processamento
salarial fosse realizado.
A avaliar pelas anteriores contas
apresentadas pela SAD e consultadas
pelo PÚBLICO, os adiantamentos
salariais sem processamento do res-
pectivo recibo e pagamento atempa-
do dos impostos tem sido prática
corrente, ainda que com valores infe-
riores. Em 2015-16, estas verbas cor-
respondiam a 302.774 euros e, em
2016-17, eram de 458.352 euros.
Apesar de as demonstrações finan-
ceiras e a CLC serem documentos de
entrega obrigatória na Liga no proces-
so de licenciamento para a participa-
ção nas competições, o organismo
que gere o futebol profissional não
valorizou as referências às implica-
ções fiscais dos pagamentos não pro-
cessados. A questão terá sido desva-
lorizada face às certidões de inexis-
tência de dívidas emitidas pela AT e
pela Segurança Social, alheias aos
procedimentos da SAD relativamente
ao não processamento do pagamen-
tos a parte dos seus funcionários.
“Os ordenados não processados
têm que ver com alguns adiantamen-
tos feitos a jogadores. Têm que ver
com situações anteriores à nossa ges-
tão e têm que ver com uma interpre-
tação diferente que a administração
da SAD tem em relação à opinião dos
ROC em relação ao pagamento a joga-
dores que não são residentes em ter-
ritório nacional”, explicou ontem ao
PÚBLICO Rui Pedro Soares.
“Do nosso ponto de vista não há
lugar ao pagamento de qualquer
imposto relacionado com estes ven-
cimentos”, prosseguiu. E deixou uma
garantia: “A notícia terá consequên-
cias, iremos responder, mas não é
para nós um problema.”
Outras infracções
Na CLC de 2016-17, emitida também
pela Oliveira, Reis & Associados,
SROC são ainda referidos outros
incumprimentos perante o Estado:
“Durante o exercício findo em 30 de
Junho de 2017 não foram liquidados
os pagamentos por conta, adicionais
por conta e especial por conta, pre-
vistos no Código do IRC [imposto
sobre o rendimento de pessoas colec-
tivas] e que, de acordo com os nossos
cálculos, ascendiam a cerca de
321.000 euros.”
As infracções fiscais não ficam por
aqui, conforme é evidenciado nas
contas da SAD de 2018-19, que indi-

cam que existiram pagamentos de
retenções de imposto sobre o rendi-
mento e contribuições para a Segu-
rança Social fora dos prazos legais.
Dívidas antigas
Estas práticas são particularmente
graves pelo facto de a SAD ter renego-
ciado nos últimos anos várias moda-
lidades de pagamento de dívidas
antigas ao Estado, beneficiando de
alargamentos de prazos de pagamen-
tos e reduções nos juros. O grosso
destas dívidas foi herdado da anterior
administração da sociedade, quando
o clube Os Belenenses detinha a maio-
ria do capital e antes da entrada em
cena da empresa Codecity Sports
Management, de Rui Pedro Soares,
em Dezembro de 2012.
No âmbito de um processo especial
de revitalização (PER) — destinado a
sanear empresas em situação econó-
mica difícil — a que a SAD recorreu, e
teve homologação em Maio de 2015,
ficou a saber-se que a AT era credora
de 1,68 milhões de euros e a Seguran-
ça Social de 732 mil euros (168,4 mil
em juros). Uma dívida de 2,4 milhões
de euros de um total de créditos reco-
nhecidos no PER, que o PÚBLICO
HUGO DELGADO/LUSA
Nos últimos
anos, muitos dos
vencimentos dos
jogadores do
Belenenses SAD
não foram
processados
consultou, que ascendiam a perto de
oito milhões de euros.
A dívida ao fisco sofreu oscilações
até à aprovação do PER. Um ano
antes, em Maio de 2014, Rui Pedro
Soares garantiu que a mesma se situa-
va nos 1,359 milhões de euros, depois
de ter abatido 19% desse valor em
Junho de 2013: 1,676 milhões.
“Em dez meses, a dívida do Bele-
nenses às Finanças baixou 19%. Nes-
tes dez meses, gastámos 400 mil
euros”, revelou na altura à agência
Lusa, referindo ter retirado 400 mil
euros ao orçamento para a tempora-
da de 2013-14 para o efeito. Mas o
montante total terá voltado a aumen-
tar, a julgar pelos valores reconheci-
dos no PER.
Já no início de Maio de 2018, a
administração da SAD sublinhou ter
reduzido 80% da dívida à AT, tendo
sido pagos dois milhões de euros
(com juros e coimas incluídos), acu-
mulados entre 2005 e 2009, quando
a SAD era gerida pelo clube. “A dívida
remanescente, enquadrada num pla-
no de pagamentos que tem vindo a
ser rigorosamente cumprido, é de
465 mil euros”, adiantou em comuni-
cado enviado à agência Lusa.
Em relação ao crédito da Seguran-
ça Social, no final de 2016, a SAD ade-
riu ainda ao Programa Especial de
Redução do Endividamento ao Esta-
do (PERES), no qual englobou uma
dívida de 557.035,68 euros, benefi-
ciando dos perdões associados: uma
redução de 10% do valor dos juros de
Os ordenados não mora e de custas.
processados têm Pagar com TV e jogadores
que ver com alguns Para fazer face às dívidas ao Estado
encontraram-se algumas vias criati-
adiantamentos vas. Em Abril de 2016, a administra-
ção da SAD anunciou ter chegado a
feitos a jogadores. um acordo com o fisco através da sua
página oficial na rede social Face-
Têm que ver com book. Para pagar a dívida, que dizia
situações anteriores ser então de aproximadamente 800
mil euros em prestações mensais,
à nossa gestão apresentou como garantia a cedência
de verbas referentes aos direitos tele-
Rui Pedro Soares visivos dos jogos de futebol.
BelenensesSAD “A Autoridade Tributária (AT) acei-
tou o novo contrato de direitos tele-
visivos dos jogos da equipa de futebol
do Belenenses como garantia das dívi-
das fiscais contraídas por administra-
ções anteriores a 2010”, adiantava o
comunicado, no qual se fazia um
pequeno historial do processo.
“Em Agosto de 2011, foi celebrado
um acordo que permitiu o pagamen-
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 3
Empréstimos
da Codecity
A entrada da Codecity Sports
Management (CSM) na
Belenenses SAD, em Dezembro
de 2012, não resultou no
saneamento de uma sociedade
já muito endividada, como era
o desejo do clube. As gestões
de anteriores dirigentes do
emblema de Belém
redundaram num quadro
financeiro insustentável que
precipitou a alienação e a
perda de controlo do futebol
profissional.
Constituída em Novembro de
2012, exclusivamente para a
compra do capital social da
SAD (na qual detém 51,96%), a
empresa de Rui Pedro Soares
não foi capaz de diminuir um
passivo galopante, que
rondava os 10 milhões de euros
por altura da aquisição. Pelo
contrário. Menos de sete anos
depois, a 30 de Junho de 2019,
o passivo situava-se nos 11,409
milhões de euros.
Os montantes injectados pela
CSM e, numa primeira fase,
pela Codecity Players
Investment (CPI) — constituída
em Março de 2012 e destinada
ao agenciamento de jogadores
—, presidida também por Rui
Pedro Soares, a título de
empréstimos, serviram apenas
para manter a SAD em
funcionamento, face à
indisponibilidade da banca em
conceder crédito aos clubes.
Por altura da homologação do
PER, em 2015, foram
reconhecidos créditos a estas
entidades num total de 2,2
milhões de euros: 1,513 milhões
em relação à CSM e 690,5 mil
euros da CPI. Juntos
representavam quase 28% do
total das dívidas da SAD. Um
pouco menos do que os
créditos do Estado: 30%.
Posteriormente àquela data,
houve necessidade de novos
financiamentos da CSM que, a
30 de Junho de 2019, tinha
emprestado à SAD um total
2,425 milhões de euros, para
necessidades de tesouraria.
to desta dívida fiscal (à época mais de
dois milhões de euros) em prestações,
acordo esse que foi escrupulosamen-
te cumprido pela actual administra-
ção. Após a aprovação do PER da Os
Belenenses SAD, em Abril de 2015, e
da sua homologação em Maio de
2015, foi efectuado um pagamento
extraordinário de 825 mil euros em
Novembro de 2015, pelo que aproxi-
madamente 60% do valor inicial da
dívida já foi pago.”
Menos discreto e bastante mais
controverso foi o método de paga-
mento eleito para fazer face às dívidas
ao Instituto de Gestão Financeira da
Segurança Social. No final de 2016, o
Tribunal de Contas (TC) detectou a
realização de contratos sem cobertu-
ra legal da Belenenses SAD (e do Boa-
vista) com a Segurança Social, usando
percentagens de passes de jogadores
de futebol, em 2014.
“A titularidade do passe de um
jogador profissional de futebol não
representa um crédito certo, líquido
e imediatamente exigível (…), já que
o direito de cedência ou transferência
de um praticante desportivo apenas
confere ao seu titular a expectativa de
uma eventual receita”, declarou o TC,
considerando que este tipo de acor-
dos “nunca seriam susceptíveis de
acautelar os interesses da Segurança
Social”.
Em resposta, Carlos Soares, admi-
nistrador da SAD e irmão de Rui
Pedro Soares, assegurou que a ideia
partiu da própria Segurança Social.
“Foi-nos dito que esse era um proce-
dimento que estava a ser usado com
vários outros clubes de futebol”,
explicou.
Aumento da massa salarial
Apesar das reconhecidas dificuldades
financeiras da SAD, que levaram ao
PER, e dos problemas nos processa-
mentos dos vencimentos de alguns
funcionários, a massa salarial conti-
nuou a aumentar nos últimos exercí-
cios. A 30 de Junho de 2019, os gastos
com o pessoal atingiam os 5,049
milhões de euros, dos quais 4,106
milhões eram relativos a encargos
com jogadores.
Na temporada de 2017-18, esta ver-
ba era de 4,504 milhões de euros
(3,680 milhões de jogadores) e no ano
desportivo anterior situava-se nos
3,863 milhões de euros (3,092 milhões
de jogadores).
pcurado@publico.pt
4 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
DESTAQUE
FUTEBOL
Rui Pedro Soares,
o facilitador de negócios
Jogou nas camadas jovens do FC Porto e teve uma ascensão
meteórica na PT, até as ligações ao PS e a José Sócrates
o levarem aos negócios relacionados com o futebol
Paulo Curado
F
oi a jogar à bola que Rui Pedro
Soares entrou no futebol. Nas
camadas jovens do FC Porto,
onde, nos anos de 1980, convi-
veu com jogadores como Sá
Pinto e Rui Jorge. Mas seria
fora dos relvados que ganharia nome
na modalidade, nos negócios do fute-
bol, nos quais se envolveu enquanto
administrador da antiga Portugal
Telecom (PT), na primeira década
deste século. É ele quem negoceia os
patrocínios milionários do antigo
gigante das telecomunicações a Ben-
Æca, FC Porto e Sporting.
Nascido no Porto em 1972, entrou
na PT em 2001, com 29 anos, preci-
sando de mais cinco para chegar a
administrador-executivo, com um
vencimento anual de 1,2 milhões de
euros, segundo contas do Diário Eco-
nómico, a partir da tabela de remune-
rações fornecida pelas empresas do
PSI-20, em 2009.
Henrique Granadeiro, antigo pre-
sidente-executivo da empresa, não se
recorda de como lhe apareceu o
nome do actual responsável do Bele-
nenses, quando elaborava a lista do
conselho de administração em 2006.
“Rui Pedro Soares não foi criação
minha”, garantiu, ao ser ouvido numa
Comissão de Inquérito parlamentar,
em 2010. A sua inÇuência na empresa
aumentou com Zeinal Bava, que subs-
tituiu Granadeiro em 2008.
Em Fevereiro de 2010, o seu nome
salta para os escaparates quando o
jornal Sol o envolve nas escutas do
processo Face Oculta, que investigou
casos de corrupção e outros crimes
económicos envolvendo o sucateiro
Manuel Godinho e o ex-ministro
Armando Vara, entre outros. Em cau-
sa estava uma conversa telefónica
com Paulo Penedos, seu assessor jurí-
dico na PT (e membro da comissão
nacional do PS) sobre a eventual com-
pra da TVI pela empresa de telecomu-
nicações, com o objectivo de ajudar
o primeiro-ministro José Sócrates a
controlar a comunicação social.
Apoiado em outras escutas, o
Ministério Público (MP) acusa Rui
Pedro Soares de corrupção passiva,
acreditando que o gestor comprou,
com dinheiros públicos — através da
empresa Taguspark, na qual era
administrador não executivo em
nome da accionista PT —, o apoio do
ex-futebolista Luís Figo a José Sócra-
tes nas legislativas de 2009. Acabaria
absolvido, em Junho de 2013.
O acórdão diz que os indícios inter-
pretados pela acusação como um
plano orquestrado entre Rui Pedro
Soares e os seus antigos colegas da
administração do parque tecnológico
para beneÆciarem o PS não passaram
disso mesmo: meros indícios.
Início da Operação Marquês
Militante do PS desde a juventude e
apoiante fervoroso do ex-primeiro-
ministro José Sócrates, Rui Pedro
Soares acaba inadvertidamente por
contribuir para o arranque de uma
grande investigação da justiça portu-
guesa, a Operação Marquês.
A 30 de Janeiro de 2012, a emissão
de um cheque bancário de 600 mil
euros a favor da Codecity – Informa-
ção e Comunicação, que Rui Pedro
Soares fundara três anos e meio antes
com a sua mulher, Diana Soares, des-
pertou a atenção das autoridades. O
dinheiro saíra de uma conta do
empresário Carlos Santos Silva, amigo
íntimo de Sócrates e um dos princi-
pais implicados na acusação do pro-
cesso de corrupção que tem o antigo
governante como principal arguido.
A investigação veriÆcou que, no
mesmo dia, grande parte desse
dinheiro seria transferido para outras
duas contas. A SAD do Belenenses
receberia 196 mil euros; a SAD do
Beira-Mar 370 mil euros. Iniciava-se
a Operação Marquês, na qual o casal
Soares não foi constituído arguido.
Apesar disto, o MP considerou sem-
pre estas operações Ænanceiras pou-
co transparentes, segundo revelou o
jornal Observador, em Outubro de
2017. A investigação desconÆava que
a conta da Codecity teria funcionado
como conta de passagem, colocando
reservas sobre a origem do dinheiro
transferido por Carlos Santos Silva.
Mais tarde, ainda de acordo com o
Observador, a PJ receberia uma
denúncia anónima a levantar suspei-
tas sobre o negócio da aquisição dos
direitos de transmissão televisiva dos
jogos da Liga espanhola para Portu-
gal, no Ænal de 2010 e início de 2011.
Como intervenientes, surgiam Rui
Pedro Soares, Carlos Santos Silva, Rui
Mão de Ferro — amigo de José Sócra-
tes, também acusado na Operação
Marquês — e o empresário Miguel Pais
do Amaral.
A operação é complexa, tendo
envolvido uma sociedade denomina-
da Worldcom (que tinha como accio-
nistas os pais do gestor da Belenenses
SAD e era liderada pelo seu irmão,
Carlos Soares) e uma empresa espa-
nhola, a Walton Grupo Inversor, que
viria a deter 35% da Codecity Players
Investment (empresa de agenciamen-
to de jogadores), constituída a 1 de
Março de 2012, liderada por Rui Pedro
Soares. Uma sociedade anónima na
qual Carlos Santos Silva exerceu fun-
ções como vogal da administração até
ao Ænal de Maio de 2020.
A Walton Grupo Inversor, que tinha
como administrador único Rui Mão
de Ferro, entrou no capital da
Worldcom, passando Mão de Ferro a
assumir também a gestão desta socie-
dade. No início de 2011, a Worldcom
fechou acordo com a espanhola
Mediapro para a compra dos direitos
televisivos por três milhões de euros,
acabando por vendê-los em Junho à
Partrouge Media, uma empresa do
universo de Miguel Pais do Amaral,
por 2,7 milhões de euros.
A ideia seria lançar um novo canal
temático de desporto concorrente da
Sport TV, o que não se concretizou. A
investigação acredita que este mon-
tante foi depositado numa conta de
Carlos Santos Silva, no antigo BES,
antecessor do Novo Banco.
Em síntese, a investigação da Ope-
ração Marquês suspeitou que, na rea-
lidade, foram sempre José Sócrates e
Carlos Santos Silva a Ænanciar a com-
pra dos direitos televisivos do cam-
peonato espanhol.
Rui Pedro Soares deu a sua versão
desta operação numa entrevista ao
PÚBLICO, a 20 de Outubro de 2012,
garantindo ter deixado de seguir os
contornos do negócio a partir do
MANUEL ARAÚJO/LUSA
momento em que a Worldcom foi
vendida a Pais do Amaral.
“Foi o meu irmão [Carlos Soares]
quem conduziu o processo. Ele teve
uma reunião com a Mediapro, que
tinha os direitos televisivos da Liga
espanhola, no dia 22 de Dezembro
[de 2010], em Barcelona. Eles coloca-
ram a hipótese de comprar os direitos
da Liga espanhola desde que o negó-
cio fosse realizado até dia 31 de
Dezembro. No dia 23 de Dezembro,
ele voltou e formalizou o negócio. Era
um activo importante.”
“A ideia que tenho é que o eng. Pais
do Amaral foi sempre o comprador
daqueles direitos. Sempre. Foi sem-
pre ele o comprador natural dos direi-
tos, independentemente de ter sido
o meu irmão a negociar”, revelou.
Ainda no âmbito da Operação Mar-
quês, foi revelado que Rui Pedro Soa-
res tentou promover um encontro de
negócios entre Carlos Santos Silva e
Luís Filipe Vieira. Tudo se terá passa-
do em Maio de 2014, quando o presi-
dente do BenÆca manifestou interes-
se em participar num projecto de
construção de milhares de casas na
América do Sul, conduzido pelo
administrador do Grupo Lena.
Depois de várias tentativas falha-
das, devido à agenda preenchida dos

Rui Pedro Soares
nasceu no Porto em
1972, entrou para a PT
com 29 anos e é
militante do PS desde
a juventude
dois empresários, o encontro Æcou
marcado para 21 de Maio, no escritó-
rio de Vieira no Estádio da Luz.
Segundo escutas telefónicas da inves-
tigação, Rui Pedro Soares combinou
com Santos Silva chegarem um pouco
mais cedo, estacionarem os carros na
garagem do recinto e ali acertarem
posições acerca da proposta a levar
ao líder “encarnado”.
Mas a reunião nunca chegaria a
ocorrer porque Vieira disse estar
doente. Não seria marcado mais
nenhum encontro entre os três.
As relações entre Rui Pedro Soares
e Vieira continuaram estreitas, como
já acontecia desde o tempo em que
patrão do Belenenses SAD era admi-
nistrador executivo da PT, com res-
ponsabilidades nos patrocínios ao
futebol. Em Agosto de 2008, a empre-
sa assinou um acordo com os “encar-
nados” no valor anual de seis milhões
de euros, um montante considerável
para a época, que incluía o patrocínio
das camisolas e do Estádio da Luz,
assim como a emissão da BenÆca TV
na antiga MEO.
Já à frente do futebol proÆssional
do Belenenses, Rui Pedro Soares foi
uma peça central na compra dos
direitos de transmissão dos jogos da
Premier League para a BenÆca TV no
início de 2013. O clube da Luz terá
desembolsado perto de 12 milhões de
euros para retirar à SportTV esse
exclusivo durante três temporadas,
que contribuíram para consolidar o
canal do clube como fornecedor de
conteúdos desportivos.
No Ænal de 2015, o gestor foi ainda
fundamental nas negociações para o
acordo multimilionário que o BenÆca
estabeleceu com a NOS. Um contrato
que se prolonga até 2025 e que ren-
derá 400 milhões de euros ao clube
lisboeta.
Antes, no início de 2015, em respos-
ta a acusações do FC Porto – de quem
é adepto confesso, tendo sido home-
nageado com o Dragão de Ouro – de
“vassalagem” ao BenÆca, Rui Pedro
Soares revelou ter ajudado o clube a
comprar o Porto Canal. “Apresentei
os proprietários do canal ao FCP.
Num momento em que o FCP não
tinha condições Ænanceiras para com-
prar o Porto Canal, a Administração
do FCP pediu-me ajuda para o conse-
guir”, contou, garantindo não ter
cobrado pelo serviço “nem um
euro”.
paulo.curado@publico.pt
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 5
600
mil euros foi quanto o Benfica pagou à SAD do
Belenenses, em 2014, para garantir os direitos de
preferência ou opção sobre seis jogadores e uma
percentagem da verba de uma futura venda
Os adiantamentos do Benfica
da sociedade gerida por Rui Pedro relativas a 2015-16, é referido na rubri- quatro jogadores, porque os restantes
Paulo Curado Soares. O juiz acatou os argumentos ca “Adiantamentos de Clientes” que tinham saído, entretanto. É o mesmo
do clube da Luz, que constou da lista- foi recebida uma verba do BenÆca de dinheiro. Nós cumprimos com o Ben-
A
s boas relações entre Rui gem Ænal, mas apenas com 250 mil 365.041,50 euros, “referente ao direi- Æca o acordo que tínhamos assinado”,
Pedro Soares e Luís Filipe euros de créditos, tendo votado favo- to de opção/preferência sobre quatro explicou, assegurando também que
Vieira têm tido reÇexos na ravelmente à aprovação do PER. atletas não exercido”. Não se faz refe- os restantes pagamentos a credores
Belenenses SAD. Ao longo No PER homologado pelo tribunal, rência ao nome dos futebolistas. Este estabelecidos no âmbito do PER
dos últimos anos, a SAD do a dívida do BenÆca surge como “cré- valor repete-se nas contas de 2016-17 “estão absolutamente em dia”.
BenÆca tem investido cen- dito sob condição”, tendo sido atri- e, no exercício de 2017-18, o montante “Eram 100 mil euros por jogador e
tenas de milhares de euros no adver- buídos à sociedade liderada por Luís baixa para 307.405,25 euros, desapa- os 30% da percentagem que o BenÆca
sário lisboeta, por direitos de opção Filipe Vieira apenas 250 mil euros de recendo nas últimas contas aprovadas tinha nos passes era uma garantia no
ou preferência de jogadores que nun- créditos para efeitos de votos na (2018-19). Ao PÚBLICO, Rui Pedro caso de serem transferidos. Se o joga-
ca foram exercidos. Em alguns casos assembleia geral de credores, onde o Soares garantiu que estes valores dor fosse vendido e o BenÆca não
estes negócios assemelham-se a plano seria aprovado por maioria. fazem parte da antiga dívida dos 600 exercesse os seus direitos, devolve-
autênticos empréstimos, como se Já nas contas da Belenenses SAD mil euros. “Passaram a ser apenas ríamos os 100 mil euros”, concluiu.
pode constatar no Processo Especial
de Revitalização (PER) que foi homo-
logado à sociedade.
A 4 de Abril de 2014, as duas SAD
estabeleceram um contrato, no qual
os “encarnados” pagaram 600 mil
euros, a título de antecipação por um
eventual direito de preferência ou de
opção na aquisição dos direitos des-
portivos e uma percentagem (de 30%)
numa futura venda dos direitos eco-
nómicos de seis jogadores do Bele-
nenses: Fredy, Fábio Sturgeon, Filipe
Ferreira, Matthew (Matt) Jones, Ramil-
ton Rosário (Rambé) e Tiago Silva.
Mas, logo no Ænal de Julho de 2014,
menos de quatro meses após o acor-
do e pouco menos de um ano antes
da data limite para os “encarnados”
poderem exercer os seus direitos, a
Belenenses SAD requereu um PER,
em que o BenÆca iria surgir como
credor de 600 mil euros.
“Até à data não foi exercido pela
reclamante [BenÆca SAD] qualquer
dos referidos direitos, não indicando
que tal venha a ocorrer até 30-6-15
[data limite estabelecida entre as duas
SAD para a vigência deste acordo],
razão pela qual a quantia que reclama
será exigível àquela data”, defendeu
o administrador judicial da Belenen-
ses SAD, nomeado pelo tribunal a 30
de Julho de 2017, na apresentação da
primeira lista provisória de credores,
a 2 de Outubro de 2014. Face a isto, os
“encarnados” acabariam por ser
excluídos da segunda listagem.
A decisão foi impugnada pela SAD
do BenÆca, a 20 de Janeiro de 2015,
com a justiÆcação de que o contrato
entre as partes Æcou extinto pela alte-
ração das circunstâncias Ænanceiras
6 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020

ESPAÇO PÚBLICO
A Belenenses SAD, detida por Rui Pedro
Soares, pagou salários a funcionários sem os
processar, num valor que ronda o milhão de
euros no final da época 2018/19, ocultando-os ao
fisco e à Segurança Social. Mesmo assim, estas duas
entidades emitiram as certidões de inexistência de
dívidas necessárias para participar nas competições
de futebol. O comportamento da SAD é grave, já que
havia renegociado com o Estado o pagamento de
Rui Pedro Soares dívidas antigas. (Págs. 2 a 5) J.J.M.
Triste país este que por causa de cerca de
dez mil euros para projectores e sinalética,
que a tutela (Direcção-Geral do Património
Cultural, na dependência da ministra) não liberta, o
Museu do Chiado não possa inaugurar (nem irá
inaugurar) uma exposição com obras de 48 artistas
que entraram para a colecção nos últimos dez
anos. Todo o investimento feito pelo MNAC na
montagem e curadoria se perdeu nos gabinetes.
Graça Fonseca (Págs. 26/27) J.J.M.

Aprender com a dor dos lares

que haja razões de parte a parte. Um
deles poderia ganhar o
braço-de-ferro, mas no Ænal eram os
portugueses que perdiam.
Mas resolver não pode ser
David Pontes esquecer. Como ontem salientava
Editorial Rui Rio, “temos de exigir do
Governo que tudo o que
milhões de euros para o sector social
e a contratação de 15 mil
trabalhadores não passarem com
urgência à fase de concretização.
Como continuaremos a mostrar
escasso poder de aprendizagem, se
não assimilarmos rapidamente que,
durante uma epidemia, os lares não
com recursos escassos, serve para
justiÆcar muita coisa, mas um país
que trata os seus mais frágeis como
tratou em Reguengos de Monsaraz e,
infelizmente, em muitos outros
lares, sem se sobressaltar, antes
preferindo perder-se em
questiúnculas políticas e

A
o Æm de três horas de reunião,
António Costa e Miguel
Guimarães, apareceram
juntos a jurar que todos os
“mal-entendidos” entre
Governo e médicos estão
esclarecidos e a dar por Ændo um
episódio lamentável. É muito bom
que assim tenha sido, porque no
meio de pandemia não nos podemos
dar ao luxo de ter proÆssionais de
saúde e executivo de costas
voltadas, por muito que situações de
tensão sejam naturais e por muito
aprendemos, ao longo destes
meses, possa efectivamente ser
colocado em prática para que em
Novembro possamos combater a
pandemia com uma eÆcácia muito
maior”. E se não aprendemos com
o que se tem passado nos lares, de
onde provêm quase 40% das
vítimas mortais, então não
aprendemos nada.
E teremos aprendido pouco se,
perante o expor das condições
miseráveis de muitos lares, o
anúncio da semana passada de 110
podem continuar a ser tratados
como estruturas residenciais, mas
como a primeira linha dos cuidados
de saúde, exigindo uma melhor
articulação entre os ministérios da
Saúde e da Segurança Social. Mas se
médicos e autoridades de Saúde se
voltarem a envolver em guerras de
competências sobre quem deve ou
não intervir em situações de
urgência como a de Reguengos,
então não queremos mesmo
aprender.
O facto de sermos um país pobre,
corporativas, não é só pobre, é
miserável. É moralmente miserável.
Pois dói, custa muito ver, em vez de
virar a cara como Æzemos tantas
vezes, a situação a que assistência
aos mais velhos chegou. Mas se não
olharmos agora, não aprendemos, e,
se não aprendermos, não mudamos
e um dia destes seremos nós a
estiolar numa cama de um lar
baÆento. Temos de ser melhores
do que isto.
david.pontes@publico.pt

As cartas destinadas a esta secção
devem indicar o nome e a morada
do autor, bem como um número
telefónico de contacto. O PÚBLICO
reserva-se o direito de seleccionar e
eventualmente reduzir os textos não
solicitados e não prestará
informação postal sobre eles.
Email: cartasdirector@publico.pt
Telefone: 210 111 000
CARTAS AO DIRECTOR
Uma questão
fundamental
A apresentação do plano de
recuperação económica para os
próximos dez anos, apresentado
por António Costa Silva, defende a
necessidade de investimento na
ligação de portos e aeroportos
nacionais. Todavia, não realça o
aeroporto de Beja e a sua
importância para o país. E isto, na
minha perspectiva, é uma lacuna
inadmissível que menospreza o
combate à desertiÆcação e à
interioridade e dá asas àqueles que
infelizmente continuam a preservar
uma visão antagónica e põem em
causa o futuro da nossa região e das
gerações vindouras. Porém, como
o Diário do Alentejo referiu numa
das suas últimas edições, para a
ministra da Coesão Territorial, Ana
Abrunhosa, urge políticas e
políticos corajosos e de palavra que
apostem na região alentejana. Uma
questão essencial para todos nós
que tem sido alvo de profundas
contradições no tempo entre o
discurso e a realidade.
Manuel Vargas, Aljustrel
Reciclagem
Nos últimos anos, têm sido muitos
os alertas das organizações
mundiais ligadas ao ambiente sobre
a degradação do meio ambiente,
que decorre do comportamento
humano, e que deveria fazer
reÇectir muitos cidadãos, que
parecem não ter a noção da
realidade catastróÆca que nos
afecta a todos, continuando a ter
atitudes irresponsáveis, embora
muitos outros cidadãos já tenham
adoptado comportamentos cívicos.
Os maus hábitos da sociedade
carecem da implementação de
medidas que possam obrigar os
cidadãos a fazer a sua parte, fazendo
a separação do lixo, em que uma das
soluções seria a criação de
campanhas agressivas de
sensibilização. Independentemente
de cursos académicos,
doutoramentos ou licenciaturas, é
muito mais importante a formação
moral e os comportamentos cívicos
adoptados pelos cidadãos do que ter
canudos que servem apenas de
estatuto em relação aos demais
cidadãos, quando as atitudes dos
mesmos é que fazem toda a
diferença.
Américo Lourenço, Sines
“Pólvora” nos lares
Há umas semanas que o bastonário
da Ordem dos Médicos e os
sindicatos dos médicos
descobriram a “pólvora”. Só agora,
ao Æm de décadas, descobriram a
situação caótica em que se
encontram os idosos nos lares
legais e ilegais deste país. A lei que
os regula não sei quando foi votada
ou elaborada pelos governos, mas
sei que está muito mal feita. Pôr a
assistência médica dos lares a cargo
dos médicos de família é tapar o sol
com a peneira. Eles nem tempo
têm para seguir os seus doentes
quanto mais para orientar lares. As
misericórdias dizem que em alguns
dos seus têm médicos avençados,
mas na prática não chega para o
trabalho que lhes devia ser exigido.
O protagonismo partidário que
estas críticas tomaram é de grande
hipocrisia, porque o problema é
mais velho que a Sé de Braga. Em
vez de berrar e aparecer todos os
dias nas televisões, apresentem na
Assembleia da República uma nova
lei digna para a cobertura sanitária
dos milhares de lares de Portugal.
Depois na votação iríamos ver
quem votaria contra e quem votaria
a favor. Tenho cá um palpite de que
muitos dos indignados de hoje
votariam contra.
José Carlos Palha, Vila Nova de Gaia
 Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 7

A opinião publicada no jornal respeita a norma ortográfica escolhida pelos autores

João Pedro Matos Fernandes
O anúncio de que a provedora nacional dos
Animais será Laurentina Pedroso já está a criar
polémica, não pela escolha, mas porque o
Governo criou um grupo de trabalho para reflectir
sobre questões ligadas ao bem-estar animal e que
tinha entre as suas funções indicar os critérios para a
escolha da pessoa para este cargo. Esse trabalho foi
inútil, já que o ministro do Ambiente fez o anúncio e
agora o bastonário dos Veterinários ameaça
abandonar o grupo de trabalho. (Pág. 16) J.J.M.
Ser jornalista é, em alguns países, uma
profissão de alto risco, sobretudo quando se
denuncia casos de corrupção envolvendo
altas figuras ligadas ao poder, como familiares do
Presidente. Hopewell Chin’ono é jornalista no
Zimbabwe e por causa da sua investigação está
preso. Oficialmente está acusado de promover
manifestações contra o Governo. Nada de novo: é
uma das formas de silenciar os jornalistas quando
Emerson Mnangagwa “incomodam”. (Pág. 24) J.J.M.

