Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
VIOLA CAIPIRA:
Vitória
2018
Jean Carvalho de Oliveira
VIOLA CAIPIRA:
Vitória
2018
RESUMO
O principal foco dessa pesquisa é o estudo formal de duas músicas do violeiro Índio Cachoeira com o
intuito de retratar algumas características e elementos utilizados na música tocada pela viola caipira.
Esse estudo, inicia-se com a comparação de alguns elementos do universo musical caipira fazendo
um paralelo entre deferentes períodos e suas particularidades, bem como um breve histórico da
utilização e surgimento de ritmos e a forma com que foram e são utilizadas as técnicas empregadas
nas duas composições fruto de nossa análise. A análise musical das duas obras é realizada de
propostas nesse estudo. Com base no resultado obtido pretende-se demonstrar a relação existente
Palavras Chave: Índio Cachoeira; viola caipira; análise musical; composição; pagode de viola.
ABSTRACT
WORK OF THE VIOLEIRO "ÍNDIO CACHOEIRA". Final Paper.. Vitória: CAR-UFES, 2018.
The main focus of this research is the formal study of two songs by the “violeiro” Indio Cachoeira, with
the intention of portraying some characteristics and elements used in the music played by the “viola
caipira”. This study begins with the comparison of some elements of the universe of “música caipira”
(Brazilian country music), by making a parallel between different periods and their peculiarities, as well
as a brief history of the use and appearance of rhythms. It is followed by a presentation of how those
rhythms and musical universe determine the techniques used in two compositions analyzed. The
musical analysis of the two works is carried out in order to show the main melodic, harmonic and
rhythmic characteristics of the compositions proposed in this study. Based on the obtained results, it is
intended to demonstrate the relationship between the techniques used in the compositional process of
Indio Cachoeira and the different phases of the “música caipira” demonstrated in this research.
Keywords: Índio Cachoeira; viola caipira; musical analysis; composition; pagode de viola.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 5
7. CONCLUSÕES ................................................................................................... 41
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 43
APÊNDICE .............................................................................................................. 45
1. INTRODUÇÃO
música do violeiro “Índio Cachoeira”. Para isso utilizaremos como base: entrevistas,
Para compor nossa análise, iniciamos esse projeto com um breve histórico
sobre a viola caipira, abordando tanto a sua origem em Portugal, com destaque para
o ano de 1459 onde alguns pesquisadores apontam como sendo o primeiro registro
pesquisado, a viola até o século XIX era um dos instrumentos mais populares do
Brasil, muito utilizada para fins festivos e religiosos, um exemplo disso são as festas
localidades. Com a chegada do violão nos grandes centros urbanos, a nossa viola
Esse isolamento no interior do Brasil parece ter contribuído para que a música
caipira brasileira, e com ela a viola, não fosse tão fortemente influenciada, durante
largo lapso temporal, pelas transformações na música europeia. Ele parece ter
particulares, dentre as quais os gêneros relacionados à viola caipira, nos quais até
Podemos verificar em ritmos como cururu, catira ou cateretê, evidências das culturas
de outros ritmos como moda de viola e pagode de viola, todos considerados como
6
objeto são duas obras do violeiro José Pereira de Souza, conhecido como “Índio
analisadas.
De acordo com o que pudemos apurar, por meio da entrevista presencial aos
a esse trabalho), assim como das referências bibliográficas que compõe essa
na maioria das vezes, costumavam chegar a ele por meio de algum parente ou
de ensino formais para o instrumento. Essa situação difere bastante daquela vigente
nos últimos anos, em que, com a maior facilidade na comunicação entre grandes
conhecimento formal. Não é que eles tenham feito falta aos violeiros do passado,
que criaram verdadeiras obras primas. O problema, hoje, é que esse tipo de material
esperamos que muitos possam se beneficiar dos resultados deste tipo de pesquisa,
tanto no presente quanto no futuro. Com este trabalho, pretendemos dar apenas
uma pequena contribuição a esse grande universo de pesquisas que agora começa
teses. Dentre elas, escolhemos algumas que serão abordadas nesse projeto.
principal foco dessa pesquisa, iremos fazer uma breve abordagem do instrumento
8
viola caipira e parte do caminho percorrido dentro de nossa história, para que
Viola caipira, viola sertaneja, viola de dez cordas, viola cabocla, viola de arame,
viola de folia, viola nordestina, viola de repente, viola de festa, viola de feira, viola
brasileira são alguns dos nomes que encontramos para designar este instrumento
que, aos poucos, tornou-se um dos porta-vozes do Brasil Interior. (VILELA PINTO,
2011, p.113).
