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Em aula – Comentários iniciais sobre os textos da bibliografia:

 Dois textos do Talal Asad: Encontros e contradições entre antropologia e colonialismo;


atualizações sobre a questão, passando a pensar na hegemonia ocidental. Algumas
questões sobre a relação entre antropologia e colonialismo: é indisssociável? É
incontornável? É reformável?
 Guattari: Uma crítica ao conceito de cultura como algo reacionário. Cultura em três
aspectos (antropológico, erudição e indústria)
 Wagner: A invenção da cultura, seus sentidos e noções. No entanto, sua posição difere
da de Guattari, no sentido de que cultura não precisa ser, necessariamente,
reacionário.
 Kopenawa, Krenak e Bispo dos Santos: sobre diferença, relações e suas sociedades de
origem. Como eles pensam a nossa com a relação às deles.
Talal Asad: The colonial encounter

1. A gênese da antropologia funcional britânica no pós-Primeira Guerra Mundial (nomes


como Malinowski e Radcliffe-Brown)
a. Com estatuto acadêmico reconhecido após a segunda guerra mundial
i. Inclusive em contraste com a falta de prestígio da sociologia
2. E no entanto, o prestígio acadêmico começa a desmoronar a partir dos anos 60
a. As críticas eram voltadas para descreditar a coerência e continuidade teóricas
3. Então, o que realmente aconteceu?
a. Já que, no nível organizacional, no momento de escrita do artigo, as
publicações de antropologia, seminários e atividades acadêmicas em geral
continuavam a se multiplicar
i. Especialização crescente
b. Desintegração da “Velha antropologia”
i. Através da desintegração de seu escopo? Estudo das “sociedades
primitivas” tornou-se cada vez menso viável como justificativa para a
ciência
ii. O antropólogo encontra-se espalhado por uma série de outras ciências
(economia, psicologia, linguística estrutural, ciência política etc.) e, se
o termo primitivo não é necessariamente colocado em questão,
tampouco é o objeto exclusivo do antropólogo, que passa a se dedicar
também ao estudo de sociedades “complexas”
4. O salto entre os anos 40 e os 60: de “não encontramos qualquer valor nos estudos de
ciências políticas para as sociedades a que nos dedicamos” a “é chegado o momento
para um casamento entre ciências políticas e antropologia”
a. “Como foi que as disciplinas separadas (economia, sociologia, jurisprudência
etc.) que refletiam a auto-compreensão fragmentada da sociedade burguesa,
com suas próprias contradições históricas, agora estavam prontas para
inspirar a antropologia”?
5. As mudanças devem ser buscadas no contexto geopolítico do mundo após a segunda
guerra mundial, e as mudanças materiais e ideológicas que fundamentavam a
antropologia até então
a. Por exemplo, lutas de independência e crise do colonialismo
i. Assim como a inclusão dessas regiões recém-colonizadas na chamada
“modernidade”
b. A denúncia de historiadores nacionalistas de ex-colônias sobre a ligação entre
antropologia e colonialismo
c. O sistema político-econômico mais amplo da modernidade “penetrou” a
antropologia
i. Em outras palavras, já não era mais possível isolar os objetos da
antropologia em um outro mundo, intocado pela modernidade
6. Críticas de seu método, especialmente vindas da sociologia estadunidense, também
aceleraram o colapso da antropologia funcional britânica (resultando em “micro-
sociologias”)
a. Por exemplo, a confusão e indeterminação entre sincronia e determinação
estrutural
b. O que, ao mesmo tempo, e contraditoriamente, aumentou o número de
antropólogos sociais praticantes. Novamente, micro-sociologias, micro-
especializações
i. As mesmas forças que contribuíram para a dissolução ideológica
também auxiliavam no seu fortalecimento organizacional e
profissionalização
7. A curiosa relutância dos antropólogos reconhecerem a estrutura de poder que fundou
e justificou a própria antropologia durante tantas décadas
a. Como se seus estudos servissem a uma difusão e mal-definida “curiosidade
científica”, parte de um plano geral rumo à Verdade. Como se informação não
baseasse poder, como se seus estudos existissem em um universo separado da
política e economia mundiais.
i. O “mundo do conhecimento”
1. O “senso comum do homem comum”
8. É preciso relembrar, de um ponto de vista bastante Marxista, que a antropologia
funda-se no encontro desigual de poderes entre um ocidente moderno, capitalista,
burguês e outras sociedades que existiam fora da alienação capitalista
a. E que portanto falar de “senso comum do homem comum” é especialmente
ridículo, pois o tal homem comum é, ele mesmo, alienado dentro da sociedade
em que vive: não existe qualquer plano do conhecimento exterior a essa
oposição de forças.
b. Já que, de um ponto de vista marxista, o produto do trabalho da antropologia
também é reclamado e tomado pela elite burguesa, independentemente da
vontade do antropólogo
i. Objetificação do conhecimento > alienação
1. Facilmente acomodada no modo de vida, na racionalidade, do
poder do ocidente
ii. O que coloca também a antropologia no circuito de pontencial de
revolução da produção, e faz com que a discussão sobre aliança ainda
mais importante > traição do tradutor, não do traduzido.
iii. Dialética do poder mundial na Antropologia
iv. Uma certa predisposição, especialmente na antropologia funcionalista,
mas isso vale para a antropologia do período colonial em geral, em
adaptar as sociedades estudadas (suas políticas holísticas) à ideologia
colonial.
9. Faltou na antropologia um desafio real às estruturas de poder coloniais que a
permitiam existir
a. A escolha foi a de “viver pacificamente” com sua escolha profissional dentro
da estrutura de poder colonial, e defender uma certa neutralidade científica, o
que é uma posição mais complexa e contraditório do que simplesmente acusar
a antropologia de ser colonialista (ainda que essa acusação possa ser feita a
certos antropólogos)
i. É preciso sair da crítica pessoal, moral, a uma crítica real da disciplina,
sua metodologia, epistemologia e tramas político-econômicas. Lidar
com a disciplina imersa no mundo, não com os problemas pessoais e
interesses políticos de antropólogos específicos.
1. Uma crítica histórica e dialética

