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JUNIOR DA VIOLLA
SÃO PAULO – SP
JANEIRO/2021
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JUNIOR DA VIOLLA
SÃO PAULO – SP
JANEIRO/2021
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SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS........................................................................................04
1. INTRODUÇÃO
2. DESENVOLVIMENTO
3. CONCLUSÃO ...............................................................................................97
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................103
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aqui a todos que de alguma forma colaboraram com este trabalho.
Aos meus avós maternos que, sem saber e de forma totalmente
descompromissada me mostraram a viola durante minha infância. Os inúmeros
finais de semana acordando ao som do Programa Oswaldo Bettio, na Rádio
Capital de São Paulo, no final dos anos 1980 ou a TV ligada no Programa Viola
Minha Viola, aos sábados, transformaram minha vida sem que eu percebesse.
Ao meu pai, de quem herdei o amor à música; à minha esposa, que sempre me
apoiou e que aguenta de maneira heroica minhas intermináveis horas de
estudo; a cada um dos meus alunos, com quem também aprendi e ainda
aprendo nesses 20 anos como profissional de música; a cada um dos meus
queridos colegas de trabalho, alguns dos quais tornaram-se também grandes
amigos. Agradeço ainda aos meus professores de música: minha primeira
professora de piano (no longínquo ano de 1984), cujo nome o tempo me
impede de lembrar; aos meus professores de viola Rui Torneze e Nestor da
Viola - que me guiaram em meus primeiros dias de viola; ao professor Edilson
de Lima, com quem estudei na UNICSUL em 2001 e que me mostrou o lado
barroco do instrumento; meus professores de FAAM, principalmente à
professora Paola Picherzky, que soube lidar com minhas dificuldades, ao
professor Sidney Molina, orientador deste trabalho em sua 1ª edição em 2017;
e ao meu atual professor de cordas dedilhadas antigas na EMESP, Guilherme
de Camargo - a quem devo muito pelos ensinamentos e pela paciência.
Agradeço aos colaboradores: João Araújo (que revisou o texto e passou horas
e horas ao longo dos últimos anos debatendo comigo assuntos pertinentes a
este trabalho); Heraldo do Monte, Ivan Vilela, Roberto Corrêa, Luciano Queiroz,
Levi Ramiro, Paulo Castagna, João Peceguini, Maria Immaculada da Silva,
Zeca Collares, Luciano Costa, Nuno Cristo. Agradeço também à Rozini, ao
meu grande amigo André Mattos, que tornou tudo isso possível, ao Sr. José
Roberto Rozini, à Telma, ao Leandro, ao David, ao Marcel, ao Tayler e à
Sanny, pessoas que me dão apoio necessário para seguir em frente em meu
trabalho. Eles tornam tudo muito mais fácil para mim. Por fim agradeço a Deus,
a São Gonçalo e a Nossa Senhora Aparecida.
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1. INTRODUÇÃO
1. 2. 1. Espanha e Portugal
Por aquela época o corpo da antiga guitarra latina já havia se modificado para
o formato de um oito, vindo a sofrer um acinturamento mais pronunciado no
século XVIII. Já com o nome de “guitarra” na Espanha e “viola” em Portugal,
(com quatro ordens de cordas de tripa, podendo ser distribuídas nas
configurações de cordas “2 2 2 2” ou “2 2 2 1”), transformou-se em um
instrumento imensamente popular na Península Ibérica, sendo ela a versão
"dos menos favorecidos" em relação à vihuela espanhola de seis ordens de
cordas, instrumento palaciano e aristocrático. Tanto a guitarra como a vihuela,
(distintas entre os espanhóis), eram chamadas de “viola” pelos portugueses,
que as enxergavam como se fossem o mesmo instrumento, apenas com
números de cordas diferentes. Na Espanha, a “vihuela de mano”; em Portugal,
a “viola de mão”. Por isso torna-se impossível saber, nos textos portugueses
em que a palavra viola é citada, a qual instrumento se referem. Podemos supor
pela análise da situação: se foi em um contexto palaciano pode ser que tenha
sido uma vihuela; se foi em um contexto mais plebeu pode ter sido uma
guitarra. A vihuela, para o espanhol era uma espécie de alaúde em forma de
guitarra, com a mesma afinação, quantidade de cordas e, em alguns casos, o
repertório. Foi uma forma de “nacionalizar” o alaúde, instrumento já tão
enraizado na cultura ibérica naquele momento em que o espanhol expulsava
os mouros de seus territórios.