segunda, com início em 1959, tem como marco a criação do ritmo pagode de viola
pelo músico Tião Carreiro, destacando a viola caipira no cenário musical como
instrumento solista. A terceira fase surge em 1969, com a dupla Léo Canhoto e
abrangente, onde o universo musical executado pela viola é mais explorado com
segunda fase, pois é a ela que está ligada mais diretamente a música Viola Marruda,
e outros da fase atual, à qual se vincula mais diretamente a música Prelúdio dos
duas fases.
se pode ver na pesquisa que vem sendo citada, o período de ouro dessas coincide
“Numa viola de arame ele mesmo estudara na classe do seu professor Salvador
José, como também estudaram os mais célebres alunos de José Maurício, como
Cândido Ignácio da Silva e Francisco Manuel da Silva, o autor do Hino Nacional”.
(TABORDA, apud MARTINS, 2005, p.21).
Na primeira fase, a viola caipira está muito ligada aos ritmos mais básicos da
música caipira, tais como o cururu, a toada e o cateretê. Trata-se de uma viola mais
Cornélio Pires.
uma série de discos sobre a música dos caipiras. Diante da recusa de sua proposta,
Pires teria resolvido arcar, ele próprio, com os custos de gravação. Teria pedido,
negócio. Ariowaldo Pires jamais pressentiu nessa atitude de Byington Jr. qualquer
intenção malevolente. Ao contrário: “Byngton gostava muito de meu tio –
esclarecia ele- e só queria evitar-lhe prejuízos na certeza de um empreendimento
(ou investimento) malsucedido. Essa foi, na verdade, a intenção”. Cornélio Pires
fez com Byngton Jr. o cálculo de quanto custariam os mil discos e saiu. Foi à
procura de um amigo na rua Quinze de Novembro (centro de São Paulo), um tal
de Castro, e pediu-lhe dinheiro emprestado. Retornou logo em seguida à sede da
empresa e, entrando na sala de Byinton Jr., jogou sobre a mesa deste um grande
pacote emaçado de jornal. “O que é isso?”, perguntou-lhe Byington espantado.
“Uai, dinheiro! Você não queria dinheiro?”, respondeu Cornélio. Byington abriu o
pacote e não disfarçou o seu assombro: “Mas aqui tem muito dinheiro!” ”É que, ao
invés de mil discos, eu quero cinco mil”, explicou Cornélio Pires. Meio aturdido,
Byinton Jr. tentou convencê-lo de que cinco mil discos era muita coisa, era ‘uma
loucura’. Naquele tempo não se faziam prensagens iniciais em tais quantidades
nem para artistas famosos! Cornélio, porém, foi mais além no espanto em que
deixou o dono da gravadora: “Cinco mil de cada, porque já no primeiro suplemento
vou querer cinco (seis?) discos diferentes. Então são vinte e cinco (trinta) mil
discos.” Notemos que na época as tiragens de discos eram pequenas, pois não
havia no Brasil uma quantidade de aparelhos reprodutores, gramofones, que
justificasse altas tiragens. Voltando: “Deixando de lado a perplexidade e
encolhendo os ombros, Byington Jr. mandou chamar alguns funcionários e pôs-se
com estes a contar o dinheiro. Passado o recibo, Cornélio entrou sem rodeios no
assunto: “Bem, agora eu é que vou fazer minhas imposições. Quero uma série só
minha. Vou querer uma cor diferente: o selo vai ser vermelho. E cada disco vai
custar dois mil réis mais que seus sucessos. Mais ainda: você não vai vender
meus discos, só eu poderei fazê-lo”. Byington Jr. deu uma ligeira risada, como que
querendo dizer: “Mas, também, quem é que vai querer comprar seus discos?! ”E
partiu-se para a produção e prensagem. Os discos ficariam prontos mais ou
menos por volta de maio de 1929 – no cálculo de Ariowaldo Pires... O desastre
comercial que Byington Jr. esperava não ocorreu. Ao contrário: Cornélio Pires saiu
em dois carros na direção de Bauru, fazendo do automóvel de trás uma verdadeira
discoteca, tendo por intenção, antes, parar em Jaú. Ao chegar a esta cidade,
todavia, já tinha vendido os vinte e cinco (trinta) mil discos que transportava
consigo! Teve de telegrafar para Byinton e pedir-lhe uma nova prensagem a ser
distribuída em Bauru”. (FERRETE, apud VILELA PINTO, 2011, pp. 76-78).
A segunda fase, conforme Ivan Vilela, se inicia por volta de 1959, com a
criação do ritmo pagode de viola, tendo Tião Carreiro, um dos nomes mais citados
da viola caipira, como o seu maior representante. A criação do pagode deu à viola
13
Segundo Vilela, essa fase é marcada pela música onde a viola passa a ser também
o centro das atenções, com um ar mais solista, uma viola mais presente e mais
destacada.
do ritmo pagode de viola, mas em toda nossa pesquisa, elas apontam para Tião
Country estrangeira, adotando o romance como base das letras. Nessa fase, a
música sertaneja passa a ter um caráter mais pop, afastando-se um pouco do lado
caipira.