Lévi-Strauss: Antropologia como expiação do colonialismo?


Guattari: Cultura: Um conceito reacionário?

1. A resposta à pergunta é sim: é uma maneira de separar e padronizar atividades


semióticas em esferas
a. E capitalizadas potencial ou realmente para o modo de semiotização
dominante, cortadas de sua realidade política
i. Cultura seria então uma commodificação, uma alienação da produção
semiótica humana
b. Ou seja, cultura só existe, enquanto esfera autônoma, no nível do mercado (de
poder, econômico) e não no nível de sua criação e consumo real.
i. Valor de troca, não valor de uso.
2. O conceito de equivalência como como paralelo entre o aspecto mercadológico do
capital e seu aspecto cultural: sujeição de valores de troca, sujeição da subjetividade.
a. E a própria mais-valia capitalista depende da tomada de poder sobre a
subjetividade > afinal de contas, a alienação funciona nas duas direções.
3. A cultura de massa como elemento fundamenta da produção da subjetividade
capitalística.
a. O primeiro produto, justamente, são os indivíduos. Não a produção de
indivíduos como um preenchimento de subjetividades possíveis, mas como a
produção da própria subjetividade
i. Inclusive da subjetividade inconsciente
b. E em contraponto a essa máquina de produção sobjetiva capitalística, existem
possibilidades de singularização, possibilidades de construir novos modos de
produção de subjetividade
i. A necessidade de pensar a realidade dos processos em questão, para
além das “palavras-cilada”, como cultura.
4. Os sentidos já usados por cultura historicamente: Sentido A, cultura-valor; Sentido B,
cultura-civilização; Sentido C, cultura-mercadoria.
a. O sentido B como uma espécie de alma vaga, dissipada: todo mundo tem
cultura, desde os nazistas até os movimentos emancipatórios
b. Sentido C como uma espécie de “métier”, profissão, possibilidades e meios de
produção técnicos. Produção de objetos semióticos: livros, filmes, peças de
teatro etc.) difundidos em um mercado determinado de circulação monetária
ou estatal. Aqui entra o valor de troca marxiano.
5. Sentido A: com a ascensão da burguesa, tornou-se uma das noções segregativas mais
importantes. Já não mais “pessoas de qualidade”, mas sim a qualidade da cultura
resultante do trabalho 9intelectual, acadêmico, artístico etc.)
a. Extração da legitimidade de seu poder de fato.
b. Possibilidade de segmentação e especialização: cultura científica, cultura
artística, cultura clássica etc.
i. É essa segmentação, também, que nos leva ao Sentido B
6. Sentido B: desenvolvimento paralelo ao da antropologia. O que permite segmentações
racistas: cultura primitiva vs. cultura moderna
a. E mesmo as tentativas da antropologia cultural de livrar-se do etnocentrismo
branco de base na verdade serviram para fundamentar uma espécie de
“policentrismo cultural”, um relativismo absoluto das culturas-civilizações.
b. Ela é definida a partir da separação de determinadas atividades de
semiotização heterogêneas (mitos, numeração, artesanato) opostas a outras,
como política, parentesco, economia de bens etc.
i. Mesmo que a experiência dos povos aos quais determinadas
“culturas-almas” são atribuídas não vive tais esferas como separadas
de suas determinadas atividades.
ii. “Elas não assumem, absolutamente, essas diferentes categorizações
que são as da antropologia”
1. E, novamente, importante ressaltar: o problema não são as
categorizações, mas sim os modos de categorizações e a
maneira como são produzidos, a saber, a partir de uma