Já como ícone de seu tempo, a viola em Portugal foi cantada em versos pelos
maiores poetas da época, como Gil Vicente, na farsa “Inês Pereira”,
apresentada em 1523 ao mui alto e mui poderoso D. João III. Gil assim
descreveu o afã da protagonista para encontrar marido discreto e de viola:
fato é que o instrumento mais antigo de cinco ordens que chegou até os dias
atuais foi a viola fabricada pelo português Belchior Dias em 1581 (foto abaixo),
muito semelhante às guitarras espanholas que vieram a ser construídas ao
longo do século XVII.
Havia até ali três formas de encordoar a guitarra (viola): a forma italiana, sem
bordões, com afinação reentrante, onde a terceira ordem era a ordem mais
grave do instrumento; a afinação francesa, semi-reentrante, onde a quarta
ordem possuía bordão, portanto a ordem mais grave; e a afinação espanhola,
não reentrante, onde havia bordões na quarta e quinta ordem, sendo esta
última a ordem mais grave.
Afinação italiana
Afinação francesa
Afinação espanhola
chitarras batente
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Guitarra de seis ordens exposta no “José Romanillos Spanish Guitar and Vihuela Museum”
O mais antigo registro desse instrumento na Espanha data de 1760, por meio
de um anúncio de venda de instrumentos na Casa Granadino, na Calle de
Atocha, em Madri. Do lado português é possível que o instrumento inserido no
quadro do pintor inglês Francis Cotes, de 1765, retratando a Condessa de
Waldegrave, seja a referência mais antiga. Este instrumento, que em um
primeiro momento foi chamado de vihuela (foto acima a correlacionando às
antigas violas de mão quinhentista), ao contrário de sua antecessora de cinco
ordens não gozou de grande popularidade fora da península ibérica. Federico
Moretti (1765-1838), na segunda edição de seu método “Principios para tocar
la guitarra de seis órdenes”, editado em 1799, afirma:
Cada país adotou sua forma de encordoar as guitarras: seis ordens com cordas
de tripa na Espanha, cinco ordens com cordas de arame na Itália, cinco ou seis
ordens em doze cordas de arame em Portugal e cinco ou seis cordas simples
de tripa na França. Além disso, com o avanço do século XIX e a popularização
do violino e do pianoforte, a guitarra entra em decadência.
Guitarra de 6 ordens espanhola com cordas de tripa - luthier Francisco Sanguino, Sevilla, 1768
Viola portuguesa de seis ordens de cordas de arame, luthier José, Lisboa, século XVIII
Um dos métodos mais importantes para a viola neste período é o “Nova arte da
viola, que ensina a tocalla com fundamento sem mestre” de Manoel da Paixão
Ribeiro, editado em Coimbra, Portugal, escrito para viola de doze cordas
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1. 2. 2. Brasil
O Brasil, por ter sido colonizado por portugueses, herdou suas práticas
culturais. Entre elas a música, instrumentos e, é claro, a viola. As primeiras
referências sobre viola no Brasil só aparecem a partir das cartas dos jesuítas,
que chegaram por aqui com Tomé de Souza em 1549. Um dos textos mais
antigos a tratar sobre viola em solo brasileiro vem do documento “A Informação
da Província do Brasil”, do Padre Cristóvão de Gouveia, datado de 1583:
distantes rincões do Brasil, inclusive São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato
Grosso do Sul e norte do Paraná, região conhecida como “Paulistânia”,
principalmente entre os paulistas, presente na cultura bandeirante e, mais
adiante, tropeira, fazendo parte do dia a dia nos locais onde as bandeiras
passaram ou fundaram cidades.
Outra importante citação sobre a viola no Brasil em fins do século XVIII faz
menção sobre o curso de música ministrado pelo padre José Maurício (1767-
1830) que teve início em 1793, na Rua das Marrecas (Rio de Janeiro) e durou
até 1830, ano em que José Maurício faleceu. Tinha por objetivo preparar
pessoal necessário para a atividade de mestre de capela. Ali se formavam os
conjuntos que se apresentavam na Sé. Segundo Urubatan de Castro: "Foi
exímio pedagogo, tanto de teoria como de prática instrumental, dentre os quais:
viola de arame, órgão, espineta, cravo e piano". Por este curso passaram
grandes nomes da música brasileira do século XIX, entre eles Cândido Inácio
da Silva, Francisco da Luz Pinto e Francisco Manuel da Silva, autor do hino
nacional.