14
E por fim, em entrevista ao programa Globo Rural, Vilela informa que na fase
atual temos uma viola mais contemplativa, mais abrangente onde ela participa e
serve para diversos ritmos e estilos musicais. Essa fase se consolida no início dos
anos 80 com violeiros como Renato Andrade que levou novamente a viola caipira
para dentro das salas de concerto, e o violeiro Almir Sater com grande divulgação na
citar dentre outros, além do estilo tradicional que segue firme com violeiros como
viola com caráter mais erudito, sendo representada nas salas de concerto, por
violeiros como Fernando Degh e Ivan Vilela. A viola ligada ao chorinho, com o
violeiros Paulo Freire e Levi Ramiro. E até mesmo o rock, sendo representado pelos
fase atual, apresentando a música Viola Marruda, que possui características que se
15
possui características mais próximas à fase atual. O motivo pelo qual foi
períodos, e a sua música, assim como a viola caipira, foi agregando novos
elementos.
16/12/2017:
Por último, Índio Cachoeira formou dupla com Santarém, que fazia dupla com
Tião do Carro. Além do seu trabalho de dupla caipira, Índio Cachoeira desenvolveu
própria autoria. Duas dessas composições: Prelúdio dos Pássaros e Viola Marruda
obras, que representam, de certo modo, a segunda fase e a fase atual da música
caipira (tais como definidas em VILELA PINTO, 2011, pp.89-101), o que torna
possível lançar luz sobre afinidades e afastamentos entre esses períodos da música
de viola. Índio Cachoeira foi um sobrevivente de sua época, e nomes como Tião
entre nós há certo tempo, para poderem contar as histórias relacionadas à viola e
nosso trabalho, que fica, então, como uma pequena homenagem ao pesquisado -
pesquisador.
contato com violeiros tais como Tião Carreiro, Carreirinho e Bambico, e também com
violonistas como Dilermando Reis, instrumentista versátil que fez fama como solista,
no que tange a algumas técnicas utilizadas pelo músico, tais como: ligados,
notas percussivas.
com outros violeiros e músicos de outros instrumentos, e não teve dentro de sua
O Índio Cachoeira possuía uma influência latina em sua música por ter convivido
uma época com Bolivianos e Paraguaios, e que o Cachoeira mesmo não tendo
tido um estudo formal de musica, ele conseguiu construir formas de executar
muito bem a sua música, diferente da música convencional. (Índio Cachoeira e
Ricardo Vignini. Programa Passagem de Som do SESC/SP. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Pd98Ll_ZlDw&t=2s > 26:14 minutos. Acesso
em 17 jun. 2018).
16/03/2018:
“Um Violeiro Nato” é o primeiro DVD do violeiro Índio Cachoeira que retrata vários
momentos da sua carreira. Filmado no ano de 2009, foi dirigido e produzido por
Ricardo Vignini e Eduardo Gaspar. Participam do DVD Ricardo Vignini e Marcelo
Berzotti, ambos do grupo Matuto Moderno; Cuitelinho e Carreiro. O Projeto foi
realizado pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo através do ProAC. O
DVD contém 17 faixas. (DVD Um Violeiro Nato. Disponível em:
<http://www.tratore.com.br/um_dvd.php?id=1625>. Acesso em: 15 jun. 2018).
Nesse DVD podemos encontrar, além das músicas analisadas, vários estilos
e ritmos musicais, tais como: cururu, moda de viola, pagode de viola, dentre outros.
18
brasileira.
análise das duas obras, a viola afinada em Ré Maior, também chamada de Cebolão
das cordas ao superior, as notas das cordas na afinação Cebolão em Ré Maior são,
sequencialmente:
Nas músicas Viola Marruda e Prelúdio dos Pássaros, Índio Cachoeira utiliza a
viola afinada meio tom acima – prática comum entre os violeiros. Portanto, a
tonalidade a ser ouvida no DVD Um violeiro Nato será de Mi bemol Maior (Eb).
19
meio da viola, que cada região tem um jeito diferente de fazer o recortado do
tais diferenças também nos registros de gênero das gravações fonográficas desde
os discos de 78rpm”.