produção capitalista cujo valor por excelência é o de troca,
não o de uso.
7. Sentido C: Uma cultura que se produz, se reproduz constantemente em objetos
mercadologicamente interessantes, ignorando até mesmo os valores de cultura dos
sentidos A e B.
a. O Sentido C traduz-se quantitativamente: quantos livros lidos por população,
quantas publicações, quantos expectadores na estreia de um filme etc.
8. Os três sentidos, apesar de terem aparecido em sucessão, não se excluem
mutuamente, ao contrário, continuam a funcionar sincronicamente. Ainda que muitas
vezes contraditórios, alimentam-se.
a. Pois a produção dos meios de comunicação de massa, ou seja, a possibilidade
constante de internacionalizar os três sentidos de cultura, sujeitando as
produções de subjetividade, gera uma cultura com vocação universal.
i. É esse o paradoxo que Tim Ingold aponta sobre a questão de natureza
– cultura da Strathern.
ii. E é essencial para a confecção tanto da força coletiva de trabalho
quanto da força coletiva de controle social: “nós” X “outros”.
b. Novamente, a maldição da tolerância: tolerar margens, tolerar tolerar
minorias. Mas a tolerância engendra não só uma hierarquização de valor, mas
também um direcionamento da produção cultural para gerar suas próprias
margens
i. Produzir territórios para incluir seus sujeitados, impedir que eles se
vejam perdidas num mundo abstrato e que, portanto, tentem produzir
por si mesmas seus territórios. Controle da territorialização,
novamente, da produção de subjetividade. Ministérios de cultura,
fomento do governo às artes, todas as estratégias de “trazer para
dentro” de todos os governos social-democratas.
9. E ainda assim, importante lembrar: as máquinas de produção da cultura guiadas pelos
sentidos B e C não eliminaram completamente o sentido A. Ao contrário, o
esconderam. Os mesmos sistemas de segmentação a partir de uma categoria geral de
cultura continuam vigentes.
a. É o que permite falar, por exemplo, de “cultura em geral”, mas precisar
especificar, particularizar a “cultura negra”.
b. A aparência de “igualdade”, uma igualdade inclusive forçada (homogeinização
do consumo) entra em choque com as particularidades das sociedades reais.
i. Um “mercado geral do poder”
1. Poder não só sobre os objetos culturais, mas poder de atribuir
a si mesmos os objetos culturais como signos distintivos na
relação social com os outros
10. Exemplo: a maneira como críticos a determinadas personalidades políticas usa a
“competência técnica” como uma maneira de esconder seu desprezo pela “cultura” da
determinada personalidade política
a. Exemplo: a maneira como as elites no Brasil desqualificavam Lula por “não ter
cultura”
i. “É muito mais uma questão de estilo e de etiqueta”
ii. A maneira como se configuram os discursos
11. A questão é: como agenciar outros modos de produção semiótica
a. Permitindo uma singularização e uma especialização dessa produção semiótica
sme com isso gerar uma segmentação das pessoas ou a posse dessa produção
semiótica pelas elites capitalísticas.
i. E permitir a articulação, as relações constantes entre as especialidades
e com o social.
12. Parte do poder sobre as produções semióticas no interior do Capital está, novamente,
na “tradutibilidade absoluta” postulada aos objetos de cultura: novamente, valor de
troca.
a. Três categorias de quivalência que sustentam o capital: mais-valia econômica,
mais-valia do poder (semiótica), e mais-valia energética (poder de conversão).
Kopenawa: Descobrindo os brancos