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Viola Paulista fabricada pela Giannini de São Paulo (SP), década de 1940
Viola carioca “Ao Cavaquinho de Ouro”, Rio de janeiro, 1920 do violeiro João Peceguini
Foi nas mãos de um violeiro de Montes Claros, Minas Gerais, chamado José
Dias Nunes (1934-1993) – de nome artístico “Tião Carreiro” - que a viola
passou por uma verdadeira revolução a partir do final da década de 1950. Tião
Carreiro criou novas sonoridades para o instrumento explorando novas
técnicas e abordagens. Foi o criador de um ritmo de extremo virtuosismo
chamado “pagode de viola”. Tão grande foi como violeiro que influenciou a
grande maioria dos que vieram após a sua passagem. Outro grande violeiro foi
Renato Andrade (1932-2005), o primeiro violeiro brasileiro moderno que tocou
em palcos da Europa. Com Renato Andrade a viola moderna chega às salas de
concerto do Brasil e do mundo.
A viola com sua passagem pela música caipira ganhou sotaque, ganhou voz
própria e apesar de toda a modernidade à qual ela é exposta, a regra e
consenso entre quase todos os violeiros "de vanguarda" é de conservação
dessa tradição apesar de não ser próprio da sua origem. A viola está aos
poucos deixando de ser um instrumento arcaico e transformando-se nas mãos
de jovens músicos como Fernando Sodré (que tem um belo trabalho de jazz e
música brasileira); Ricardo Vignini (das bandas de rock “Matuto Moderno” e
“Moda de Rock”, onde utiliza uma viola toda maciça feita pelo luthier Márcio
Benedetti com modernos efeitos geralmente utilizados em guitarra); Roberto
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Corrêa e Ivan Vilela (que se destacam no gênero erudito); Valdir Verona (na
música gaúcha), e muitos outros.
Viola maciça elétrica do violeiro Ricardo Vignini, construída pelo luthier Márcio Benedetti, 2003
2. DESENVOLVIMENTO
As violas de doze cordas podem ser divididas em dois tipos: as que possuem
cinco ordens de cordas (na configuração “3 3 2 2 2”) ou as que possuem seis
ordens divididas na configuração “2 2 2 2 2 2”, assunto ao qual este trabalho se
dedica. A configuração de cinco ordens já comentada anteriormente surge na
mesma época que a configuração de seis ordens, cabendo uma especulação
minha: não seriam as violas de cinco ordens dotadas de trios de cordas nas
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ordens quatro e cinco uma adaptação para as violas de seis ordens chegadas
da Espanha? O que explica um trio de cordas com duas cordas finas ou duas
cordas graves repetidas? Qual a lógica da diferença de tensão entre os trios e
os pares de cordas no instrumento? A foto abaixo retrata uma das mais antigas
violas existentes de doze cordas divididas em cinco ordens (“3 3 2 2 2”), do tipo
"á lá Rodrigo", denominação utilizada na França por Michel Correte (ca.1763)
para este tipo de configuração da foto com trios formados por dois bordões e
uma lisa. Esse instrumento aparece no site do Museu de Instrumentos Musicais
da Universidade de Edimburgo, na Escócia.
Viola de doze cordas em cinco ordens de cordas de arame, luthier Josef Dörfler, cerca de 1740
Além de ter sido utilizada nas violas toeiras e micaelenses, as violas de doze
cordas em cinco ordens foram muito comuns na região de Conselheiro Lafaiete
(MG), antigo distrito de Queluz, nome pelo qual são conhecidas as violas
fabricadas naquele local. Seu enraizamento naquela região é centenário e o
apogeu de sua construção se deu no início do século passado, nas mãos de
duas famílias da cidade: os Salgados e os Meireles. Ainda hoje é possível
encontrar estes instrumentos nas mãos de violeiros do interior de Minas Gerais.
Está em Betim (MG) o maior acervo que se tem notícias destes instrumentos,
de propriedade do violeiro Claudio Alexandrino, com mais de cem exemplares.
Era ricamente ornamentada com desenhos e marchetarias (foto abaixo). Não
podemos esquecer também das violas cariocas citadas anteriormente.
A maior barreira que encontrei para o estudo da guitarra de seis ordens é o fato
que, diferente da guitarra barroca, da vihuela e da viola francesa (instrumentos
que pelo nome sabemos identificar exatamente sua época e suas
características), a guitarra “clássico-romântica” não possui uma denominação
própria que a identifique. O instrumento não tem um nome. Chamo-a de
guitarra “clássico-romântica” pelo período em que ela estava em voga
(segunda metade do século XVIII, início do século XIX), mas em nenhum local
este instrumento é denominado dessa forma. Inclusive cito-a entre aspas para
que fique claro que é uma forma minha, pessoal, de denominá-la.