Definições:
ornamentos:
uma obra, como faz o compositor, o analista musical decompõe a obra em partes
executados com arrastes entre as notas”. (MARTINS 2004, apud PINTO, 2008,
p.137).
bemol (que, no caso das transcrições com que estamos trabalhando, aparece como
tonalidade de Ré Maior).
células específicas, bem como a identificação dos principais temas e frases musicais
utilizadas pelo compositor. Para isso, utilizaremos como base os estudos e técnicas
históricos relatados nas pesquisas dos músicos violeiros Ivan Vilela Pinto, João
Paulo do Amaral Pinto, Eric Avessari Martins, Roberto Corrêa, Denis Rilk Malaquias,
partituras e áudios extraídos do DVD Índio Cachoeira: um Violeiro Nato, citado nas
referências.
23
6. ANÁLISE COMPOSICIONAL
pelo violeiro Índio Cachoeira. A partitura abaixo foi transcrita pelo também violeiro Zé
Helder. Iremos direcionar nossa análise por tópicos, ilustrando os trechos da música
conforme vai se dando a análise. Para uma apresentação inicial, segue a partitura
Para um melhor entendimento da obra descrita acima segue link para vídeo cuja
https://www.youtube.com/watch?v=kgSQ6xmsCFc.
A música Viola Marruda, composta pelo violeiro Índio Cachoeira, foi transcrita
(A/B/C).
ao 08, que, por sua vez, é composto de 02 frases de 04 compassos cada, a primeira
Isso acontece ao longo dessa música toda vez que se vai transitar de uma parte à
acordes batidos transicionais que foram executados na parte A, que, neste caso,
preparam a ida para a parte C. A parte B pode ser entendida como uma transição da
sinal de repetição, do modo como foi posicionado pelo responsável pela transcrição,
viola é um ritmo que normalmente tem o acompanhamento do violão que faz uma
acompanhamento rítmico e harmônico, não foi transcrita na partitura, mas com base
música.
28
se trata de uma harmonia simples com apenas três acordes, configuração comum
no repertório da música caipira, porém com uma parte rítmica sofisticada, fazendo
condução.
interpolando partes com material novo e que contrasta com o anterior, conforme
por Tião Carreiro no final da década de 1950. Segue relato do próprio Tião Carreiro
Primeiro gravei uns acordes de violão, e depois os mesmos acordes de trás para
frente na viola, tentou explicar o violeiro. Ele teria então mostrado o novo ritmo aos
compositores Lourival dos Santos e Teddy Vieira, que o batizaram de pagode, já
que o caráter rítmico lembrava a ocasião das festas, bailes e cantorias caipiras do
interior, também chamados de pagodes, fandangos, cateretês etc.
(NEPOMUCENO, apud PINTO, 2008, p.81).
1
Pagode: No que diz respeito aos conceitos relacionados ao termo pagode, inicio tomando como
referência algumas definições apresentadas pelos dicionários Aurélio e Soares Amora. São elas:
brincadeira, pândega; reunião informal em que se cantam ritmos populares; gênero de música e
dança popular. Severiano (2008) atesta que essa palavra já era empregada pelos portugueses no
século XVI para designar diversão. Nos anos 1950, o termo ressurgiu no Brasil, denominando
reuniões festivas em que havia música e dança. A designação do gênero como pagode, no entanto,
segundo Nepomuceno (1999, p.341), sem se desvincular totalmente do que vem sendo mencionado,
se efetivou quando Tião Carreiro mostrou seu experimento aos compositores Lourival dos Santos e
Teddy Vieira, que o chamaram de pagode em razão de seu caráter rítmico que lembrava ocasião de
festas, bailes e cantorias do interior (MALAQUIAS, 2013, p.19).
30
(...). Desta forma, uma das principais inovações e contribuições do gênero pagode
foi a criação bem-sucedida da polirritmia entre os dois instrumentos de cordas
característicos das duplas sertanejas, a viola e o violão. Esta contraposição das
duas células rítmicas complementares funciona musicalmente na medida em que
o violão, com seu timbre mais aveludado e grave, toca fora das cabeças dos
tempos fortes do compasso e acentua os contratempos. Assim, ele cria um pano
de fundo que realça a viola, de timbre mais brilhante e que ora preenche e
acentua os espaços deixados pelo violão (primeira, segunda e quarta
semicolcheia do primeiro tempo e primeira e segunda semicolcheia do segundo
tempo), ora dobra as suas acentuações (terceira semicolcheia do segundo tempo):
(AMARAL PINTO, 2008, pp.80 e 87).
seguir foi transcrita pelo violeiro César Petená, formado em viola caipira pela
Faculdade Cantareira.
31
32
33
Para um melhor entendimento da obra descrita acima segue link para vídeo
https://www.youtube.com/watch?v=R70GQmOBPCU.
sua geração.