1. O primeiro contato, o interesse pelos instrumentos de metal (machados e facões)


2. O segundo contato, dessa vez com a visita dos brancos na aldeia. A identificação
(equivocada?) com espíritos canibais.
a. E as histórias de que sequestravam crianças
b. E como alguns medos são justificados: o medo dos aviões era justificado por
pensar que eram “sobrenaturais” e que poderiam cair e queimar a todos.
Exatamente o que acontece quando cai um avião.
3. E junto com os presentes começam a chegar as epidemias.
4. A diferença entre engenhosidade e sabedoria
a. E a sabedoria é definida, também, pela relação viva com os ancestrais. Os
brancos a perderam, esqueceram suas antigas palavras
5. Como a generosidade termina onde começa o interesse econômico. Alienação?
6. A fumaça-epidemia da xawara.
7. E aqui a ideia de mentira é definida pelas ações contrárias ao que foi dito.
8. E o sem-sentido da declaração de “descobrimento” dos brancos. Deitar os olhos sobre
uma coisa pela primeira vez não quer dizer que essa coisa não existisse antes, nem
significa propriedade sobre ela automaticamente.
9. “Seus espíritos começaram a obscurecer-se por causa de todos esses bens sobre os
quais fixam seu pensamento”
10. Petróleo, minerais: ocultos sob a terra justamente porque perigosos
a. O aumento dos números, das mercadorias, do barulho, do movimento: o
espírito se torna emaranhado, obscuro, obstruído
i. O risco de furar tanto a terra até fazê-la desmoronar, cair no mundo
escuro dos espíritos canibais.
b. Pensamento cheio de esquecimento
Krenak: O eterno retorno do encontro

1. A história como algo não-exclusivo do Ocidente. Histórias de falas, de narrativas em


mais de quinhentas línguas diferentes, só na América do Sul.
a. E uma quantidade enorme dessas narrativas vinha sendo traduzida em
diversos idiomas durante os últimos quatrocentos anos. Textos fundacionais
tão importantes quanto a Bíblia ou o Corão para o Ocidente
i. Divulgados já há tanto tempo, e ainda assim diz-se que são povos
“sem história”
2. Muitas das narrativas, algumas de mais de 4 mil anos, já profetizavam a vinda dos
brancos: irmãos afastados há muito tempo, e cujo paradeiro era desconhecido pelas
etnias aqui presentes.
a. A contradição entre “voltar para casa” e não ser mais o mesmo que saiu da
casa.
b. Sempre marcados como um lugar de oposição ao mundo inteiro.
i. E demonstrando a necessidade fundamental de reconhecer a
diferença, de acolhê-la não como oposição, mas como variedade.
3. O contato se dá todos os dias: continuidade entre 1500 e hoje.
a. O que fala sobre a maneira como os povos originários estavam aqui,
habitavam as terras
4. Emaranhado entre território e narrativas: “as histórias acendem luzes nas montanhas,
nas florestas”
a. Fundamento de uma tradição viva, que se movo junto com os povos. A
contemporaneidade se dá por esse fundamento, não por uma linha do tempo
de tecnologia. Compartilhar do tempo.
b. Reconhecer a territorialidade do outro como elemento da própria identidade.
Identidade na alteridade.

5. Os Tikuna: o contato anunciado com os brancos já na antiguidade, na criação do


mundo pelos gêmeos.
6. O reconhecimento e o contato entre culturas, entre os povos diversos que aqui
chegaram e aqui vivem dependem do reconhecimento mútuo de suas antiguidades, da
validade de onde vieram e para onde vão.
a. Por isso, também, o 1500 não deve ser marco, é um momento em uma
história muito mais antiga e que se mantém até hoje. O contato acontece
todos os dias.
i. O roteiro de um encontro que se dá sempre
b. E aqui entra em questão também o trabalho antropológico: uma maneira,
principalmente, de iluminar aspectos das culturas dos povos originários em
que o contato com o Outro é importante.
7. A importância da literatura indígena?
a. Ocupar os espaços culturais, expor arte, publicar literatura
i. Mas aí, como nos mostra Guattari, existe a questão da dinâmica
desses espaços e como eles lidam com a “outra cultura”: incluir para
dominar e marginalizar
Bispo dos Santos: Colonização, Quilombos – modos e significações