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Na Espanha, por volta de 1700, havia dois estilos distintos de se tocar guitarra:
um citado por Gaspar Sanz em seu método de 1674 (em que o autor denomina
como “música ruidosa”, que consistia no modo como os plebeus tocavam,
rasgueando seus instrumentos, muito semelhante ao violão popular tocado
com posições e batidas rítmicas nos dias de hoje e provavelmente sendo a
origem do que conhecemos hoje por música flamenca); e outro a “música da
corte”, que consistia em composições refinadas, para a aristocracia, tocadas de
forma dedilhada, semelhante ao nosso violão erudito atual. Referências para as
técnicas de rasgueado, similares ou idênticas às usadas por guitarristas
flamencos da atualidade, são citadas em publicações para guitarra barroca. O
desejo dos espanhóis em tirar mais som de seus instrumentos em bares
barulhentos foi provavelmente uma das razões para a adição do sexto par à
guitarra barroca de cinco ordens. No entanto, outra razão foi que o sexto par
eliminou as inversões de acordes inábeis exigidos na guitarra de cinco ordens.
Há também quem defenda que a guitarra de seis ordens tenha nascido na Itália
ou França, porém a observação feita por Moretti em 1799 (que não se conhecia
a guitarra de seis ordens na Itália em 1792) põe em dúvida essa teoria:
O primeiro método para a guitarra de seis ordens foi escrito pelo gaditano Juan
Antonio de Vargas y Guzmán, o “Explicación de la guitarra” (1773), seguido
pelo “Obra para Guitarra de Seis Órdenes” (1780) de Antonio Ballesteros e o
italiano Federico Moretti em “Principios para tocar la guitarra de seis
órdenes” (1792). Mas é no ano de 1799 que talvez tenha acontecido o auge da
guitarra de seis ordens. Neste ano foram escritos na Espanha os três métodos
mais importantes sobre o instrumento: “Escuela para tocar con perfección la
guitarra de cinco y seis órdenes”, dos portuguêses Antônio Abreu e Victor
Pietro; “Arte, reglas y escalas armónicas para aprehender a templar y puntear
la guitarra espanõla de seis órdenes según el estilo moderno”, de Juan Manuel
Garcia Rubio e “Arte de tocar la guitarra espanõla por música” de Fernando
Ferandiere - além da segunda edição de “Principios para tocar guitarra de seis
órdenes” de Federico Moretti, esta sim escrita para guitarras de seis ordens já
que a primeira edição fora escrita em italiano para guitarras de cinco ordens.
No método de Vargas y Guzmán de 1773 o autor sugere duas formas para
encordoar a guitarra, uma com bordões para rasgueado e ponteado nas ordens
quatro, cinco e seis e outra com cordas uníssonas em todas as ordens para
fazer o baixo contínuo.
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Instrumento construído por Juan Pages em Cádiz, 1792 citado por Manuel Morais
Instrumento construído por Benito Sánchez de Aguilera, Madrid, 1797 citado por Manuel Morais
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Instrumento construído por Vael del Ginés em 2020, Los Alcázares, Espanha
O que nos chama a atenção neste anúncio é o termo “viola hespanhola de seis
cordas”: Nesta época começavam a surgir no Brasil as primeiras guitarras de
seis ordens simples (que por serem populares na França receberam por aqui o
nome de “viola francesa”) sendo esta citação da Gazeta do Rio de Janeiro a
única menção conhecida de uma viola dita “hespanhola”. Naquele momento
(1816), ainda eram muito comuns as guitarras “clássico-românticas” de seis
ordens de cordas duplas na Espanha.
Assim podemos entender que as violas de doze cordas de arame tem relação
direta com as guitarras clássico românticas espanholas. No capítulo seguinte
vamos falar sobre as violas de doze cordas de arame luso-brasileiras.
Pintura do inglês Francis Cotes, do ano de 1765 retratando Maria Walpole, a condessa de
Waldegrave, com uma viola de seis ordens.
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Viola paulista feita em Tatuí em 1947 pertencente à pesquisadora Inezita Barroso. Note-se o
cavalete em relação ao do quadro do inglês Francis Cotes
A segunda referência vem de uma viola fabricada pelo luthier Antonio dos
Santos em 1780. Apesar de este instrumento ter o cavalete diferente ele
também não possui os trastes sobre o tampo como nos modelos espanhóis.
Tanto no quadro acima como neste modelo percebe-se que as cordas ainda
eram de tripa, o que pode levantar a hipótese de que o uso de cordas de arame
na Itália e em Portugal aconteceu em épocas diferentes.