ESCRITO NA PEDRA
Um ponto
Odiar as pessoas é como atear fogo à casa,
a fim de se livrar de um rato pouco final
H. E. Fosdick (1878-1969), pastor protestante

SEM COMENTÁRIOS PROTESTOS NOS ESTADOS UNIDOS CONTRA MAIS UM CASO DE VIOLÊNCIA POLICIAL
STEPHEN MATUREN /REUTERS

Miguel Esteves Cardoso

Ainda ontem

EM PUBLICO.PT
Fotografias de vida selvagem
que ajudam quem a preserva
Até hoje pode comprar uma fotografia de
vida selvagem para apoiar comunidades de
11 países africanos dificuldades devido à
pandemia publico.pt/p3
Da lua-de-mel aos Jogos
Olímpicos
Há meses que este casal de japoneses
está retido em Cabo Verde. No regresso,
vão ajudar a delegação olímpica daquele
país a sentir-se em casa publico.pt/fugas
E
Menina de cinco anos é
resgatada na Grécia numa bóia
A criança foi levada por uma corrente e
resgatada por uma embarcação. Estava a
flutuar numa bóia e com braçadeiras
postas publico.pt/impar
is um tweet de Rhiannon Lucy
Cosslett que ela depois apagou:
“Pessoas mais velhas:
compreenderão que acabar uma
frase com um ponto Ænal num
email/chat é lido como abrupto e
antipático (unfriendly) pelas
pessoas mais novas? Estou
genuinamente curiosa.”
Bem sei que ainda é Agosto e
que todas as oportunidades para nos
indignarmos são bem-vindas. É tentador
preencher esta crónica com um elogio ao
ponto Ænal que eu adoro e ao qual devo
muito.
Não faltam para aí lamentos chorudos e
denúncias estridentes sobre a ligação entre o
desuso do ponto Ænal e o Æm da civilização.
Não será por aí que eu irei. Pelo contrário: a
curiosidade de Cosslett parece-me não só
genuína como saudável.
A pior coisa que pode acontecer à
pontuação não é a mudança, é a indiferença.
Aquilo que aconteceu, por exemplo, no
declínio acelerado do ponto e vírgula e do
ponto de exc++ão dos seus signiÆcados.
Caíram simplesmente em desuso,
considerados excessivos por uma
sensibilidade cada vez mais monocórdica e
simpliÆcada.
Cosslett não estava a querer extinguir o
ponto Ænal — estava a querer redeÆni-lo de
acordo com a maneira como é usado por
gerações diferentes. É um objectivo
tradicional, interessante e útil.
Se em mails, SMS e chats o período Æcar
com pontuação violenta, de poucos amigos,
então poderemos usá-lo como tal. Convém
sempre relembrar Wittgenstein: o signiÆcado
(duma palavra, dum ponto de Ænal) é a
maneira como se usa. Isso e o facto de as
pessoas mais velhas morrerem mais
depressa.
8 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
ESPAÇO PÚBLICO
A Igreja não diz nada da apropriação
que lhe faz a extrema-direita?
Maria João Marques
Há setores católicos prenhes
de vontade de tornar o
aborto no único assunto da
política, promovendo uma
política económica egoísta e
ódio a tudo o que é diferente
H
á anos, a propósito de uma
qualquer diatribe minha com os
aÆcionados do
ultraconservadorismo católico,
um amigo jesuíta lembrou-me o
dito popular entre os espanhóis:
quando queriam confessar um
pecado sexual, iam aos jesuítas;
quando se tratava de um pecado
social ou económico,
confessavam-se à Opus Dei. Parecendo que
não, é uma boa caricatura do mundo atual
no que toca ao catolicismo.
A parte conservadora da Igreja obceca
com a vida sexual alheia, com os gays, os
transexuais (desconÆo que têm pesadelos
todas as noites com a ideologia de género),
as mulheres não castas, os contracetivos e,
acima de tudo, o aborto. Pobreza,
exploração de recursos do planeta (que,
aÆnal, é criação divina para católicos
preservarem), racismo, exclusão dos mais
vulneráveis, desigualdades sociais? Nada
disso interessa. Pessoas por aí a fornicar
fora do sacramento do matrimónio é que é
grave.
A parte progressista da Igreja, mesmo se
mantém a moral sexual, não lhe dá maior
relevância. Como os espanhóis bem
atestam, as penitências por escapadelas
sexuais nas ordens mais progressistas são
deveras leves. Já questões de exclusão
social, pobreza, doença, abusos do
capitalismo desregulado, refugiados,
atentados ambientais e todos estes temas
quentes sociais e económicos merecem
grande atenção.
Este conservadorismo católico cai que
nem uma luva na nova direita que se
consolidou nos últimos anos. Negacionista
das alterações climáticas com causa
humana, tem as guerras culturais contra a
modernidade como cimento estruturante,
endeusamento do capitalismo desregulado,
ataque ao Estado social, recusa absoluta de
intervenção para corrigir injustiças e
distorções e discriminações de longa
duração (sejam sexuais, raciais, de classe
social). O ódio e a vontade de exclusão dos
diferentes, o dogmatismo. Tudo igual.
Até na incapacidade de conceber
posições moderadas — considerando-as
JONATHAN ERNST/REUTERS
imagética e referências católicas. Já se deu
como uma espécie de quarto pastorinho de
Fátima, escolhido por Nossa Senhora. No
Twitter declarou querer ter todas as igrejas
com ele. É frequente, nos mais ativos
apoiantes do Chega das redes sociais,
muitos deles da estrutura do partido,
garantirem-se devotos católicos, lá pelo
meio de publicações de ostensivo incentivo
ao ódio aos mais variados e numerosos
grupos, que são gente possuidora de uma
grande manancial de rancor a distribuir por
muitos lados — gays, transexuais,
feministas, socialistas, ciganos, imigrantes,
negros, refugiados, comunistas,
moderados, a lista é quilométrica. A
linguagem religiosa, sempre afastada da
retórica política desde que tenho idade para
me lembrar, é um recurso usado e abusado
por esta direita extremista.
O italiano Salvini costuma enfeitar-se com
cruciÆxos ostensivamente grandes e
apresenta-se como um defensor da
cristandade contra a invasão dos bárbaros
maometanos. Na Polónia e na Hungria, a
direita baseia grandemente as suas ideias
políticas na supressão de direitos das
mulheres e dos gays, de acordo com a moral
como a papel químicos do extremo oposto homem que poderia deitar abaixo o Papa católica mais conservadora.
— são semelhantes. Aconteceu-me e Francisco. Regressando à infelicidade Trump, na
acontece-me. Católicos ultraconservadores Que Bannon pretendesse reforçar os semana passada descreveu a crise da covid
passaram anos a setores conservadores católicos era como um teste que Deus lhe fazia. Uma
gritar-me, a cada vez esperável. Já que bispos, religiosos e espécie de castigo bíblico: foste tão
que opinava sobre teólogos católicos, de qualquer inclinação, bem-sucedido economicamente, Æcaste tão
temas de religião e acolhessem alguém com as ideias e o orgulhoso, que agora te castigo e terás de
sexualidade, que percurso de Bannon, é problemático e fazer novamente as tuas maravilhas na
não sou católica mas reÇete muito mal para a Igreja. A ex-mulher economia. Um bispo católico americano,
Conheço vários protestante. A nova acusou-o de violência doméstica, tem atrás Rick Stika, atacou no Twitter Joe Biden e
católicos no direita dá-me como
marxista — porque
de si indícios de antissemitismo, promove
ideologia da mais absoluta falta de caridade
apoiou Trump como aceitável líder
antiaborto. A Kamala Harris menorizou-a
processo de não lhes compro as para os semelhantes (amor ao próximo, como “sidekick”, mera ajudante. (Ah, o
radicalização guerras culturais toca algum sino?), pretende isolacionismos sexismo.)
nem construo nacionalistas (quando a Igreja é universal e Que há setores católicos prenhes de
infelizmente templos garantindo universalista), aplaude construção de vontade de tornar o aborto no único
comum em que os mercados muros e prisão traumática de crianças assunto da política, promovendo uma
pessoas de nunca erram.
Donde, não me
migrantes. Só nos últimos dias Bannon foi
preso por suspeitas de apropriação de
política económica egoísta, bem como ódio
a tudo o que é diferente e inovador — não
direita. Mas espantei quando fundos, porém já havia abundante matéria tenho dúvidas. Conheço vários católicos no
causa-me comecei a ler da
proximidade entre
para se considerar um crápula sem
escrúpulos.
processo de radicalização infelizmente
comum em pessoas de direita. Há vinte anos
estranheza que Steve Bannon e os E, no entanto, partes da Igreja aceitavam Guterres como um político catita;
a porção sinistros setores associaram-se-lhe. presentemente partilham a propaganda dos
mais conservadores Não é caso singular. Antes das eleições mais populares sites de fake news de
progressista da da Igreja que europeias do ano passado, o patriarcado extrema-direita.
Igreja não reaja organizam a publicou um quadro informando os Æéis Mas causa-me estranheza que a porção
mais a estas resistência ao Papa
Francisco. Os media
dos partidos que, dizia, mais defendiam a
vida. Declaração de apoio pouco subtil a
progressista da Igreja não reaja mais a estas
investidas. O Papa Francisco, aÆnal,
investidas americanos — com esses partidos. Entre eles, o Chega. O também é dado como marxista por esta
aquela ingenuidade quadro foi apagado depois de gerar turba. No Æm de semana, o Papa tuitou
americana que vê de polémica, mas Æcou à vista que há, no pedindo que se parasse de usar o nome de
forma insuÇada o patriarcado, quem queira entrar na Deus para disseminar ódio e extremismo.
poder dos seus discussão partidária. E não se se incomode, Porém só o Twitter e só Francisco é
nacionais — até recomende, ideologias como a do poucochinho.
apresentavam Chega.
Bannon como o O líder deste partido repetidamente usa Economista. Escreve à quarta-feira

Aqui Trump
não se safava
Manuel Soares
E A
ntre o divertido e o preocupado,
acompanho à distância as peripécias
do exótico Presidente Trump,
especialmente a batalha judicial em
que está envolvido por se recusar a
entregar a sua declaração Æscal ao
Congresso dos Estados Unidos e a
um Grand Juri de Nova Iorque (órgão
judicial que decide se há matéria
para julgamento criminal). Vale a
pena recordar a cronologia: em 2011,
prometeu que revelaria os documentos
quando Obama mostrasse a certidão de
nascimento e provasse que é americano; em
2014, acusado de não cumprir a promessa,
disse que só o faria se fosse candidato a
presidente; em 2016, em plena campanha
eleitoral, continuou a empatar dizendo que,
aÆnal, era preciso esperar pelo Æm da
auditoria Æscal a que estava a ser sujeito; em
2017, já eleito, quando se soube que as
auditorias de rotina a que estão sujeitos todos
os Presidentes não impedem a divulgação das
suas declarações Æscais, mudou de agulha
outra vez para dizer que talvez (sublinho o
talvez) entregue os documentos quando
deixar de ser presidente; em 2020, à beira de
nova eleição, apesar dos tribunais já terem
decidido que Trump pode ser intimado a
entregar os documentos Æscais, os seus
advogados emperram o mais possível o
processo com mil e um pretextos e
argumentos jurídicos inÆndáveis. Uma
anedota sobre o ridículo político: um
Presidente/candidato a lutar nos tribunais
para impedir que o público e as autoridades
que o podem responsabilizar tomem
conhecimento da sua situação Æscal; um
Presidente/candidato que, segundo
investigações do New York Times, não terá
pago impostos durante 18 anos e terá criado
um esquema para fugir ao Æsco — coisa de
pouca importância pública, como se vê.
Os americanos foram os primeiros a chegar
à Lua mas em muitos aspectos ainda precisam
de aprender a voar melhor. Desconheço os
pormenores da legislação americana, mas é
evidente que a situação contraria valores
internacionalmente estabelecidos,
nomeadamente na Convenção das Nações
Unidas Contra a Corrupção, que estabelece o
princípio do conhecimento público dos
rendimentos e património dos titulares de
cargos políticos como instrumento de
transparência e responsabilidade e de
prevenção do enriquecimento ilícito e da
corrupção no sector público.
Portugal tem nesta matéria legislação bem
robusta e alinhada com as exigências de
reforço de transparência e com o programa
global de combate à corrupção e
branqueamento de capitais das Nações
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 9
ESPAÇO PÚBLICO
Era uma vez
um lar
Unidas, União Europeia, Conselho da Europa colegas lá viram e viveram. Sei do cheiro a
e Organização para a Cooperação e Carmen Garcia urina, dos idosos só de fralda, do calor
Desenvolvimento Económico (se a legislação abrasador e da falta de condições. Mas
“funciona” é outra conversa que não cabe Fundação Maria Inácia Vogado também sei que é ainda mais importante que
agora aqui). Recentemente, a Lei 52/2019, de Perdigão Silva, em Reguengos de nos façamos ouvir agora, enquanto
31 de Julho, estabeleceu um regime ainda mais Monsaraz, foi o primeiro lar onde sociedade, para mudar de uma vez por todas
apertado de limitações ao exercício de entrei na vida, era ainda aluna de o paradigma de muitos lares deste país.
funções por titulares de cargos políticos e altos Enfermagem. Lembro-me dos Não vou cair no caminho fácil do “se fossem
cargos públicos e de obrigações de declaração tectos altos do edifício, da cães estava toda a gente indignada”, porque,
e publicitação dos rendimentos, património e simpatia da funcionária que nos além de ser um argumento vazio, me parece
interesses, incluindo o recebimento de ofertas recebeu, vestida com uma bata falacioso. Eu também me preocupo com os
e hospitalidades, e respectivo regime azul e branca aos quadradinhos, cães. E isso não quer dizer que não me
sancionatório. Com a nossa lei, Trump nunca e de uma sala de convívio que me preocupe com os idosos. Ou com as crianças.
ousaria recusar uma intimação para entregar pareceu gigante. Infelizmente as recordações Preocupo-me com todos aqueles que, sendo
documentos Æscais ao Parlamento ou ao boas terminam aqui. E começa o cenário frágeis, temos obrigação de proteger. E
tribunal. E mais, a pressão social seria tão dantesco. preocupo-me ainda mais quando percebo
intensa que não sobreviria politicamente a O meu estágio, note-se, não era na que falhamos.
tamanho desplante. Não fomos à Lua, mas fundação. Mas eram as enfermeiras do centro Reguengos pode servir como bode
nisto estamos mais à frente. de saúde da cidade que lá se deslocavam para expiatório, mas está longe de ser caso único.
A lei aprovada há um ano introduziu ainda fazer as dezenas de pensos diários. E, quando Pensem nos lares que conhecem, pensem em
outro mecanismo reforçado de transparência entrei numa camarata imensa, cheia de quantos deles têm quartos individuais, em
e Æscalização pública que não é comum na senhoras idosas acamadas, quase todas quantos respeitam a sabedoria dos idosos,
maior parte dos países: juízes e procuradores demenciadas e profundamente emagrecidas, em vez de os infantilizar, pensem naquelas
do Ministério Público nem fui capaz de perceber por que é que ali salas de estar que
passam também a cheirava tanto a morte e a decomposição. Só parecem
apresentar quando começámos a destapar as feridas que antecâmaras da
declaração de lhes cobriam os corpos, literalmente da morte… E as
rendimentos, cabeça aos pés, é que percebi que tinha imobilizações? Já
património e acabado de me confrontar, pela primeira vez, pensaram sobre isso?
Com a nossa lei, interesses. A com o lugar onde a dignidade termina. Como aluna de Todos os estudos
Trump nunca mudança não sofre Como aluna de Enfermagem, ainda com Enfermagem fiz apontam que as
contestação e insuÆciente sentido crítico, Æz o melhor que imobilizações não
ousaria recusar ninguém vai consegui. Num esforço hercúleo para não o melhor que reduzem de forma
uma intimação certamente armar-se fugir, franzi o sobrolho em concentração, consegui no lar signiÆcativa o
para entregar em Trump para
tentar fugir às
coloquei um bocadinho de creme perfumado
debaixo do nariz, tal como a minha de Reguengos. número de
acidentes, mas,
documentos obrigações. Porém, orientadora tinha feito, e uma máscara. E E sabem qual é ainda assim,
fiscais. Não há aspectos que têm
de ser agora
depois passámos horas a fazer pensos.
Tudo isto que vos conto aconteceu em
o verdadeiro continuamos a ver
em todo o lado
fomos à Lua, cuidadosamente 2009 e suponho que, ao longo destes 11 anos, problema? idosos presos a
mas nisto regulamentados muita coisa tenha mudado. Só que É que este lar camas, cadeirões e
porque o regime de aparentemente não mudou o suÆciente. E cadeiras de rodas.
estamos publicidade das sabem qual é o verdadeiro problema, muito está longe de Parece-me que é
mais à frente declarações aplicável maior que qualquer trica política? É que este ser caso único altura, enquanto
aos titulares de lar está longe de ser caso único. sociedade, de
cargos políticos e Contei há dias, na minha página pessoal de levantarmos a voz e
altos cargos públicos Facebook, que no início da minha carreira de exigirmos respeito
não pode ser igual ao comecei a fazer umas horas num lar de onde e dignidade para com
de um juiz. Não é acabei por me despedir após ser repreendida aqueles que nos
comparável a aos gritos porque, num dia quente de Agosto, deram a vida. É altura
situação de quem coloquei protector 50+ no rosto de um idoso de não nos calarmos,
exerce uma função proÆssional, com de 80 anos que andava a trabalhar na horta. de denunciarmos, de
exclusividade remuneratória absoluta e Aparentemente e segundo me gritaram, o não deixarmos
vitalícia, durante mais de 40 anos, com a do protector era demasiado caro para ser passar, de pressionarmos a Segurança Social
deputado ou governante, que vai utilizado assim. Ainda estou para perceber o para que faça inspecções surpresa e para que
transitoriamente para a política, durante 4 ou que raio seria este “assim”, mas nesse dia não feche mais os olhos.
8 anos, e depois regressa à sua actividade percebi que, nestes casos, não pode existir A minha avó, que felizmente esteve sempre
proÆssional normal ou vai trabalhar para o um “se não os podes vencer, junta-te a eles”. em casa connosco, dizia muitas vezes: “Filho
conselho de administração de uma grande A única solução, quando não conseguimos és, pai serás, como Æzeres assim
empresa que acabou de tutelar. Qualquer mudar as más práticas, é vir embora e encontrarás.” E eu acho que podemos
pessoa percebe as diferenças. denunciar. Mesmo que as denúncias caiam adaptar esta frase para um “novo és, velho
quase sempre em saco roto. serás”. Para que Reguengos não se repita.
Presidente da Direcção da Associação Sei que é importante que no caso de Nunca mais.
Sindical dos Juízes Portugueses. Reguengos se apurem responsabilidades.
Escreve quinzenalmente à quarta-feira Também sei as coisas terríveis que os meus Enfermeira, autora de A Mãe Imperfeita
10 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
POLÍTICA
África na agenda da Defesa na
presidência portuguesa da UE
Em Março, em Lisboa, haverá uma reunião com a nova administração dos Estados Unidos da América,
“seja ela qual for”, anuncia o ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho
União Europeia
Nuno Ribeiro
A presidência rotativa do Conselho
da União Europeia (UE) tem na agen-
da, a nível das políticas de Defesa, as
relações com África, incluindo a
actual situação de ingerência no Nor-
te de Moçambique.
“Queremos fazer uma reunião dos
ministros da Defesa da UE com o Con-
selho de Paz e Segurança da União
Africana, queremos trazer os minis-
tros a Lisboa para reÇectir sobre as
missões europeias em África e as
zonas do continente em que há insta-
bilidade”, aÆrma, ao PÚBLICO, o
ministro da Defesa Nacional, João
Gomes Cravinho.
A meses do início da quarta presi-
dência rotativa portuguesa, que
arranca em Janeiro do próximo ano,
Gomes Cravinho tem este aspecto
bem trabalhado com a Alemanha e a
Eslovénia, países que, respectivamen-
te, antecedem e sucedem ao semestre
da presidência portuguesa.
“Moçambique é um país incontor-
nável, as dinâmicas que o afectam
não são locais são gerais, vão do Cor-
no de África ao Congo, fazendo a liga-
ção com o Sahel, observa o titular da
Defesa. “As organizações regionais
têm experiência na formação das For-
ças Armadas de Moçambique”, refe-
re. “Nós estamos disponíveis para
prestar uma formação especíÆca, que
vai depender do que os moçambica-
nos quiserem”, salienta.
A 17 de Agosto, Moçambique assu-
miu a presidência da Comunidade de
Desenvolvimento da África Austral
(SADC) e celebrou-se a 40.ª cimeira
da organização com a situação de
Cabo Delgado bem presente.
Contudo, o Governo de Filipe Nyu-
si aÆrma que a única ajuda interna-
cional que tinha pedido até agora era
à Tanzânia para que vigiasse melhor
as suas fronteiras. E o seu ministro da
Defesa, Jaime Neto, foi claro: “O Esta-
do moçambicano ainda continua
forte para combater o terrorismo em
Moçambique. Neste momento, o
apoio que solicitamos é a vigilância
nas fronteiras para não deixar entrar
bandidos no nosso território.”
Estas posições levam Portugal à
RUI GAUDÊNCIO
prudência. Só avançará se for convi-
dado, embora a situação de Cabo
Delgado não possa ser isolada da cres-
cente preocupação sobre o Sahel. A
relação da UE com África é a segunda
área prioritária da presidência portu-
guesa em termos de Defesa. A primei-
ra é a segurança marítima no Atlânti-
co e no golfo da Guiné.
Assim, a 17 e 18 de Setembro, Josep
Borrell, Alto Representante da UE
para os Negócios Estrangeiros e a Polí-
tica de Segurança, vai estar ao lado de
Gomes Cravinho na República Cen-
tro-Africana na posse do brigadeiro-
general Nunes de Abreu à frente da
missão militar da UE naquele país.
“Há preocupação em relação ao
Sahel”, admite o ministro. “Também
com a Mauritânia, o Chade, o Burkina
Queremos trazer
os ministros
a Lisboa para
reÅectir sobre as
missões europeias
em África
João Gomes Cravinho
Ministro da Defesa
Faso e o Níger. A região tem de ser
encarada com um todo”, insiste.
É um terreno perigoso, de tráÆcos
vários — de droga, seres humanos,
armas — que Ænanciam as actividades
de grupos como a Al-Qaeda no Magre-
be, cujos tentáculos penetram no
continente africano e incentivam o
jihadismo às portas da Europa.
É, pois, uma questão fulcral. “Há
uma centralidade do Sahel para a
Europa no seu todo. A Estónia ou a
Chéquia, países do Norte e Centro
europeu sem grande tradição africa-
na, já entenderam que a sua seguran-
ça depende da estabilidade naquelas
zonas”, exempliÆca.
Outro tanto acontece no Mediter-
râneo. “A situação na Líbia é de
grande volatilidade, e envolve vários
actores, nomeadamente a Rússia e
Gomes Cravinho explica as prioridades da presidência portuguesa a Turquia”, refere.
Entre as quatro principais priorida-
des da presidência portuguesa a ter-
ceira é a relação da UE com a Aliança
Atlântica. “Um dos elementos cen-
trais da política externa portuguesa é
que a consolidação da ideia de defesa
europeia tem de ser feita com a
NATO”, aÆrma. “Queremos, na nossa
presidência, articular no plano polí-
tico de forma mais intensa, pelo que
vamos ter em Lisboa, a 2 e 3 de Março
de 2021, uma reunião com a nova
administração norte-americana, seja
ela qual for”, anuncia.
Resiliência e resposta
No âmbito da criação de uma iden-
tidade europeia de defesa, a quarta
e última área do programa da presi-
dência de Lisboa, há optimismo.
“Acredito que haja novidades, é
uma das nossas prioridades reforçar
a capacidade europeia de defesa
pela consolidação da indústria de
defesa”, diz.
“O Fundo Europeu de Defesa
arranca na nossa presidência, vamos
tentar reduzir os 47 projectos da Coo-
peração Estruturada Permanente e
articular com o Fundo Europeu de
Defesa”, assinala. Para tanto, vai
decorrer no Porto uma reunião com
pequenas e médias empresas (PME)
portuguesas apostando na aplicação
da inteligência artiÆcial e robótica.
Depois de no plano de António Cos-
ta Silva haver referência à importân-
cia para Portugal de um cluster de
defesa, é óbvia a articulação deste
objectivo com a defesa europeia.
“Podem beneÆciar da liderança do
Estado para ajudar a abrir portas no
plano europeu”, antevê.
Novidade dos tempos da pandemia
foi a intervenção das Forças Armadas
de vários países na crise de emergên-
cia social e sanitária. “Durante a pre-
sidência vamos estabelecer a ligação
com o mecanismo europeu de pro-
tecção civil que não tinha prevista a
utilização de meios militares para
urgências civis”, aÆrma Cravinho.
“Aprendemos com a pandemia a pos-
sibilidade de empregar meios milita-
res de outros países, o lema adoptado
entre nós e os alemães é resiliência e
capacidade de resposta”.
nribeiro@publico.pt

Rui Rio pode
ganhar!
Opinião
Miguel Pinto Luz
Pela primeira vez em anos, o PSD
tem uma real possibilidade de
vencer as autárquicas. O PSD pode
ter mais votos, mais mandatos e
mais câmaras e Rui Rio será o
protagonista merecido dessa
remontada eleitoral.
Olhemos para as três dinâmicas
críticas para a vitória — a interna, a
local e a nacional.
A dinâmica interna. O PSD está, e
bem, paciÆcado desde as diretas de
janeiro. E, como não podia deixar
de ser, o presidente do partido tem
tido toda a amplitude política para
implementar a sua agenda. Ao
contrário do PS, entregue a uma
nada surda guerra pela sucessão, o
PSD é hoje um partido tranquilo.
A dimensão local. A pandemia
foi o teste do algodão à capacidade
de resposta do poder local. Muitos
autarcas sucumbiram. Outros
superaram-se. Alguém consegue
lembrar-se de algum presidente de
câmara socialista que tenha
marcado pela diferença, que tenha
antecipado riscos e cenários, que
tenha ido além do Governo na
proteção das suas populações? Eu
não consigo recordar nenhum.
Em sentido contrário, Carlos
Carreiras, Salvador Malheiro e Rui
Moreira (um independente) estão
no grupo dos líderes que deixaram
uma marca impressiva, positiva e
duradoura nas suas comunidades.
Acrescentemos Miguel
Albuquerque, no Governo Regional
da Madeira, e compreendemos
quão contrastante, pela
competência e pela coragem, é a
liderança do PSD no poder local e
regional.
O PS tem a vantagem importante
de ter vários autarcas no Æm de
primeiro e segundo mandatos. Em
politiquês, gente próxima da
reeleição. Mas a verdade é que os
estrategos socialistas têm muitas
razões para estar (e estão)
preocupados. Câmaras como
Lisboa, Sintra, várias capitais de
distrito e centros demográÆcos
importantes estão no lote dos
resultados tremidos para os
socialistas. Com candidatos fortes,
ideias mobilizadoras e alianças
certas, o PSD tem condições para
virar dezenas de câmaras.
A dimensão nacional. Rui Rio
colocou o país acima do partido e
teve uma gestão do processo covid
que o credibilizou; em sentido
contrário, António Costa tem
acumulado diÆculdades. Portugal
viu-se enterrado pelo PS na lista de
destinos inseguros para viajar e,
para piorar, o recuo do nosso PIB, é
o maior em toda a Europa apenas
superado pela Espanha; os
ministros sucedem-se em
declarações infelizes,
desconhece-se o que será o
regresso às aulas, enÆm um sem-
-número de problemas que
António Costa se tem esforçado em
resolver sem, contudo, não deixar
de se desgastar, assim evidenciam
os últimos números identiÆcados
pelas sondagens.
Todavia, se existem as condições
necessárias para a vitória, é
importante também que se
trabalhe para a mesma. O discurso
da rentrée política de Rio será por
isso o momento ideal para dar um
sinal sobre qual é a proposta
política com que o PSD se propõe
mobilizar o país. Que agenda irá
defender? Qual é o espaço que uma
social-democracia moderna deve
ocupar no contexto nacional e
europeu? Quais são as prioridades
que Portugal deve eleger para
ultrapassar os próximos anos? Que
escolhas vai Rui Rio fazer para
enfrentar o desaÆo das
autárquicas? O país estará atento
como há muito tempo não estava.
Os portugueses vão querer
entender se Rui Rio é o homem que
a emergência social e económica
que se vive (e que se vai viver) em
Portugal exige.
Rui Rio e eu divergimos muito,
sem que nenhum de nós seja mais
social-democrata do que o outro.
Registámos, aliás, essas diferenças
de opinião num tempo e num lugar
próprios. Travámos, separados, a
luta por diferentes ideias para o
nosso partido e para o país.
Travaremos, contudo, sempre que
possível, o combate pela aÆrmação
de um projeto mobilizador do PSD
a favor de Portugal.
Engenheiro e autarca do PSD
Breves
Literatura
Presidente visita
feiras do Livro de
Lisboa e do Porto
Este ano, tal como avisou logo
em Abril, Marcelo Rebelo de
Sousa não patrocinará a
organização da Festa do Livro
em Belém, que se realiza
desde o primeiro ano do seu
mandato, em 2016. Por causa
da pandemia de covid-19, os
jardins do palácio não
receberão, em Setembro, nem
as bancas de livros, nem os
visitantes, os debate ou os
concertos que costumam
estar associados à iniciativa.
Apesar disso, o Presidente da
República já fez saber que
estará presente na abertura da
90.ª Feira do Livro de Lisboa,
amanhã, e na do Porto, na
sexta-feira. Este ano, os dois
eventos realizam-se em
simultâneo e decorrem até ao
dia 13 de Setembro.
Parlamento
Chega quer obrigar
beneficiários do RSI
a trabalhar
O deputado André Ventura
assina uma resolução que deu
entrada no Parlamento nesta
semana, na qual defende o
reforço da fiscalização da
atribuição do rendimento
social de inserção (RSI) e a
“implementação de um
programa obrigatório de
trabalho para beneficiários do
RSI”. Ventura justifica estas
recomendações com a ideia
de que o RSI está a criar
“subsidiodependência em
algumas comunidades e
minorias étnicas — como a
comunidade cigana —
perpetuando a dependência
do Estado, do erário público, e
desincentivando uma
integração plena na
comunidade através do
trabalho e de uma justa
contribuição fiscal”, lê-se no
diploma.
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 11
POLÍTICA
Técnicos de eventos
pedem audiência
a Marcelo
o grave problema de liquidez que
Crise enfrentam”.
No texto, recordam o protesto de
11 de Agosto, no Terreiro do Paço, em
“É a única voz que nos
resta”, proclama a Lisboa, onde depositaram as caixas
associação que representa
em que normalmente transportam
o equipamento. “Ficámos em silên-
o sector e que descreve cio durante duas horas, num apelo
uma situação complicada para que não nos deixem cair no
silêncio para sempre. A nossa situa-
A Associação Portuguesa de Servi- ção é, de facto, desesperante.”
ços Técnicos para Eventos (APSTE) Os responsáveis da associação
enviou uma carta ao Presidente da revelam que o sector sofreu quebras
República, Marcelo Rebelo de Sou- de actividade na ordem dos 80% e
sa, a solicitar uma audiência com que 93% das empresas associadas
carácter de urgência para dar a não despediram até à data, mas 60%
conhecer a situação muito compli- recorreram ao layoè e 56% não têm
cada que atravessam as empresas dinheiro para pagar os salários de
do sector. Agosto e Setembro.
Segundo a APSTE, a missiva é Depois de não ter tido respostas
“um grito de mais de um milhar de do Governo, a APSTE justiÆca o pedi-
postos de trabalho, um grito de pro- do de audiência a Marcelo. “É a voz
Æssionais que querem trabalhar, que nos resta, é aquele a quem nos
mas que sabem que a retoma não falta recorrer depois de todas as por-
pode ser realizada de forma apres- tas fechadas, porque conÆamos no
sada, ao mesmo tempo que não têm seu humanismo e no seu compro-
à vista qualquer solução, da parte misso para com todos os portugue-
de nenhuma instituição estatal, para ses e portuguesas.” PÚBLICO
PUBLICIDADE
AVISO
1. Nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 47.º da Lei n.º 19/2012,
de 8 de maio, torna-se público que a Autoridade da Concorrência recebeu, a
2020-08-21, uma notificação de uma operação de concentração de empresas,
apresentada ao abrigo do disposto no artigo 37.º do referido diploma.
2. A operação de concentração em causa consiste na aquisição, pela Ventient
Energy S.à.r.l. (Ventient), através de uma sociedade veículo (SPV) atualmente em
constituição (que será detida e controlada pela Ventient) do controlo exclusivo da
Portugal Renewable Energy – PTRW Unipessoal, Lda. (PTRW), bem como das suas
subsidiárias, todas empresas ativas no sector da produção de energia elétrica.
3. As atividades das empresas envolvidas são as seguintes:
• Ventient – empresa ativa no mercado da produção de energia elétrica,
nomeadamente, através de quatro Parques Eólicos em Portugal, com 190.9 MW
de capacidade instalada.
• PTRW – empresa ativa no mercado da produção de energia em Portugal, detendo
31 Parques Eólicos que representam um total de 726 MW de capacidade instalada.
4. Quaisquer observações sobre a operação de concentração em causa, devem
identificar o interessado e indicar o respetivo endereço postal, e-mail, n.º de
telefone e fax.
Se aplicável, as observações devem ser acompanhadas de uma versão não
confidencial, bem como da respetiva fundamentação do seu caráter confidencial,
sob pena de serem tornadas públicas.
5. As observações devem ser remetidas à Autoridade da Concorrência, no prazo
de 10 dias úteis contados da publicação do presente Aviso, indicando a referência
Ccent. n.º 23/2020 – Ventient/PTRW, e pelos seguintes meios: e-mail ou via postal
para o endereço abaixo indicado.
Autoridade da Concorrência
Avenida de Berna, 19
1050-037 Lisboa
E-mail: adc@concorrencia.pt
12 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
POLÍTICA
Reunião entre António Costa e Miguel Guimarães, entre outros, durou três horas
Primeiro-ministro espera que
todos os “mal-entendidos” com
médicos “estejam esclarecidos”
Polémica
Sofia Rodrigues
Antes da reunião, o
bastonário dos médicos
disse ao PÚBLICO que
queria acabar com o clima
de tensão dos últimos dias
O primeiro-ministro agradeceu
ontem a “oportunidade de uma con-
versa franca” com o bastonário da
Ordem dos Médicos e disse esperar
que “todos os mal-entendidos este-
jam esclarecidos”. António Costa
falava aos jornalistas no Ænal de uma
reunião de três horas com Miguel
Guimarães.
Numa conferência de imprensa no
jardim de São Bento, o chefe do
Governo disse ainda esperar que no
Ænal do encontro não restem dúvidas
ao bastonário “sobre a consideração
e apreço” que o primeiro-ministro
tem pelos médicos e pelo seu traba-
lho. Momentos antes, Miguel Guima-
rães usou o mesmo tom cordial para
salientar esse apreço pelo trabalho
dos médicos que lhe foi transmitido
por Costa.
Sem responder a perguntas dos
jornalistas, o primeiro-ministro
começou por agradecer a “oportuni-
dade de uma conversa franca, útil
para troca de informação”, salientan-
do que a situação nos lares “mereceu
natural atenção” durante a reunião
da manhã com o bastonário da
Ordem dos Médicos e em que esteve
acompanhado pela ministra da Saú-
de, Marta Temido, e pelo secretário
de Estado António Lacerda Sales.
A reunião foi pedida por Miguel
Guimarães depois de António Costa
ter considerado, numa entrevista ao
Expresso, que a Ordem dos Médicos
foi além das suas competências ao
realizar uma auditoria ao lar de
Reguengos de Monsaraz, onde exis-
tiu um surto de covid-19 que provo-
cou a morte a 18 pessoas, mas esse
ponto em particular esteve omisso
nas declarações do primeiro-minis-
tro. O chefe de Governo também
não fez qualquer referência à sua
alusão (em declarações off the record
ao Expresso) sobre o comportamen-
to dos médicos que prestaram assis-
tência no lar da Fundação Maria
Inácia Vogado Perdigão Silva.
“Espero que todos os mal-enten-
didos estejam esclarecidos. E Æco
particularmente reconhecido pela
forma como aqui testemunhou, de
forma inequívoca, o meu apreço e
consideração pelos médicos portu-
NUNO FERREIRA SANTOS
gueses e pelo trabalho que desenvol-
vem”, rematou.
Já o bastonário Miguel Guimarães
(que também não respondeu a per-
guntas de jornalistas) quis deixar uma
“palavra de solidariedade para com
os médicos que estiveram a trabalhar
no lar de Reguengos de Monsaraz”.
“Mesmo não tendo condições Æzeram
um trabalho magníÆco”, sublinhou,
agradecendo ao primeiro-ministro a
“oportunidade para explicar a audito-
ria” feita pela Ordem dos Médicos.
António Costa defendeu que o
problema dos lares não é novo na
sociedade e que “merece reÇexão”,
considerando que é necessário fazer
o debate sobre a medicalização das
instituições que acolhem idosos.
Apontando como prioridade o refor-
ço da rede de cuidados continuados
e do apoio domiciliário, o primeiro-
ministro referiu que um idoso num
lar “não deixa de ser português e não
deixa de ter direito a assistência”.
Aludindo a um esforço conjunto
de todas as entidades no combate à
pandemia de covid-19, o primeiro-
ministro considerou que “perante
as falhas, mais do que atirar pedras,
[é preciso] responder às realidades
que existem”.
srodrigues@publico.pt
Providência cautelar
quer travar Festa do Avante!
e PCP fala em “campanha
reaccionária”
Rentrée
Liliana Borges
Autor da providência
cautelar tem ligações ao
PSD. PCP já reagiu e diz que
a operação para impedir
o evento “foi derrotada”
É mais uma tentativa de travar a Fes-
ta do Avante!. Depois do abaixo-assi-
nado lançado pela Juventude Popu-
lar (CDS) contra a realização do
evento — e que soma mais de cinco
mil assinaturas —, foi entregue na
segunda-feira, no Tribunal do Seixal,
uma providência cautelar para impe-
dir a realização da festa comunista,
que juntará até 33 mil pessoas no
recinto da Quinta da Atalaia, nos dias
4, 5 e 6 de Setembro. O pedido da
providência cautelar foi avançado
por Carlos Valente, presidente do
Palmelense Futebol Clube e ex-pre-
sidente do conselho estratégico da
Distrital de Beja do PSD, avançou o
Observador. O PCP já reagiu e diz
que a iniciativa “é desprovida de
qualquer fundamento só justiÆcável
pelo que visa de animação artiÆcial
da campanha reaccionária”.
Em comunicado, o PCP aÆrma que
“a invocação de que os ‘festivais
estão proibidos’, ainda que recorren-
temente repetida, é absolutamente
falsa, como aliás se pode constatar
com os inúmeros eventos que se
estão a realizar por todo o país”.
O PCP acrescenta que estes espec-
táculos “só podem ter lugar em
Festa comunista continua
a suscitar controvérsia
recinto coberto ou ar livre, com lugar
marcado e no respeito pela lotação
especiÆcamente deÆnida pela
Direcção-Geral da Saúde (DGS) em
função das regras de distanciamento
físico que sejam adequadas”. No
entanto, apesar da explicação, a DGS
ainda não esclareceu se a Festa do
Avante! terá lugares marcados senta-
dos (ou se os visitantes assistirão aos
concertos e debates em pé).
A discussão em torno da 44.ª edi-
ção do evento acontece quando fal-
tam tomar as últimas decisões sobre
as regras para a sua realização. Ao
PÚBLICO, a DGS diz que os porme-
nores estão a ser ultimados e “não
tardam”.
O empresário responsável pela
providência cautelar, que foi tam-
bém candidato pelo PSD à Câmara
de Moura em 2013, é representante
da Pioneer em Portugal, uma empre-
sa que fornece equipamento para
festivais e discotecas, e cuja activida-
de está a ser profundamente afecta-
da pelas restrições impostas pela
crise pandémica. Recorde-se que
todos os festivais de música, que
marcam todo o calendário de Verão
de norte a sul do país, foram proibi-
dos até ao Ænal de Setembro.
De acordo com o Observador, Car-
los Valente chamou como testemu-
nha José Poças, chefe de Infecciolo-
gia do Hospital de São Bernardo, em
Setúbal, e também a Ordem dos
Médicos. No documento, Carlos
Valente questiona a realização da
festa comunista enquanto actividade
económica que está vedada ao sector
cultural. O PÚBLICO tentou contac-
tar o empresário, que não quis pres-
tar esclarecimentos.
O pedido, que foi entregue com
carácter de urgência, irá agora ser
avaliado por um juiz, que terá de
ouvir a organização do evento do
PCP. Caso aceite o pedido, a Festa do
Avante! pode ser suspensa, mas o
PCP não deverá facilitar a decisão.
No comunicado enviado ontem,
os comunistas aÆrmam que se impõe
“que cada um dos que não prescin-
dem do exercício de direitos políticos
e liberdades, faça da sua presença
numa festa onde estão garantidas
condições de segurança e tranquili-
dade a resposta a essa operação anti-
democrática contra a liberdade, a
cultura e os direitos dos trabalhado-
res e do povo”.
liliana.borges@publico.pt