1. Presente: interlocutor do passado e do futuro. Mas como definir as diferenças entre


presente e passado, presente e futuro.
a. Em lugar de responder objetivamente, o autor se propõe a colocar em diálogo,
relacionar temas e eventos que garantem um entendimento da questão sócio
racial contemporânea e o início da colonização no Brasil.
i. Princípio <> Meio <> Princípio
b. Religiosidade como posição central para compreender as forças colonizatórias
e contra-colonizatórias: monoteísmo vs. politeísmo?
i. Passando por um entendimento processual entre as práticas
politeístas de comunidades como o Quilombo dos Palmares, Canudos,
Caldeirões e Pau de Colher e das comunidades contemporâneas,
frente à ameaça do capitalismo.
2. Ou seja: Qual a diferença entre os ataques dos colonizadores do passado e o ataque do
capital hoje?
a. Mais do que refletir, oferecer também soluções de diálogo e convivência
harmoniosa (será realmente possível?)
3. As relações raciais como construtos da colonização, não como apreciações dos tons de
pele reais
a. E a desigualdade racial precisa, portanto, ser interpelada pelos próprios
conceitos de cor, ração, colonização e contra colonização.
4. A estratégia colonial do nome “índio”: “sempre que se quer adestrar um animal a
primeira coisa que se muda é o seu nome.
a. Quebra das identidades locais, seus próprios meios de relacionarem-se entre
si, e substituição por um termo generalizado, desumanizado, reificado.
b. A estratégia se repete em África, com a denominação geral de “negros”
c. Bula papal de 1455: liberdade total da igreja para submeter e escravizar todos
os pagãos, onde quer que estejam
5. Entendimento estranho dos pagãos como politeístas que cultuam os “elementos da
natureza”
a. Ainda assim, o termo general “pagão”, junto com “negro” e “índio”, é
compreendido na estratégia de reificação da colonização e escravidão: povos
sem alma, sem práticas religiosas reais.
b. Em 1567: Bula papal que equipara os judeus aos outros povos colonizados e
escravizados.
i. No entanto, eles têm direito a processos (são sujeitos de direito) e sua
servidão é direcionada diretamente à Igreja
1. Não eliminar a religião judaica, mas despojá-la de
propriedades
6. Trabalho: instrumento de castigo do deus bíblico.
a. E não seria essa fundamentação do trabalho como castigo que impulsiona os
cristãos a encontrarem quem trabalhe por si?
b. Desterritorialização do próprio povo (expulsão do éden) e terrorização
cosmológica
c. E seguem-se diversos trechos do Novo Testamento que exultam a relação de
escravidão e defendem uma moralidade de subserviência e não-resistência
d. E trechos da carta de Pero Vaz de Caminha, que já especula as possibildades
de submissão
i. Padre Antônio Vieira: “é melhor ser escravo no Brasil e salvar sua alma
que viver livre na África e perdê-la”
7. Diferenças entre cosmovisão cristã monoteísta e pagã politeísta: comparação entre
matrizes culturais
a. O pressuposto é que a cosmovisão é desenvolvida a partir da religiosidade, e
os modos de vida a partir da cosmovisão (uma perspectiva não-materialista e
culturalista?)
b. O deus cristão: desterritorializado, exclusivista, monomaníaco, intangível.
i. Resulta em organização social vertical e/ou linear, patriarcal (por ser
um deus masculino) e apegada a “monismos objetivos e abstratos”.
c. Os deuses pagãos: territorializados, pluripotentes
i. Resulta em organizações mais horizontais (“ver os deuses e deusas em
todas as direções”?), onde patriarcado e matriarcado convivem de
acordo com os desenvolvimentos históricos, apegadas a “plurismos
subjetivos e concretos” (“elementos da natureza”).
d. Essas diferenças aparecem na própria organização do culto religioso (e aqui a
brincadeira é considerar que as instituições sociais são também
religiosidades):
i. Em um templo cristão (tribunal de justiça): organização vertical frente
a um só representante (Juiz) do Deus (A Lei).
ii. Em um templo pagão (festividade popular): organização circular, em
que mesmo os líderes religiosos (pais e mães de santo) encontram-se
dentro da gira.
8. Uma leitura entre a religião e o marxismo: o Trabalho, por ser castigo divino, resulta
em alienação do trabalhador e destituição de sua produção. Como o deus é imaterial,
o trabalhador se submete facilmente a um senhor (muitas vezes, distanciado da
realidade material do trabalho), que desempenha o papel de coordenador do trabalho
(castigo).
9. Na organização pagã, o trabalho Não é castigo. Não há pecado, mas sim uma força
vital que entrega todas as coisas. O trabalho é interação, e seu resultado concretiza-se
em condições de vida. Não-alienação.
10. A divisão de trabalho como manifestação cultural: segmentação, divisão, classificação
e competição nas organizações de trabalho cristãs.
a. À diferença dos povos pagãos, teoricamente, que se organiza, novamente, de
maneira circular, com participação de ambos os sexos (aqui, vale a pena
lembrar de Deleuze: a divisão, mesmo quando existe, não serve à seleção)
i. “no final a manifestação é a grande vencedora, porque se desenvolveu
de forma integrada, do individual para o coletivo”
b. Cristão: segmentar o coletivo; pagão: integrar o individual.
Wagner, Roy: A Invenção da cultura