Viola de seis ordens de cordas de arame, Museu nacional de Etnologia, Lisboa, séc. XVIII
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Outro instrumento curioso é uma viola toeira encordoada com seis ordens de
cordas construída em 1870 encontrada no Percy Grainger Museum na
Austrália. A mesma viola da foto abaixo também foi registrada em um cartão
postal francês de 1902.
Cartão postal francês de 1902, provavelmente com a mesma viola exposta no museu
australiano
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Viola toeira de seis ordens de cordas de arame, Percy Grainger Museum, 1870
Além da afinação utilizada atualmente no violão (do grave para o agudo “mi lá
ré sol si mi”), o autor também dá a opção da afinação utilizada na “guitarra
portuguesa” ou “de fado” (do grave para o agudo “ré lá si mi lá si”).
Além das citações acima sobre violas portuguesas de seis pares de cordas,
temos também um tipo de viola de seis ordens encontrada na Ilha Terceira, nos
Açores. Pode ser montada com quinze cordas, configuradas como “3 3 3 2 2
2”. Típicas da região, com tiro de corda de 65 cm afinam-se com a mesma
afinação do violão moderno (do grave para o agudo “mi lá ré sol si mi”). Há
uma versão em 18 cordas em sete ordens na configuração “3 3 3 3 2 2 2”. Em
Curitiba encontra-se em posse do violeiro João Peceguini um exemplar da viola
de quinze cordas na mesma configuração citada acima (foto abaixo).
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Em uma foto datada de 1917 (próxima página) vemos o grande violonista João
Pernambuco segurando uma viola curiosa. Em meu TCC de 2017 afirmei ser
esta uma viola de seis ordens, porém nesse intervalo de três anos entre a
primeira edição de 2017 e a presente me apareceu outro instrumento que me
levou a dúvida sobre esta imagem. Trata-se da “guitarra séptima” mexicana,
com doze cordas divididas em sete ordens. Na foto em detalhes da página
seguinte há sete pontos brancos no cavalete e não seis, e na cabeça da viola
as seis cravelhas do lado direito. O instrumento da foto da página seguinte não
tem os mesmos recursos de marchetaria da guitarra séptima apresentada
também em foto seguinte. Também é passível de questionamento por qual
motivo o famoso músico brasileiro estaria utilizando de um instrumento
mexicano sendo que não há nada que justifique isso em sua biografia. João
Pernambuco nasceu em Jatobá (PE) e possivelmente conviveu com os
violeiros de sua região, sendo a viola, junto ao violão, os instrumentos com os
quais teve mais intimidade. João Pernambuco é um dos maiores compositores
para violão no Brasil além de exímio executante. Entretanto não há nenhum
registro de que exista alguma composição sua destinada à viola.
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João Pernambuco, 2º da esq. para a dir. com uma viola de 12 cordas em foto de 1917
O violeiro Luiz Fernando Souza, da dupla “Luiz Fernando & Pinheirense” (em
um vídeo gravado em 20 de Outubro de 2018 e postado cinco dias depois no
grupo “Luiz Fernando e Pinheirense” na rede social Facebook) afirma que a
viola que ele tem em mãos pertenceu ao Mariano da dupla “Caçula & Mariano”
e era uma viola de doze cordas, a qual ele mesmo afirma “... ter tido a
infelicidade de alterar sua originalidade trocando o braço do instrumento”. Ele
não cita a troca do cavalete, mas é natural que o tenha feito para adaptar a
viola a uma configuração de cinco pares de cordas. Com esta viola ele afirma
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ter sido gravada a música “Saudade de Matão” com “Mariano & Laureano”, na
década de 1930. Em uma conversa informal com o violeiro Luiz Fernando me
foi passada a informação de que esta viola foi produzida pela Casa Lira, de
São Paulo.
Há quem questione que as violas de seis ordens sejam alterações feitas pelo
músico para que pudesse obter maiores possibilidades com o instrumento. No
caso de Sorocabinha com este relato podemos afirmar que o uso da viola de
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doze cordas não partiu de uma necessidade pessoal. Ele foi presenteado por
um desconhecido, e não teve nenhuma participação na fabricação da viola, o
que descarta neste caso a hipótese de um pedido incomum ou da alteração de
uma viola tradicional de dez cordas para doze cordas por uma necessidade ou
por algum inconformismo. Esse fato mostra que a configuração de doze cordas
em seis ordens era usual e comum na época, década de 1930. Na foto que
pertence à capa do livro de Maria Immaculada (página anterior) vemos a viola
de Sorocabinha, em posse da família, a qual também não tive acesso.