Tribunal chumba contratos ilegais
de vestuário para o Exército
Contratos de 2,1 milhões sem concurso foram autorizados pelo ministro da Defesa. Juízes falam em
restrição artiÄcial da concorrência alicerçada em projecto de investigação e desenvolvimento
Tribunal de Contas
Ana Henriques
O Tribunal de Contas (TC) recusou
visar dois contratos entre o Exército
e dois fornecedores privados, no
valor de 2,1 milhões, para adquirir
vestuário de combate por ajuste
directo. Os juízes que analisaram o
negócio caucionado por um despa-
cho do ministro da Defesa, falam em
restrição artiÆcial da concorrência
e em violação da lei.
Em causa está a compra de mil
capacetes à prova de bala à firma
Fibrauto — Fabrico de Objectos em
Polyester e a aquisição de outros
tantos coletes balísticos, joelheiras
e cotoveleiras à Latino Confecções.
Faz pouco mais de um ano que o
Exército resolveu convidar as duas
empresas para lhes fornecer estes
equipamentos, sem sequer publicar
o habitual anúncio a avisar de que
o iria fazer. No despacho em que
autoriza o negócio, o ministro João
Gomes Cravinho justiÆca-se: “Os
contratos só podem ser executados
por estas entidades.” O governante
fundamenta o tratamento excepcio-
nal dado às Ærmas em questão com
o facto de elas integrarem um con-
sórcio na área da investigação e des-
envolvimento criado em 2015 pelo
seu antecessor Aguiar Branco, para
desenvolver novos equipamentos
militares de protecção individual
com elevada resistência ao impacto,
corte e perfuração. Intitulado
Auxdefense, deste projecto fazem
também parte o próprio Ministério
da Defesa, a Força Aérea, a Tecmi-
nho, uma associação da Universida-
de do Minho, e ainda três outras
empresas.
“Os produtos relacionados com a
protecção balística desenvolvidos
no âmbito do Auxdefense represen-
tam uma solução única em termos
de mercado, materializando uma
redução signiÆcativa de peso sem
comprometimento do desempenho
de protecção, incorporando tecno-
logia especialmente desenvolvida”,
alega João Gomes Cravinho no mes-
mo despacho, em que também elo-
gia o design das peças.
Sendo a vigência deste protocolo
de três anos, o TC quis saber como
podiam os contratos de 2,1 milhões
mais IVA terem sido assinados em
2019. Foi-lhe respondido que o
negócio foi realizado ainda dentro
do prazo. Por outro lado, neste acor-
do celebrado 15 dias antes de o pri-
meiro Governo de Passos Coelho
terminar o mandato o Exército abdi-
cou dos seus direitos de produção e
comercialização dos produtos ino-
vadores criados no âmbito do con-
sórcio, cedendo-os às duas empre-
sas em troca de um desconto nos
preços a praticar junto das Forças
Armadas. Que estão autorizadas a
vender os produtos em causa quer
aos militares quer aos civis.
Mas isso não implicava direitos de
exclusividade, avisa o TC: “Tal
cedência não pode constituir para o
Ministério da Defesa ou para o Exér-
cito uma autovinculação perante
estes fornecedores, traduzida numa
obrigação legal de adquirir os seus
bens.” As especiÆcações inscritas no
caderno de encargos para a compra
destes materiais eram, aÆnal, um
fato talhado à medida, concluem os
juízes, que falam numa restrição arti-
Æcial e ilegal da concorrência, uma
vez que “a nível nacional e europeu
Em causa está
a compra
de mil capacetes
à prova de bala,
coletes balísticos,
joelheiras e
cotoveleiras
existirão certamente outras empre-
sas aptas equipamentos com idênti-
cas especiÆcações técnicas”.
Mas o tribunal vai mais longe: ao
mesmo tempo que declara nulos os
contratos Ærmados com as duas Ær-
mas, diz não ser certo que elas pos-
sam participar em concursos públi-
cos para o fornecimento deste ves-
tuário de combate, “dada a forte
possibilidade de se encontrarem
numa situação que lhes conÆra van-
tagem falseadora das condições nor-
mais de concorrência”. Senão, “o
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 13
SOCIEDADE
RUI GAUDÊNCIO
projecto Auxdefense teria constituí-
do um instrumento de privilégio ou
favorecimento dessas empresas, o
que é, de forma clara, ilegal”.
Na altura em que assinou contra-
tos com as duas empresas do con-
sórcio já o Exército tinha comprado
capacetes à Fribrauto sem efectuar
concursos públicos, uma vez que os
montantes em causa, 54 mil euros
num deles e menos de 40 mil no
outro, não obrigavam a tal. Tal como
sucedia de resto com a Latino Con-
fecções, que já tinha nesse ano ven-
dido ao mesmo ramo das Forças
Armadas, e com recurso a um regi-
me contratual idêntico, mais de 38
mil euros de coletes, joelheiras e
cotoveleiras. Fornecedora habitual
de fardas para as forças de seguran-
ça, esta Ærma tornou-se conhecida
entre os agentes da PSP quando no
ano passado receberam calças com
o tecido a desfazer-se junto aos vel-
cros e camisolas com cinco centíme-
tros a menos do que o tamanho
estipulado pelas regras.
O contrato para o fornecimento
dos mil capacetes por ajuste directo
por mais de um milhão de euros foi
celebrado em Novembro de 2019,
dois meses antes de o secretário de
Estado da Defesa Seguro Sanches
autorizar a Fibrauto a fabricar e
comercializar bens e tecnologias
militares. O Exército não escondeu
ao tribunal que tenciona fazer mais
aquisições da mesma forma: “As
necessidades relativamente a esta
tipologia de bens não se cingem
apenas a estes contratos. O objecti-
vo é equipar todos os militares [do
ramo] com estes equipamentos,
havendo por isso a necessidade de
futuras aquisições ao abrigo do pro-
tocolo.”
O Exército recorreu da decisão
seis dias depois do permitido por
entender que o estado de emergên-
cia tinha congelado os prazos dos
recursos. Em Julho o tribunal veio
notar o engano e manteve a recusa
de visto. Contactado pelo PÚBLICO,
este ramo das Forças Armadas infor-
mou que se encontra “a estudar as
opções que garantam o cumprimen-
to das recomendações” do TC.
O Exército entregou o recurso desta decisão fora de prazo ana.henriques@publico.pt
14 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
SOCIEDADE
Segurança Social está a rever norma
que força isolamento de crianças
Orientação da DGS manda isolar 14 dias crianças e jovens em perigo que entram em casas de acolhimento.
A Comissão de Protecção das Crianças e Jovens sugere que se alterem estas regras quanto antes
Covid-19
Ana Cristina Pereira
Há directores de casas de acolhimen-
to em aberta desobediência. Recu-
sam-se a cumprir a orientação emi-
tida pela Direcção-Geral da Saúde
(DGS) que manda isolar 14 dias crian-
ças retiradas às famílias, mesmo com
teste negativo de covid-19. A Comis-
são Nacional de Promoção dos Direi-
tos e Protecção das Crianças e Jovens
(CNPDPCJ) sugere que se altere quan-
to antes. O Instituto de Segurança
Social (ISS) aÆança ao PÚBLICO que
“a orientação técnica 009/2020
encontra-se em processo de nova
actualização, estando a ser revista na
sua generalidade, prevendo-se a sua
publicação em breve”.
Filipe Serrote dirige as duas casas
de acolhimento da Santa Casa da
Misericórdia de Portalegre destina-
das a crianças e jovens dos zero aos
17 anos. Nos últimos tempos, viu ali
chegar um bebé de sete dias e outro
de quatro meses, uma criança de 10
anos e outra de 12. E nenhuma destas
crianças Æcou de parte, a não ser
enquanto aguardava o resultado do
teste. “É um crime obrigar menores
de doze anos retirados à família a
Æcar em isolamento 14 dias. Com
mais velhos é menos difícil. Têm
outra maturidade, outra capacidade
de compreender.”
O momento é demasiado crítico.
Estas crianças e jovens estavam em
perigo. Chegam com percursos de
negligência grave, violência física e/
ou abuso sexual. Não é fácil deixar
os seus familiares, os seus amigos, a
sua casa, as suas coisas. E entrar
numa casa desconhecida, com gente
desconhecida, com regras desconhe-
cidas. Amiúde, este processo é vivido
como um castigo. O isolamento, com
teste negativo, acentua esse senti-
mento. “Parecerá que cometeu um
crime e foi internado [num centro
educativo]”, diz.
Há quem peça o máximo de discri-
ção para não prejudicar outros pro-
Æssionais. Uma delas pede que se
imagine uma criança de nove anos
com um déÆce cognitivo fechada 14
dias. “Isso é replicar o mau trato, o
abandono, a rejeição, é provocar
As orientações são iguais para lares de idosos e para casas de acolhimento de crianças
desorganização afectiva e psicológi-
ca”, diz. “Vou ser multada? Vou ter
um processo disciplinar? Paciência.
Estou aqui para defender o superior
interesse das crianças. Não vou cum-
É um crime prir uma lei que é antinatura.”
Renata Benavente, da Ordem dos
obrigar menores Psicólogos, fala no risco de fuga,
de doze anos automutilação, suicídio. Admite que
a DGS esteja a procurar salvaguardar
retirados à as crianças já acolhidas e os proÆs-
família a Äcar sionais que lá trabalham. Considera,
todavia, que a salvaguarda da saúde
em isolamento física não deve sobrepor-se à salva-
14 dias guarda da saúde mental.
Filipe Serrote Interpretações diferentes
Santa Casa da Misericórdia de A interpretação da orientação desti-
Portalegre nada a lares de idosos, unidades de
cuidados continuados e casas de aco-
lhimento de crianças e jovens é
diversa. Há quem considere que a
obrigação de teste e isolamento pro-
DANIEL ROCHA
Æláctico de crianças e jovens só se
aplica nas admissões. E quem consi-
dere que inclui todas as saídas.
João Pedro Gaspar, mentor da Pla-
taforma PAJE — Apoio a Jovens
(Ex)acolhidos, dá conta dessa diver-
sidade nas várias casas de acolhi-
mento com que trabalha. “Felizmen-
te, não contacto com muitas onde a
norma esteja a ser cumprida”, come-
ça por esclarecer. “Temos crianças
que não têm vontade de ir a casa por-
que sabem que quando chegarem
vão ter de Æcar 14 dias privadas de
estar com os amigos. Por dois dias ou
três, preferem não ir.”
A orientação também pressupõe
uma disponibilidade de testes que
nem sempre existe. Filipe Serrote
bem gostava de sujeitar a testes rapa-
zes ou raparigas que fogem uns dias.
“Se queremos eliminar a possibili-
dade de contágio, deviam fazer tes-
te. Pedimos para fazer um teste. Não
respondem sequer — nem a DGS,
nem a Segurança Social. Ficamos
um bocadinho sem saber o que
fazer. Então decidimos que, não
fazendo teste, Æcam cinco dias em
isolamento.” Nem cinco dias é fácil.
“Tivemos um miúdo que foi coloca-
do num quarto e partiu a porta”,
conta. “Não conseguiu Æcar fechado.
Há que perceber as características
destas crianças e jovens. Emitir nor-
mas que não têm isso em conta não
é interessante.”
O alerta foi lançado pela comissão
instaladora da Associação AjudAju-
dar, que na segunda-feira remeteu
uma queixa para a Provedora de Jus-
tiça. No documento de 30 páginas,
esta organização criada por proÆs-
sionais de várias áreas dos direitos
das crianças, argumenta que a nor-
ma emitida pela DGS no dia 27 de
Julho é inconstitucional e viola “de
forma grosseira” os direitos das
crianças.
O PÚBLICO perguntou à CNPDPCJ
se conhece esta orientação da DGS,
se acha que está conforme os direitos
da criança e, se não, o que pretende
fazer. Volvidas mais de 24 horas, a
comissão respondeu que “as orien-
tações e normas da DGS que digam
directamente respeito a crianças e
jovens devem ter subjacente a espe-
ciÆcidade inerente à sua realidade”.
E sugere “que esta orientação possa
ser reformulada no menor espaço de
tempo para dar eco desta especiÆci-
dade, e assim salvaguardar o superior
interesse das crianças e jovens”.
O PÚBLICO também questionou o
ISS, a entidade que tutela o sistema
de protecção de crianças e jovens, o
que inclui o acolhimento residencial.
Volvidas mais de 24 horas fez saber
que “tem estado em articulação com
a DGS para salvaguardar, em orien-
tação, entre outras, as questões espe-
cíÆcas em matéria de acolhimento
de crianças e jovens em perigo”.
Garantiu que a orientação está a ser
revista, sem contudo especiÆcar em
que sentido vai essa revisão nem tão
pouco apontar uma data especíÆca
para a publicação e consequente
entrada em vigor das novas regras.
acpereira@publico.pt

“Não houve recusa de apoio
médico no lar do Barreiro”,
garante ARS de Lisboa
Covid-19
Alexandra Campos
Presidente da União das
Misericórdias Portuguesas
afirmou que médicos do
centro de saúde teriam
recusado dar apoio no lar
A Administração Regional de Saúde
(ARS) de Lisboa e Vale do Tejo garan-
te que os residentes no lar de idosos
São João (da Santa Casa da Misericór-
dia do Barreiro), onde um surto de
covid-19 infectou mais de meia cen-
tena de utentes e funcionários e pro-
vocou quatro mortes no início deste
mês, foram acompanhados presen-
cialmente por um médico e uma
enfermeira do Agrupamento dos
Centros de Saúde (ACES) Arco Ribei-
rinho “nos dias solicitados” pela pro-
vedora da instituição, contrariando
a acusação do presidente da União
das Misericórdias Portuguesas
(UMP), Manuel Lemos.
O desmentido surge um dia depois
de Manuel Lemos ter dito que “médi-
cos do Centro de Saúde do Barreiro”
se terão “recusado a dar apoio” nes-
te lar de idosos. Declarações que fez
à saída de uma reunião com o basto-
nário da Ordem dos Médicos convo-
cada na segunda-feira na sequência
da polémica gerada pela auditoria no
lar de idosos de Reguengos de Mon-
saraz. Adiantando que “foi a prove-
dora da Santa Casa da Misericórdia
do Barreiro” que lhe “comunicou a
situação na semana passada” e que
não foram explicitadas as razões para
a alegada recusa, Manuel Lemos
enfatizou: “Nós não queremos ser
acusados do crime de omissão de
auxílio.”
“Não houve recusa” de “apoio
médico”, assegurou esta terça-feira a
ARS de Lisboa e Vale do Tejo.” Um
médico do ACES Arco Ribeirinho [a
que pertence o Centro de Saúde do
Barreiro] disponibilizou-se, após con-
tacto da direcção” do agrupamento de
centros de saúde, a “prestar cuidados
de saúde aos doentes do Lar de SãoJo-
sé, conforme solicitado telefonica-
mente pela” provedora da Santa Casa
da Misericórdia do Barreiro, especiÆca
a ARS de Lisboa e Vale do Tejo em res-
posta enviada ao PÚBLICO. Trata-se,
aliás, de um um médico que “colabora
habitualmente” com a Santa Casa da
Misericórdia do Barreiro.
O surto no lar do Barreiro provocou quatro mortes
Houve um
médico que se
disponibilizou
de imediato, diz a
Administração
Regional de Saúde
da região
Sublinhando que os doentes estão
actualmente estáveis, assintomáticos
e a aguardar “a realização de teste
de cura”, sem necessitarem de cui-
dados médicos, a ARS acrescenta
que todos os que tiveram e têm con-
dições” para Æcar no lar continuam
a ser “acompanhados diariamente
pelas equipas de saúde do ACES Arco
Ribeirinho, através de contacto não
presencial” e monitorizados na pla-
taforma informática criada para o
efeito (Trace Covid).
O secretário regional do Sindicato
Independente dos Médicos em Lisboa
e Vale do Tejo exigiu, entretanto, que
a provedora da Santa Casa da Miseri-
córdia do Barreiro pedisse publica-
mente desculpa pelas “falsas” decla-
rações e pelo “ataque” que dirigiu aos
médicos.
Na segunda-feira, Manuel Lemos
explicou aos jornalistas que pediu a
reunião com Miguel Guimarães para
lhe fazer um apelo — o de “sensibili-
zar” os proÆssionais para que “não
deixem as pessoas sem médicos nos
lares das misericórdias”. E isto por-
que a alternativa seria “transferi-los
para os hospitais” onde correm
maiores riscos.
PAULO PIMENTA
Por lei, os lares de idosos não são
obrigados a ter médicos, apenas enfer-
meiros — um por cada 40 utentes, ou
um por cada 20, no caso de estes
serem idosos com dependências,
explicou ao PÚBLICO Sérgio Branco,
presidente da Secção Regional do Sul
da Ordem dos Enfermeiros. Mas nem
esta obrigação é cumprida muitas
vezes, aÆrma. “Há lares que têm um
enfermeiro para cem utentes”, diz
Sérgio Branco, que lamenta que as
residências para idosos não sejam
periodicamente Æscalizadas.
Mas em 24 de Abril passado a minis-
tra da Saúde determinou, por despa-
cho, que os doentes com covid-19
residentes em lares e cuja situação
clínica não exija internamento hospi-
talar passavam a ser acompanhados
diariamente pelos médicos de família
e pelos enfermeiros dos respectivos
agrupamentos de centros de saúde,
em articulação com os hospitais da
sua área de referência.
Foi por causa desta “confusão toda
sobre a presença dos médicos nos
lares de idosos” que Manuel Lemos
achou melhor ter “uma conversa ins-
titucional” com o bastonário da
Ordem dos Médicos. O presidente da
UMP lembrou que o compromisso que
o Estado assinou com o sector social
para 2019/2020 diz “claramente que
incumbe ao Ministério da Saúde asse-
gurar a presença de médicos de famí-
lia nas estruturas residenciais para
idosos”. “Está lá, preto no branco. E
nós avisámos logo no início da pande-
mia que alguns médicos estavam a
desertar.”
acampos@publico.pt
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 15
SOCIEDADE
Terceiro dia consecutivo
com número de novos
casos de infecção abaixo
dos 200
dores infectados, tendo sido suspen-
Covid-19 sas as visitas num dos serviços de
Filipa Almeida Mendes internamento.
Num lar de idosos na Póvoa de San-
Portugal registou ontem mais quatro tarém surgiram vinte e quatro uten-
mortes e 192 novos casos de infecção tes e seis funcionários infectados,
pelo novo coronavírus — o que cor- disse à Lusa fonte da Protecção Civil
responde a uma taxa de crescimento municipal. O coordenador da Protec-
de 0,3%. No total, o país contabiliza ção Civil municipal, José Guilherme,
1805 óbitos e 55.912 casos acumula- aÆrmou que todos os cerca de 60
dos, de acordo com o boletim epide- utentes, bem como os funcionários,
miológico divulgado pela Direcção- foram testados depois de a médica
Geral da Saúde (DGS). que presta serviço no Centro de
Dos 192 novos casos, 116 (60,4%) Repouso e Lazer Fonte Serrã ter tes-
foram registados em Lisboa e Vale tado positivo à covid-19 no dia 18.
do Tejo (LVT) e 49 (25,5%) no Norte. Os utentes e os funcionários que
Das quatro mortes, três foram iden- tiveram resultado positivo estavam
tiÆcadas em LVT e uma no Norte. ou assintomáticos ou com sintomas
Este é o terceiro dia consecutivo em ligeiros, sem necessidade de inter-
que se registam menos de 200 novos namento.
casos em 24 horas. Há, neste momen- O surto na vila de Mora, distrito
to, 13.086 casos activos, encontram- de Évora, registou ontem o primei-
se internadas 325 pessoas (mais qua- ro recuperado, mas também um
tro), das quais 41 em cuidados inten- novo caso, o que mantém em 62 o
sivos (menos três). total de infectados, revelou o autar-
Quanto a casos concretos, o Hos- ca. com Lusa
pital de Vila Franca de Xira tinha
ontem nove utentes e sete trabalha- filipa.mendes@publico.pt
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AVISO
1. Nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 47.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de
maio, torna-se público que a Autoridade da Concorrência recebeu, a 23 de agosto de 2020,
uma notificação prévia de uma operação de concentração de empresas, apresentada ao
abrigo do disposto no artigo 37.º do referido diploma.
2. A operação de concentração em causa consiste na aquisição do controlo exclusivo,
pela DISA CORPORACIÓN PETROLÍFERA, S.A. (“DISA”), da Prio SGPS, S.A. (“PRIO”), e
suas subsidiárias, atualmente detidas pelo Fundo de Reestruturação Empresarial gerido e
representado pela Oxy Capital – Sociedade Gestora de Fundos de Capital de Risco, S.A.
3. As atividades das empresas envolvidas são as seguintes:
• A DISA é a sociedade holding do Grupo espanhol DISA, ativo no setor dos combustíveis
e da energia, bem como no setor da produção e distribuição de bebidas. Em Portugal, o
Grupo DISA está ativo, principalmente, na produção e distribuição de bebidas, através da
cervejaria Damm e da sua subsidiária, a Fonte Salem, operando ainda, de forma muito
residual, no setor da distribuição retalhista de combustíveis através das subsidiárias DISA
Lusitânia e da CRT Fuels.
• A Prio é uma empresa atualmente detida pelo Fundo de Reestruturação Empresarial,
gerido e representado pela Oxy Capital – Sociedade Gestora de Fundos de Capital de
Risco, S.A., ativa na produção de biocombustíveis em Portugal, bem como na distribuição
retalhista de combustíveis para o transporte rodoviário. A Prio opera ainda um terminal de
armazenagem e logística primária independente em Aveiro, estando ainda ativa, de forma
residual, na disponibilização de postos de carregamento de veículos elétricos, bem como
na comercialização de gás engarrafado.
4. Quaisquer observações de terceiros interessados sobre a operação de concentração
em causa devem identificar o interessado e indicar o respetivo endereço postal, e-mail, n.º
de telefone e fax, bem como ser acompanhadas de versão não confidencial e respetiva
fundamentação da confidencialidade, sob pena de serem tornadas públicas.
5. As observações devem ser remetidas à Autoridade da Concorrência, no prazo de 10 dias
úteis, indicando a referência Ccent. n.º 22/2020 – DISA/PRIO, por via postal ou por e-mail,
para o seguinte endereço:
Autoridade da Concorrência
Avenida de Berna, 19
1050-037 Lisboa
E-mail: adc@concorrencia.pt
16 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
SOCIEDADE
Bastonário dos Veterinários
ameaça abandonar grupo de
trabalho criado pelo Governo
Direitos dos animais
Ana Henriques
Nome de provedora
nacional dos animais foi
revelado pelo ministro do
Ambiente antes de o grupo
indicar critérios de escolha
O bastonário dos Veterinários, Jorge
Cid, ameaça abandonar o grupo de
trabalho criado há menos de dois
meses pelo Governo para reÇectir
sobre questões ligadas ao bem-estar
animal. Tanto este dirigente como
outros membros do mesmo grupo
viram com estupefacção a revelação,
feita esta segunda-feira pelo ministro
do Ambiente, Matos Fernandes, do
nome da provedora nacional dos
animais, Laurentina Pedroso.
Em causa não está o currículo da
ex-bastonária dos Veterinários, que
além de estar à frente da Faculdade
de Medicina Veterinária da Universi-
dade Lusófona também já foi directo-
ra executiva da Associação Portugue-
sa dos Industriais de Carnes, mas sim
o facto de uma das tarefas de que o
Governo encarregou o grupo ser pre-
cisamente a indicação dos critérios
para a escolha da pessoa para este
cargo. Mas aÆnal o trabalho desenvol-
vido até agora revelou-se inútil, uma
vez que o nome já foi anunciado.
Jorge Cid explica que transmitiu
ainda na segunda-feira ao ministro
do Ambiente o seu desagrado pelo
facto de a decisão ter sido tomada à
revelia do grupo, que integra tam-
bém representantes da Direcção-Ge-
ral de Alimentação e Veterinária, da
Associação Nacional de Municípios
Portugueses, da Procuradoria-Geral
da República e das associações de
defesa dos animais. “Ou as coisas são
resolvidas de forma séria ou não
estou disponível para continuar nes-
ta palhaçada”, declara o bastonário,
criticando a falta de coordenação
entre os ministérios da Agricultura e
do Ambiente.
Foi depois da mortandade de sete
dezenas de animais num canil clan-
destino em Santo Tirso durante um
incêndio, em Julho passado, que o
primeiro-ministro António Costa
anunciou que a tutela dos animais de
companhia iria passar do primeiro
ministério para o segundo. Mas nes-
sa altura já o grupo de reÇexão tinha
sido criado no seio da Direcção-Geral
A tutela dos animais de companhia passou para o Ambiente
Ou as coisas são
resolvidas de
forma séria ou não
estou disponível
para continuar
nesta palhaçada
Jorge Cid
Bastonário dos Veterinários
de Veterinária, que se encontra na
dependência da pasta da Agricultu-
ra, com a missão de entregar um
relatório à tutela até ao Ænal de
Setembro — prazo entretanto esten-
dido até ao Ænal do ano.
Apontar soluções para o problema
dos animais errantes é a sua principal
missão, uma vez que o abate nos
canis municipais deixou de ser per-
mitido por lei, excepto se os bichos
forem portadores de doenças incurá-
veis ou infecto-contagiosas. Mas tam-
bém lhe competia fazer um balanço
da aplicação da legislação de 2014
que passou a punir os maus tratos e
o abandono dos animais domésticos
como crimes, uma vez que a redac-
ção deste diploma não é suÆciente-
mente explícita nalguns aspectos.
Acontece que, já depois de o grupo
ter sido nomeado, a Assembleia da
República alterou esta lei — tornando
assim também aqui inútil a opinião
dos especialistas nomeados pelo
Ministério da Agricultura, que estão
PAULO PIMENTA
a trabalhar gratuitamente.
Estas alterações foram, aliás, alvo
de duras críticas por parte do Con-
selho Superior da Magistratura, enti-
dade para a qual o recurso às penas
de prisão para punir condutas que
podiam ser castigadas com multas,
como é o caso, se revela “perigoso e
opressivo para o cidadão comum”.
“A falta de políticas públicas na
criação, acompanhamento e venda
de animais onera o sistema penal
com alterações que não resolvem o
cerne da problemática, tornando-se
necessários estudos sobre a eÆcácia
das alterações implementadas”, diz
ainda o mesmo conselho, num pare-
cer enviado ao Parlamento em Mar-
ço passado.
“O Governo tem ignorado este
grupo, que é de carácter técnico e
está indisponível para manobras
políticas. Pessoalmente, não gosto
de ser ultrapassado”, prossegue Jor-
ge Cid. A indignação estende-se a
outros membros do grupo, como é
o caso da representante das associa-
ções de defesa dos animais, Maria
do Céu Sampaio: “Fiquei parva,
criam-se estes grupos para nada.
Vou escrever ao ministro Matos Fer-
nandes, porque as associações
devem ser ouvidas em questões pri-
mordiais como esta.” A dirigente
associativa mostra-se incrédula com
o sucedido. AÆnal, assinala, o grupo
de que faz parte ainda só se tinha
reunido três vezes.
Contactados pelo PÚBLICO,
nenhum dos dois ministérios se pro-
nunciou sobre o caso.
ana.henriques@publico.pt
Zero identifica nove
“erros estratégicos”
no plano “positivo” de
recuperação de Costa Silva
Ambiente
Patrícia Carvalho
Associação ambientalista
revela a avaliação do
documento: dá luz verde a
36 medidas, laranja a 41 e
vermelho a nove
A “Visão Estratégica para o Plano de
Recuperação Económica de Portugal
2020-2030”, desenvolvida por Antó-
nio Costa Silva a pedido do Governo,
é um documento “positivo”, mas tem
um pecado de base: assenta no mode-
lo económico tradicional em vez de
avançar para uma “transformação
sistémica”.
A associação ambientalista Zero
recorreu às cores dos semáforos para
avaliar cada uma das propostas que
estiveram em discussão pública até
sexta-feira passada. Deu luz verde a
36 medidas, laranja a 41 e marcado
vermelho a nove “erros estratégicos
que poderão atrasar o caminho de
Portugal rumo à sustentabilidade”. É
esse sinal vermelho que recebe, por
exemplo, a proposta sobre a rede de
infra-estruturas de transportes e
mobilidade no sector marítimo-por-
tuário, por considerar que não é
acompanhada “de qualquer referen-
cial de sustentabilidade” e por não
compreender o porquê de se propor
a construção de um terminal portuá-
rio de minérios para exportação em
Sines, sem ter em conta o investimen-
to em portos mais a Norte, “mais pró-
ximo das alegadas áreas potenciais de
A construção de um terminal
portuário em Sines é criticada
exploração”, em concreto, do lítio. A
Zero considera um erro assumir-se
que é necessário construir-se uma
barragem no rio Ocreza, para regula-
rizar o caudal do Tejo, sem que haja
qualquer referência à renegociação
da Convenção de Albufeira, e apre-
senta “sérias dúvidas” sobre a viabi-
lidade económica da construção de
um gasoduto.
O outro sinal vermelho é mostrado
à valorização da biomassa Çorestal
residual. “A promoção de mais cen-
trais de biomassa e reÆnarias para
gaseiÆcação e pirólise é um passo
rumo ao incremento de utilização
insustentável da Çoresta portuguesa.”
Também o plano de investimento
para valorizar os recursos minerais
estratégicos continentais (lítio, nió-
bio, tântalo e terras raras) merece
reprovação. Exigem que tal medida
seja acompanhada de uma avaliação
ambiental estratégica, para se “avaliar
correctamente a possibilidade de
uma exploração sustentável, tendo
em consideração as componentes
ambientais, sociais e económicas, nas
diferentes áreas do território”.
Quanto à exploração mineira no
mar a oposição é total: “Toda a explo-
ração mineira, sobretudo em ambien-
te marinho e em profundidade, impli-
ca problemas ambientais graves, em
particular, perda de biodiversidade e
deve ser apenas o último recurso.”
Os dois últimos sinais vermelhos da
Zero vão para o plano de investimen-
to direccionado para o interior — uma
proposta que considera ter “aspectos
positivos”, mas com muitas lacunas
— e a proposta que prevê a criação de
programas de atracção turística.
“Manter a dependência em relação
ao transporte aéreo e insistir na recu-
peração do turismo de massas são
formas de promover Portugal como
um destino turístico insustentável.”
A Zero dá luz verde ao investimen-
to na ferrovia, aos programas de qua-
liÆcação de adultos e de apoio a estu-
dantes, aos planos de transição digital
ou ao plano de investimento para a
reorientação das cadeias logísticas e
de abastecimento.
Os ambientalistas consideram que
o plano “não prevê as rupturas neces-
sárias para colocar Portugal na rota
da sustentabilidade”, sobretudo por-
que “a visão subjacente a todo o
documento assenta no modelo eco-
nómico vigente”.
patricia.carvalho@publico.pt
 Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 17