1. Pressupostos: todas as “culturas” querem controlar suas próprias realidades. E a


dificuldade de apresentar essa ideia à nossa própria “cultura”.
a. Os riscos são delimitados: os riscos de um culturalismo que exotiza o outro a
partir de uma Cultura (com c maiúsculo) central. Nesse campo, a antropologia
é normalmente ensinada para racionalizar as contradições, os paradoxos e a
dialética, e não para delinear e discernir suas implicações. “Eles reprimem a
dialética para que possam sê-la”.
b. E o esforço do livro abertamente afirmado: combater o relativismo cultural.
2. A Antropologia, segundo o autor, e ao menos até o momento de escrita do livro, nunca
teve suas bases paradigmáticas abaladas, no que Kuhn chamaria de revolução
tectônica. Antropologia monolítica e homogeinizada. Uma natureza dialética
idealizada: jogo de exposições e refutações, soma eclética de tudo que está nos
manuais.
a. E no entanto, a incapacidade para institucionalizar o consenso.
b. O esforço do autor é destilar esses consensos não-abertamente
institucionalizados a partir do que chama uma crítica radical.
i. Processual? Contextos que assumem sentidos e importâncias uns em
relação aos outros.
c. O ponto de vista do livro é “exterior”, abertamente e conscientemente criado
artificialmente.
i. Assim como o próprio conceito de “cultura”: um artifício criado para
que o antropólogo ordene suas experiências e análises.
3. Uma oposição artificialmente criada pelo autor, mas que se prova útil para a crítica
que pretende traçar (e também, lembremos, para entender o que Deleuze defende no
apêndice sobre Platão): o convencionalismo ocidental vs. diferenciação simbólica de
sociedades tradicionais
a. A tese é de que é justamente essa diferenciação simbólica que provê “o único
regime ideológico capaz de lidar com a mudança”.
i. Uma espécie de dialética entre ritualização e secularização ou entre
classes sociais complementares
b. Mas a sociedade dita “ocidental” sofre/celebra a diferenciação como sua
“história” e contrabalança os emprendimentos coletivos (Estado?) com
competições semiformais
4. Segundo o autor: os processos de semiose são processos de mobilização de uma
“força inovadora”: simulacros, feixes diferenciais.
a. Metáfora sobre metáfora, repotencializando constantemente a força de
construções anteriores. A ancestralidade presente?
b. E a distinção entre metáforas convencionais (organização social?) e metáforas
individuativas (caça por poder pessoal?)
i. Como em “La pensée sauvage” do LS.
ii. Duas operações de símbolos: a força do símbolo sobre o objeto
simbolizado; a força do simbolizado sobre o próprio símbolo.
Obviamente que os dois processos ocorrem ao mesmo tempo, mas
com forças diferentes de acordo com o contexto e a sociedade.
iii. A hipótese do autor é de que o simbolizador, ou seja, a “cultura”,
favorece um dos processos como ação humana e considera o outro
como o “dado”/”inato”.
c. Isso é usado para criar uma distinção entre sociedades hierárquicas
desequilibradas, e sociedades em que os processos dialéticos entre classes e
papéis estão equilibrados: modernos vs. tradicionais.
5. A ideia de “invenção” da cultura como componente positivo e esperado da vida
humana. Natural?
a. E ele retoma uma noção de invenção que pertencia à dialética até antes da
modernidade: invenção : propósito > conclusão.
i. Uma noção banida pelo mecanicismo, que a substitui pelo acaso ou
acidente.
1. Ou a coopta para “dentro do sistema” com a ideia de
necessidade evolutiva.
6. Símbolo negativo: o não-senso do deleuze?
a. Em Barth: a metáfora é construída sobre relações semiológicas dos próprios
materiais do mundo (interpretando os baktaman).
i. E no entanto, o “símbolo negativo” aparece como uma força que