Viola do Acervo Histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga do Centro Cultural de São Paulo
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Viola do Acervo Histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga do Centro Cultural de São Paulo
Junior da Violla e sua viola Giannini modelo Portugueza número 8, década de 1950
Em de um festival de
violeiros ocorrido na década
de 1980 e televisionado
pela extinta TV Manchete
um violeiro de pseudônimo
“Mineirinho”, de uma das
duplas participantes,
chamou a atenção do
apresentador por estar com
uma viola de doze cordas.
Erwin Puller - o apresen-
tador do programa em questão, chega a tecer um comentário exaltando a
raridade daquele instrumento. A foto ao lado foi retirada de um vídeo do site
Youtube cujo link infelizmente encontra-se inativo. É possível que esta viola
seja da marca Xadrez, de Catanduva (SP), fabricada artesanalmente por
Antônio Paulino Vieira, avô dos atuais proprietários da fábrica conforme
conversa informal em 11 de Março de 2017 com Michel Presley Fernandes,
que trabalha na fábrica de violas e violões Xadrez. Essa teoria se baseia não
só pelo formato do instrumento, muito característico das violas fabricadas pela
Xadrez, mas também pela escrita na parte superior esquerda do tampo.
Segundo Michel era costume o Sr. Antônio Paulino assinar a mão o nome da
fábrica nos tampos dos instrumentos.
Em outra conversa informal, dessa vez com o violeiro Ivan Vilela, realizada em
9 de Março de 2017 na ECA-USP, me foi informado pelo próprio que não foi
usado nenhum embasamento histórico para a confecção desse instrumento.
Disse que pensou no acréscimo de uma sexta ordem por conta do Sr. Heraldo
ser guitarrista e o par a mais lhe daria o conforto de trabalhar com a tessitura
ao qual já estava acostumado. Nota-se na foto que os pares estão bem
próximos uns aos outros, favorecendo o uso da palheta ao invés dos dedos.
Neste caso foi a necessidade do aumento de tessitura para resolver o
problema de uma peça que levou a confecção do instrumento.
Assim como no caso acima, o violeiro Zeca Collares também não tinha
conhecimento de instrumentos com esta configuração fabricados anteriormente
ao pensar em sua viola de doze cordas. Precisava de um instrumento no qual
pudesse usar as afinações “rio abaixo” e “cebolão” em um único instrumento.
Segue a conversa realizada em 28 de Junho de 2017:
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Ainda há instrumentos que foram fabricados mais recentemente sem que seus
autores soubessem de existências anteriores de violas na configuração de seis
ordens. Por meio do luthier Luciano Queiroz, tive o prazer de estar em contato
com o luthier e violeiro Levi Ramiro. Famoso por suas violas feitas com cabaça,
ele me apresentou esta viola da foto abaixo, fabricada no primeiro semestre de
2017 com seis pares de cordas. O motivo da confecção deste instrumento é o
mesmo citado acima, da viola do violeiro Zeca Collares: a possibilidade de se
trabalhar com as afinações “cebolão” e “rio abaixo” no mesmo instrumento.
Viola de doze cordas feita pelo luthier Levi Ramiro, de Pirajuí (SP) em 2017
Viola de doze cordas feita pelo luthier Miguel Munhoz, de São Paulo em 2017
No final do ano de 2011 ocorreu-me a idéia de que uma viola com um par a
mais poderia facilitar meu trabalho, pois com o mesmo instrumento poderia dar
aulas tanto de viola como violão. Tomei como referência a viola Giannini
modelo Portugueza que já conhecia por meio dos catálogos de produtos da
empresa da década de 1950, das violas de doze cordas utilizadas pelos
violeiros Zeca Collares e Heraldo do Monte e também de um mini violão de
doze cordas fabricado pela “Maton” - fábrica de instrumentos musicais dos EUA
(foto na página seguinte). Este instrumento possui construção folk americana
(ao contrário de nossas violas que possuem construção espanhola) e tiro de
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para abrigar as seis tarraxas alinhadas em formato 6X6. O tampo foi feito com
abeto maciço, fundo de jacarandá laminado, braço de cedro e escala de
jacarandá.
Depois disso a Rozini construiu mais três violas nesta configuração: uma
modelo “Concertista Cinturada” - com tampo de abeto maciço, fundo e laterais
de jacarandá maciço, braço em cedro e escala em ébano, entregue em
dezembro de 2013; outra nos moldes do modelo “Profissional Cinturada” - com
as mesmas madeiras da primeira viola de Março de 2013, entregue em
Novembro de 2014 e uma “Concertista Clássica” - com tampo em abeto e
fundo de jacarandá entregue em Novembro de 2018.