Essa música foi transcrita com armadura de clave com dois sustenidos,
A parte “A” da música vai do compasso 1 ao 21. Pode-se argumentar que ela
a seguir.
violeiro nos conduz a uma terminação conclusiva. Pode-se, então, interpretar esses
quatro compassos como se fossem uma pequena coda, uma codeta, dentro da
exposição inicial, tendo por objetivo equilibrar a forma, fazendo o ouvinte retornar à
tônica. Ou seja, vale, aqui também, a sugestão de que se trata de uma codeta
dentro da exposição que parece ter por objetivo equilibrar a forma, reconduzindo o
período paralelo, de seis compassos, composto por duas frases de três compassos
de codas e ornamentos.
37
Bem, eu não diria que essa música pode ser descrita simplesmente como um
ritmo, pois ela é tocada à vontade sem uma definição rítmica, chega a ficar
ritmada em alguns momentos, mas não dá para resumir assim. Eu prefiro ir pelo
título prelúdio, que é uma parte introdutória de alguma obra maior, como um
concerto ou sinfonia. O Cachoeira certamente não pensou nisso, mas apropriou-
se muito bem do nome. Prelúdio dos Pássaros poderia ser descrita
figurativamente como um prelúdio aos passarinhos, uma introdução ao canto dos
pássaros, não introdução de uma suíte ou obra maior, porque ela termina aí. Mas
é uma bela homenagem. (Zé Helder, 2017, comunicação privada).
2
Zé Helder é bacharel em música formado pelo Conservatório de Pouso Alegre/MG e formado em
Licenciatura Plena em Música pelo Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro/RJ.
38
O Prelúdio também pode ser uma espécie de fuga da estrutura rígida musical,
e não necessariamente anteceder outra peça. Por muito tempo, o termo prelúdio
serviu para identificar uma música ou uma preparação para algo maior, mas, com a
Um termo de aplicação variada que, em seu uso original, indicava uma peça que
precedia outras músicas cujo modo ou tom foi projetado para introduzir; foi
instrumental (as raízes ludus e Spiel significam "tocadas" em oposição a
"cantadas"); e foi improvisado (daí o prélude francês e o präludieren alemão, que
significa "improvisar"). O termo "praeambulum" (preâmbulo) acrescenta a função
retórica de atrair a atenção de um público e de introduzir um tópico.
Os primeiros prelúdios notados são para órgão e foram usados para introduzir a
música vocal na igreja. Um pouco mais tarde, para outros instrumentos de cordas,
como o alaúde, surgiram da improvisação e eram um meio de verificar a afinação
do instrumento e a qualidade de seu tom, e de afrouxar os dedos do músico [...]. O
propósito de notar a improvisação era geralmente fornecer modelos para os
alunos, de modo que uma intenção instrutiva, muitas vezes preocupada com um
aspecto particular da técnica instrumental, permaneceu uma parte importante do
prelúdio. Como a improvisação pode abranger uma ampla variedade de maneiras,
39
forma mais detalhada, que a música Prelúdio dos Pássaros se inicia em Ré Maior,
seguindo para Lá com sétima, logo após é feita uma preparação em Ré com sétima
para o acorde de Sol Maior, depois a música passa pelo acorde de Sol menor
com uma progressão de Mi com sétima, Lá com sétima, passamos novamente pelo
Ré maior, temos uma progressão no baixo de Lá com sétima para Lá com sétima
apresentação.
condução de vozes, criando uma textura variada. O compositor mantém essa textura
acompanhada tendo a voz principal no baixo, e por vezes ele emprega uma voz em
técnicas de outros cenários musicais que não o da viola caipira tal como existia em
sua segunda fase. Comparecem aqui, não apenas nas progressões harmônicas,
como Almir Sater, Fernando Deghi, Ivan Vilela, Paulo Freire, Roberto Corrêa, dentre
outros.
41
7. CONCLUSÕES
parte das técnicas utilizadas pelos violeiros na música caipira brasileira. Para atingir
espero analisar outras peças de violeiros importantes como Índio Cachoeira, assim
como considerar outros aspectos que ainda não puderam ser abordados aqui.
música contemporânea tocada pela viola, onde vários elementos culturais passaram
demais tipos de dados coletados foram muito importantes para o resultado desse
continuidade dessa pesquisa. A viola caipira teve por muitos anos como principal
partituras ou métodos formais de ensino. Isso parece ter tido efeitos muito positivos,
42
trabalho.
43
REFERÊNCIAS:
A) BIBLIOGRÁFICAS
BENNET, Roy. Elementos básicos da música: tradução de Maria Teresa de Resende Costa Ed.
Zahar, Rio de Janeiro, 1990.
_______ . Forma e Estrutura na Música: tradução de Luiz Carlos Cseko. Ed. Zahar, Rio de Janeiro,
1986.