impede, que filtra o conhecimento. “Muito pouco passa”.
b. Em Castañeda, no entanto, o “símbolo negativo”, o “nagual” é o que faz a
metáfora, mas escapa à sua expressão. Aqui sim estamos lidando com o não-
senso de Deleuze.
i. Referência à invenção do 0 pelos povos mesoamericanos.
c. Em todos os casos, o “símbolo negativo” parece ser apreendido da mesma
forma; a diferença é na compreensão da relação entre o símbolo negativo e os
símbolos convencionais.
7. Dialética: subversão tanto da subjetividade quanto da objetividade em prol da
mediação
a. A busca por uma iluminação inalcançável, em contraste às iluminaçõezinhas
medíocres com que a antropologia normalmente se habitua.
b. A busca, inclusive, por uma antropologia que não produza apenas para a
própria antropologia.
i. “Vivemos em tempos interessantes”
8. As concepções de “cultura” para a antropologia: “uma cultura”, algo como um
diferencial da humanidade sobre todas as espécies vivas; “cultura particular”, as
tradições e histórias específicas, a particularização do “fenômeno universal”
humanidade.
a. Ou seja: a diversidade da singularidade humana.
i. O que significa utilizar da própria cultura, a do antropólogo, para
estudar outras culturas, já que ele é, também, representante de uma
diversidade da singularidade.
ii. E aqui o desafio seria o de construir uma objetividade relativa que
esteja consciente dos próprios pressupostos culturais que direcionam,
ou podem direcionar, a observação de outras culturas.
b. O que significa uma certa equival6encia entre culturas, ao menos idealmente.
Relatividade cultural.
i. Relação entre termos de uma variedade, construção de uma
compreensão mútua, relação intelectual entre culturas.
c. E aqui entra o aspecto tensionado que discutimos em aula: o antropólogo
precisa traduzir, nos termos de sua própria cultura, aquilo que observou,
experimentou, compreendeu de outras culturas. Mas a maneira como isso é
feito determina o equilíbrio da relação almejada entre as culturas.
9. O antropólogo, até certo ponto, inventa a cultura que estuda. A relação é mais real
que os termos relacionados.
a. E no entanto, isso precisa ser compreendido a partir do viés da “invenção” (um
pouco como os híbridos de Latour?), não como uma fantasia livre. Ou seja,
inventar a cultura estudada não é, a priori, negativo. Mas é sempre, e precisa
ser, um problema.
i. Traição do tradutor, não do traduzido? O potencial da invenção da
cultura de permitir a invenção da própria cultura, no sentido de tornar
explícitas as pressuposições autoevidentes da própria sociedade.
10. Todo trabalho de campo começa com, e como, pessoa. Antropólogo como
participante.
a. O “choque cultural” como um termo para designar todas as dificuldades,
especialmente iniciais, de se ver sozinho entre estranhos, os mal-entendidos,
as incompreensões, as dificuldades ordinárias, o cotidiano
i. A sensação de que sua própria cultura é “inadequada” ao contato com
a população onde se encontra imerso.
1. Foi ele que se tornou “visível”.
b. O que pode acontecer também com a comunidade no momento estudada: a
presença do forasteiro, sua excentricidade, seu comportamento de
ingenuidade e curiosidade excessivas pode gerar desconforto, medo e,
também, uma certa visibilidade e autoconsciência dos atos dos “estudados”
c. A antropologia nos ensina a objetificar aquilo a que estamos nos ajustando
como “cultura”
i. Como o xamã ou psicanalista, que objetifica a fonte das ansiedades e
sofrimentos do paciente.
1. E é a objetificação desse ajuste que sinaliza o que se está,
afinal de contas, aprendendo, estudando.
2. E como essa objetificação é um processo de recorte e
visibilização possíveis apenas pela própria presença do