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Modelo Rozini Clássica Concertista Novembro de 2018. José Roberto Rozini e Junior da Violla
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Outra viola inspirada na minha Rozini é a viola feita em 2013 pelo luthier Luiz
França, de Belo Horizonte (MG), instrumento que pertence ao violeiro
Francisco Furtado Filho, da mesma localidade:
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Segue a foto de uma viola de doze cordas fabricada pelo luthier Nello Ferroni,
de São Paulo (SP) - feita em 2018 para o violeiro Thiago Paccola.
Viola Wilson Campos doze cordas, São José dos Campos (SP), 2019
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Segue a foto de uma viola de doze cordas fabricada pelo luthier Atílio Varela de
Caxias do Sul feita em 2020.
Cinco violas de doze cordas construídas por cinco nomes diferentes. Da esquerda para a
direita: Luciano Queiroz 2018, Rozini Profissional 2013, Braguesa sem autor provavelmente
década de 20, Wilson Campos 2019 e deitada Giannini Portugueza 1950
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Minhas violas de doze cordas: da esquerda para a direita Rozini Clássica Concertista 2018,
Rozini Ponteio Profissional 2014, Braguesa sem selo década de 20, Rozini Ponteio Concertista
2013, Luciano Queiroz 2018, deitada atrás Rozini Ponteio Profissional 2013 e Giannini
Portugueza nº8 1950
Uma tese levantada para a existência das violas de doze cordas seria a
“invencionice”, ou seja, a necessidade de um indivíduo modificar um
instrumento ao seu gosto sem nenhuma outra influência externa ou histórica.
Essa forma, colocada até de jeito pejorativo, cria uma falsa sensação de algo
que não é tradicional, de “gambiarra”, de adaptação mal feita. Não é o caso da
viola de doze cordas, fartamente documentada ao longo de vários séculos
conforme vimos nesse trabalho. Todo instrumento passa por modificações ao
longo de sua história visando uma melhor performance. Seja no acréscimo de
cordas, na melhoria dos materiais, técnicas e/ou nas ferramentas modernas
utilizadas em sua construção (mais precisas e funcionais) ou até mesmo na
técnica do músico que o toca. Nenhum instrumento é imutável. Até mesmo
uma réplica de um instrumento antigo por mais próxima que possa parecer ao
original não é exatamente igual àquele construído séculos antes. O luthier
moderno tem melhores ferramentas, mais conhecimento e séculos de
experimentos a mais do que o artesão antigo. Mesmo que não utilize técnicas
modernas ele terá soluções que há tempos atrás não eram pensadas ou
descobertas. Esse fenômeno foi muito comum ao longo da história da música,
tendo ocorrido com o alaúde no século XVI e XVII, com o violão (onde
encontramos instrumentos com sete, oito, até onze cordas) e atualmente com o
baixo elétrico (versões de quatro, cinco, seis, sete até oito cordas), guitarras de
sete e oito cordas, bandolins de cinco ordens. Entendemos que as passagens
das quatro ordens para cinco ordens e depois das cinco ordens para as seis
ordens ocorrerram por este motivo. No caso das seis ordens, em algum
momento alguém resolveu fazer um instrumento que julgava ser mais completo
ou que pudesse fazer a música necessária para a época. Esta modificação não
foi um fato isolado mas algo que se perpetuou ao longo do tempo e da história,
influenciando de forma determinante o que veio depois como continuidade.
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Violão de 12 cordas
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Outro erro comum é considerar a viola de doze cordas como uma “craviola”
(instrumento desenhado pelo violonista Paulinho Nogueira junto à Giannini nos
anos de 1960 e que se trata de um violão de doze cordas com um design
diferente do convencional). Este instrumento possui o mesmo comprimento de
tiro de corda do violão americano. O fato de ter o nome “craviola” não
necessariamente faz dele uma viola.
Com estes instrumentos demonstrados fica claro que “viola de doze cordas”
não é um “violão de doze cordas” ou “craviola”. São instrumentos totalmente
distintos, cada um com sua origem e organologia própria. Acredito ser
equivocada a utilização do termo “viola” para denominar instrumentos de
origens ou formatos totalmente diferentes de uma viola. Com o termo “craviola”
a confusão é ainda maior. Tem-se o costume de chamar qualquer coisa que
tenha doze cordas de “craviola”. E isso é muito comum, infelizmente. Porém
reconheço que seja necessário um conhecimento mais aprofundado do
assunto, o que este trabalho tenta fazer-se pertinente.