CACHOEIRA Índio. DVD Um Violeiro Nato. Direção: Ricardo Vignini. Fotografia Eduardo Gaspar.
São Paulo. Tratore, 2009. 1 DVD (76 min), NTSC, color.
CORRÊA, Roberto. A arte de Pontear Viola. 2 ed. Brasília, Curitiba: Editora Viola Corrêa, 2002.
DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. Índio Cachoeira. Disponível em:
<http://dicionariompb.com.br/indio-cachoeira-e-cuitelinho>. Acesso em . .
GUEST, Ian. Harmonia, Método Prático Vol I e II. Lumiar Editora: Rio de Janeiro, 2006.
MAGALHÃES, Couto de, 1940. O Selvagem. (4a edição) São Paulo, Cia Editora Nacional.
MALAQUIAS, Denis Rilk. O Pagode de Viola de Tião Carreiro. 272f. Dissertação (Mestrado em
Música) – Escola de Música e Artes Cênicas - UFG, Goiânia, 2013.
MARTINS, Eric Avessari. A Viola Caipira, a Modinha e o Lundu. São Paulo, 2005. Dissertação
(Musicologia da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo).
PINTO, João Paulo do Amaral. A viola caipira de Tião Carreiro. 371f. Dissertação (Mestrado em
Música) – IA - UNICAMP, Campinas, 2008.
VILELA PINTO, Ivan. Cantando a própria história. São Paulo, 2011. 351f. Tese (Doutorado -
Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Área de Concentração: Psicologia Social) - Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo.
_______ . A viola, Ensaio elaborado especialmente para o projeto Músicos do Brasil: Uma
Enciclopédia, patrocinado pela Petrobras através da Lei Rouanet. 2008. Disponível em: <
https://pt.scribd.com/document/50445785/Ivan-Vilela-Viola>. Acesso em: 17 jun. 2018.
B) AUDIOVISUAIS
Índio Cachoeira. 2009. DVD. Índio Cachoeira Um Violeiro Nato. São Paulo, Brasil.
Índio Cachoeira e Ricardo Vignini. Programa Passagem de Som do SESC/SP. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=Pd98Ll_ZlDw&t=2s > 26:14 minutos. Acesso em 17 jun. 2018.
Ivan Vilela Pinto. Entrevista “Globo Rural” da Tv Globo, matéria Globo Rural conta a história da
música caipira e sertaneja. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=xUwxxfYEAl0>
10:23 minutos. Acesso em 06 nov. 2017.
45
APÊNDICE
A) TABELAS DE ANÁLISE
VIOLA MARRUDA
46
47
48
B) ENTREVISTAS
Índio Cachoeira
1. Para você a viola caipira chegou como herança familiar, ou você buscou
outras fontes de aprendizado? Tem alguém na sua família que tocava? Como foi
Índio - A música sertaneja raiz, ela é uma inspiração para mim. Eu me inspirei nos
duplas que já deixaram essa terra e hoje a gente tem a lembrança deles e escuta
algumas modas deles com prazer, porque as músicas deles são destacadas por
inteiro, o compositor começa a música e tem meio e tem fim, você entende a música
violeiro natural. Olha, tem irmãos na minha família que não são violeiros, mas eu
tenho um irmão que foi radialista em Guarulhos, o Agenor de Souza, que é muito
conhecido por lá, eu não sei se ele trabalha com rádio ainda porque faz tempo que
eu não tenho contato com ele. O que acontece é o seguinte, na minha família só
teve eu que gosta de viola, parece que eu já nasci dentro da viola, né? Risos. Só eu
que mexo com viola e de vez em quando meus irmãos vem me ver cantar. Tive outro
irmão que era cantor sertanejo, mas hoje ele não canta mais aqui não, porque hoje
solistas também, que o Brasil conheceu: Bambico da viola que foi músico de muitas
duplas do Brasil, e músico também não só sertanejo, eu também vi coisas boas com
violões clássicos, e vou citar um nome que o Brasil conhece muito que é Dilermando
antigos e ele que é violeiro clássico, e por isso que eu tenho as minhas melodias
violonistas clássicos.
Índio - A O que eu vejo nas músicas instrumentais tocadas de viola, solos de viola,
eu vejo as músicas tocadas diferente por que cada um tem um estilo, eu vejo nessa
época de agora em um estilo diferente, mas sabe o que acontece? Me viram para
um lado, mudo do outro e no fim das contas acaba todo mundo tocando viola, e
4. Os ritmos que você conhece que influenciaram a música de viola que temos
hoje, tais como querumanas, chamamés, você tem visto o pessoal gravando ainda
Índio – Ah! Modificou muito, moda de viola está difícil ouvir no rádio, quando você
pega uma rádio sertaneja raiz de madrugada, é que você ouve uma moda bonita.