LOCAL
O skate é uma brincadeira de
rapazes? Elas acreditam que não
São raras as raparigas que se encontram na rua ou nos skateparks. Mas elas existem e querem deixar a sua
marca. Agora, há um grupo no Porto a lutar por isso: o Herwheels
Porto
Ana da Cunha (texto)
e Paulo Pimenta (fotografia)
É uma imagem imponente aquela
que se vê na Casa de Música, no Por-
to, numa tarde de sol: habitualmente
ocupada por skaters masculinos, são
oito as mulheres que hoje fazem tru-
ques nas suas pranchas. Não são as
primeiras (e certamente não serão as
últimas), mas estão empenhadas em
revolucionar um desporto que ainda
é visto como “brincadeira de rapa-
zes”.
A sua missão é “incentivar, motivar
e unir as mulheres através do skate”,
conta Lais Reis, a criadora do movi-
mento Herwheels que uniu estas oito
skaters. Praticante de skate há 18
anos, a jovem chegou a Portugal há
dez e surpreendeu-se com a falta de
mulheres a praticar o desporto, espe-
cialmente porque no Brasil já vira
esta luta vencida. “Parecia que tinha
de começar tudo de novo”, desaba-
fa.
Lais começou por organizar alguns
eventos, mas a ideia de unir as mulhe-
res através do skate ganhou terreno
há um ano, com o primeiro evento
oÆcial do Herwheels a contar com 25
skaters. No último, no dia 24 de Junho
de 2019, marcaram presença 40. Nes-
tes eventos promove-se a discussão
sobre o skate no feminino e a “impor-
tância” da união das mulheres, As skaters com mais experiência defendem que deveria haver mais espaços, e algum deles coberto, para a prática deste desporto
segundo explicita Lais, numa lógica
de mostrar “que existem outras gue com convicção: “A minha mãe falta de espaços na cidade do Porto, família junta-se muitas vezes para balhos em escolas deste desporto.
meninas que andam de skate”. costuma dizer: ‘Ser gira é difícil.’ Eu visão que é subscrita por Raquel, de praticar o desporto. Porém, a luta não tem sido fácil: “É
Apesar desta evolução, ainda há gostava de jogar futebol, de fazer 25 anos, que há já oito faz do skate o Aos dois anos, Luana “ganhou um preciso estar muito segura do meu
muita vergonha, diz Lais: “As meni- skate e passava um bocadinho de seu passatempo, Rita e Beatriz, de 12 troféu” e ainda se lembra do feito. trabalho. Estou sempre preparada
nas só se sentem confortáveis quan- vergonha...”. A jovem faz então uma e 11 anos, que começaram este Verão, “Eu ganhei um troféu, você ganhou para aceitar críticas.” Algo que, no
do vêem que há outras raparigas com pausa para depois esclarecer: “Mas, Tanya, de 19, que já anda nisto há uma medalha”, comenta, apontando seu entender, se aplica a qualquer
interesse.” A pensar nisso, partilham com o crescimento e a maturidade, dez, e Lenyta Camargo, a segunda para a mãe. Kali ri-se. De facto, desa- “proÆssão que seja dominada por
fotograÆas e vídeo de mulheres ska- isso passa-nos ao lado.” dinamizadora do Herwheels. bafa, em Portugal há poucas meninas homens”.
ters na conta de Instagram do Ticha está segura de querer conti- E depois há Kali Ananda e a sua a praticar e há uma grande falta de Os olhos de Ticha iluminam-se
Herwheels, de forma a incentivar a nuar a fazer skate, mas denuncia a Ælha, Luana, de 5 anos. Kali skata skateparks. “Era preciso um espaço quando se fala na possibilidade de,
prática do desporto. Até agora, já com a t-shirt: “Lute como uma mãe.” coberto”, expõe, uma realidade mui- um dia, poder vir a ser skater proÆs-
foram algumas as que venceram o Brasileira, chegou ao Porto em to comum no Brasil. sional. O mesmo se pode dizer de
medo graças ao grupo. É o caso de
Há um ano, as Novembro, onde a realidade do skate Apesar de já ter ganho competi- Raquel, apesar de, para já, o cenário
Ticha, de 13 anos, que começou a Herwheels é muito diferente daquela a que esta- ções, Kali, professora de ioga, sempre lhe parecer impossível. Já Tanya con-
praticar há dois. “No início, tinha va habituada. No Brasil, Kali “compe- praticou a modalidade para “fortale- sidera o skate apenas o seu desporto,
vergonha, o Herwheels foi um apoio”,
chegaram a tia muito”. “Temos um grupo, as cer a categoria feminina, lutar pelos mas confessa que às vezes se sente
explica. “Levava o skate para a escola juntar40 raparigas LegendGirls”, conta a skater, que já direitos das mulheres”. AÆnal, essa é sozinha na Casa da Música. Texto
e quase mo destruíam.” pratica há 21 anos. A Ælha Luana cer- a grande luta de Lais, que até à covid- editado por Amanda Ribeiro
Com o boné na cabeça e os cabe-
num evento de tamente não lhe Æcará atrás. Até por- 19 vivia puramente do skate através
los loiros ao vento, a skater prosse- promoção do skate que o pai já foi skater proÆssional e a da organização de eventos e de tra- ana.cunha@publico.pt
18 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
ECONOMIA
Dez estações concentram 38%
dos passageiros de todo o país
Há 528 estações e apeadeiros na rede
ferroviária portuguesa que movimentam
24 milhões de passageiros por mês.
Entre as dez mais movimentadas, oito
são da região de Lisboa e duas do Porto
Ferrovia
Carlos Cipriano
A estação com maior movimento de
passageiros de Portugal pertence a
uma linha que nem sequer tem liga-
ção ao resto da rede ferroviária nacio-
nal. Chama-se Cais do Sodré, é o Æm
da Linha suburbana de Cascais e
regista um Çuxo médio de passageiros
na ordem dos 1,5 milhões por mês.
Segue-se a estação do Rossio, em Lis-
boa, com 1,1 milhões de passageiros/
mês e São Bento, no Porto, com um
milhão. A estação de Entrecampos,
que ocupa o 4.º lugar, por muito pou-
co não chega ao milhão (regista
997.999).
Era de esperar que fossem as gran-
des estações de Lisboa e Porto que
tivessem mais passageiros, mas o movi-
mento das linhas suburbanas faz com
que Agualva-Cacém, Amadora, Sete
Rios, Cascais, Queluz-Belas tenham
mais gente do que a estação de Porto
Campanhã, por exemplo. Neste con-
texto de predomínio das duas grandes
cidades portuguesas na rede ferroviá-
ria nacional, o top 10 das estações mais
movimentadas representa 38% do
número total de passageiros do país. E
deste conjunto só duas são do Norte
(São Bento e Campanhã).
No Çuxo de passageiros, a Área
Metropolitana de Lisboa é macrocéfa-
la. Das 40 estações com mais passagei-
ros do país, apenas quatro são da área
de inÇuência dos suburbanos do Por-
to: São Bento, Campanhã, Aveiro,
Braga e Espinho. Todas as outras são
da Grande Lisboa. Estas 40 estações
geram 18,4 milhões de passageiros por
mês, sendo as de Lisboa responsáveis
por 16,1 milhões de passageiros/mês e
as do Norte por apenas 2,3 milhões.
Em Lisboa, o Cais do Sodré, o Ros-
sio e o Oriente estão entre as cinco
estações com mais passageiros. A
quinta grande gare da cidade é Santa
Apolónia, que aparece em 27.ª lugar,
atrás da Damaia, Campolide, Rebolei-
ra, e da maioria das estações da Linha
de Sintra. Santa Apolónia tem poucos
mais passageiros do que Carcavelos.
Mas há um exercício interessante
que é considerar Entrecampos, Sete
Rios e Roma/Areeiro como uma só
estação. AÆnal distam escassas cen-
tenas de metros umas das outras,
ocupam o centro da cidade servindo
as Avenidas Novas e servem várias
linhas de metro. Chamemos-lhe a
“Grande Gare Central de Lisboa”.
Juntas somam dois milhões de passa-
geiros por mês e representam 8% do
total do país.
Fora dos suburbanos da Grande
Lisboa e do Grande Porto surgem as
duas estações de Coimbra. A estação
velha (Coimbra B) ocupa o 48.º lugar
do ranking com 125 mil passageiros
por mês e a estação nova (Coimbra A)
o 52.º lugar com 113 mil passageiros.
Esta última é a gare que Æca no centro
da cidade e que vai ser desactivada no
âmbito do projecto do Metro Monde-
go. No ranking, que exclui os subur-
banos de Lisboa, Porto e Coimbra,
segue-se a estação de Entroncamento
(111 mil), Faro (106 mil), Santarém (83
mil) e Viana do Castelo (56 mil).
Capitais de distrito
Por capitais de distrito, Lisboa (con-
siderando as seis principais estações)
lidera com 5,5 milhões de passagei-
ros/mês, seguida do Porto (São Bento
e Campanhã) com 1,5 milhões.
No Æm desta lista estão as cidades
situadas em linhas não electriÆcadas:
Beja (7 mil) na Linha do Alentejo e
Leiria (2 mil) na Linha do Oeste. Em
último lugar está Portalegre, cuja
estação Æca a 13 quilómetros da cida-
de e só é servida por um comboio em
cada sentido por dia. Regista 315 pas-
sageiros por mês. Ainda assim, mais
passageiros do que Bragança, Vila
Real e Viseu, capitais de distrito que
têm zero passageiros, porque há mui-
to deixaram de ter comboio.
Algarve sem longo curso
Outra abordagem aos números com-
pilados pelo regulador dos transpor-
Estação ferroviária do Cais do Sodré movimenta 18 milhões de passageiros por ano
A melhor forma
de mobilidade
é o comboio
pesado ir ao centro
da cidade
Pedro Nuno Santos
Ministro das Infra-Estruturas
tes (AMT-Autoridade da Mobilidade e
dos Transportes), relativos a 2018, é
a das estações que não são servidas
por suburbanos nem pelo longo cur-
so (Alfas e Intercidades). A primeira
deste ranking é a Régua, com um Çu-
xo de 36 mil passageiros por mês. A
CP já chegou a ter um serviço de Inter-
cidades para esta cidade duriense,
mas foi desactivado.
A segunda cidade sem suburbanos
nem comboios rápidos Æca no outro
extremo do país: Olhão tem 34 mil
passageiros por mês, seguida por
Lagos (30 mil), Barcelos (28 mil), Por-
timão (27 mil) e Tavira (24 mil).
Estes dados conÆrmam que o
Algarve é claramente a região do país
onde há mais estações com mais pas-
sageiros que não são servidas por
comboios de longo curso. E — para-
doxalmente — é, no Ferrovia 2020, a
última linha a ser electriÆcada e aque-
la onde as velocidades se vão manter
inalteradas. Após a electriÆcação,
entre Tunes e Lagos os comboios
eléctricos continuarão a circular à
velocidade das actuais automotoras
a diesel, limitados a apenas 90 quiló-
metros/hora.
Sintra e Cintura dominam
Por linhas, só as estações de Sintra e
Cintura movimentam 12 milhões de
passageiros por mês, metade do total
das estações portuguesas. Segue-se a
Linha de Cascais com 4,6 milhões e a
Linha do Norte (de Santa Apolónia a
General Torres, excluindo Campanhã
que tecnicamente pertence à Linha
do Minho) com 3,8 milhões.
A Linha do Douro (de Ermesinde
ao Pocinho) vale 600 mil passageiros
por mês, a do Algarve 371 mil, a Linha
de Guimarães 178 mil, a Beira Baixa
54 mil e a do Oeste (excluindo Mele-
ças e Figueira da Foz) 30 mil.
No Æm da lista há sete estações e
apeadeiros em que, rezam as estatís-
ticas, só lá entra ou sai um passageiro
por mês. Ficam na Linha da Beira
Alta, na Linha do Tua (entretanto
encerrada) e num troço da Linha do
NUNO FERREIRA SANTOS
Vouga onde os comboios não fazem
serviço comercial e foram substituí-
dos por táxis ao serviço da CP. Eis os
seus nomes: Latadas (concelho de
Mirandela), Travanca-Macinhata (Oli-
veira de Azeméis), Branca e Urgueiras
(Albergaria-a-Nova), Trezói (Mortá-
gua) e Baraçal e Maçal do Chão (Celo-
rico da Beira). A estação de Alberga-
ria-a-Nova, que é servida por táxis da
CP, regista zero passageiros.
Estações dentro das cidades
As três estações com maior movimen-
to são as que servem o centro das
cidades, levando assim o comboio ao
centro das urbes sem que os seus pas-
sageiros tenham de fazer transbordos.
Cais do Sodré, Rossio e São Bento são
estações terminus históricas e as últi-
mas duas precisaram até de um túnel
para atingir o coração da cidade.
Ambas são também magníÆcas obras
de arquitectura dos Ænais do séc. XIX
e inícios do séc. XX.
Se no séc. XXI continuam a ter o
maior número de passageiros, é por-
que o futuro deu razão a quem na
altura entendeu que o caminho-de-
ferro deveria chegar ao interior dos
núcleos populacionais, administrati-
vos, políticos e empresariais. Uma
realidade reaÆrmada pelo ministro
das Infra-Estruturas e Habitação,
 Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 19

Capitais de distrito Valença

As dez estações com maior
fluxo mensal de passageiros
com mais em 2018

passageiros VIANA DO CASTELO

por mês 56.000
Rede nacional
e suburbano
Só linhas
suburbanas
Em 2018 BRAGA
Barcelos 234.000
1.587.425 Pedro Nuno Santos, que defende que
Leixões Guimarães Cais do Sodré o comboio deve ir ao centro da cida-
Pocinho
de. E agora por razões acrescidas que
Régua se prendem com as questões ambien-
PORTO
tais, o excesso do uso do automóvel
1.500.000 e a falta de espaço nos centros urba-
Espinho nos. Aliás, o Orçamento do Estado
para 2020 sinalizava isso mesmo
como meta, citando um dos pontos
inseridos no PNI (Plano Nacional de
Vilar 1.068.300 Investimentos) até 2030: “Transfor-
AVEIRO Formoso Lisboa Rossio mar a mobilidade urbana através da
420.000 Águeda
ferrovia, isto é, fazer da ferrovia um
elemento estruturante da rede de
Covilhã GUARDA transportes das áreas metropolitanas;
9000 para tal, é necessário garantir que o
Pampilhosa 1.001.260 comboio chega ao centro das cidades,
Porto São Bento devolvendo assim o espaço público
Fig. da Foz Coimbra
Coim
às pessoas.”
No caso de Lisboa, o ranking mos-
COIMBRA tra que, tendo a cidade crescido para
CASTELO
LISBOA 238.000 BRANCO
norte, as estações da velha Linha da
Cintura (que era periférica à data da
5.500.000 16.000 Dez delas 997.999
LEIRIA sua construção) acabaram por se
representam Entrecampos
2000 transformar também em gares cen-
Tomar
38% do total
trais. E o mesmo aconteceu no Porto,
de passageiros
Entroncamento
nc movimentados com Campanhã, que há muito deixou
de ser periférica na cidade. Mesmo
Caldas da Rainha
h PORTALEGRE nas capitais de distrito, a lista das
315 estações com maior Çuxo de passa-
SANTARÉM 886.389 geiros põe no topo as que estão mais
83.000 Crato Lisboa Oriente
Torres Vedrass
inseridas na malha urbana: Aveiro,
Braga, Coimbra, Setúbal e Faro. É
claro que só a localização não basta,
C
Coru
Coruche pois é necessário que o serviço ferro-
Sta. Apolónia
A nia Elvas viário tenha uma elevada frequência
Cascais 868.413
e qualidade para que a estação tenha
Agualva-Cacém
muitos passageiros. Isso explica, aliás,
ÉVORA por que motivo Guarda, Beja, Leiria
Pragal
15.000 e Portalegre têm tão pouca gente.
A coexistência de comboios no cen-
tro das cidades nem sempre é do
SETÚBAL 857.204 agrado dos autarcas. Trofa conseguiu
160.000 Amadora afastar a linha férrea do centro da
Grândola cidade, Espinho enterrou-a, Coimbra
vai fechar a “estação nova” e cidades
24 milhões como Faro e Olhão têm autoridades
de passageiros municipais que não consideram um
Sines Ermidas BEJA por mês
Sado 7000 678.953 privilégio ter o comboio tão próximo.
Estações sem serviço Sete Rios
suburbano nem
Em Lisboa, a Estação de Santa Apoló-
de longo curso
Ourique 528 nia não escapou ao ímpeto da autar-
estações e quia alfacinha que a quis transformar
apeadeiros activos
Régua 35.938 num “espaço verde de ligação ao
Neves Tejo”. A Linha de Cascais não Æcou
Olhão 34.335 Corvo 606.057
Cascais
incólume a algumas intenções de res-
Lagos 30.145 ponsáveis políticos que defenderam
Barcelos 27.579 V. Real
que esta fosse amputada e terminasse
FARO St.º António em Santos, Alcântara ou Algés.
Portimão 27.448 Lagos 106.000 Mas Cais do Sodré com os seus 18
Tavira 24.280 597.896 milhões de passageiros por ano é o
Portimão Tavira Queluz-Belas maior argumento para quem defende
Águeda 17.615
Olhão que o comboio pode ser uma solução
viável para levar as pessoas ao centro
Fonte: Autoridade da Mobilidade e dos Transportes; Infra-Estruturas de Portugal Infografia: Célia Rodrigues e Francisco Lopes
de uma cidade.
20 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
ECONOMIA
A nova lei dá a conhecer à AT, liderada por Helena Borges, obrigação de notificar contribuintes
IRS: fisco obrigado a notificar
pensionistas prejudicados
Impostos
Pedro Crisóstomo
AT e Segurança Social têm
de identificar contribuintes
que receberam pensões em
atraso antes de Outubro de
2019 sem poder corrigir IRS
É uma solução há muito reclamada
pelos pensionistas que estiveram
anos à espera da reforma e, ao rece-
berem o valor de uma só vez, foram
prejudicados no IRS, com uma taxa
efectiva de imposto mais alta do que
pagariam em condições normais.
O fisco vai começar a contactar os
reformados que até agora não conse-
guiram ver reparada a sua situação
fiscal, o que acontece com aqueles
que receberam as pensões em atraso
antes de Outubro do ano passado.
Apesar de existir uma lei em vigor
desde 1 de Outubro de 2019 que pre-
tendia resolver o problema dos refor-
mados prejudicados no IRS (permi-
tindo a esses contribuintes apresentar
declarações de IRS de substituição),
a norma não se aplicava a rendimen-
tos recebidos antes de 2019. E como
muitos pensionistas, depois de anos
de espera, tinham recebido em 2017
ou 2018, não Æcaram abrangidos
pelos efeitos dessa primeira medida
e continuaram penalizados.
Os reformados que receberam os
valores em atraso em 2019, sim, pude-
ram apresentar declarações de subs-
tituição. Mas os que receberam ime-
diatamente antes não puderam impu-
tar esses rendimentos aos anos
concretos a que diziam respeito e, por
isso, nessa impossibilidade, esses
valores continuaram a ser considera-
dos rendimentos do ano em que a
Segurança Social lhos pagou. Com
isso, como o valor de vários anos esta-
va agregado, o rendimento anual do
ano em que esses montantes lhes
foram pagos continuou a ser muito
maior do que o que seria se os valores
fossem divididos, fazendo com que
esses contribuintes saíssem prejudi-
cados no IRS.
NotiÄcação em 60 dias
Agora, uma nova lei publicada em
Diário da República na segunda-feira
obriga os serviços da Autoridade Tri-
butária e Aduaneira (AT), “no prazo
de 60 dias após a publicação” deste
diploma, a notiÆcar por escrito “todos
os pensionistas que tenham recebido
pensões em atraso antes de Outubro
de 2019”, dando a conhecer-lhes a
“possibilidade de rectiÆcação das
declarações de rendimentos referen-
tes a anos anteriores”. Para o fazer, o
Æsco terá de se articular com o Insti-
tuto da Segurança Social.
Depois, os pensionistas terão 30
dias, “contados a partir do Ænal”
ENRIC VIVES-RUBIO
daquele prazo de 60 dias, para entre-
gar à AT a declaração de substituição
referente ao ano em que os rendimen-
tos foram pagos, para aí exercerem a
“opção pelo regime alternativo de
tributação dos rendimentos de anos
anteriores”.
Podendo imputar rendimentos das
pensões em atraso a anos em concre-
to, os pensionistas em causa têm de
entregar as declarações de substitui-
ção, podendo fazê-lo até ao quinto
ano imediatamente anterior ao do
pagamento (caso haja pensões em
atraso até esse período).
A lei entra em vigor 30 dias após a
sua publicação (segunda-feira, 24 de
Agosto) e desde que a lei está publica-
da em Diário da República a directora-
geral da AT, Helena Borges, tem
conhecimento efectivo da obrigação
da Autoridade de implementar os
mecanismos para notiÆcar os contri-
buintes no prazo de 60 dias “após a
publicação” da lei.
Há muito que a Provedora de Justi-
ça Maria Lúcia Amaral alerta para a
“enorme injustiça” sobre estes pen-
sionistas, por serem duplamente
prejudicados (primeiro, com o paga-
mento em atraso; depois, com uma
tributação mais alta). Em Junho, lem-
brava que a Constituição “não impe-
de que o Estado tente melhorar a
situação dos seus concidadãos”.
pedro.crisostomo@publico.pt
Empréstimo europeu de
5,9 mil milhões vai financiar
17 apoios ao emprego
Coronavírus
Pedro Crisóstomo
Bruxelas aprovou proposta
de Portugal. Empréstimo
cobre layoff, apoios a
independentes, pais e o aos
trabalhadores do SNS
A Comissão Europeia deu seguimen-
to à proposta apresentada pelo
Governo de António Costa e decidiu
propor ao Conselho Europeu que
Portugal receba um empréstimo de
5900 milhões de euros da União
Europeia, ao abrigo do programa
Sure, para pagar apoios de resposta
à pandemia na área do trabalho.
Ao todo, o valor do empréstimo
Ænancia ou co-Ænancia 17 medidas,
desde pagamentos do layoff simpli-
Æcado ao prémio de desempenho
aos trabalhadores do Serviço Nacio-
nal de Saúde envolvidos no comba-
te à covid-19, passando pelos apoios
aos trabalhadores independentes e
em situação de desprotecção social,
pelos apoios aos pais que tiveram de
Æcar em casa para acompanhar os
Ælhos ou pelo incentivo extraordi-
nário à normalização da actividade
empresarial.
O Sure — acrónimo em língua
inglesa para o instrumento de apoio
temporário para atenuar os riscos de
desemprego numa situação de emer-
gência — é um programa que funcio-
na à base de empréstimos. A Comis-
são Europeia, beneÆciando do rating
máximo que lhe é atribuído pelas
principais agências de notação Ænan-
ceira, vai aos mercados angariar
verbas a custos mais baixos e a União
Europeia empresta aos Estados-
membros que adiram ao Sure.
Para já, estão aprovados 16 pedi-
dos de adesão, está para breve uma
decisão relativamente à Hungria e
depois caberá ao Conselho Europeu
dar luz verde às propostas apresen-
tadas pela Comissão Europeia.
O empréstimo exacto a Portugal
deverá ser de 5.934.462.488 euros e
terá uma maturidade máxima de 15
anos. O valor chegará por tranches
ao longo de 18 meses a contar do dia
seguinte àquele em que a decisão
entrar em vigor.
Na segunda-feira, a Comissão
Europeia já tinha dado a conhecer
as propostas apresentadas relativa-
mente a 15 Estados-membros, que
somavam um total de empréstimos
de 81.400 milhões de euros. Agora
com Portugal incluído, os Ænancia-
mentos europeus sobem para
87.300 milhões.
Os empréstimos, aÆrma em comu-
nicado a Comissão Von der Leyen,
“ajudarão Portugal a fazer face aos
aumentos súbitos da despesa públi-
ca destinadas a preservar o empre-
go”, em concreto, “a cobrir os custos
directamente relacionados com o
Ænanciamento do seu regime nacio-
nal de redução do tempo de traba-
lho”. A principal fatia será essa.
Apesar de o Programa de Estabili-
zação Económica e Social apresenta-
do em Junho apenas referir três medi-
das de apoio Ænanciadas pelo Sure,
num total de 1182 milhões, a proposta
portuguesa inclui muitas outras.
Por exemplo, além de abarcar o
layoff simpliÆcado (suspensão dos
contratos ou redução do tempo de
trabalho), o Sure servirá também
para cobrir os custos com o meca-
nismo do layoff tradicional e com o
sucedâneo do layoff simpliÆcado.
Ou as várias medidas de apoio aos
trabalhadores independentes ou
outros proÆssionais não abrangidos
por esta primeira medida de respos-
ta à quebra da actividade. Também
são incluídas as várias medidas de
apoio ao emprego trabalhadas pelos
Sure foi criado
pela Comissão de
Ursula von der
Leyen para apoiar
o emprego no
contexto da
covid-19
governos regionais dos Açores e
Madeira. Ou simplesmente apoios a
trabalhadores por conta de outrem
e trabalhadores independentes que
têm de Æcar em isolamento proÆlác-
tico por causa da covid-19.
Alemanha e França de fora
O empréstimo europeu é menos
apetecível para países que conse-
guem Ænanciar-se a custos baixos e,
por isso, não surpreende que nem
todos os parceiros europeus tenham
aderido, como é o caso da Alema-
nha, da França ou dos Países Baixos.
Itália e Espanha foram os Estados-
membros que pediram os emprésti-
mos mais elevados. Itália deverá
receber 27.400 milhões e Espanha
21.300 milhões de euros.