3. CONCLUSÃO
Com este trabalho concluímos que a viola de doze cordas divididas em seis
pares não é um instrumento alheio ao universo da viola, muito menos uma
invenção solo de um músico inconformado. Ao contrário, foi uma das
configurações mais importantes dentro da história da viola, seja na vihuela
quinhentista, seja na viola setecentista, seja nas origens das primeiras
gravações de música caipira. Ela sempre esteve lá e só uma ou duas gerações
após caiu no esquecimento. Concluímos também que não podemos usar a
quantidade de ordens para definir o que é viola, assim como vimos que desde
o século XVI até meados do século XIX o que denominava o instrumento ser
ou não viola era seu formato, independente do número de cordas ou ordens
que tinha. O português entendia tanto a vihuela quanto a guitarra como viola.
1 Conforme conversa com o violeiro Roberto Corrêa via facebook em 17 de Abril de 2017: “Oi
Junior: desde o início do século XIX as palavras “viola” e “violão”, na língua portuguesa, são
utilizadas para designar o instrumento conhecido no mundo todo por Guitarra (seis cordas). Na
tese você encontrará a razão disto. Por isto, mesmo sendo derivado do violão, o instrumento
de doze cordas (seis pares) pode se denominar ‘violão de doze cordas’ ou ‘viola de doze
cordas’. Como sabe, temos também a viola de doze cordas distribuídas em cinco ordens. Três
cordas em duas das cinco ordens. Os músicos Manassés, Marcelo Melo (Quinteto Violado) e
Zé Ramalho tocam viola de doze cordas (seis ordens duplas). É isto, temos que refletir em
cima do que temos. Bom trabalho.”
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Entendemos também, por meio das evidências levantadas, que não podemos
ter certeza que a viola de seis ordens atual seja uma reminiscência das
vihuelas de mano (ou violas de mão em Portugal) renascentistas. Há quem
defenda que o instrumento possa ter seguido nas mãos do povo, na oralidade
mas sem documentação que ateste essa afirmação fica comprometida. Apesar
das duas referências levantadas não encontrei outras descrições desse
instrumento ao longo do século XVII. Outro fator é que a vihuela renascentista
tinha repertório, afinação e forma de tocar diferente da viola de seis ordens
setecentista. Ela estava mais para um alaúde do que para uma guitarra.
Poderíamos até dizer que foi um instrumento híbrido, um alaúde em forma de
guitarra. Por outro lado, temos algumas evidências que nos fazem acreditar
que essas violas de seis ordens no Brasil e em Portugal sejam reminiscências
das guitarras “clássico-românticas” do século XVIII.
engolido por essa nova onda e infelizmente deixou de ser fabricado pela falta
de procura do público que em geral preferiam os violões que entonavam
melhor, possuíam mais volume e talvez o maior de todos os motivos: estavam
na moda.
Outros ainda, por problemas de caráter. A tática de defesa utilizada por estes
quando lhe cessam os argumentos é a depreciação, a ironia, o sarcasmo,
mesmo que as provas estejam-lhe batendo as caras. Parece que pensar “fora
da caixa” incomoda aos medrosos ou preguiçosos. Incomoda também a vários
que já “fizeram a cama”. Graças a um trabalho árduo de divulgação a viola de
doze cordas hoje é uma realidade novamente. Já podemos citar números de
duas cifras ao falar de luthiers que hoje a constroem e consegui algumas
vitórias como a visibilidade obtida pela exibição do “Programa Globo Rural”, da
Rede Globo de Televisão, em 06 de Janeiro de 2019 (programa dedicado à
viola onde a viola de doze cordas foi amplamente demonstrada pelo
apresentador e jornalista Nelson Araújo). Também é preciso citar a menção ao
instrumento na 4ª edição do livro “A Moda é Viola”, do escritor Romildo
Sant”Anna, de 2020.
Página do livro A Moda é Viola de Romildo Sant’Anna falando sobre as violas de 12 cordas.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁGICAS
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Perspective of the Instruments, its Music and its World, 1989, 28 páginas,
Universidade de Melbourne
_______________. Las Vihuelas em la Época de Isabel la Católica,
Cuadernos de Música Iberoamericana, 2010, 30 páginas, Volume 20,
Universidade de Melbourne
SPARKS, P.;TYLER, J. The Guitar and This Music: from the renaissance to
the classical Era, 1ª edição, Oxford, Oxford University Press, 2002
VELASCO, Nicolas Diaz de. Nuevo modo de cifra para tañer la guitarra com
variedad y perfeccion, y se muestra ser instrumento perfecto y
abundantissimo, 1ª edição, Nápoles, 1640
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