Mas durante o dia é difícil ouvir essas modas, mas de vez em quando você ouve a
Pássaros, eu gostaria que você descrevesse o que você pensou quando você
compôs essa música? Como que foi juntar as partes da música, qual a interface que
existe com a natureza e o que lhe vem na memória quando você a interpreta?
neles e ao tempo, também compus ela para alguns violeiros dela se aproveitar, e
ensaiar, mas não gostaria que tirassem ela em estilos diferentes. A coisa mais
essa composição falar a língua deles para tentar me comunicar com eles. Para tocar
6. Qual a mensagem que você deixa para as pessoas que estão iniciando pelos
Índio - A Para quem quer compor música, primeiro observe a natureza, observe as
formas das plantas e dos animais, os movimentos, os sons e toda a liberdade que
nos proporciona esse clima da roça. Dessas paisagens você pode tirar vários versos
de música, essa é a verdadeira inspiração para quem quiser fazer música sertaneja
de verdade. Para começar o processo de composição o violeiro tem que ter carinho
com a viola, como se fosse a sua namorada, a viola precisa de muito carinho e
cuidados, afinação em primeiro lugar, fazer com perfeição para a música sair bonita.
Outra coisa, sempre gravar o áudio das frases criadas para não perder o que você
criou, depois você vai juntando as partes até virar uma música inteira. A maior parte
conseguia, era a música batendo na minha orelha, temos que aproveitar todas as
ideias e sempre com um gravador perto para registrar tudo, a música vem na hora
56
que você menos espera. A pessoa que quer começar a compor música tradicional
de viola ele tem que se ladear com violeiros antigos, trocar ideias, tocar junto com
eles. Procure fazer arranjos curtos para não ficar enjoativos, arranjos simples
música Saudades de Araraquara que tem pequenas frases mas mantém sempre
Ricardo Vignini
Bojo Elétrico. Ricardo Vignini produziu diversos artistas inclusive o Índio Cachoeira,
Oliveira. Eles iam fazer um disco comigo, que era o “Mensageiro dos Santos Reis e
sabia que ele era um cara genial, e assim, quando eu comecei a gravar mesmo, eu
falei: eu tenho que fazer um disco de solo desse cara. E com isso foi acontecendo, e
2. Qual foi a sua primeira impressão sobre a música que o Cachoeira tocava?
Ricardo - A primeira vez que eu gravei ele, eu percebi que eu estava diante de um
gênio, que era um cara especial, e era o violeiro mais completo que eu já tinha
conhecido. Ele unia tanto essa coisa da música raiz, quanto alguns elementos de
Ricardo – Eu produzi diversos projetos com o Cachoeira, fizemos vários shows pelo
Brasil por meio de projetos, um deles foi bem bacana que foi o projeto do Sesc das
Artes, nós fomos para a França em 2012 em um projeto que deu uma excelente
bem bacana chamado Au Goût du Monte. Quanto aos discos, nós gravamos o CD
gravada, além do Índio na viola, ainda tivemos o privilégio de contar com o músico
Julio Santin tocando violão base e o Milton Araújo, que é sobrinho da Helena
4. Você sabe dizer se além das influências do meio caipira o Índio Cachoeira
Ricardo - Teve uma época que o Cachoeira conviveu com uns músicos bolivianos e
ele acabou absorvendo esse tipo de cultura também. Você pode ver que tem
bastante coisa de viola que ele faz que é latino, tem essa influência né. Ele sabia
5. O próprio Índio Cachoeira me disse, certa vez, que teve contato com
Dilermando Reis, e que aprendeu coisas através deste contato. Você tem alguma
contato com o Dilermando, e outros que ele possa ter tido, o influenciaram?
Ricardo - O que ele me disse do Dilermando Reis, foi que uma vez ele assistiu um
show dele lá em Guarulhos. Mas o Cachoeira tirava muita coisa de disco, eu já vi ele
tocando, por exemplo: Sons de carrilhões no violão. Se ele pegava um violão ele
tocava bastante coisa também. E era coisas assim, a metodologia era tirar de ouvido
registro musical do Índio, quais os recursos que ele usava para registrar suas
músicas. Ele usava cifras? Ele conhecia algum tipo de registro melódico tais como
tablatura e partitura?