Economia alemã
contrai-se 9,7% no
segundo trimestre
Alemanha
Rita Robalo Rosa
Défice orçamental da
Alemanha atingiu 3,2%
do PIB no primeiro
semestre de 2020. Despesa
pública aumentou 9,3%
A Alemanha viu o produto interno
bruto (PIB) cair 9,7% entre Abril e
Junho em comparação com os pri-
meiros três meses do ano. Os dados
foram ontem divulgados pelo Institu-
to Federal de Estatística (Destatis).
Segundo o gabinete de estatística,
esta queda em cadeia é muito supe-
rior à da crise Ænanceira de
2008/2009, em que o PIB diminuiu
4,7% no primeiro trimestre de 2009.
É também a maior queda desde
1970, ano em que o Destatis iniciou
estas análises. Ainda assim, a queda
é inferior à que se esperava em Julho
(de 10,1%).
Além disso, a resposta da Alema-
nha à pandemia resultou num déÆce
orçamental de 3,2% do PIB no primei-
ro semestre do ano, em comparação
com o mesmo período em 2019. A
despesa pública cresceu 9,3% nos
primeiros seis meses de 2020. O con-
junto das administrações centrais,
regionais e locais, mais o fundo de
Segurança Social, gastaram nesse
período 51,6 mil milhões de euros a
mais do que o valor arrecadado.
Analistas ouvidos pelo El País vati-
cinam que é a intensidade da segunda
vaga de covid-19 que irá determinar
Chanceler Angela Merkel
enfrenta queda histórica do PIB
o crescimento da economia alemã,
muito inÇuenciada pela relação com
o exterior, segundo o jornal espanhol.
Assim, o contexto está marcado por
incertezas como “Brexit”, tensões
entre EUA e China e, obviamente, a
própria crise mundial provocada pela
pandemia.
Segundo o instituto de estatística
germânico, a Alemanha sofreu uma
queda de 20,3% nas exportações no
segundo trimestre e de 16% nas
importações. Já o consumo interno
caiu 10,9% entre Abril e Junho, face
ao primeiro trimestre. Segundo Cars-
ten Nickel, analista ouvido pelo El
País, a procura interna tem sido uma
ajuda para a economia alemã, mas
tudo pode mudar, caso se entre de
novo em conÆnamento.
Claus Michelsen, chefe do Depar-
tamento de Previsões Económicas e
Políticas do Instituto Alemão de Inves-
tigação Económica, explicou, de
acordo com o jornal espanhol, que a
procura interna está a recuperar no
Verão, bem como alguns sectores
afectados pelo conÆnamento. No
entanto, referiu que a procura exter-
na não está à crescer tanto quanto
esperado. “Receamos que a baixa
procura por parte da zona euro e dos
Estados Unidos diÆculte a recupera-
ção e, acima de tudo, receamos uma
segunda vaga [da covid-19]”, disse.
Em Junho, as exportações aumen-
taram 14,9% face a Maio deste ano,
mas em comparação com Junho de
2019 caíram 9,4%. As exportações
para países da União Europeia dimi-
nuíram 7,4% e para os EUA 20,7%,
face ao período homólogo. Porém, as
exportações para a China cresceram
15,4% no mesmo mês.
O jornal espanhol explica que algu-
mas empresas alemãs resistiram nes-
ta crise graças à redução do horário
de trabalho — decisão política alemã
para evitar o desemprego, mas que
reduziu o rendimento da população.
“Se as empresas fecharem, o desem-
prego será inevitável”, disse Michel-
sen. Os dados ontem publicados indi-
cam que se registou já o declínio mais
forte no emprego desde a reuniÆca-
ção alemã.
O instituto económico Ifo acredita,
contudo, que a economia do país está
“a caminho da recuperação”, tendo
em conta uma melhoria do ambiente
empresarial, segundo comunicado
divulgado ontem. com Lusa
rita.rosa@publico.pt
Breves
Comércio
Loures, Amadora e
Odivelas mantêm 20h
como hora de fecho Opinião
Três municípios da Área
Metropolitana de Lisboa —
Loures, Amadora e Odivelas —
que tiveram freguesias em
situação de calamidade,
continuam sem alterar o
horário de funcionamento dos
estabelecimentos comerciais,
mantendo as 20h como hora
de encerramento da
generalidade do comércio.
Há uma semana e meia, o
Conselho de Ministros atribuiu
aos presidentes de câmara
dos 18 municípios da Área
Metropolitana de Lisboa
(AML), que se mantém em
estado de contingência
devido à pandemia de
covid-19, a possibilidade de
alterar os horários de
funcionamento dos
estabelecimentos comerciais.
Poupança
Contribuições para
fundos de pensões
sobem 40% até Junho
As contribuições para os
fundos de pensões
aumentaram 40,2%, para
669,9 milhões de euros, no
primeiro semestre deste ano,
face ao período homólogo,
afirmou ontem a Autoridade
de Supervisão de Seguros e
Fundos de Pensões (ASF). Já
os benefícios pagos
registaram um crescimento de
3,2%, em termos homólogos,
para 388,9 milhões de euros.
O número de fundos de
pensões passou para 233 em
Junho e os montantes geridos
totalizaram cerca de 21,7 mil
milhões de euros. “Tendo em
consideração as contribuições
entregues aos fundos e as
respectivas pensões pagas, a
rentabilidade dos fundos de
pensões, face ao final do ano
de 2019, foi de -1,9%”, lê-se no
relatório da ASF.
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 21
Lisboa, capital
marítima
Jorge d’Almeida
Apesar da nossa apregoada
vocação marítima, Portugal ocupa
a 67.ª posição no shipping
mundial, atrás de países sem
tradição marítima, como
Luxemburgo e Bangladesh.
Lisboa, que já foi a maior capital
marítima mundial, nem sequer é
mencionada no conhecido
ranking da Menon Economics
(https://www.menon.no/wp-
content/uploads/Maritime-cities-
2019-Final.pdf ). No entanto,
Portugal, e não só Lisboa, reúne
hoje excelentes condições para
voltar a ser um grande centro de
shipping, bastando para tal a
conjugação inteligente de políticas
públicas com a iniciativa privada.
O shipping, que infelizmente
não tem tradução para português,
compreende o transporte
marítimo e um conjunto de
serviços conexos de natureza
técnica, comercial, Ænanceira,
jurídica, etc. É o principal pilar da
economia do mar azul, circular e
sustentável. Na União Europeia,
em 2018, a “economia azul”
registou cinco milhões de
trabalhadores e um valor
acrescentado bruto (VAB) de 218
mil milhões de euros, que
representam 2,2% e 1,6% do total,
respetivamente. Portugal está bem
acima da média europeia, com
quotas de 5,5% e 3,2%,
respetivamente. Contudo, os
dados sobre Portugal são
particularmente reveladores
quando comparamos o peso do
transporte marítimo com o de
outros países marítimos europeus:
VAB de €83M ou 1,4% da economia
azul em Portugal, contra o Reino
Unido com €4,501M ou 10,5%, a
Grécia com €1,119 ou 13,3% e a
Dinamarca com €4,562 ou 40,2%.
Reconhecendo esta realidade,
um grupo de cerca de 50
proÆssionais ligados ao mar
tomaram a iniciativa de lançar um
repto aos nossos atores públicos
(Governo, autarquias, regiões) e
privados (empresas, associações)
ECONOMIA
no sentido de agirem rapidamente
e de forma concertada na
construção de uma ação de política
pública que permita a Portugal
assumir-se e cimentar-se como um
destino para a atividade do
shipping internacional. Esta
iniciativa foi consubstanciada num
Livro Branco que elenca um
conjunto de medidas a tomar,
sobretudo de natureza
administrativa, jurídica e Æscal,
para colocar Portugal em pé de
igualdade com os seus
concorrentes europeus. O inegável
sucesso do Registo Internacional
de Navios da Madeira (MAR) junto
de armadores internacionais,
sobretudo europeus, torna possível
ambicionar o objetivo razoável de
captar 5% do shipping europeu. O
impacto estimado é de 100.000
postos de trabalho e de €7 mil
milhões ou 3,5% do PIB.
Esta iniciativa surge num
momento particularmente
oportuno: o “Brexit” no Reino
Portugal reúne
hoje excelentes
condições para
voltar a ser
um grande centro
de shipping
Unido e a alteração do estatuto
político de Hong Kong, dois dos
maiores centros de shipping do
mundo, estão a forçar a
relocalização de muitos armadores
de referência. Por outro lado, o
plano de recuperação que o
Governo está a preparar para
apresentar à Comissão Europeia,
com vista à utilização dos fundos
europeus disponíveis a partir de
2021, pretende formular uma nova
visão para Portugal no horizonte de
uma década, servindo de
referencial para o modelo de
desenvolvimento do país num
contexto pós-covid. Seria
imperdoável desperdiçar esta
oportunidade para recolocar Lisboa
no grupo das 50 principais capitais
marítimas do mundo.
Gestor e professor universitário
22 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
MUNDO
“A explosão em Beirute
lembrou-me a guerra na Síria”
São refugiados. Vivem há anos em tendas,
no Líbano. Fugiram à guerra na Síria. A
covid-19 está a matar-lhes a família lá e a
espalhar-se no campo. Mas quando viram
a explosão em Beirute quiseram ir ajudar
Reportagem
Alexandra Lucas Coelho,
em Beirute
Estamos na estrada
Beirute-Damasco. Um saltinho,
mais rápido do que Lisboa-Porto —
não fosse a guerra. Pouco antes da
fronteira com a Síria chegaremos a
Bar Elias, zona que concentra
vários campos de refugiados sírios.
O nosso destino é um deles.
O Líbano está em conÆnamento
por causa da pandemia, e na
sequência da brutal explosão que
destruiu parte de Beirute (o que
também impede que ocorram
protestos). Mas os condutores
libaneses não parecem muito
conÆnados. Já na véspera o trânsito
era intenso nas montanhas em
torno de Beirute, onde muitos
habitantes da capital estavam a
passar a pandemia, outros
chegaram a seguir a explosão. E esta
manhã, convém mesmo manter os
olhos na estrada, porque o Çuxo é
forte, muitas vezes acrobático.
A auto-estrada sobe, depois
desce, recorte de montanhas áridas,
douradas. Quando entramos no
Vale de Beqaa, começam a
suceder-se os checkpoints do
Exército. Não calha sermos
parados, mas os carros abrandam
sempre, os soldados entediados,
transpirados, espreitam para
dentro, e voltamos a acelerar, entre
blocos de betão pintados com as
cores do Líbano, coroados de arame
farpado.
Beqaa é o coração do Hezbollah,
o movimento xiita mais poderoso
do Líbano, como se vê pela
quantidade de cartazes, rostos,
bandeiras. E pelos estandartes
vermelhos e negros que enfeitam os
separadores centrais, assinalando
os dez dias da Ashura, festividade
xiita comparável à Páscoa dos
católicos. Dias particularmente
sensíveis para os crentes. Mas Beqaa
é também uma extensão fértil do
Líbano, vinhas quase maduras,
melancias já à venda no caminho,
copas carregadas de maçãs
pequeninas. Deliciosas, como verei.
Também há culturas mais
secretas, ou menos oÆciais, como o
haxixe, que é um dos negócios do
vale, e uma das razões por que na
estrada que depois continua até
Baalbek se somam uma dúzia de
checkpoints.
Horror e crise
A gentil anÆtriã que nos espera em
Bar Elias é Lynn, 23 anos, muito
branca, sardenta, de olhos azuis,
“mas cem por cento síria”. Uma
Ægura de menina que já viu todo o
horror. Tinha 16 anos quando fugiu
debaixo de bombardeamentos da
cidade de Homs, num dos mais
brutais anos e cercos da guerra
síria — ou seja, é uma refugiada, ela
mesma, a trabalhar para a Sawa for
Development and Aid, ONG
libanesa que apoia vários campos
aqui.
Subimos ao modesto escritório da
Sawa, o lema na parede “Não me
dês o peixe, ensina-me a pescar”.
Lynn e o seu colega Abdulhadi, 27
anos e olhar de fogo, contam
histórias de estratagemas que O Líbano, país podem trabalhar legalmente, a não ao longo das tendas do campo —
algumas pessoas usam para passar a ser integrados em ONG. “Tudo se chão de pedras, empoeirado;
fronteira. Os passadores cobram minúsculo, já teve tornou muito caro no Líbano, e os roupas e colchões estendidos na
entre 200 e 500 dólares consoante milhão e meio de salários não aumentaram”, diz cerca de arame, a Síria logo ali
o carro seja mais ou menos velho. Abdulhadi. “Um garrafão de óleo de adiante, do outro lado da montanha
Mas o grande risco é ser apanhado refugiados sírios, cozinha custava 7000 libras, agora — todas as pessoas que aparecem,
pelas tropas de Assad. agora bem menos. 40 mil.” E apesar de tudo o que já sobretudo mulheres e crianças, não
O Líbano, país minúsculo, já teve sofreram, ou justamente por isso, estão de máscara.
milhão e meio de refugiados sírios, Há várias versões “vários dos refugiados foram ajudar Vem agora a excepção, um sírio
agora bem menos. Há várias versões sobre o número em Beirute depois da explosão”. chamado Abu Omar, 42 anos,
sobre o número actual, Lynn Chega Omar, o sírio que irá coxeando um pouco da perna
acredita que “serão 85 mil”. Nos actual, Lynn connosco ao campo chamado direita. A sua compatriota com
campos aqui em volta, a maioria das acredita que Abrar, onde moram 60 famílias. quem íamos falar aÆnal foi para o
pessoas fugiram de Homs, Quer apresentar-nos a Oum Said, hospital, não se estava a sentir bem.
Der-er-Zor (junto ao rio Eufrates), “serão 85 mil” uma das refugiadas que fez questão Mas Abu Omar também esteve a
das zonas rurais de Damasco, e de de ir a Beirute ajudar. “Não apenas ajudar em Beirute depois da
Raqqa, antes de a cidade se tornar a os sírios lá, toda a gente.” explosão, e convida-nos a entrar na
capital do Daesh. “A Síria era o galopante, depois a pandemia, o Lynn explicara que os casos de sua tenda.
paraíso de Deus na Terra”, diz o Líbano tornou-se tão difícil que covid se estão a multiplicar dentro Estas tendas são uma mistura de
intenso Abdulhadi. “Agora é o seu “muitos refugiados pensaram voltar dos campos e que devíamos estar plástico, tecido, contraplacado e
inferno.” à Síria”, diz Lynn. “Aqui estão só à sempre de máscara, manter a metal. Há portas precárias com
Mas com crise Ænanceira, inÇação espera. Não há nada para eles.” Não distância. Mas quando avançamos fechaduras, parabólicas,

FOTOS: ALEXANDRA LUCAS COELHO
ventoinhas, tanques de água. Na
“sala” de Abu Omar, colchões e
almofadas para sentar no chão,
como é tradicional nas casas árabes.
Um frasco de álcool-gel agora em
destaque, voltado para a televisão.
Abu Omar e Omar sentam-se lado a
lado, e ambos puxam a máscara
para o queixo. Não há muito espaço
cá dentro, estamos tão distantes
quanto possível. Ventoinha ligada.
Abu Omar fugiu em 2012 da zona
rural de Damasco. A ponta perdida
do seu indicador direito ajuda a
contar como. “Estávamos cercados,
a ser bombardeados. Quando fui
buscar o meu carro, uma bomba
caiu, saltou vidro, Æquei cheio de
sangue e de repente não tinha parte
do dedo.”
Foi assim que agora, a 4 de
Agosto, sendo um refugiado,
A vida dos refugiados sírios
piorou muito com a pandemia e
a crise no Líbano. Em cima,
Jamila e a mãe; em baixo, Abu
Omar à esquerda
quando viu pela TV o que
acontecera na capital libanesa, quis
ir lá ajudar. “A explosão em Beirute
lembrou-me a guerra na Síria, de
como tivemos ajuda quando
estávamos a ser bombardeados.” E
antes de ver o que acontecera no
ecrã, vira o céu aqui por cima:
“Estava púrpura, com fumo.” A 60
quilómetros de Beirute. Então, a
explosão no porto foi numa
terça-feira, e sábado de manhã Abu
Omar estava lá. “Imaginei que fosse
preciso e voluntariei-me.” Nunca
tinha ido a Beirute na sua vida, foi
levado até Mar Mikhael, o bairro
mais destruído. “Ajudei a limpar, a
tirar pedras, portas, janelas.” O que
caíra com o impacto.” Voltou ao Æm
do dia à tenda — sua morada, com a
mulher e duas Ælhas, de 10 e 14 anos.
Tem mais um Ælho de 16 que fugiu
para a Síria depois de uma
discussão familiar, e entretanto já
esteve doente com covid-19, lá.
“O surto de covid na Síria é
devastador”, diz Lynn. “Milhares
estão a morrer e ninguém fala disso.
A minha tia-avó acaba de morrer
lá.” Abu Omar conÆrma: “A minha
mãe lá está doente. O meu primo
morreu há dois dias e os corpos não
estão a ser entregues às famílias,
tiveram de tirar o corpo do meu
primo às escondidas.” Lynn
acrescenta: “As pessoas na Síria
temem o tráÆco de órgãos.”
Mas aqui no Líbano a vida piorou
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 23
7000
libras libanesas (uns quatro
euros) era quanto custava antes
um garrafão de óleo de cozinha,
agora, com a crise económica
no Líbano, custa 40 mil libras
(22,50 euros)
muito, conta Abu Omar. “Ontem vi
gente a comer pão com bolor, gente
a chorar com fome. Eu conseguia
sustentar a família aqui e os meus
pais na Síria, agora mal consigo dar
de comer à família aqui.” O pai
morreu entretanto. Abu Omar
trabalhava informalmente como
motorista, com uma carrinha, e
com a revolução, desde Outubro, e
sobretudo a pandemia, desde
Março, quase toda a gente deixou de
ir para o trabalho, de usar
transporte, as escolas estão
fechadas. Distribuição de comida
neste campo de refugiados, “só no
Ramadão”.
Mas voltar à Síria, para ele, não é
opção. “Enquanto governarem os
mesmos, há pouca esperança.
Queria ir para outro lugar. Queria
que os meus Ælhos apanhassem um
avião.” Faz uma pausa, sorri,
melancólico. “Devíamos ter nascido
há 100 anos. Ou daqui a 100 anos.”
Mãe e Älha
Jamila é uma mulher toda de negro
entre as tendas brancas, o chão
branco. A entrada da tenda onda
mora com a sua mãe, Fatuma, está
protegida com uma “cortina”, que
é um plástico do UNHCR, a agência
da ONU para os refugiados,
embora este não seja um campo
gerido pela ONU, apenas com
alguns materiais oriundos de lá. E
por trás dessa “cortina” está o
jardim delas: potes de plástico e
latas de comida agora cheias de
terra, com plantas. Entrando, é
fresco, calmo, ventoinha ligada,
colchões e almofadas para sentar
no chão. À noite, serão as camas
delas. É assim nas casas pobres
tradicionais desta parte do mundo.
E como em geral nesta parte do
mundo, mal Lynn e eu nos
sentamos, já mãe e Ælha estão a pôr
à nossa frente pratos de pepinos,
de bolachas Maria, e de maçãs
pequeninas do Vale de Beqaa, com
o cuidado de duas pequenas facas
para cortar os gomos. Jamila
acende um bico de gás para fazer
chá, Fatuma abre ainda um pacote
de bolachas de chocolate.
Partilham o que têm. Por trás de
um pano há uma cozinha
improvisada, com um lava-loiças
improvisado, tudo organizado.
Fatuma, 73 anos, carisma de
quem não tem medo de qualquer
câmara, senta-se imponente, véu
negro atirado para trás de cada
ombro. Jamila, 37 anos, corpo muito
mais escondido do que a mãe, a
princípio nem quer aparecer na
fotograÆa. Mas vai buscar orgulhosa
o seu croché, destapa a sua
máquina de costura. Assim ganha
para o sustento de ambas. O marido
de Fatuma, pai de Jamila, morreu. E
Jamila divorciou-se do marido. Algo
não muito comum num meio
tradicional. Ela conta a história,
enquanto as mãos voam no croché.
Conheceu o marido, um libanês,
quando ele foi à Síria visitar a irmã,
casada com um sírio. Jamila
casou-se com ele no meio da guerra.
“Na noite do casamento, o prédio
ao lado foi bombardeado, ruiu.” Ao
Æm de 20 dias conseguiram sair,
decidiram vir para o Líbano. Mas o
casamento só durou ano e meio. “A
minha sogra era muito racista,
anti-sírios.” Lynn, que está a
traduzir, diz que Jamila repete a
palavra “racista” cinco vezes, e que
os sírios no Líbano sentem com
frequência isso. “A minha sogra
insistiu no divórcio, até que eu não
aguentei mais”, diz Jamila.
Divorciou-se e veio com a mãe — que
entretanto chegara ao Líbano —
para uma tenda de refugiados.
Fatuma deu à luz mais oito Æhos.
Um morreu na guerra, outro está no
Líbano, os restantes na Síria, três
deles cercados em Idlib.
Até Outubro, Jamila conseguiu
trabalhar numa creche, mas com a
revolução que estalou no Líbano as
estradas Æcaram cortadas, e depois
veio a pandemia. Foi quando
recorreu ao croché e à costura. Aí
estava quando aconteceu a
explosão: “Fiquei destroçada, foi
como se fosse comigo. É o país em
que vivemos. Bebemos a água
daqui, comemos a comida daqui.
Quis ir ajudar, dei o meu nome,
como voluntária.” Mas a mãe mal
consegue andar, Jamila acabou por
desistir.
Na mesquita vizinha, o muezzin
começa a chamar para a oração.
Jamila levanta-se como quem tem
uma ideia, traz uma bolsa preta. É o
seu pequeno tesouro: um
estetoscópio e uma bomba para
medir a pressão. “Eu queria ter
estudado para fazer isto, mas
aprendi sozinha. Tratei de feridos
durante a guerra na Síria.” Se a mãe
não precisasse dela, teria ido com a
sua bolsinha para Beirute.
24 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
MUNDO
Noite de distúrbios
no Wisconsin em protesto
contra mais um caso
de violência policial
Estados Unidos
Alexandre Martins
Pai de Blake diz que o filho
foi atingido com oito tiros e
está paralisado da cintura
para baixo, mas ainda não
se sabe se pode recuperar
Os protestos na cidade norte-ameri-
cana de Kenosha, no estado do Wis-
consin, em resposta a mais um caso
de violência policial contra um cida-
dão negro, tornaram-se violentos ao
cair da noite de segunda-feira depois
de um início pacíÆco em frente ao
tribunal local. Durante as primeiras
horas de ontem, várias lojas e restau-
rantes foram pilhados e queimados,
o que deixou os habitantes locais divi-
didos entre a defesa da revolta e a
condenação dos distúrbios.
Assim que o recolher obrigatório
entrou em vigor, a polícia de interven-
ção começou a lançar gás lacrimogé-
neo contra a multidão, que se mani-
festava de forma pacíÆca em frente
ao tribunal do condado de Kenosha,
mas que resistia às ordens para se
retirar. Nas horas seguintes, centenas
de pessoas começaram a juntar-se aos
protestos e a situação Æcou fora de
controlo.
“Esta é a nossa cidade”, disse Mike
Mehlan, um habitante de Kenosha, de
33 anos, ao New York Times. “As pes-
soas perderam completamente a
cabeça.” De acordo com Mehlan, pelo
menos 20 automóveis pararam em
frente a uma estação de serviço e os
seus ocupantes saíram para vandali-
Protestos em Nova Iorque contra a violência policial
zar, pilhar e incendiar esse e outros
estabelecimentos.
“O nosso bairro é pobre”, disse ao
Washington Post outra moradora, de
69 anos, que se identiÆcou como
Debbie e que trabalhava no super-
mercado destruído pelo fogo. “Alguns
de nós não ganhamos o suÆciente, e
agora Æcámos encurralados.”
Mas outros habitantes de Kenosha
mostraram-se mais compreensivos,
responsabilizando a polícia pelos dis-
túrbios. “Acho que ninguém deve
destruir nada, mas os polícias têm de
começar a justiÆcar o seu salário”,
disse Brandel Gordon, de 26 anos, ao
Washington Post. “Esta cidade precisa
de uma reforma social.”
Blake, de 29 anos, foi baleado à
queima-roupa no momento em que
tentava entrar numa carrinha pelo
lado do condutor, e onde estavam
sentados, no banco de trás, os seus
três Ælhos, de três, cinco e oito anos.
De acordo com declarações do pai
ao Chicago Sun-Times, o Ælho foi atin-
gido oito vezes e está paralisado da
cintura para baixo, não sabendo ain-
da os médicos se essa condição é per-
manente ou transitória. “Que razão
tinham para todos esses tiros?”, ques-
tionou o pai, também chamado Jacob
Blake. “Que razão tinham para fazer
isso em frente aos meus netos?”
O caso está a ser investigado pelo
Departamento de Justiça do Wiscon-
sin, que promete anunciar uma deci-
são nos próximos 30 dias sobre se vai
avançar para uma acusação formal,
ou se não encontrou indícios e manda
arquivar o processo.
alexandre.martins@publico.pt
JUSTIN LANE/EPA
Chin'ono está preso em “condições horrendas”, diz advogado
Jornalista detido
por denunciar
corrupção no poder
Zimbabwe
Pedro Bastos Reis
Hopewell Chin’ono está há
um mês na prisão e não
sabe quando será julgado.
Tribunais rejeitaram três
pedidos de caução
O jornalista Hopewell Chin’ono está
detido há um mês a aguardar julga-
mento, cuja data ainda não foi Æxa-
da. Por três vezes o seu advogado
pediu a libertação sob caução e por
três vezes o pedido foi negado pelo
tribunal — a última das quais esta
segunda-feira. Uma da vozes mais
críticas do Presidente do Zimbabwe,
Emerson Mnangagwa, Chin’ono tem
denunciado casos de corrupção no
país envolvendo altas Æguras ligadas
ao poder, nomeadamente o Ælho do
chefe de Estado, Collins Mnan-
gagwa.
Quando foi detido, a 20 de Julho,
o jornalista foi acusado de promover
manifestações contra o executivo a
que Mnangagwa chamou “insurrei-
ção para derrubar um governo
democraticamente eleito”.
“Temos insistido que o Estado nos
deve dar uma data para o julgamen-
to, porque não há mais investigações
em curso. Esperamos ter uma data
no próximo dia 1 de Setembro”, dis-
se Doug Coltart, um dos seus advo-
gados, ao PÚBLICO.
No passado mês de Junho,
Chin’ono, de 49 anos, expôs um
escândalo de corrupção envolvendo
Collins Mnangagwa, Ælho do Presi-
PHILIMON BULAWAYO/REUTERS
dente, e a Drax International, empre-
sa com sede nos Emirados Árabes
Unidos que lucrou 60 milhões de
dólares com a venda de equipamento
médico para a covid-19, numa altura
em que o Governo tem sido criticado
pela sua gestão da pandemia, no meio
de uma grave crise económica.
Cerca de um mês depois, o jorna-
lista foi detido na sua casa, acusado
de incentivar os protestos organiza-
dos pelo opositor Jacob Ngarivhume,
também ele detido. Mduduzi
Mathuthu, outro jornalista, que tam-
bém tem denunciado a corrupção na
classe política, fugiu e viu o sobrinho
ser sequestrado e torturado. Denún-
cias semelhantes têm aumentado nos
últimos meses, com relato de perse-
guições a membros da oposição, con-
denadas internacionalmente por
várias ONG, como a Amnistia Inter-
nacional ou a Human Rights Watch.
“Chin’ono está a ser perseguido
pelo Governo e pelas autoridades por
expor a corrupção”, aÆrma Coltart,
denunciando a “escalada dramática”
na perseguição a opositores políticos.
“O estado dos direitos humanos está
a deteriorar-se rapidamente e parece
que ninguém é poupado: jornalistas
e advogados estão a ser visados, assim
como médicos e professores.”
O jornalista “está detido numa cela
para 12 pessoas, mas que tem 42 no
seu interior”. Além disso, “nenhum
dos prisioneiros usa máscara e não há
sabonetes para que possam lavar as
mãos”, o que aumenta as preocupa-
ções em termos de risco de contágio
por SARS-CoV-2, diz o advogado.
pedro.reis@publico.pt
Kremlin não
vai investigar
para já o caso
Navalny
Rússia
Pedro Bastos Reis
O Kremlin aÆrmou ontem que não
vê, para já, necessidade de investigar
as circunstâncias que levaram ao
estado grave de Alexei Navalny, ape-
sar de os médicos do hospital alemão
onde está internado o opositor do
Presidente russo, Vladimir Putin,
terem detectado a presença de sub-
stâncias químicas no corpo do advo-
gado de 44 anos, que está em coma.
“Tem de haver um motivo para
uma investigação. Até ao momento,
tudo o que vemos é que o doente está
em coma”, disse Dmitri Peskov, por-
ta-voz do Kremlin, numa conferência
de imprensa, citado pela Reuters.
Após o diagnóstico da equipa
médica do Hospital Charité, em Ber-
lim, na segunda-feira, a chanceler
alemã, Angela Merkel, apelou a Mos-
covo para que investigue “urgente-
mente” as suspeitas de envenena-
mento. “À luz do papel proeminente
desempenhado por Navalny na opo-
sição política na Rússia, as autorida-
des locais são chamadas a investigar
urgentemente este crime até ao últi-
mo pormenor”, aÆrmou Merkel. “Os
responsáveis devem ser identiÆcados
e responsabilizados”, acrescentou.
O Kremlin descartou a necessidade
de uma investigação, sublinhando
que, até agora, “nenhuma substância
foi identiÆcada”, pelo que a tese de
envenenamento “é apenas uma das
muitas pistas” a ser seguidas.
Peskov acusou os médicos alemães
de estarem a precipitar-se em relação
à tese de envenenamento. “Não
entendemos o porquê de os colegas
alemães estarem com pressa em rela-
ção à palavra envenenamento”, disse.
No entanto, o porta-voz do Kremlin
também garantiu que, caso se chegue
à conclusão de que houve realmente
envenenamento, as autoridades rus-
sas realizarão uma investigação.
A equipa médica do Hospital Cha-
rité detectou inibidores da colineste-
rase, que incluem o gás sarin, gás VX
ou insecticidas, que podem ter efeitos
no sistema nervoso, mas ainda não
conseguiram especiÆcar que substân-
cia é. Os resultados Ænais e conclusi-
vos podem levar vários dias. O hospi-
tal de Omsk, na Sibéria, onde Navalny
foi tratado inicialmente descartaram
o envenenamento e apontaram,
antes, para uma doença metabólica
causada pela falta de açúcar.

Adolescentes mortos por violarem
estado de emergência em Angola
Organizações de direitos humanos têm “16 mortes registadas” e já investigaram com pormenor sete,
incluindo a de um menino de 14 anos. As mortes continuam e a última ocorreu no domingo em Luanda
Covid-19
Sofia Lorena
As forças de segurança com a res-
ponsabilidade de fazer cumprir as
restrições ligadas à pandemia de
covid-19 em Angola mataram pelo
menos 16 pessoas, denunciaram
ontem a Amnistia Internacional e a
organização angolana Omunga. No
relatório agora divulgado descre-
vem sete destas mortes, todas de
“rapazes e jovens” de baixos rendi-
mentos.
“Estamos a falar de vítimas muito
jovens. Uma tinha 14 anos, mas já era
um dos membros da família que con-
tribuía para as despesas. A mãe está
separada e o miúdo fazia trabalhos
para ajudar, até no pagamento da
renda”, descreveu por telefone ao
PÚBLICO João Malavindele, director
executivo da Omunga.
Quando as ONG falam em “viola-
ções das regulamentações do estado
de emergência para controlar o alas-
tramento da covid-19”, estão a refe-
rir-se geralmente a pessoas que con-
tinuaram a sair de casa para garantir
que havia comida na mesa. “O com-
bate à propagação tem de ter em
conta a realidade de cada povo. Nós
vivemos muito do que se produz no
dia-a-dia, é a cada dia que muitos
arranjam o que fazer para ganhar o
que comer”, recorda o activista.
Na prática, estas mortes acontece-
ram no contexto de situações a que
“podemos chamar rixas, confrontos,
entre cidadãos e polícias”. E as mor-
tes continuam: “Sabemos que serão
mais do que as que registámos. E o
número de 16 vai continuar a aumen-
tar. Há dois dias aconteceu a mesma
coisa, no domingo. Um homem que
não tinha máscara posta foi morto”
em Luanda.
Para além das vítimas mortais,
muitas pessoas sofreram “violência
e tortura” às mãos dos agentes a pre-
texto da pandemia.
“A nossa polícia é violenta”, subli-
nha Malavindele. “Por falta de senti-
do de humanização, por falta de
formação, parte sempre para a vio-
lência, é a primeira a violar a lei”,
diz. “Se não levas um tiro logo à pri-
meira, és levado a tribunal e simples-
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 25
AMPE ROGERIO/EPA
mente condenado por desacato à
autoridade ou desobediência”, expli-
ca. “Um slogan que se usa aqui é ‘A
polícia é amiga do povo’. Não é.”
Acontece em Angola as autorida-
des falarem “nos agentes como víti-
mas dos cidadãos”, mas a verdade é
que é fácil surgirem situações em
que alguém reage de forma menos
própria quando tem de lidar com
forças policiais. “É muita a arrogân-
cia, muita petulância a que temos
veriÆcado nesta fase.”
A uma cultura institucionalizada
juntou-se a “carta-branca” que os
agentes sentiram ter na luta contra
o novo coronavírus. “Aqueles que
Há dois dias
aconteceu a
mesma coisa, no
domingo. Um
homem que não
tinha máscara
posta foi morto em
Luanda
João Malavindele
Director da ONG Omunga
têm responsabilidade não ajudaram,
proferiram-se discursos muito mus-
culados. Claro que o polícia que está
na rua e ouve o seu superior a falar
daquela maneira sente-se legitimado
a agir como quiser”, sublinha.
“Dar voz às famílias”
As sete mortes denunciadas neste
primeiro trabalho das duas organi-
zações aconteceram todas em Luan-
da, a capital, o foco da pandemia no
país, e ao longo de dois meses. A
maioria no período em que esteve
em vigor o estado de emergência, de
27 de Março a 25 de Maio, quando se
passou a “situação de calamidade
pública”.
Apesar de terem muito material
que não incluíram neste relatório, as
Durante a pandemia notou-se a “muita arrogância” da polícia organizações não quiseram esperar
MUNDO
mais para lançar um apelo ao Gover-
no angolano e também às autorida-
des internacionais que possam con-
tribuir para a pressão necessária a
uma mudança de atitude. Ao mesmo
tempo, diz Malavindela, era preciso
“dar voz às próprias famílias” que,
depois de tudo, esperam por ver
cumpridas “promessas de apoios
económicos do Estado”. Isto quan-
do, em alguns casos, “nem se fez um
funeral digno”.
“As histórias que ouvimos de fami-
liares e testemunhas são angustian-
tes”, aÆrma, por seu turno, Deprose
Muchena, director da Amnistia Inter-
nacional para a África Austral, no
comunicado em que se revelam as
conclusões da investigação realizada
com a Omunga. Ambas exigem “uma
investigação independente e trans-
parente” para que os responsáveis
por estas mortes sejam “levados à
Justiça em julgamentos justos”.
A Omunga já avançou para tribu-
nal num dos casos da província de
Benguela e há “advogados a traba-
lhar para dar entrada com outros
processos”, esclarece o dirigente da
ONG angolana. “Este é o apelo das
famílias, todas são unânimes, que-
rem justiça”, diz Malavindele.
“Sobretudo, querem ver os agentes
envolvidos responsabilizados civil-
mente e criminalmente.”
A par do problema de fundo — “a
questão política que tem de ser assu-
mida pelo Presidente da República
[ João Lourenço]” e que passa por
“um processo de reforma que traba-
lhe na humanização dos agentes” —,
Malavindele pede às instituições
internacionais, como a União Africa-
na, que alertem para a necessidade
de fazer cumprir em Angola aquilo
que recomendaram na gestão da
pandemia. Principalmente a indica-
ção de que “as forças da ordem usem
armas não letais”.
Tudo isto vai demorar, mas no
imediato é preciso pelo menos tentar
que a covid-19 não sirva de pretexto
a mais violência. “Temos de acredita
na mudança”, diz o activista. “Esta-
mos a falar de pessoas que temem
pela sua vida. Estamos a lidar com
seres humanos.”
slorena@publico.pt
26 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
CULTURA
Museu do Chiado montou uma
exposição que nunca irá abrir
Dissonâncias, que reúne obras incorporadas na colecção ao
longo da última década, está pronta há mais de dois meses.
Tutela não libertou ainda verba para projectores e sinalética
Artes
Lucinda Canelas
Pintura, desenho, escultura, foto-
graÆa, instalação. São 87 trabalhos
de 48 artistas que entraram para a
colecção do Museu Nacional de Arte
Contemporânea do Chiado (MNAC)
nos últimos dez anos. Ocupam
várias galerias dos pisos 1 e 3 deste
museu de Lisboa há mais de dois
meses e fazem parte da exposição
Dissonâncias, que deveria ter sido
inaugurada em Junho, depois de
sucessivos adiamentos forçados
pela pandemia e por problemas téc-
nicos na montagem, mas que aca-
bou por Æcar de portas fechadas.
Por que razão está ainda por abrir
uma exposição pronta há mais de
dois meses e que ocupa mais de
metade do museu? Por que razão
não podem vê-la os visitantes, que
continuam a pagar bilhete inteiro?
Emília Ferreira, directora do
MNAC em regime de substituição há
já quase três anos, explica: “Tive-
mos problemas com a iluminação
em duas das salas a uma semana da
abertura — caíram calhas e projec-
tores com mais de 20 anos que
já tínhamos pedido para serem
substituídos há muito tempo
— e pedimos à Direcção-Ge-
ral do Património Cultural
(DGPC) dinheiro para os
substituir, porque o
museu não dispõe de
orçamento e tem de rece-
ber tudo da tutela. Tam-
bém precisávamos de
Ænanciamento para as
tabelas [textos de parede
e legendas das obras] e
outra sinalética menor,
como é habitual numa expo-
sição, mas, tanto num caso
como noutro, nunca chegou.”
Os materiais de iluminação de
que fala Emília Ferreira estão orça-
dos em seis mil euros e Æcariam nas
galerias do museu para futuras
exposições, naturalmente. No total,
Dissonâncias, composta exclusiva-
mente por obras compradas pelo
Estado ou doadas por colecciona-
dores e artistas na última década,
não custaria mais de dez mil euros,
um “valor residual”, atendendo ao
custo habitual das exposições.
“Sabemos que os recursos são
escassos e que, no período que atra-
vessamos, os gastos têm de ser con-
tidos. Mas sem estes projectores não
podemos abrir esta nem qualquer
outra exposição. Somos um museu
nacional, temos de ser uma referên-
cia no território. Não posso abrir
uma exposição sem textos de parede
que contextualizem o que o visitante
está a ver. E não posso abri-la, sobre-
tudo, sem luz. Há mínimos de respei-
to para com a colecção, a equipa do
museu e o nosso público”, diz ainda
Emília Ferreira ao PÚBLICO.
A exposição que Æcou por abrir
inclui nove das 11 obras que o Estado
comprou para o museu no período
em questão, peças que representam
épocas e correntes diversas na pro-
dução artística nacional, de autores
como Columbano Bordalo Pinheiro,
Júlia Ventura, Hugo Canoilas ou José
Este retrato que Columbano
Bordalo Pinheiro pintou da sua
mulher foi adquirido pelo Estado
para o MNAC em 2014
Maçãs de Carvalho. Mas a esmaga-
dora maioria do acervo de que é
feita Dissonâncias resulta de doa-
ções de artistas como Ana Vidigal,
Cristina Ataíde, Rodrigo Oliveira,
Inês Norton, Pires Vieira ou a dupla
Sara & André; do Grupo dos Amigos
do museu e de coleccionadores pri-
vados como Maria João Santos,
Armando Cabral e Teresa Balté.
“A última década apanha os anos
da crise, em que os recursos já muito
reduzidos dos museus públicos se
tornaram ainda mais reduzidos”,
explica Emília Ferreira. “Esta expo-
sição quis mostrar o envolvimento
da sociedade civil com este museu,
a generosidade dos particulares — a
dos coleccionadores, mas também a
dos artistas e dos seus familiares.”
A directora reconhece, porém,
que o museu nunca teve uma polí-
tica de aquisições sistemática e que,
se olharmos para a totalidade das
obras doadas na última década, o
peso dos privados na relação Esta-
do/particulares ultrapassa os 90%.
Emília Ferreira espera agora que
a situação se resolva junto da DGPC
para que, regressada de férias, se
possam fazer as necessárias O Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado tem vindo a ser prete
mudanças nas galerias e o museu
consiga inaugurar uma nova com “outro discurso”, com um O PÚBLICO pediu esclarecimentos
exposição até ao Ænal de guião que vai ainda discutir com a ao Ministério da Cultura (MC), que
Setembro. Já não será Disso- sua equipa de conservadores. remeteu o assunto para a DGPC,
nâncias, porque as obras tutela directa do museu. Este orga-
em papel nela expostas Meio museu fechado nismo, por seu lado, optou por não
(desenho e fotograÆa de Depois de uma dramática queda responder ponto por ponto às per-
Manuel Botelho, José Luís (37,7%) no número de visitantes em guntas enviadas, mas fez saber que
Neto, Augusto Alves da 2018, ano em que muitos serviços da a programação do último trimestre
Silva, José Pedro Cortes, DGPC tiveram quebras de bilheteira de 2020 “está a ser trabalhada entre
André Cepeda, Arnaldo signiÆcativas, o MNAC procurou a direcção do museu e a Fundação
Fonseca, Nuno Calvet ou recuperar em 2019. “No ano passado Millennium BCP, ao abrigo do pro-
Gérard Castello-Lopes) Æzemos 18 exposições: 13 no museu, tocolo existente e tendo em conside-
terão de ser retiradas para duas no estrangeiro [Praga e Macau] ração o período de saúde pública
sua salvaguarda. e três no território [uma em Chaves [actual] (...), a considerável perda de
“As obras em papel não e duas na Madeira]. E os visitantes receitas provenientes da bilhética
podem estar expostas meses aumentaram 15%. A equipa traba- que origina menor dotação orça-
e meses seguido e estas já estão lhou muito bem e talvez por isso nos mental e, por conseguinte, a neces-
na parede há quase três. Têm de custe ter mais de metade do museu sidade de ajustamentos de custos
regressar às reservas por motivos de fechado”, diz Emília Ferreira. previstos na programação inicial”.
conservação preventiva. Está a A quebra de visitantes estrangei- Quanto aos projectores avariados
doer-me não chegar a abrir esta ros que a pandemia impõe torna as que mantiveram uma exposição à
exposição, mas não pode ser de exposições temporárias ainda mais espera durante mais de dois meses,
outra maneira.” Sem elas, sublinha importantes, argumenta, porque a direcção-geral cheÆada por Bernar-
a directora do MNAC, “a exposição cativam os portugueses para regres- do Alabaça informa: “No que concer-
tem de ser forçosamente outra”, sarem ao museu. ne aos procedimentos de contrata-

erido enquanto destino da Colecção de Arte do Estado
ção pública referidos, a legislação
aplicável exige uma tramitação que
está a ser realizada em articulação
com a direcção do museu.”
E a colecção do Estado?
Atendendo aos seus objectivos pro-
gramáticos, inscritos desde logo no
nome da instituição, o MNAC deveria
ser destino prioritário do investimen-
to do Estado em arte contemporânea.
Mas ao longo da última década o
Chiado não se debateu apenas com a
falta de recursos Ænanceiros e huma-
nos comum a todos os museus afec-
tos à DGPC e com atrasos sucessivos
na ampliação das suas instalações —
foi também sendo preterido na hora
de escolher o destino da chamada
“Colecção SEC”, cujas aquisições
estiveram suspensas durante quase
20 anos e foram retomadas pelo
actual Governo nos últimos dois.
A reactivação daquilo a que hoje
se chama a “Colecção de Arte do
GONÇALO SANTOS/ARQUIVO
Estado” começou a desenhar-se em
2018, quando um grupo de artistas
escreveu ao primeiro-ministro, aler-
tando-o para a falta de políticas
públicas para o sector. Desde então,
o MC adquiriu já duas tranches de
obras para este acervo e deitou mão
ao inventário da antiga Colecção
Não posso abrir
uma exposição
sem textos de
parede. E,
sobretudo, sem luz
Emília Ferreira
Directora do Museu Nacional de
Arte Contemporânea do Chiado
SEC, dossier eternamente adiado que
a ministra da Cultura, Graça Fonseca,
quer ver resolvido. Foi nesse âmbito
que se identiÆcaram quase 100 obras
cujo paradeiro se desconhece e que
o Departamento de Investigação e
Acção Penal abriu um inquérito ao
seu desaparecimento. Mas sobre a
relação a Æxar entre este acervo e o
MNAC, o único museu exclusivamen-
te público cuja missão inclui a conso-
lidação de uma colecção de arte
portuguesa de 1850 à actualidade,
pouco ou nada se sabe.
O que seria lógico, diz a directora,
é que esta colecção ajudasse a col-
matar algumas lacunas que há na do
MNAC e, eventualmente, na da Fun-
dação de Serralves (entidade privada
de utilidade pública), mas tendo o
Chiado como prioridade, já que tem
“inÆnitamente menos recursos”.
David Santos, o actual curador da
Colecção de Arte do Estado que já foi
director do Chiado e que até Feverei-
ro era subdirector-geral do Patrimó-
nio, estará em posição de trabalhar
no sentido de incorporar este acervo,
ou parte dele, no MNAC. Há cinco
anos, insurgiu-se, aliás, contra o então
secretário de Estado da Cultura, Jorge
Barreto Xavier, por este ter revertido
a decisão que Æzera do MNAC titular
da Colecção SEC entre 5 de Fevereiro
de 2014 e 6 Julho de 2015.
Emília Ferreira não comenta essa
possibilidade, nem o facto de o
museu que dirige não estar represen-
tado na comissão de aquisições. Pre-
fere defender que o Chiado tem um
papel fundamental a desempenhar
na estratégia pública para a arte con-
temporânea. “A colecção do MNAC e
a sua actividade têm de ser referên-
cias, sobretudo quando se fala numa
rede de centros de arte contemporâ-
nea”, diz, lembrando que o Chiado é
o promotor do projecto de mediação
cultural Portugal entre Patrimónios.
Centros como o que Graça Fonseca
inaugurou em Coimbra, no âmbito
da sua política de desconcentração
da Colecção de Arte do Estado, “não
podem ser apenas barrigas de alu-
guer”, sublinha. “Descentralizar não
é só isso, é dar condições ao interior
para encontrar a sua própria voz, é
dar oportunidade aos artistas locais
de entrarem no circuito. E mexer no
território a esse nível também tem de
ser uma das missões de um museu
nacional de arte contemporânea.”
lucinda.canelas@publico.pt
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 27
Na bondosa comissão
criada pelo Governo para
comprar arte contemporânea,
amigo escolhe amigo, que por
sua vez escolhe amigo
A caixa de tintas e pincéis
Opinião
José Loureiro
Na escola de Belas-Artes,
chamaram-se a eles próprios
homeostéticos. Era notório que
queriam que reparassem neles, pois
iriam ser todos grandes artistas. Eu,
que vim estudar para Lisboa em
1982, não pude deixar de reparar;
sobretudo num deles, sisudo como
um amanuense, que andava sempre
com uma caixa daquelas que os
pintores antes usavam para guardar
tintas e pincéis. Era a sua imagem
de marca e, supunha-se, a estocada
Ænal no tardo-romantismo, plena de
ironia juvenil, que, embora tola, se
aceita naquelas idades. “O homem
da caixa”, como por brincadeira lhe
chamávamos — eu e as três ou
quatro pessoas com quem me dava
—, tinha também um ar vagamente
premonitório de qualquer coisa que
não conseguíamos vislumbrar.
Chegámos à conclusão, rindo-nos,
de que a resolução do enigma
estaria com toda a certeza no
interior daquela caixa.
Trinta ou 40 anos depois,
solicitando uma assinatura, recebo
no meu email uma carta/manifesto
tendo por principais signatários
alguns dos mesmos homeostéticos,
agora substancialmente mais velhos
— repare-se no termo “manifesto”,
com todo o peso nostálgico que
carrega das grandes aspirações
insatisfeitas. A minha justiÆcação
para não assinar data do dia 24 de
Setembro de 2018: “Acho a carta/
manifesto um chorrilho de
lugares-comuns palavroso, muito
mal escrita e pior argumentada. A
citação inicial é de fugir e pretensiosa
(...) e, no Ænal, não poderia faltar a
estafada adjectivação
‘tardo-romântico’, a cereja no cimo
do péssimo bolo argumentativo.
Uma carta destas, se fosse
verdadeiramente desinteressada e
preocupada, não precisaria de mais
de dez linhas e muito menos de ser
um manifesto. Além disso, o
ressentimento dos autores é tão
evidente que inquina tudo: podiam
ao menos ter a franqueza de
reconhecer esse ressentimento
primeiro neles próprios e não
atribuí-lo indiscriminadamente a
terceiros, fazendo-se passar
arrogantemente por seus
defensores.”
É evidente que esta carta/
manifesto acabou por dar os seus
frutos, sobretudo para os que a
redigiram, um hábito que se
percebe. E o enigma também se
desfez: a velha caixa de tintas e
pincéis estava destinada a
transportar dinheiro para os
necessitados artistas do futuro,
através do assento que o seu
proprietário, Pedro Portugal, acaba
de conquistar, com inteira justiça, na
entretanto criada comissão de
compras de obras de arte para o
Estado português. Seria precipitado
dizer que se perdeu um grande
artista, mas, seguramente, Portugal
ganhou um homem que parece
santo. Segundo o que se vai
relatando, as coisas funcionam com
total transparência na bondosa
comissão: amigo escolhe amigo, que
por sua vez escolhe amigo, tudo em
perfeita harmonia, evitando desta
forma os feios ressentimentos dos
outros — que eles, os homeostéticos,
já se sabe que não padecem dessa
fraqueza de carácter — denunciados
na carta/manifesto.
E assim, o homeostético do
passado deu lugar ao
homoagradecido do presente, com o
bónus adicional de ir às compras.
Nesta nobre função se vão
revezando. Já foi um, o
engraçadíssimo ex-candidato à
Presidência da República Manuel
João Vieira, coube agora a vez a este,
o da caixa. Brevemente, outro será.
Não concebo como alguém com o
mínimo de sentido do ridículo, para
já não falar de sentido de serviço
público, aceita fazer parte de uma
comissão destas e como o Estado
português a patrocina.
Artista
 28 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
CULTURA
ECONÓMICA OU EXECUTIVA:
A ALEGORIA DA LUTA DE CLASSES Elo é o primeiro filme em nome próprio de Alexandra Ramires
NUM CLÁSSICO INTEMPORAL
Portugueses em
COLECÇÃO NOVELA GRÁFICA VI competição de San
O MELHOR DA LITERATURA ILUSTRADA
Sebastián a Toronto
VOL. 2 – O EXPRESSO DO AMANHÃ II,
Colecção de 14 volumes. PVP unitário: 10,90 €. Preço total em Portugal Continental: 152,60 €. Periodicidade semanal aos sábados, entre 22 de Agosto e 21 de Novembro. Formatos variados, mediante os formatos originais das obras. N.º médio de páginas: 139. Limitado ao stock existente.
DE LEGRAND E ROCHETTE (2000)
Cinema
Alexandra Ramires estará
em competição no festival
canadiano. Três cineastas
nacionais disputam prémio
no festival espanhol
A animação Elo, de Alexandra Rami-
res, foi seleccionada para o Festival
de Cinema de Toronto, onde será a
única produção nacional a integrar
o programa competitivo de curtas-
metragens. O Ælme tem argumento
da própria realizadora e da escrito-
+10,90€ ra Regina Guimarães e é a primeira
obra de Alexandra Ramires em
SÁBADO, 29 AGO nome próprio, depois de ter co-as-
COM O PÚBLICO sinado (sob o pseudónimo Xá) a
curta-metragem Água Mole, com
Laura Gonçalves, que somou já 19
distinções internacionais.
O Festival Internacional de Cine-
EDIÇÃO ma de Toronto, co-dirigido pela
EM CAPA DURA programadora portuguesa Joana
INÉDITA EM Vicente, decorrerá este ano de 10 a
PORTUGUÊS 20 de Setembro com uma progra-
mação reduzida por causa da covid-
19 e virada sobretudo para o digital,
embora com alguns eventos presen-
Nem mesmo a morte do seu criador foi capaz de travar a viagem de ciais de lotação limitada. Contará
O Expresso do Amanhã! Após o falecimento de Jacques Lob, ainda com uma co-produção portu-
Rochette juntou-se a Legrand em O Explorador e A Travessia, guesa, o Ælme palestiniano Gaza,
segundo e terceiro capítulos desta tão aclamada trilogia, para Mon Amour, dos irmãos Tarzan Nas-
continuar a explorar a questão ambiental e a desigualdade social: ser e Arab Nasser (Ukbar Filmes),
la lutte des glaces et des classes. “Um clássico de culto da ficção parcialmente rodado no Algarve.
científica distópica” (io9) que ainda segue viagem nos dias de hoje, A 49.ª edição do festival canadia-
tendo inspirado o filme Snowpiercer, de Bong Joon-Ho (realizador de no abrirá com David Byrne’s Ameri-
Parasitas), e a mais recente série homónima da Netflix. can Utopia, de Spike Lee, a lançar
pela HBO, que regista em Ælme o
DR
espectáculo homónimo do músico
dos Talking Heads, e terminará com
A Suitable Boy, o novo Ælme da india-
na Mira Nair.
De 18 a 26 de Setembro, três
outros cineastas portugueses terão
obras em competição no Festival de
San Sebastián, em Espanha: Simon
Chama, a primeira longa-metragem
de Marta Ribeiro, o já multipremia-
do A Metamorfose dos Pássaros, de
Catarina Vasconcelos, e a curta-me-
tragem Noite Perpétua, de Pedro
Peralta. Todos disputarão o prémio
Zabaltegi-Tabakalera, secção que é
descrita pela organização como “a
mais aberta” do festival.
O Festival de San Sebastián vai
realizar-se também em formato
revisto e limitado devido à pande-
mia. Ainda assim, o formato presen-
cial deverá manter-se em várias
secções, incluindo a oÆcial, a estu-
dantil Nest e a do prémio Zabaltegi-
Tabakalera.
O principal evento do Outono
cinematográÆco, o Festival de Vene-
za, por sua vez, inicia-se já na pró-
xima quarta-feira, dia 2, e também
com Ælmes portugueses a concurso:
a longa-metragem Listen, de Ana
Rocha de Sousa, e a curta-metragem
The Shift, de Ana Carreira, ambas
em competição na secção alternati-
va Horizontes.
Caberá a Lacci, de Daniele
Luchetti, abrir uma 77.ª edição cuja
selecção oÆcial, devido às restrições
impostas pelo actual cenário pan-
démico, se compõe maioritariamen-
te de Ælmes de produção italiana.
PÚBLICO/Lusa
Breves
Livros
Feira do Livro de
Madrid foi cancelada
devido à pandemia
A comissão organizadora da
Feira do Livro de Madrid decidiu
ontem, após uma reunião de
urgência, cancelar a edição
2020 do evento, devido à
aceleração da pandemia de
covid-19 na região. Inicialmente
marcada para Maio, a feira viu-se
adiada para Outubro (deveria
realizar-se entre os dias 2 e 18
desse mês no Parque do Retiro),
mas a nova data acabou por
revelar-se igualmente
incompatível com a situação
actual de saúde pública. “Não
podemos pôr em risco o sector
nem os leitores”, explicou a
organização. “Os últimos dados
sanitários demonstram que não
há possibilidade de melhoria e
teríamos de começar a montar
os stands no próximo dia 2 de
Setembro.”
Cinema
Memorabilia cinéfila
vai a leilão em
Los Angeles
Mais de 850 itens de filmes
clássicos, incluindo adereços,
memorabilia e figurinos de Os
Salteadores da Arca Perdida,
O Padrinho II ou Rocky, vão
estar em leilão entre hoje e
amanhã em Los Angeles.
Promovido pela Prop Store, o
leilão, que decorrerá online a
partir das 18h de Lisboa, inclui
ainda objectos icónicos como
a miniatura da nave espacial
Nostromo usada no Alien de
Ridley Scott, um dos
capacetes de piloto de caça
que Tom Cruise usou em Top
Gun — Ases Indomáveis, e e
um fato de Darth Vader que
integrou a digressão
promocional de Guerra das
Estrelas, em 1977. Outros itens
relativos a filmes como Hook
ou The Hunger Games: Os
Jogos da Fome estão também
em destaque no leilão.
 Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 29

CIÊNCIA
Dinâmica das relações amorosas
pode ser vista nos genes
Numa investigação cientíÄca com mais de 100 casais no Canadá observou-se que a variação num gene
pode estar associada às dinâmicas de relações românticas humanas
MICHAEL BLANN

Biologia
Teresa Sofia Serafim
Que reÇexos dos relacionamentos
amorosos podemos ver nos nossos
genes? Para ter uma imagem mais
nítida dessa questão, cientistas do
departamento de Psicologia da Uni-
versidade de McGill (no Canadá)
foram em busca desses espelhos e
analisaram o comportamento e infor-
mação genética de casais. Acabaram
por ver que variações no gene CD38
podem estar associadas a dinâmicas
nos relacionamentos românticos
humanos no dia-a-dia. Os resultados
estão reÇectidos num artigo cientíÆco
publicado na última edição da revista
Scientific Reports.
Para este estudo, a equipa coorde-
nada por Jennifer Bartz analisou
dados de 111 casais heterossexuais
(222 indivíduos) na área da cidade
canadiana de Montreal. Esses casais
relataram o seu comportamento
social, nomeadamente quando sor-
riam ou riam uns para os outros,
quando faziam comentários sarcásti-
cos ou quando perguntavam se o
parceiro queria fazer alguma coisa.
Também contaram qual a sua percep-
ção do comportamento do seu par-
ceiro e os seus sentimentos durante
as interacções com ele durante 20
dias. Obteve-se ainda informação
genética de 118 dos 222 indivíduos
participantes no estudo. Viu-se que uma variação num gene está relacionada com a demonstração de carinho nas interacções do dia-a-dia
VeriÆcou-se então que uma varia-
ção no gene CD38 — a CD38.rs3796863 combinações (ou genótipos): a AA, a ção dos comportamentos do parceiro área que aplicou uma abordagem fazer a nossa ‘necessidade de perten-
— estava associada ao comportamen- CC e a AC. Veio a observar-se que era ou os ajustes nas relações estavam com diferentes métodos para perce- ça’, mas os relacionamentos român-
to comunitário dos indivíduos, o que mais provável que os indivíduos com relacionados não só com o genótipo ber o comportamento, a percepção ticos devem ser especialmente
inclui a demonstração de carinho nas o genótipo CC relatassem que tinham da própria pessoa mas também com e as interacções sociais no dia-a-dia, inÇuentes, pois são o relacionamento
interacções do dia-a-dia. Já se sabia um comportamento comunitário o do seu companheiro. bem como estas são afectadas. “Este próximo mais relevante para a maio-
que o CD38 está envolvido na secre- maior com o seu parceiro do que os Por tudo isto, sugere-se que varia- estudo dá-nos provas cientíÆcas sobre ria dos adultos”, escrevem os autores,
ção de oxitocina (a chamada “hormo- indivíduos com os outros genótipos. ções no CD38 possam ter um papel o envolvimento do CD38 na regulação assinalando que ainda há muito para
na do amor”). A investigação da oxi- Também era mais provável que as nos comportamentos e nas percep- de processos psicológicas que susten- saber sobre os mecanismos biológi-
tocina, sobretudo nos roedores, pessoas com a combinação CC repa- ções que sustentam os vínculos nos tam os relacionamentos românticos cos por detrás destas relações. E a
indica que esta hormona inÇuencia rassem como os seus companheiros humanos. Como este gene está envol- humanos”, nota a investigadora. equipa quer desvendá-los.
uma série de processos comporta- se comportavam em comunidade ou vido na secreção de oxitocina, a equi- Em próximos trabalhos, investiga-
mentais e cognitivos que sustentam que tivessem sentimentos negativos, pa refere que esta investigação apoia Essenciais para a saúde rá se o CD38 terá influência na sobre-
os vínculos. Também há provas de como a preocupação e a raiva. Notou- a aÆrmação de que essa hormona tem E porquê tudo isto? Logo no início do vivência de uma relação amorosa.
que tem um papel nos relacionamen- se ainda que esses indivíduos conta- inÇuência nos processos interpes- artigo cientíÆco, a equipa justiÆca Também quer saber quais são as vias
tos românticos humanos. vam que tinham tido níveis mais ele- soais que servem para manter as rela- toda a sua investigação dizendo que pelas quais o gene pode influenciar o
Mas voltemos ao que se soube ago- vados de “ajustes” nas suas relações, ções românticas próximas. as relações mais próximas são essen- resultado de uma relação, ou seja, as
ra sobre a tal variação no gene CD38 bem como nas percepções de quali- Gentiana Sadikaj, primeira autora ciais para a saúde psicológica e física. ligações do gene a funções do cérebro
nos humanos. Essa variação tem duas dade do relacionamento. do artigo, realça ainda ao PÚBLICO “Qualquer relação caracterizada por e ao comportamento.
variantes (ou alelos): a A e a C. Portan- Por Æm, detectou-se que o compor- que esta investigação é única porque interacções de zelo frequentes e per-
to, o gene pode estar presente em três tamento dos indivíduos, a sua percep- é uma das poucas em humanos nesta sistentes devem ser capazes de satis- teresa.serafim@publico.pt
30 • Público ClassiÄcados • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
 Público ClassiÄcados • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 31

Aviso (Extrato)
EDIFÍCIO DIOGO CÃO Torna-se público que, por deliberação do Conselho de Administração de 25.06.2020, se encontra
DOCA DE ALCÂNTARA NORTE, LISBOA aberto, pelo prazo de 5 dias úteis, a contar da data de publicação do presente extrato, o processo
(JUNTO AO MUSEU DO ORIENTE) de selecção conducente à contratação de 1 Técnico Superior para o Serviço de Planeamento e Apoio
à Gestão. Os requisitos gerais e o perfil de competências exigido, os métodos e critérios de seleção
HORÁRIO: 2.ª – 6.ª FEIRA: 9H – 19H e outras informações de interesse para apresentação das candidaturas e para o desenvolvimento do
SÁBADO: 11H – 17H procedimento concursal, constam da publicitação integral do aviso de abertura, inserto na página MUNICÍPIO DE ESTARREJA
eletrónica do IPO-Porto, EPE, in www.ipoporto.pt
MAIS INFORMAÇÕES: loja.publico.pt | 210 111 010 Porto, 25.08.2020 Publicitação de Oferta de Trabalho
Abertura de procedimentos concursais para provimento de cargos

✝
AVISO
PROCEDIMENTO CONCURSAL PARA CONSTITUIÇÃO
DE RESERVA DE RECRUTAMENTO DE ENFERMEIROS
Torna-se público que na sequência da deliberação do Conselho de
Administração de 23-07-2020, se encontra aberto, pelo prazo de 10
(dez) dias úteis, contados do dia seguinte ao da publicitação deste
extrato, procedimento concursal com vista à constituição de reserva de
recrutamento de enfermeiros, para celebração de contratos individuais
de trabalho, por tempo indeterminado e contratos individuais de trabalho
a termo resolutivo certo e incerto, tendo em vista o preenchimento das
necessidades que vierem a ocorrer no CHULC, EPE, para a categoria de
enfermeiro, da carreira de enfermagem, sendo a mesma válida pelo período
DR. JOÃO MÁRIO CORDÉIS de 1 (um) ano, eventualmente renovável, uma única vez, pelo período de
mais seis meses.
MENDES RODRIGUES Os requisitos gerais e especiais e o perfil de competências exigido, a
composição do júri, os métodos e critérios de seleção e outras informações
MISSA DO 30º DIA de interesse para a apresentação das candidaturas e para o desenvolvimento
do procedimento concursal em apreço, constam da publicitação integral
Sua esposa, irmão e restante família, participam que amanhã dia 27 pelas
18:15 horas na Igreja de Nossa Senhora da Porta do Céu (Telheiras), será do aviso de abertura, inserto na página eletrónica do Centro Hospitalar
rezada missa pelo seu eterno descanso. A família agradece a quem puder Universitário de Lisboa Central, EPE – área oportunidades de emprego
assistir a este acto. (http://www.chlc.min-saude.pt/concursos-de-admissao-de-pessoal/).
Lisboa, 25 de agosto de 2020
800 247 147
geral@funerariaboahora.pt O Diretor da Área de Gestão de Recursos Humanos
António Pedro Romano Delgado
de direção intermédia de 2.º grau: Divisão da Cultura, Eventos e
Turismo – DCET; Divisão de Ambiente e Sustentabilidade – DAS;
Divisão de Desporto e Gestão de Equipamentos Desportivos –
DDGED e de Direção Intermédia de 3º grau: Gabinete de Comuni-
cação, Relações Públicas e Protocolo – GCOMRP
A Câmara Municipal de Estarreja torna público que se encontra aberto, até ao dia
07 de setembro de 2020, procedimentos concursais para provimento de cargos
de direção intermédia de 2.º grau: Divisão da Cultura, Eventos e Turismo – DCET;
Divisão de Ambiente e Sustentabilidade – DAS; Divisão de Desporto e Gestão de
Equipamentos Desportivos – DDGED e de Direção Intermédia de 3º grau: Gabi-
nete de Comunicação, Relações Públicas e Protocolo – GCOMRP, conforme avi-
so publicado na II Série do Diário da República, n.º 164, de 24 de agosto de 2020.
Requisitos de Admissão e outros: os constantes do aviso de abertura do pro-
cedimento.
Funções a desempenhar: as constantes do aviso de abertura.
Formalização das candidaturas: as candidaturas deverão ser formalizadas me-
diante preenchimento de formulário tipo, disponível na Subunidade de Atendi-
mento ao Munícipe e na página electrónica da Câmara (www.cm-estarreja.pt),
podendo ser entregues pessoalmente na referida Subunidade, dentro das horas
normais de expediente, ou enviados pelo correio, com aviso de recepção para a
Câmara Municipal de Estarreja, Praça Francisco Barbosa, 3864-909 Estarreja. A
apresentação de candidaturas deverá ser acompanhada, sob pena de exclusão,
dos documentos enunciados no aviso de abertura.
Todas e quaisquer informações sobre o procedimento serão prestadas na Su-
bunidade de Recursos Humanos e Valorização do Capital Humanos da Câmara
Municipal de Estarreja, nos dias úteis das 9 às 17 horas.
Paços do Concelho de Estarreja, 24 de agosto de 2020.
O Presidente da Câmara Municipal,
Diamantino Manuel Sabina, Dr.