Ricardo - Eu sei que ele lia cifras, mas nunca a gente usou esse tipo de coisa. Esse
último disco que a gente fez do Cachoeira com o Santarém, nem metrônomo foi
usado, e nem afinador digital para afinar viola. Ele afinava de ouvido, e era
impressionante o jeito que ele fazia os overdubs que ele ia dobrando as coisas. Ele
no estúdio ele sabia fazer tudo que precisava pra uma música caipira raiz, era desde
o, ele fazia a base de viola, o solo de viola, a base do violão, o baixo no violão e a
primeira e a segunda voz. Se deixasse ele fazia até percussão. Então ele sabia fazer
muito bem isso. Tem uma história que é interessante, que ele foi gravar com o
Cacique e Pajé, e tem um maestro que se chama Oscar Safuán, acho que era um
gravar os discos do Cacique e Pajé antes de ser da dupla, ele gravou assim que o
Bambico morreu, o Cacique conheceu ele e chamou ele pra gravar. Eles ensaiavam,
só que ele não sabia essa coisa de ler, chegou na hora de gravar ele tinha
esquecido todas as introduções que ele tinha feito, só que estava esse maestro
59
junto, Oscar Safuán, e esse Oscar ele escreveu essas introduções que o Cachoeira
bolava, na hora de gravar ele solfejava isso pra ele, aí ele lembrava, e foi assim que
ele gravou esse disco. Eu não tenho certeza, mas acho que é um disco que se
chama viola no samba do Cacique e Pajé, que é antes do Cachoeira ser o Pajé, ele
Zé Helder
gravando o disco dos Mensageiros dos Santos Reis e os Favoritos da Catira, que é
disco, e eu ouvi falar pela boca do Ricardo, tem um cara extraordinário gravando, e
Cachoeira pessoalmente ali. Então, o meu primeiro contato foi ali por volta da casa
do Seu Oliveira, onde aconteceram vários outros encontros desse tipo da música
caipira da música de viola em geral. Mai não sei te dizer exatamente quando, faz
2. Qual foi a sua primeira impressão sobre a música que o Cachoeira tocava?
Zé Helder – A primeira impressão foi o que ele foi a vida inteira, um sujeito simples
tocava ele tinha uma universalidade na música dele que impressionava todo mundo,
aquele Prelúdio dos Pássaros dele, eu lembro do Paulo Freire falando de onde ele
60
tirou aquela música. E muitas outras coisas tinha uma inspiração muito sofisticada
para o tipo de pessoa que ele era, então ele realmente impressionava pela
Zé Helder – Teve um curso de viola que a gente desenvolveu juntos por mais de dez
anos aqui em São Paulo, todo ano em janeiro você mesmo participou por vários
anos seguidos, era uma ocasião que nós estávamos sempre juntos. A gente gravou
uma música juntos, uma música que eu fiz parceria com ele, que eu escrevi a letra
da música dele que foi Seresta na Roça. E teve muitos shows, a gente fez circuito
Sesc das Artes rodando junto em ônibus em muitas viagens. E tivemos muitas
ocasiões de encontro com amigos, o Cachoeira era do círculo ali do Seu Oliveira, do
pessoal do Matuto Moderno que eu faço parte, então teve muito encontro que nós
4. Você sabe dizer se além das influências do meio caipira o Índio Cachoeira
Zé Helder – O Cachoeira com eu disse era um cara muito simplório e ele não falava
muito do que ele ouvia, a musicalidade dele era muito espontânea por um lado, mas
por outro ele teve contato com gente da Bolívia e outros vizinhos nossos latino
americanos de onde ele tirou algumas coisas assim que influenciaram bastante a
música dele, ele tinha um toque que lembrava um pouco a Cordilheira dos Andes,
aquela coisa de musica latina mesmo. Ele tinha muita segurança de tocar com
5. O próprio Índio Cachoeira me disse, certa vez, que teve contato com
Dilermando Reis, e que aprendeu coisas através deste contato. Você tem alguma
61
contato com o Dilermando, e outros que ele possa ter tido, o influenciaram?
Zé Helder – Bom, talvez eu tenha perdido um bom tempo de ter tido uns papos mais
legais assim com o Cachoeira a esse respeito, sobre Dilermando Reis etc, e tal, mas
passado, da faixa de idade do Cachoeira, sem ter contato com as serestas, com a
mostrar algumas coisas pra ele tipo Lenine e outras coisas que eu tinha em casa, e
como ele tinha um ouvido muito apurado ele falava: Esse cara é bom músico. Ele
6. Você como amigo e parceiro em alguns trabalhos do Índio, você sabe dizer
como era a forma de registro musical do Índio, quais os recursos que ele usava para
registrar suas músicas? Ele usava cifras? Ele conhecia algum tipo de registro
Zé Helder – Bom o Cachoeira não sabia registrar absolutamente nada, quando muito
ele talvez ele tivesse algum gravador na casa dele, mas ele tinha uma memória
incrível, ele gravava tudo de memória, escrevia as letras, mas assim, cifra e partitura
ele não conhecia nada, a música dele era cem por cento auditiva, o registro dele era
realmente memória.