Gamer – Gestão, Estudos e Construção, S.A. Universidade de Aveiro

DIREÇÃO DE SERVIÇOS DA REGIÃO NORTE Sociedade Anónima Constituição de bolsa de interessados
AGRUPAMENTO DE ESCOLAS EMÍDIO GARCIA Sede: Rua José da Costa Pedreira, n.º 1-A, 1750-130 Lisboa para exercício de funções docentes (M/F)
CÓDIGO 151816 Pessoa colectiva n.º 500123810
Publicitação de Oferta de Trabalho Capital social de 100.000 euros
Docência na área de Psicologia
Matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º 500123810
15(quinze) contratos de trabalho a termo resolutivo certo a tempo
Tipo de oferta O Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro faz saber que se
parcial – 9 (nove) contratos a 3/h dia; 6 (seis) contratos a 2/h dia (m/f)
CONVOCATÓRIA aceitam manifestações de interesse de pessoas cujo currículo científico, pedagógico ou
Nível orgânico Direção de Serviços da Região Norte
Nos termos legais e estatutários, convocam-se os Senhores Accionistas da so-
profissional seja suscetível de interessar aquele Departamento.
Serviço
Escolas ou jardins de infância que integram o Agrupamento de ciedade GAMER – GESTÃO, ESTUDOS E CONSTRUÇÃO, S.A., pessoa colectiva
Escolas Emídio Garcia
500123810, com o capital social de 100.000 euros, matriculada na Conservatória Para o efeito, os interessados que desejem exercer funções docentes em regime de tempo
Função
Assistente operacional – funções de serviço de limpeza e apoio do Registo Comercial de Lisboa, para reunirem em Assembleia Geral Extraordi- parcial no referido Departamento, poderão formalizar o seu interesse, juntando elementos
geral correspondentes à categoria de assistente operacional
nária, na Rua Guilhermina Suggia, n.º 8-A. 1700-226, em Lisboa, pelo facto de as pessoais, académicos e profissionais, desde que reúnam cumulativamente as seguintes
Requisitos
habilitacionais
Os definidos no aviso nº 12315/2020, publicado no Diário da
República, 2ª Série, de 25 de agosto de 2020.
instalações da sede social não se encontrarem disponíveis para a realização da condições:
reunião, no próximo dia 2 de Outubro, pelas 10h00 com a seguinte
- Formação académica em Psicologia;
Método de Os definidos no aviso nº 12315/2020, publicado no Diário da ORDEM DE TRABALHOS:
selecção República, 2ª Série, de 25 de agosto de 2020.
Ponto Um - Deliberar sobre as Demonstrações Financeiras, o Relatório de Ges- - Doutoramento em Psicologia ou área afim;
Remuneração
ilíquida/hora
Correspondente ao valor proporcional da hora, referente à cal-
culada com base na Remuneração Mínima Garantida
tão, o Balanço, as Contas e os restantes documentos de prestação de contas não - Atividade científica relevante, salientando-se artigos em texto integral publicados em re-
consolidadas da Sociedade relativos ao exercício de 2017. vistas científicas de circulação internacional com revisão cega de pares, com fator de
Duração do
contrato
Até final do ano escolar Ponto Dois – Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados relativos ao impacto e indexadas à SCOPUS, e/ou atividade profissional relevante no exercício da
exercício de 2017.
Enquadramento Lei N.º 35/2014, de 20 de junho e Portaria nº 125 A/2009, de
Ponto Três – Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da
Psicologia.
legal 30 de abril
sociedade relativamente ao exercício de 2017, de harmonia com o disposto na Os interessados devem entregar:
Apresentação e
formalização da
Conforme definido no ponto 7 do aviso nº 12315/2020, publi-
cado no Diário da República, 2ª Série, de 25 de agosto de 2020
alínea c) do n.º 1 do artigo 376.º do Código das Sociedades Comerciais. - Carta dirigida ao Reitor da Universidade de Aveiro, indicando que se candidatam à área
candidatura Ponto Quatro: Deliberar sobre a eleição dos membros dos órgão (s) sociais para de docência de Psicologia;
um novo mandato, relativo ao triénio de 2020 – 2022;
Documentos a
apresentar com
Os definidos no aviso nº 12315/2020, publicado no Diário da
República, 2ª Série, de 25 de agosto de 2020 Ponto Cinco: Deliberar sobre a remuneração dos membros dos órgãos de admi-
- Curriculum Vitae detalhado (não EuroPass);
a candidatura
nistração, fiscalização e da Mesa da Assembleia Geral. - Documentação comprovativa da posse do grau académico e de habilitações profissionais.
Prazo de
candidatura
Dez dias úteis a contar da data da publicação do Aviso no Diário
da República (diário de 25/8/2020)
Ponto Seis: Deliberar sobre a alteração da actual sede social da Sociedade para As manifestações de interesse deverão ser remetidas, até ao dia 9 de setembro de 2020,
Rua Guilhermina Suggia, número 8, A, na freguesia de Alvalade, concelho de ao Diretor do Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro, sita no
Bragança, 25 de agosto de 2020
Lisboa.
O Subdiretor, Carlos Manuel Nascimento Fernandes Campus Universitário de Santiago, 3810-193 Aveiro, por correio, sob registo e com aviso de
Ponto Sete: Outros assuntos.
Requisitos para participação e exercício do direito de voto constantes do contrato receção, expedidas até ao termo do prazo fixado, por correio eletrónico para paulav@ua.pt
de sociedade ou entregues pessoalmente, até ao termo do prazo fixado, na Secretaria do Departamento
Artigo 19.º nos períodos compreendidos entre as 9 e as 12 horas e as 14 e as 16 horas.
Fundada em 1988 pelo Professor Doutor Carlos Garcia, a Associação Portuguesa A assembleia geral é constituída pelos accionistas possuidores de, pelo menos, O presente anúncio visa constituir uma bolsa de interessados cujas manifestações de inte-
de Familiares e Amigos de Doentes de Alzheimer - Alzheimer Portugal é uma
Instituição Particular de Solidariedade Social. É a única organização em Portugal, cinco acções averbadas ou depositadas na sede da sociedade, até oito dias an- resse serão apreciadas pelos competentes órgãos da Universidade de Aveiro quando e se
de âmbito nacional, especificamente constituída para promover a qualidade de tes da data fixada para funcionamento da assembleia em primeira convocação,
vida das pessoas com demência e dos seus familiares e cuidadores. Tem cerca de
podendo agrupar-se os possuidores de menor número e votar por intermédio de
as necessidades de serviço e o mérito dos currículos apresentados o justifiquem, em todo
dez mil associados em todo o país.
Oferece Informação sobre a doença, Formação para cuidadores formais e um representante. o caso se cumprindo a tramitação fixada no ECDU para o recrutamento de docentes convi-
informais, Apoio domiciliário, Apoio Social e Psicológico e Consultas Médicas Artigo 20.º dados. A presente publicitação não consubstancia, por isso, a abertura de um qualquer
da Especialidade.
Como membro da Alzheimer Europe, a Alzheimer Portugal participa ativamente A cada cinco acções corresponde um voto, mas nenhum accionista, qualquer concurso, inexistindo em decorrência um qualquer direito à contratação resultante da com-
no movimento mundial e europeu sobre as demências, procurando reunir e divulgar
os conhecimentos mais recentes sobre a Doença de Alzheimer, promovendo o seu
que seja o número das suas acções, poderá representar mais da décima parte paração relativa dos curricula apresentados.
estudo, a investigação das suas causas, efeitos, profilaxia e tratamentos. dos votos conferidos por todas as acções emitidas, nem mais de uma quinta A Universidade de Aveiro garante, nos termos legais, a confidencialidade da documentação
Contactos parte dos votos que se apuraram na assembleia geral.
Sede: Av. de Ceuta Norte, Lote 15, Piso 3, Quinta do Loureiro, 1300-125 Lisboa Artigo 21.º
pessoal recebida, a cuja devolução se obriga desde que expressamente solicitado.
- Tel.: 21 361 04 60/8 - E-mail: geral@alzheimerportugal.org
Centro de Dia Prof. Dr. Carlos Garcia: Av. de Ceuta Norte, Lote 1, Loja 1 e 2 O accionista pode fazer-se representar na assembleia geral por outro accionista, Conforme exarado no despacho conjunto n.º 373/2000, de 1 de março, do Ministro-Adjun-
- Quinta do Loureiro, 1350-410 Lisboa - Tel.: 21 360 93 00
Lar, Centro de Dia e Apoio Domiciliário «Casa do Alecrim»: Rua Joaquim Miguel Serra Moura,
conferindo essa representação poder simples carta dirigida ao presidente da as- to, do Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública e da Ministra da Igualda-
n.º 256 - Alapraia, 2765-029 Estoril - Tel. 214 525 145
E-mail: casadoalecrim@alzheimerportugal.org
sembleia geral, com assinatura reconhecida por notário, e que deve ser entregue de, faz-se constar a seguinte menção:
na sede social até três dias antes da constituição da assembleia.
Delegação Norte: Centro de Dia “Memória de Mim” - Rua do Farol Nascente, n.º 47A R/C, “Em cumprimento da alínea h) do art.º 9.º da Constituição, a Administração Pública, enquan-
4455-301 Lavra - Tel. 229 260 912 | 226 066 863 - E-mail: geral.norte@alzheimerportugal.org Poderão existir disposições contratuais que tenham sido derrogadas por lei impe-
Delegação Centro: Urb. Casal Galego - Rua Raul Testa Fortunato n.º 17, 3100-523 Pombal Tel.
rativa e cuja adaptação do contrato de sociedade ainda não tenha sido realizada. to entidade empregadora, promove ativamente uma política de igualdade de oportunidades
236 219 469 - E-mail: geral.centro@alzheimerportugal.org
Delegação da Madeira: Avenida do Colégio Militar, Complexo Habitacional da Nazaré, Cave Todos os elementos necessários, nomeadamente, Demonstrações Financeiras, entre homens e mulheres no acesso ao emprego e na progressão profissional, providen-
do Bloco 21 - Sala E, 9000-135 FUNCHAL
Tel. 291 772 021 - E-mail: geral.madeira@alzheimerportugal.org Relatório de Gestão, Balanço, Contas e restantes documentos de prestação de ciando escrupulosamente no sentido de evitar toda e qualquer forma de discriminação”.
Núcleo do Ribatejo: R. Dom Gonçalo da Silveira n.º 31-A, 2080-114 Almeirim contas encontram-se disponíveis na sede da sociedade.
Tel. 24 300 00 87 - E-mail: geral.ribatejo@alzheimerportugal.org Aveiro, em 04 de agosto de 2020
Núcleo de Aveiro: Santa Casa da Misericórdia de Aveiro - Complexo Social da Quinta da Moita
- Oliveirinha, 3810 Aveiro - Tel. 23 494 04 80 - E-mail: geral.aveiro@alzheimeportugal.org Lisboa, 24 de Agosto de 2020 O Reitor, Prof. Doutor Paulo Jorge dos Santos Gonçalves Ferreira
32 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
DESPORTO
Testes serão uma excepção
para a maioria das modalidades
Normas da DGS determinam que só nos desportos de alto risco — ou nos jogos que envolvam equipas de
zonas com transmissão comunitária activa — será obrigatória a testagem à covid-19 antes da competição
Covid-19
Nuno Sousa
Era um passo há muito aguardado
por milhares de praticantes despor-
tivos e foi dado ontem pela Direcção-
Geral da Saúde (DGS), ao publicar as
orientações sanitárias para o regresso
dos treinos e competições nas dife-
rentes modalidades. Com base na
estratiÆcação do risco associado a
cada disciplina, foi determinado que
os testes à covid-19 só serão obrigató-
rios, antes das provas, para os despor-
tos de combate, o râguebi, a dança, a
acrobática, a patinagem artística
(pares) e o polo aquático.
As autoridades elaboraram um
algoritmo que define o grau de risco
de contágio em função da natureza
de cada modalidade, valorizando,
acima de tudo, o contacto directo
entre os praticantes. Para as que estão
no topo da pirâmide foi decidido que
os atletas têm de ser obrigatoriamen-
te testados 48 horas antes das compe-
tições, cabendo às federações e aos
clubes implementarem a medida
seguindo as orientações da DGS.
Nas modalidades em que o risco é
considerado “médio”, a testagem dos
atletas é realizada apenas quando as
competições envolvem equipas de
zonas com transmissão comunitária
activa. Ainda assim, nesses casos não
serão testados todos os participantes,
mas um número reduzido, cuja selec-
ção será feita de forma aleatória.
Entre estas disciplinas desportivas
contam-se o futebol (cuja prática, na
I Liga, já foi retomada em Junho com
testes permanentes), o futsal, o ande-
bol, o voleibol, o basquetebol, o
hóquei em patins e as actividades sub-
aquáticas. Este núcleo de modalida-
des, de resto, concentra a esmagado-
ra maioria dos praticantes federados
em Portugal e um conjunto de disci-
plinas de pavilhão que, desde o início
do processo, tomou uma posição con-
junta no diálogo estabelecido com as
autoridades de saúde.
As restantes modalidades foram
consideradas de baixo risco de con-
tágio, não sendo necessários testes
antes de competições.
Para além da deÆnição da estraté-
gia de testagem, a DGS dispõe que
JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA
não devem ser realizados “treinos
simultâneos com partilha de espaço
por equipas diferentes”, com excep-
ção dos jogos de preparação e treino
pré-competições, e que “a entidade
gestora do espaço onde decorra a
prática de desporto, bem como as
federações e os clubes, devem elabo-
rar e implementar um plano de con-
tingência próprio”.
De resto, muitas das medidas que
já estavam em vigor, e que passam
pela higienização frequente dos recin-
tos, pela formação dos funcionários,
pelos registos de presença ou pela
sinalização de corredores indepen-
dentes de entrada e de saída, serão
para manter. Isto sem prejuízo de
haver orientações adicionais, a deli-
near pelas federações, em função da
especiÆcidade de cada modalidade.
E se, para os escalões seniores,
muitos dos quais iniciarão as compe-
tições já no início de Setembro, o
levantamento das restrições é total,
para os escalões de formação relati-
vos às modalidades de alto e médio
risco a norma é a realização de treinos
com limitações. Ou seja, aplicar a
PAULO NOVAIS/LUSA
regra do “distanciamento físico per-
manente de pelo menos três metros
entre os praticantes”. A excepção
prende-se com os casos em que haja
equipas/praticantes não seniores com
competições internacionais agenda-
das — neste contexto, os treinos pode-
rão decorrer sem limitações no perío-
do de 45 dias antes das provas.
Independentemente das especiÆ#
cações, Æcou ainda disposto que
“todos os praticantes e equipas técni-
cas” deverão assinar um código de
conduta/termo de responsabilidade,
em que assumem o compromisso
pelo cumprimento das medidas de
prevenção e controlo da infecção,
bem como o risco de contágio por
SARS-CoV-2 durante a prática de exer-
cício físico.
Esta foi a solução encontrada para
responder à incapacidade de clubes
e federações de custearem testes
periódicos aos atletas, mas também
à impossibilidade de continuarem
(em muitos casos) de portas fechadas,
sabendo-se que o protocolo poderá
ser revisto a qualquer momento.
O voleibol e o hóquei em patins são consideradas modalidades de risco médio nsousa@publico.pt

Breves
Futebol
UEFA vai permitir
espectadores na
Supertaça Europeia
A UEFA anunciou ontem que
vai testar o regresso dos
espectadores aos estádios na
Supertaça Europeia, que
decorrerá em Budapeste, a 24
de Setembro. O jogo entre
Bayern Munique e Sevilha terá
a lotação limitada a 30% da
capacidade do recinto, sendo
que as portas continuarão
fechadas para os restantes
encontros internacionais.
loja.publico.pt
Benfica volta a perder
na final da Youth League
Futebol
David Andrade
“Encarnados” disputaram
pela terceira vez a final da
competição de equipas
sub-19 da UEFA, mas foram
batidos pelo Real Madrid
À terceira não foi de vez. Depois de
perder em 2014 (0-3 frente ao Barce-
lona) e 2017 (1-2 contra o RB Salzbur-
go), o BenÆca foi ontem derrotado
pela terceira vez na Ænal da Youth
League. Na Suíça, diante do Real
Madrid comandado por Raúl Gonzá-
lez, as “águias” foram melhores na
segunda parte e desperdiçaram uma
grande penalidade, mas os madridis-
tas foram mais eÆcazes e consisten-
tes, garantindo um triunfo, por 2-3.
Dezasseis meses depois de o FC
Porto se tornar na primeira equipa
portuguesa a conquistar a competi-
ção de equipas sub-19 da UEFA, o
Estádio Colovray, em Nyon, recebeu
pela quarta vez em oito edições da
final da Youth League uma equipa
portuguesa, mas, depois de realizar
um excelente percurso até ao jogo
decisivo (oito vitórias em nove parti-
das), os benÆquistas não conseguiram
repetir a proeza dos portistas.
Sem o castigado Paulo Bernardo,
mais um talento made in Seixal, o téc-
nico Luís Castro lançou de início Hen-
rique Araújo que, a par de Tiago Dan-
tas, tinha a missão de ocupar terrenos
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 33
bem próximos de Gonçalo Ramos, o
goleador das “águias”.
Com mais bola, o BenÆca assumiu
o domínio territorial no início da par-
tida, mas o Real Madrid mostrou-se
sempre perigoso quando avançava no
terreno e, aos 26’, Pablo Rodríguez
bateu Kokubo pela primeira vez.
O golo tirou conÆança aos benÆ#
quistas, que começaram a cometer
mais erros, e, antes do intervalo, um
mau passe “encarnado” deu origem
a um contra-ataque espanhol que
terminou com a bola novamente no
fundo da baliza, introduzida pelo
médio benÆquista Henrique Jocú.
Com dois golos de desvantagem,
Luís Castro trocou ao intervalo Jocú
por Ronaldo Camará. A melhoria no
futebol das jovens “águias” foi ime-
DESPORTO
diata e, aos 49’, Embaló assistiu Gon-
çalo Ramos, que reduziu para 1-2.
No entanto, o BenÆca quase que
nem teve tempo para saborear o golo.
Na jogada seguinte, o extremo Marvin
Park colocou na área e a bola circulou
até ao segundo poste, onde surgiu
Gutiérrez a desviar para o terceiro
golo espanhol.
Sem baixar os braços, o BenÆca
reagiu e sete minutos depois, após
um canto, Gonçalo Ramos fez o oita-
vo golo em nove jogos na prova. Cla-
ramente por cima, a equipa portu-
guesa manteve a pressão, mas Tiago
Dantas desperdiçou um penálti (68’)
e, já na compensação, acertou na bar-
ra da baliza do Real Madrid.
dandrade@publico.pt
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34 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
Porto — uma D
cidade
sitiada em
1832/1833
200 anos da Revolução Liberal
Após o desembarque no Pampelido e no
Mindelo, o exército liberal comandado
por D. Pedro instala-se no Porto e sofre
um penoso cerco de 11 meses e dez dias.
Os combates, os bombardeamentos,
a cólera e a fome fustigam os sitiados.
Que resistem para, em Agosto de 1833,
levarem a guerra civil para o sul do país
e, logo depois, até à vitória
Sérgio Veludo Coelho
esde o desembarque do exér-
cito de D. Pedro a 8 de Julho
de 1832, entre Arnosa de
Pampelido e Mindelo, que
era evidente o risco que cor-
riam os liberais. O exército
de D. Miguel tinha 80.000 homens
em todo o Reino, dos quais 30.000,
formados em quatro divisões e uma
brigada móvel, que cercariam o Porto
a partir de Agosto de 1832. As forças
liberais, 8300 homens, barricaram-se
na cidade e na Serra do Pilar (Vila
Nova de Gaia). Em Agosto de 1832, o
estado-maior liberal manda fortiÆcar
a cidade, mas o exército miguelista
também inicia linhas de cerco com
baterias e redutos. D. Pedro, e o seu
estado-maior contavam em Agosto já
com as baterias da Lomba, China,
BonÆm, Sério, Congregados, Aguar-
dente, Monte Pedral, Carvalhido,
Bom Sucesso e Cemitério dos Ingle-
ses. Ficou isolado o reduto liberal da
Serra do Pilar, em Gaia, onde 600
homens, os Polacos da Serra, Æcaram
cercados um ano, sob o comando do
brigadeiro José António da Silva Tor-
res, nomeado comandante a 9 de
Setembro de 1832.
Em Agosto, o Porto, pelo sul, esta-
va defendido pelas baterias do Semi-
nário, da Quinta da China, Lomba,
Torre da Marca, Virtudes, Vitória,
Postigo do Sol, Fontainhas, Prado
do Bispo, e a norte estavam as bate-
rias de D. Pedro e D. Maria II, Monte
dos Congregados, Aguardente, Mon-
te Pedral, Senhora da Guia, Bom
Sucesso e Cemitério dos Ingleses, do exército de D. Miguel. Dez mil sol- de 1833, com um bombardeamento
guarnecido por uns poucos milha- dados miguelistas dividiram-se em prolongado de todas as baterias posi-
res de homens. duas colunas e carregaram pela Quin- cionadas em redor do seu perímetro.
O exército miguelista estava dividi- ta do Prado, chegando à primeira A norte do rio, no Porto, também se
do em quatro divisões. A 1.ª divisão linha. Atacaram, a partir das Antas, combatia arduamente, sendo os libe-
era comandada pelo brigadeiro José as posições constitucionais do Bon- rais levados a tomar ações ofensivas
António de Azevedo Lemos, na mar- Æm, Cativo e Fojo, assim como tam- para destruir as baterias ou redutos
gem esquerda do Douro, desde Avin- bém, mais a oeste, foram atacadas as miguelistas mais ameaçadores. Com
tes até à Foz. A 2.ª divisão tinha no posições frente ao Covelo, Prelada e a chegada de Saldanha ao Porto, este
comando Teles Jordão, que ocupava Carvalhido, para além do ataque em manda reforçar as linhas a oeste de
a Senhora da Hora, Ramalde, Padrão força à Serra do Pilar. Ao Æm do dia a São João da Foz. Já se tinha tentado
da Légua e São Mamede de Infesta, situação Æcou controlada pelos libe- um ataque à posição do Monte do
estando o comando em Custóias. A rais, que restabeleceram de novo as Castro, que dominava, com artilharia,
3.ª divisão era comandada por Augus- suas posições iniciais. os movimentos liberais em São João
to Pinto de Morais Sarmento e estava Entre 13 e 14 de Outubro de 1832 foi da Foz. Esse ataque realizado em 24
desde a estrada de Braga até Valongo. iniciado um bombardeamento contra de Janeiro de 1833 fracassou, causan-
A 4.ª divisão, sob o comando do Antó-
nio Joaquim Guedes, alongava-se da
o reduto da Serra do Pilar e um ata-
que com 7000 homens que se dividiu
do pesadas perdas aos liberais.
Luz Soriano [historiador que desem-
estrada de Valongo até ao Douro com em três colunas de ataque. Uma ata- barcou no Mindelo e escreveu a Histó-
o quartel-general em Rio Tinto. Ao sul cou a Eira, outra o centro da Cerca e ria do Cerco do Porto] aÆrma que as
manobrava uma coluna móvel a terceira pela Calçada de Vila Nova. medidas de D. Pedro quanto à mobili-
comandada por Nicolau de Abreu. Os ataques foram quebrados com zação de tropas resultaram que, de
A 29 de Setembro de 1832, as linhas pesadas baixas de ambos os lados. A Novembro de 1832 a Janeiro de 1833, o
liberais do Porto e Convento da Serra Serra do Pilar voltou a ser atacada a efetivo das tropas liberais passasse de
do Pilar sofreram um ataque em força 24 de Outubro de 1832 e a 4 de Março 12591 para 17.688 homens, com um

grande número de unidades de volun-
tários. Em 24 de Março de 1833, os
miguelistas atacaram as posições das
Antas ocupadas pelos liberais e conse-
guiram destruir as fortiÆcações ali
começadas. A oeste da linha os migue-
listas bombardeavam os pontos libe-
rais. A infantaria miguelista, organiza-
da em colunas, avançou à carga. O
reduto do Pinhal sofreu o primeiro
embate, mas um destacamento de
Infantaria 6 conteve o ataque. As for-
ças miguelistas então tentam o reduto
do Pasteleiro, mas sem sucesso.
O estado-maior liberal decide então
recuperar a posição das Antas que
lhes permitiria enfrentar a linha de
cerco miguelista daquela zona e que
se estendia do Forte de Contumil até
ao Acampamento do Sobral. A 9 de
Abril de 1833, as tropas liberais inves-
tiram contra o Forte do Covelo, ainda
em mãos miguelistas. Esta posição
estava localizada numa área bastante
saliente nas linhas miguelistas e domi-
nava um vasto sector face às defesas
liberais, desde o Monte Pedral até às
Antas. O ataque das tropas de D.
Pedro pretendia libertar as suas linhas
da ameaça do Forte do Covelo. A for-
ça, com as infantarias 9 e 10, mais
alguns batalhões de voluntários, que
atacou o Covelo, dividiu-se em duas
colunas que avançaram e, após
árduos combates, tomaram a posição
ao Æm da tarde do dia 9 de Abril.
Durante a noite, os miguelistas ten-
tam retomar a posição, mas sem êxi-
to. Na madrugada do dia 10 atacam
de novo reforçados pelas infantarias
7, 19 e 22, acabando por recuar ao Æm
de quatro tentativas. A última inves-
tida ocorreu pelas cinco da tarde des-
se mesmo dia, tendo sido de novo
repelidos. As fases Ænais do cerco
ocorreram entre 10 de Abril e até à
batalha de 25 de Julho desse ano.
A 21 de Junho, sai para o Algarve a
pequena expedição liberal sob o
comando do duque da Terceira com
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 35
Inquérito
de Proust
Ricardo
Alves
Pág. 39
DR
2500 homens e que iria entrar em
Lisboa. A 5 de Julho, os miguelistas
atacam em força a zona avançada de
Lordelo, a Quinta do Vanzeller e a
Casa do Plácido, para cortar a comu-
nicação da cidade com São João da
Foz. Também a norte, três colunas
miguelistas avançaram sobre as linhas
liberais no Monte Pedral, onde os
piquetes tiveram de retirar devido à
superioridade numérica do inimigo.
Os miguelistas foram expulsos por
um destacamento de Infantaria 9, a
coberto do fogo de artilharia da bate-
ria do Monte Pedral, das baterias de
D. Maria II e de D. Pedro IV no Sério e
do Forte do Covelo, agora em posse
dos liberais.
Além da artilharia, o Batalhão de
Empregados Públicos postou-se des-
de o Monte Pedral até à Quinta da
Prelada, apoiando a Infantaria 9. Na
zona da Prelada, os miguelistas, que
se tinham fortiÆcado na quinta do
mesmo nome, são bombardeados
pelas baterias da Ramada Alta, da
Glória e de S. Paulo e tomados de
assalto por quatro companhias de
atiradores belgas. Estes tomaram o
reduto da Prelada, Æcando com um
ponto avançado e próximo do forte
miguelista de Bulgos (Burgos). Os
combates Ænais do Cerco do Porto
ocorreram a 25 de Julho, antes de a
frente da guerra se transferir para
Lisboa e para o sul. Owen [Hugh
Owen, coronel britânico que partici-
pou nos combates e escreveu um livro
sobre o cerco] refere que os prepara-
Batalha de Ponte de tivos para o ataque miguelista dura-
vam há alguns dias, com uma calma-
Ferreira, no concelho ria em que as próprias baterias esta-
vam em silêncio.
de Valongo (na O general Saldanha, durante a noi-
te de 24, numa ronda às linhas, havia
imagem). No início do ouvido à distância o deslocamento de
artilharia e tropas e conÆrmou as suas
cerco, as tropas de D. suspeitas de que os miguelistas esta-
Miguel excediam em riam a concentrar tropas para um
ataque. D. Pedro, informado, deslo-
número as de D. cou-se à bateria da Ramada Alta para
veriÆcar a linha e as guarnições desde
Pedro. Mas os liberais o Carvalhido até à Pasteleira. Ao rom-
per do dia as posições miguelistas dos
resistiram e foram fortes de Serralves, Ervilha, Castro,
aumentando as suas Verdinho, Furada e outros pontos
fortiÆcados começaram a bombar-
hostes com a criação dear as vias que da cidade iam para
Lordelo e Pasteleira, para evitar que
de unidades de os redutos liberais fossem reforçados
e que tinham em mente romper a
voluntários linha naquele sector.
O marechal Bourmont, ao serviço
de D. Miguel, fez avançar a infantaria
COM O APOIO DE:
e a cavalaria, depois do bombardea-
mento, num total de 12.000 homens,
que deixaram os aquartelamentos
dos Fortes d’Arioza (Areosa), Lamas,
D. Miguel, Arroteia, Bulgos, Serralves,
Ervilha e Castro. Os miguelistas des-
tacaram ainda uma pequena coluna
sobre os lugares de Francos e da Pre-
lada e outra coluna foi direcionada
sobre o centro e a leste da Quinta de
Vanzeller. Além disso, colocaram dois
esquadrões de cavalaria num pinhal
próximo. A terceira coluna, com um
esquadrão de cavalaria, manobrou
sobre Lordelo. As duas colunas mais
fortes apresentaram-se sobre a Paste-
leira. Foi com este dispositivo ofensi-
vo que as tropas de D. Miguel ataca-
ram em força as linhas liberais desde
o Carvalhido até a oeste da Pasteleira
e Pinhal. Sobre a Quinta dos Vanzeller
a carga miguelista foi intensa, com-
posta por três colunas cobertas por
duas baterias de campanha. Os libe-
rais, após as primeiras descargas,
carregaram à baioneta sobre os
miguelistas. Nos combates nas posi-
ções de Lordelo e Pasteleira disputou-
-se o terreno com pesadas baixas. De
todas as posições foram os miguelis-
tas rechaçados entre as 10h e as 12h.
Um pouco mais tarde, a linha entre a
Quinta da China e o BonÆm foi amea-
çada pelos miguelistas, mas estes
foram repelidos. O próprio general
Saldanha à frente do estado-maior e
de 20 lanceiros carregou sobre as tro-
pas miguelistas, fazendo-as retirar.
Os liberais conseguiram evitar a
rutura das linhas, perante as tropas
do general Bourmont, que acabaria
derrotado. Lisboa estava já nas mãos
do duque da Terceira. O cerco é Ænal-
mente levantado após o último com-
bate no Porto em 18 de Agosto de 1833.
Tinham-se passado 11 meses e dez
dias, que sujeitaram os habitantes aos
bombardeamentos, combates, priva-
ções típicas de uma guerra civil. Viveu-
se a fome, epidemias como a cólera
Morbus, que provocaram tantas víti-
mas como os combates. Tanto liberais
como miguelistas sofreram pesadas
baixas entre mortos, feridos e mutila-
dos. Agora a guerra civil iria para sul.
Professor adjunto da Escola
Superior de Educação
do Politécnico do Porto; doutor
em História; mestre em História
Moderna; pós-graduado em
História Militar; investigador
do InED (ESE/P.Porto)
e do CITAR (Univ. Católica)
36 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020
O fantasma do radicalismo
Opinião
Fernando Dores Costa
Para os leitores da entrevista de
Fátima Bonifácio [F.B.] publicada
no dia 15 ressaltou certamente a
equiparação feita entre a “ala
setembrista radical e
insuportável”, existente no âmbito
do conÇito no interior do recém-
-vitorioso regime liberal entre as
correntes cartista e setembrista
durante a década de 1830, e os
atuais partidos de esquerda em
Portugal (BE e PCP).
Este tipo de paralelos é o oposto
do que deve ser a História: serve
para tornar familiar o passado,
equiparando os seus fenómenos a
outros que possam ser
imediatamente percebidos pelos
leitores. Dissolve a particularidade
do horizonte em que se moveram os
agentes nesse passado — essa
particularidade é o objeto da
História — e coloca-os a todos num
presente indeÆnido.
O “radicalismo” é o elemento
central do discurso de F.B. Mas não
será fácil aos leitores entender o que
seja. Diz F.B. que é, com o
conservadorismo e o liberalismo,
uma das três correntes saídas da
Revolução Francesa: “É o embrião
do republicanismo, que tem
princípios ÆlosóÆcos e valores
políticos completamente distintos
dos liberais. E incompatíveis.”
Infelizmente, não nos diz quais são.
O objetivo de F.B. é excluir que esta
corrente seja uma ala esquerda do
liberalismo, mas sim algo de
inconciliável com o liberalismo.
Acontece que esta oposição
política, que surgiu
inesperadamente no interior do
novo regime liberal em setembro de
1836, pouco mais de dois anos
depois da vitória sobre os
miguelistas, replicou a denúncia que
nos anos de 1820 fora a matriz de
aÆrmação política do liberalismo
face ao “antigo regime”: a ausência
de uma supervisão política dos
governantes e, abaixo destes, dos
magistrados e dos detentores de
cargos e postos, que os usavam para
oprimirem os proprietários e
lavradores. A estes excessos
opunham os liberais a organização
do poder através de uma lei
constitucional, ou seja, de uma
deÆnição dos limites da autoridade
que impediriam esses abusos, a qual
seria feita tanto pela diminuição do
número de empregados públicos,
como pela sua subordinação à lei. A
“esquerda” liberal reclamou sempre
que fosse menos pesado o Estado,
visto como sobrevivência do hábito
aristocrático de criação de lugares
para a colocação das suas criaturas,
como, aliás, assinalou o então muito
inÇuente Jeremy Bentham. Ora, o
grupo que ocupou o governo entre a
vitória liberal na guerra civil em
maio de 1834 e a revolução de
setembro de 1836 vai também ser
acusado durante esta revolução de
impedir a efetiva aÆrmação desta
nova “transparência” liberal.
O “setembrismo” é o
liberalismo-na-oposição, que
sempre acusa o
liberalismo-no-governo de ser
insuÆcientemente liberal e traidor
dos interesses nacionais. Por isso
mesmo, é favorável ao
protecionismo económico em
nome da defesa do “trabalho
nacional”, ou seja, da limitação da
concorrência de produtos
estrangeiros no mercado interno,
tal como os liberais de 1821 tinham
previsto nos debates sobre a
proibição da importação de cereais.
A subserviência face aos interesses
ingleses era sempre para a oposição
o tema central da agitação política.
O mesmo acontecerá ao longo do
século XIX com o tema da
descentralização administrativa:
defendida pelos opositores que
adiavam a sua aplicação quando
chegavam ao poder. São temas que
capitalizam os descontentamentos
e desgastam o governo.
Prenunciam efetivamente o
republicanismo na medida em que
este é a versão do liberalismo sem
rei e sem clero, sendo a Carta
Constitucional acusada de
constituir um compromisso entre
os princípios liberais e o
absolutismo, pelo poder de
dissolução da Câmara dos
Deputados dado ao rei .
SigniÆcativamente, o
“setembrismo” no poder criou uma
Constituição (a de 1838) que vigorou
apenas uns três anos e já em 1839
era uma corrente em desagregação,
predominando no governo os
chamados “ordeiros”. O
“radicalismo” desfazia-se
espontaneamente.
Mas o termo “radical” é aplicado
por F.B. de modo muito extenso.
ConÆrma que Saldanha era no
tempo do exílio dos liberais (1828)
“radical” — mas o quer isto dizer? É
duvidoso que fosse ideológica a
diferença entre os exilados em
Inglaterra e em França. Saldanha
fora em 1826, quando D. Pedro
outorgara a Carta, a Ægura central
que forçara o seu acolhimento,
sobre o qual se hesitava, e, feito
ministro da regente Isabel Maria,
ensaiara sem êxito uma
disciplinação do exército. Mas
acabara abandonado pelos que
haviam optado pela via da fusão de
partidos (que estava subjacente ao
casamento previsto de D. Maria
com o tio D. Miguel) que se
revelaria ilusória e é muito provável
que tenha sido esta a razão da
fratura no campo liberal. Não são
as “ideias”, mas os modos de agir
que fazem os grupos divergir.
“Radicalismo” é um termo
indeÆnido que serve para
estigmatizar e por isso se aplica de
inúmeras maneiras, tal como os
DR
chamados “autores
contra-revolucionários” tinham
feito com o termo “jacobinismo”.
Tudo isto nos remete para a
relação entre “ideias” e situações,
ou seja, o modo como os humanos
se posicionam num determinado
espaço e tempo. Em geral,
procuram-se nas ideias
proclamadas (aquelas que
conhecemos, já que as íntimas são
incognoscíveis) a sua eÆcácia
organizadora.
A revolução em Espanha de
janeiro-março de 1820 reclamou a
vigência da Constituição liberal de
1812, mas o movimento tivera
origem no descontentamento
suscitado pela formação de
exércitos destinados a reprimir as
revoltas das colónias americanas. A
inscrição na elevada esfera política
ocultava a motivação íntima e
inconfessável, mas não era
necessariamente falsa. Dava-lhe um
corpo que de outra forma não teria.
No ano de 1834, no Portugal da Carta
vitoriosa, a Constituição de 1822
deixara de ser uma referência
congregadora. Dela já não se falava.
Reapareceu (mas apenas como uma
formalidade), quando foi necessário
convocar um texto em alternativa à
Carta de 1826. As “ideias” usadas
vão enÆm mudando. Saldanha é um
caso exemplar. Mas também em
1820 o futuro duque de Palmela, que
será uma Ægura central do novo
regime, não é sequer um liberal e
defende que Beresford é um homem
indispensável para manter a ordem.
Costa Cabral é um conhecido
exemplo do indivíduo que começou
na chamada “extrema-esquerda” e
se tornou o máximo expoente do
autoritarismo cartista.
Tudo aponta para que não se
possa considerar a coerência
ideológica como guia da ação da
grande parte dos humanos ao longo
do tempo de vida, mas sim a sua
opção de “localização”, feita no seu
tempo e espaço ou, noutros termos,
a sua prática (ética) própria.
Mas não foi este conÇito entre
correntes liberais a grande clivagem
da época, mas a fratura entre
liberais e miguelistas que levou à
guerra civil de 1832-1834 — para a
qual F.B. também usa o termo
“radical”: diz que foi a “única coisa
radical que nós tivemos”. Como
conciliar a extensa repressão do
regime policial miguelista com a
caracterização do país como algo
“muito pequenino” onde “não se
pode castigar fulano, porque é
amigo de sicrano”? E tudo isto com
a aceitação de que houve uma
“revolução social” com as leis de
Mouzinho da Silveira, que, aliás, se
sobrevaloriza, já que no campo
administrativo (o centralismo
napoleónico) foi logo abandonada e
noutros teve efeitos que o autor das
leis não esperava?
F.B. projeta no passado um
modelo que é do século XX — o do
medo do que chama “esquerda
radical” (o paradigma deste medo
pode ser, entre outros, Hayek) —,
mas que é também o da literatura
contra-revolucionária do início do
século XIX: a demonização do
adversário, em que tudo, desde a
reforma religiosa do século XVI até
às ideias dos diversos Ælósofos do
século XVIII, conÇuía na vontade de
dissolução da própria sociedade
humana.
O medo viaja no tempo.
Investigador do Instituto de
História Contemporânea —
Universidade Nova de Lisboa

TELEVISÃO
Cinema
A Senhora da Água
AXN Movies, 21h15
Uma fábula escrita e realizada por
M. Night Shyamalan. Bryce Dallas
Howard é Story, uma bela e
misteriosa ninfa, que vive sob a
piscina de um complexo de
apartamentos. Cleveland Heep
(Paul Giamatti) encontra-a e
percebe que tem sido perseguida
por criaturas malévolas que a
impedem de voltar ao seu mundo.
Cinema
O Coro
TVCine Emotion, 1h55
Após a morte da mãe, Stet vai
para uma instituição e é obrigado
a integrar um coro. O professor de
canto apercebe-se das suas
incríveis capacidades artísticas e
dedica-se a fazê-lo entender que
não pode desperdiçar aquele
dom. Assim nasce uma relação
que irá preparar Stet para a idade
adulta e, ao mesmo tempo, ajudar
o professor a redescobrir as
maravilhas dos espíritos rebeldes.
Com realização de François Girard
e argumento de Ben Ripley, o
Ælme conta com Dustin Hoèman,
Kathy Bates e Garrett Wareing nos
papéis principais.
Série
Project Blue Book
TVCine Action, 22h10
Estreia da segunda temporada.
História, suspense, conspirações e
Objectos Voadores não
IdentiÆcados misturam-se na
trama da série produzida por
Robert Zemeckis. Baseia-se em
investigações reais, conduzidas
pela Força Aérea dos EUA nos
anos 1950 e 1960. Um cientista
(interpretado por Aidan Gillen) e
um oÆcial (Michael Quinn) tratam
casos enigmáticos de Æcheiros
secretos da época, entretanto
divulgados.
Informação
Grande Entrevista
RTP3, 23h
O jornalista Vítor Fernandes
recebe o escritor Mário Zambujal,
no momento em que está a ser
rodada uma versão televisiva do
seu romance A Crónica dos Bons
Malandros. A série, que o canal
público estreará em data a
anunciar, é realizada por Jorge
Paixão da Costa e tem Marco
Delgado, Maria João Bastos, Rui
Unas, João Raposo, Manuel
Marques e Joana Pais de Brito no
elenco. Repete-se às 3h08, RTP1.
Programação em
www.lazer.publico.pt/GuiaTv.
EM DESTAQUE
Exposição
O Porto entra no universo de Monet e Klimt
A Alfândega do Porto convida o
público a entrar em Impressive
Monet & Brilliant Klimt.
Instalada na Immersivus
Gallery, uma área que ocupa
todo o espaço subterrâneo do
edifício, reservada a
experiências artísticas
imersivas, a exposição é
dedicada ao universo de dois
mestres da pintura, Claude
Monet e Gustav Klimt. Telas
como a Mulher com sombrinha
(1875) do primeiro ou O Beijo
(1907-1908) do segundo ganham
vida com a projecção em 360º,
numa visita sensorial que põe a
arte de mãos dadas com a
tecnologia. O projecto tem a
assinatura do atelier OCubo —
responsável por espectáculos de
video mapping como Lisbon
Under Stars, Porto Legends ou
Visitas
Pelos caminhos romanos de Tróia
Em tempos foi o maior centro
de produção de salgas de peixe
do Império Romano. Situadas
na margem do rio Sado e
classiÆcadas como Monumento
Nacional desde 1910, as Ruínas
Romanas de Tróia são hoje um
importante testemunho da
ocupação na península, entre
os séculos I e VI d.C. O conjunto
arqueológico é composto por
vestígios de casas, termas,
mausoléu, necrópole e
instalações industriais com
CINEMA EM ESTREIA
Tenet
De Christopher Nolan. Com
Elizabeth Debicki, Robert
Pattinson, Aaron Taylor-Johnson,
Kenneth Branagh, Michael Caine.
Thriller, acção. EUA/GB. 2020.
150 min. M12.
Para impedir uma III Guerra
Mundial, o agente de uma
organização usa uma manobra
singular: a inversão do tempo.
A Fábrica dos Sonhos
De Kim Hagen Jensen e Tonni
Zinck. Com Robyn Dempsey
(Voz), Emma Jenkins (Voz), Luke
Griffin (Voz). Animação,
comédia. DIN. 2020. 81 min. M6.
Regresso ao Palácio — e recorre
“a uma combinação de elevada
complexidade técnica de
dispositivos virtuais, como a
mistura de hologramas com
projecções 360º”, numa
O pai de Mina resolve refazer a
vida com a namorada e a Ælha
dela, sem se aperceber do quão
diferentes as duas meninas são.
Os Novos Mutantes
De Josh Boone. Com Maisie
Williams, Anya Taylor-Joy,
Charlie Heaton, Blu Hunt, Alice
Braga, Henry Zaga, Colbi
Gannett. Drama, thriller. EUA.
2020. 81 min. M12.
Cinco jovens com poderes
sobre-humanos estão internados
numa instituição psiquiátrica. São
estudados pela Dr.ª Cecilia Reyes.
Honeyland - A Terra do Mel
De Tamara Kotevska, Ljubomir
Stefanov. Macedónia. 2019. 89m.
Documentário. M12.
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 37
parceria técnica com a FujiÆlm.
Para ver de quarta a domingo,
até 15 de Novembro, em cinco
sessões diárias: 11h, 13h, 15h, 17h
e 19h. Bilhetes a 9€ (entrada
gratuita até aos cinco anos).
fábricas, oÆcinas e tanques de
salga usados para a produção
do garum, um condimento
muito utilizado na Roma
Antiga. Agora também
certiÆcadas com o selo Clean &
Safe, cumprindo as
recomendações de saúde em
vigor, as ruínas podem ser
visitadas todos os dias até
Outubro, das 10h às 13h e das
14h30 às 18h (bilhetes a 6€).
A entrada é gratuita para
menores de 12 anos.
Hatidze Muratova, a última
caçadora de abelhas da Europa,
tem uma regra inviolável: retirar
só metade do mel da colmeia.
Museu
De Alonso Ruizpalacios. Com
Gael García Bernal, Simon
Russell Beale, Lynn Gilmartin.
MEX. 2018. 128m. Drama. M14.
Juan e Benjamin roubam
artefactos valiosos de um museu.
As autoridades vão fazer tudo
para os encontrar.
O Rei de Staten Island
De Judd Apatow. Com Pamela
Adlon, Pete Davidson, Marisa
Tomei. EUA. 2020. 136m.
Comédia dramática. M14.
Scott, que nunca superou a morte
do pai, num incêndio, descobre
que a mãe está numa relação com
outro bombeiro.
Adam
De Maryam Touzani. Com Lubna
Azabal, Nisrin Erradi, Douae
Belkhaouda. FRA/BEL/Marrocos.
2019. 98m. Drama. M12.
Abla, viúva, e a Ælha, que vivem
da venda de pão e bolos, acolhem
uma jovem grávida desesperada.
A Troca das Princesas
De Marc Dugain. Com Lambert
Wilson, Anamaria Vartolomei,
Olivier Gourmet, Catherine
Mouchet. GB/FRA/BEL. 2017.
100m. Drama histórico. M12.
Filme histórico sobre a manobra
política de Filipe II, em 1721.
Força da Natureza
De Michael Polish. Com Emile
Hirsch, Mel Gibson, David Zayas,
Kate Bosworth. EUA. 2020. 91m.
Drama, acção. M12.
Um bando de ladrões planeia
resgatar um saque durante um
furacão iminente, mas um
ex-polícia mete-se de permeio.
Alice, Nova Iorque e Outras
Histórias
De Tiago Durão. Com Sofia
Mirpuri, Naomi Livingstone, Troy
Tripicchio, Madalena Mantua,
José Medeiros. EUA/POR. 2019.
120m. Comédia dramática. M12.
Grávida do namorado que morreu
e sentindo-se perdida, Alice tenta
um recomeço em Nova Iorque.
Eu Ainda Acredito
De Andrew Erwin, Jon Erwin.
Com Britt Robertson, K.J. Apa,
Melissa Roxburgh, Gary Sinise.
EUA. 2020. 115m. Drama,
Romance, musical. M12.
A história de amor entre o músico
Jeremy Camp e a mulher, face a
um terrível diagnóstico.
O Segredo: Atreve-te a Sonhar
De Andy Tennant. Com Katie
Holmes, Josh Lucas, Jerry
O’Connell, Celia Weston. EUA.
2020. 107m. Drama, romance.
M12.
Descrente e centrada nos Ælhos,
Miranda está prestes a cruzar-se
com Bray, a personiÆcação do
optimismo.
Fellini 8 ½
De Federico Fellini. Com
Marcello Mastroianni, Anouk
Aimée, Claudia Cardinale. ITA.
1963. 114m. Drama. M16.
Um realizador em crise de
inspiração voltará a Ælmar com a
ajuda dos seus fantasmas.
Programação em
www.cinecartaz.publico.pt
38 • Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020

Jogue também online.

Palavras-cruzadas,
bridge e sudoku em
www.publico.pt/jogos

CRUZADAS 11.081 TEMPO PARA HOJE

HORIZONTAIS: 1. Pessoa adulta do sexo VERTICAIS: 1. Senão. Elemento de for-
feminino. Usain (...), atleta jamaicano mação que exprime a ideia de vida.
diagnosticado com o novo coronavírus. Autoridade Tributária e Aduaneira. 2.
2. Altar. Dar mios. «A» + «o». 3. Novo ins- Espécie de abutre do tamanho do peru Viana do Bragança
trumento financeiro temporário para (Bras.). Nome genérico da madeira em- Castelo 15º 32º
proteger os postos de trabalho. Peça de pregada para alimentar a combustão. 3. 16º 27º
Braga
artilharia semelhante a um morteiro com- Não têm de ter médicos por lei, apenas 15º 33º
prido. 4. Lindo. Palavra provençal que enfermeiros. Incute. 4. Artigo antigo. Vila Real
significava sim. No caso de. 5. Autocarro. Inferno (poét.). 5. Preposição que indica 19º Porto 17º 33º
Capital. 6. Colocar argolas em. 7. Miguel lugar. Terra argilosa, colorida por um 17º 26º
(...), levou Portugal, pela primeira vez, ao óxido de ferro com a qual se obtém um
Viseu
topo do MotoGP. Agora. 8. Nome da letra pigmento natural. Interjeição brasileira Guarda
1-1,5m 16º 31º
N. Prefixo (repetição). «Quem lida com que designa espanto, admiração ou con- Aveiro
16º 30º
(...), sempre lambe os dedos». 9. tentamento. 6. Aparece na poesia como 18º 24º
Elemento de formação de palavras que flúmen. Proceder. Érbio (s.q.). 7. Serra da Penhas
Douradas
exprime a ideia de masculino. Segue o (...), abrange os concelhos de Amarante, Coimbra 16º 27º
exemplo de. 10. Greta (...), volta à escola Baião e Marco de Canaveses. 8. Bactéria
18º 31º
após ano sabático dedicado ao clima. que provoca a brucelose ou a febre-de- Castelo
Alojamento Local. 11. Atordoara. malta. Magnésio (s.q.). 9. «De» + «a». Branco
Costume. Terceira nota musical. 10. Los Angeles. Leiria 19º 38º
Santa das (...), como também é conheci- 18º 27º
da Madre Teresa de Calcutá. 11. Vasilha de
aduelas, de grande lotação, para vinhos.
Santarém
Privado do uso da fala. Portalegre
17º 36º
19º 35º
Solução do problema anterior:
Lisboa
HORIZONTAIS: 1. Alemanha. TC. 2. Numo. Alheio. 3. Iaras. 4. Zr. Ri. Krach. 5. PE.
Gandhi. 6. Moeriam. II. 7. Bit. Amoldar. 8. ET. Avio. 9. Jeiras. Pl. 10. Apraz. Gaia. 11. Lioz. 19º 34º
Servil. Setúbal
VERTICAIS: 1. An. Zambujal. 2. Luir. Oi. Epi. 3. Ema. Peteiro. 4. Morrer. Traz. 5. Ai. Ia.
18º 35º Évora
Az. 6. Nas. Gamas. 7. Hl. Kamov. Ge. 8. Ah. Rn. Libar. 9. Evadido. IV. 10. TI. Chia. Pai. 11.
Colhi. Rol. 16º 38º
AMANHÃ

18º Beja
Sines
BRIDGE SUDOKU 17º 27º
16º 37º

Dador: Sul Problema 1m

soube ser “prudente”. Depois de ter feito
Vul: NS
o Ás de ouros apressou-se a jogar trunfo 9936
para o Rei e outro trunfo para o Ás, sendo Sagres
NORTE surpreendido pela balda de um pau por Dificuldade: 19º 29º
Faro
21º 34º
Ƅ K2 parte de Este. Sul tentou ainda alinhar os Fácil
Ɔ J83 seus paus, mas na terceira volta do naipe, 20º
Ƈ 10872 e já depois de ter tido a possibilidade de 0,5m
ƅ AKJ5 baldar o 3 de ouros, Oeste cortou e jogou
outra figura de ouros. Incapaz de voltar ao
Açores
morto para poder aproveitar o último pau, Corvo
Graciosa
Sul viu-se forçado a ter de ceder mais Terceira
OESTE ESTE duas vazas a copas e uma a trunfo, para Solução do Flores
Ƅ Q1083 Ƅ4 S. Jorge 22º 26º
um cabide. problema 9934 21º 26º
Ɔ Q7 Ɔ K10954 Se tivesse sido “prudente”, Sul teria 24º
Ƈ KQJ95 Ƈ 64 cumprido este contrato sem grandes difi- 24º Pico
ƅ 76 ƅ 109832 culdades. Depois do Ás de ouros, Sul 1m
Faial
pode bater o Ás de trunfo, mas de segui-
da deve jogar os paus. Balda o 3 de ouros 22º 26º
1m S. Miguel
SUL na terceira volta do naipe e Oeste corta.
22º 27º
Ƅ AJ9765 Mas logo que volte a ter a mão, Sul joga Ponta
Ɔ A62 outro trunfo para o Rei do morto e apre- 24º Delgada
Ƈ A3 senta o último pau firme do morto para 1m
0,5-1m
ƅ Q4 baldar uma copa perdente. A defesa fará
dois trunfos e uma copa — contrato cum-
Madeira Sta Maria

prido!
Porto Santo
Problema
Considere o seguinte leilão: 22º 28º
9937 24º
Oeste Norte Este Sul
1Ƈ Dificuldade:
Oeste Norte Este Sul passo 1Ɔ passo 2ƅ Médio Funchal
0,5m
1Ƅ passo 2Ɔ passo ? 1m 23º 31º
24º
passo 2ƅ passo 2Ƅ
passo 4Ƅ Todos passam O que marcaria, com a mão seguinte?
ƄKJ10 Ɔ8 ƇAQ976 ƅKQ107 Sol Lua Cheia
Leilão: Equipas ou partida livre.
Nascente 7h00
Resposta: Mesmo sendo tentador mar-
Poente 20h16 2 Set. 6h22
Carteio: Saída: KƇ. Qual o seu plano de car 2ST, não o faça quando tem um claro Solução do
jogo? misfit com o seu parceiro. A mão do seu problema 9935
parceiro só deverá valer alguma coisa se
Solução: Se pudesse encontrar um adjec- o trunfo for copas; caso contrário, só irá
Marés
tivo que permita definir um bom jogador, contribuir com pouco mais do que uma Leixões Cascais Faro
seria “prudente”. Ele nunca perde contra- vaza, e para cumprir 2ST necessita de oito
tos fáceis e antevê sempre o pior. vazas…Passe é a voz mais sensata.
No contrato de hoje parece ser simples Preia-mar 09h33 2,9 09h09 2,9 09h09 2,8
obter as dez vazas: quatro trunfos mesmo 22h14 2,8 21h50 2,8 21h50 2,8
que o naipe esteja mal dividido, quatro
paus e dois ases vermelhos. Se garantir as Baixa-mar 15h44 1,2 15h23 1,3 15h05 1,2
suas vazas em paus, o contrato estará a 04h29* 1,3 04h07* 1,4 03h50* 1,3
salvo. João Fanha (bridgepublico@gmail.com
Mas à mesa o carteador original não e fanhabridge.pt) © Alastair Chisholm 2008 and www.indigopuzzles.com Fonte: www.AccuWeather.com *de amanhã

QUESTIONÁRIO DE PROUST
“Adoro-me”
Qual a sua ideia de felicidade
perfeita?
Dizem que a felicidade
é não desejar, mas se calhar a
felicidade é poder desejar.
E ter o direito de ansiar cumprir
desejos.
Qual é o seu maior medo?
O medo de já não ter desejos, de
não sentir inquietação. O medo
de cumprir as ânsias e os desejos
desaparecerem.
Na sua personalidade, que
característica mais o irrita?
Na minha? Talvez ser um ser
perfeito. Estava a brincar. Acho
que o mais irritante em mim é
achar sempre que todos têm
sentido de humor.
E qual o traço de personalidade
que mais o irrita nos outros?
Não terem sentido de humor
é a segunda coisa que mais
me irrita nos outros.
A primeira é não gostarem
do meu humor. Na verdade é a
falta de empatia. O não saberem
pensar: eu podia ser ele, se
tivesse tido a vida dele.
Que pessoa viva mais admira?
Não conheço ninguém o
suÆciente para o admirar. E se o
conhecesse profundamente já
não a ia admirar.
Qual a sua maior
extravagância?
Ser preguiçoso e perder horas a
pensar na maneira mais rápida e
com menor esforço de fazer as
coisas que podia fazer em cinco
minutos.
Qual o seu estado de espírito
neste momento?
Se isto não fosse um inquérito de
Verão diria preocupado. Com o
que a covid nos está a preparar
para Outubro.
Qual a virtude que pensa estar
sobrevalorizada?
O empreendedorismo.
Em que ocasiões mente?
Quando tem que ser e a coisa a
dizer não passa nos três Æltros do
Sócrates.
O que menos gosta na sua
aparência física?
Adoro-me. Porque nem ligo a
isso.
Público • Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020 • 39
PAULO PIMENTA
Entre as pessoas vivas, qual a
que mais despreza?
Não conheço ninguém o
suÆciente para o desprezar. E se
o conhecesse profundamente já
não ia desprezar. Mas o Trump
seria um bom candidato.
Qual a qualidade que mais
admira num homem?
Ser um Homem.
E numa mulher?
Ser uma Mulher.
Diga uma palavra — ou frase —
que usa com muita frequência.
Pois.
O quê ou quem é o maior amor
da sua vida?
O que construí. A dois.
Aonde e quando se sente mais
feliz?
Nas pausas inúteis fundamentais.
Pelo que está antes, pelo que vai
estar depois e por tudo que se
faz quando não se faz nada.
Que talento não tem e gostaria
de ter?
Tocar um instrumento musical.
Se pudesse mudar alguma
coisa em si o que é que seria?
Aprendia a dizer não e
não respondia a inquéritos
de Verão.
O que considera ter sido a sua
maior realização?
Ainda não ter perdido a vontade
de realizar uma quantidade
inÆnita de coisas.
Se houvesse vida depois da
morte, quem ou o quê gostaria
de ser?
Não gosto de remakes. Ser única
é o que a torna única. Se na vida
o game over não fosse over, era
Ricardo Nunca ser demasiado honesto,
nem demasiado indiferente para
mentir.
O que mais valoriza nos
Quais os nomes próprios
de que mais gosta?
Ricardo, sou um narciso
envergonhado.
demasiado fácil.
Onde prefere morar?
Tento que seja em cada sítio
onde vou estando.
Qual o seu maior tesouro?
Alves
O dramaturgo e fundador
amigos?
Eles terem aprendido a serem
felizes.
Quem são os seus escritores
favoritos?
Qual o seu maior
arrependimento?
Há demasiado candidatos para
eu poder cometer a
inconsciência de eleger só um.
Esta é segredo. Esta é uma pergunta injusta. Como gostaria de morrer?
O que considera ser o cúmulo
da miséria?
do teatro Palmilha Dentada, Quem é o seu herói de ficção?
O Jesus loiro com olhos azuis.
A erguer a bandeira da
liberdade, num cume de um
Não ter forças.
Qual a sua ocupação favorita?
diz que os seus heróis são Com que figura histórica mais
se identifica?
monte de um país que ansiava
há anos pela felicidade. Nada
Estar desocupado o suÆciente
para ter desejo de me ocupar
todos “os que sorriem Nenhuma.
Quem são os seus heróis na
como uma resposta estúpida
para uma pergunta sem
com alguma coisa. E inventá-la.
A sua característica mais
sozinhos no metro cheio, vida real?
Os que sorriem sozinhos no
resposta possível.
Qual o seu lema de vida?
marcante? às 7h30 da manhã” metro cheio, às 7h30 da manhã. Faz a diferença.
Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020

BARTOON LUÍS AFONSO

CONSOANTE MUDA

E se ninguém ganhar as eleições nos Estados Unidos?

ninguém na noite eleitoral ou
depois dela exprimiu quaisquer
dúvidas de que ele tivesse garantido
a vitória no colégio eleitoral.
O ano de 2020 vai ser muito
diferente. Trump tem dito
Rui Tavares repetidamente aos seus eleitores
que só perderá estas eleições se elas
independência do país no século
XVIII), essencial para permitir o
voto à distância num contexto de
pandemia, principalmente nos
grandes centros urbanos onde é
mais difícil manter o
distanciamento físico, e onde a
maior parte do eleitorado é
habituaram-se a perder no colégio travessia no deserto muito
eleitoral o que ganham na votação prolongada, principalmente
popular, e até a perder no Supremo quando estados como o Texas,
Tribunal o que poderiam ter ganho algures no decurso da próxima
no colégio eleitoral. Quando Al década, se tornarem disputáveis
Gore concedeu a derrota em 2000 a pelos democratas por razões da sua
George W. Bush, esta atitude de evolução e composição
alguma contenção nas emoções era demográÆca. E se Trump ganhar,

P
rever o resultado das eleições
presidenciais nos EUA
costumava ser uma simples
questão binária: ou ganhava o
candidato do Partido
Democrata, ou ganhava o
candidato do Partido Republicano.
Mesmo as eleições de 2000, nas
quais Al Gore e George W. Bush
acabaram praticamente empatados
no estado da Florida, não foram
assim tão diferentes: o Supremo
Tribunal interveio para declarar
que a vitória naquele estado
pertencia a Bush Jr., e assim foi
determinada a vitória no colégio
eleitoral também, o que deu a
George W. Bush as chaves da Casa
Branca com menos meio milhão de
votos do que Al Gore.
O mesmo, apesar de tudo, se
pode dizer das eleições de 2016. A
distância no voto popular entre
Donald Trump e Hillary Clinton foi
maior ainda — o republicano Trump
entrou na Casa Branca com menos
três milhões de votos do que teve a
democrata Hillary Clinton — mas
forem fraudulentas, o que signiÆca
que contempla a possibilidade de
não reconhecer a vitória do seu
adversário, Joe Biden. A posição de
Trump é tanto mais estranha
quanto, estando ele no poder
executivo a nível federal, ter ele
muito mais possibilidades de
interferir no processo eleitoral do
que o seu adversário (mesmo
presumindo que este o conseguisse
fazer apenas nos 19 estados de que o
Partido Democrata controla o
congresso estadual, contra os 29
controlados pelo Partido
Republicano, com dois estados
“empatados” entre ambos os
partidos). E a verdade é que os
adversários de Trump não têm
parado de alertar para uma
tentativa de interferência do
Presidente no processo eleitoral,
através do esvaziamento do Serviço
Postal dos EUA
(constitucionalmente protegido,
uma vez que este era o principal
meio de comunicação entre as
colónias que declararam a
democrata. Trump, por sua vez,
não faz nada para esconder os seus
intentos, dizendo aos sete ventos (e
sem vestígio de qualquer prova) que
o voto postal é fraudulento e
justiÆcando assim tanto a sua
ameaça implícita de não reconhecer
o resultado eleitoral como a prática
continuada de não permitir que o
Serviço Postal funcione
adequadamente.
Temos portanto que as barreiras
para uma vitória democrata são
mais altas do que antes e do que se
costuma imaginar. A Joe Biden não
basta estar à frente nas sondagens
(Hillary Clinton também esteve),
nem ter mais votos (idem), nem
sequer ter muito mais votos
(ibidem). A um candidato do
Partido Democrata é agora preciso
ganhar por uma tal distância que
nem um presidente com o
descaramento de Donald Trump
tenha coragem de pôr o resultado
em causa.
Do outro lado, porém, as coisas
não são mais fáceis. Os democratas
justiÆcada perante o mal que faria podendo nomear juízes do
aos EUA, enquanto indisputada Supremo por mais quatro anos, os
superpotência global, ser o país conservadores podem vir a ter uma
forçado a uma dúvida prolongada maioria inexpugnável no poder
sobre qual seria o seu próximo judicial durante mais de uma
Presidente. Mas com uma geração.
hipotética segunda vitória de É portanto plausível um cenário
Trump, nas condições atrás em que não se saiba quem é o
descritas, as coisas são diferentes e candidato vencedor na noite
é duvidoso que os democratas eleitoral, nem nos dias e semanas
tenham o mesmo autocontrolo, ou seguintes; em que o Supremo
até que consigam controlar a sua Tribunal não seja visto por muita
base eleitoral. O resultado é que gente como um árbitro neutral; e
tanto Trump pode não reconhecer em que o Presidente que tomar
uma vitória de Joe Biden como os posse no dia 20 de janeiro de 2021
democratas não reconhecerem não seja reconhecido por metade
uma vitória do candidato (ou mais) da sociedade
republicano; e que este cenário de estado-unidense.
república das bananas seja sequer Se acham que isto é impossível,
possível nos EUA já nos diz muito olhem para o ano de 2020 até agora
sobre a deliquescência do poderio e veriÆquem quantas coisas
moral estado-unidense. “impossíveis” já aconteceram. A
Para mais, há fortes razões de questão a saber é antes como Æcará
sobrevivência para que ambos um mundo em que os EUA não
optem agora por uma posição mais tenham uma liderança
intransigente. Se Trump perde, o consensualmente reconhecida.
Partido Republicano será
provavelmente lançado numa Historiador

Esta informação não dispensa a

consulta da lista oficial de prémios Euromilhões 7 18 30 37 39 8 10 1.º Prémio
122.000.000€
Contribuinte n.º 502265094 | Depósito legal n.º 45458/91 | Registo ERC n.º 114410 | Conselho de Administração - Presidente: Ângelo Paupério Vogais: Cláudia Azevedo, Ana Cristina Soares e João Günther Amaral
9988B239-5524-4EAD-8F38-C11E4ABBFC05
E-mail publico@publico.pt Estatuto Editorial publico.pt/nos/estatuto-editorial Lisboa Edifício Diogo Cão, Doca de Alcântara Norte, 1350-352 Lisboa; Telef.:210111000 (PPCA); Fax: Dir. Empresa 210111015; Dir. Editorial
210111006; Redacção 210111008; Publicidade 210111013/210111014 Porto Rua Júlio Dinis, n.º270, Bloco A, 3.º, 4050-318 Porto; Telef: 226151000 (PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade,
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Detentor de 100% de capital: Sonaecom, SGPS, S.A. Impressão Unipress, Travessa de Anselmo Braancamp, 220, 4410-350 Arcozelo, Valadares; Telef.: 227537030; Empresa Gráfica Funchalense,
SA, Rua da Capela de Nossa senhora da Conceição, nº. 50- Morelena – 2715-029 Pêro Pinheiro Telf.: 219677450 Distribuição VASP – Distribuidora de Publicações, SA, Quinta do Grajal - Venda
Seca, 2739-511 Agualva Cacém, Telef.: 214 337 000 Fax : 214 337 009 e-mail: geral@vasp.pt Assinaturas 808200095 Tiragem média total de Julho 25.200exemplares Membro da APCT

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