forasteiro; ou, em outras palavras, como o objeto cultura só
passa a ser definido pelo observador (como diria Saussure), é
que se pode dizer que o antropólogo inventa a cultura.
3. E ao memso tempo, o antropólogo precisa crer que aquilo que
está inventando é concreto, para que a partir disso possa
produzir o conhecimento que se propôs a produzir
4. Novamente, como os híbridos do Latour.
11. A cultura inventada pelo antropólogo assume a forma de uma superestrutura,
construída sobre e com aquilo que ele já sabe, ou seja, sua própria cultura.
a. O resultado é analógico. E tais analogias funcionam como traduções,
conjuntos de sentidos que participam ao mesmo tempo da cultura estudada e
da cultura do pesquisador.
b. É um contraste, uma discrepância, um conjunto de diferenças tornado
entidade “em si mesma”.
i. Quase como se toda cultura fosse em realidade diferença cultural?
c. Agir como forasteiro e como “nativo metafórico” ao mesmo tempo.
i. E o risco de agir como ponte é acreditar que seja possível transcender
os dois lados. Emancipar-se de sua própria cultura.
1. Mas a emancipação real é a do poder. Do “controle” sobre a
própria invenção.
12. A antropologia é o estudo do humano “como se houvesse cultura”.
a. Efetividade do invento “cultura”
i. Uma efetividade criativa, inclusive
ii. A efetividade se dá em dois aspectos: como instrumento para
compreender o particular que se está estudando; como teste para a
compreensão geral do conceito-instrumento “cultura”
b. A invenção da cultura como fazer antropológico coloca em marcha um
pequeno motor de transformações: tornar o estranho familiar; tornar o
familiar estranho
i. O que acontece quando “jogamos com” nossos próprios conceitos por
intermédio das vidas e ações de outros.
13. A invenção da cultura como uma espécie de ambiguidade. Um símbolo que, assim
como uma obra de arte, nunca representa literal e completamente o objeto
intencionado pelo seu autor: abre-se para o simbólico no sentido da plurivocidade.
a. O que possibilita justamente a aprendizagem, o “pensar com”. O antropólogo
exerce um controle sobre sua cultura inventada, mas é um controle nunca
total, sempre lhe escapa algo que permite devir.
i. Inclusive, o controle se dá justamente pela não-consciência da
invenção. Duplipensar? Palavras-valise?
ii. Novamente, híbridos do Latour
iii. Cria-se o objeto ao tentar representá-lo objetivamente
b. Catapultar a compreensão para além dos limites prévios.
i. Analogia com significação incisiva – alegoria.
c. Ou seja, os elementos usados para construir os modelos de interpretação são
interpretados eles mesmos no processo da interpretação
14. E a questão: é possível uma antropologia autoperceptiva? Não é esse o esforço da
antropologia dos últimos anos?
a. Entendimento introspectivo de suas próprias operações e capacidades
b. Uma antropologia que nso recrie no processo de compreensão de outros
povos
c. E esse é, afinal de contas, o ponto de virada, a possibilidade dupla da “cultura”
para o autor: uma experiência aberta de criatividade mútua entre antropólogo
e povos estudados; ou uma imposição, quase uma confirmação auto-realizável
de nossas próprias preconcepções a outros povos.
i. Uma encruzilhada ética e teórica.
Asad, Talal: From the history of colonial anthropology to the anthropology of western
hegemony

1. A história da antropologia e a história do colonialismo. A ênfase necessária nas


atividades de resistência dos povos subjugados, as tentativas de reinventar suas vidas
interrompidas, inclusive com as condições de reinvenção sendo definidas por nas
dinâmicas de poder, economia, trabalho etc.
a. Um processo de transformações incontornável, em que modos de vida e
epistemologias antigos eram para sempre mudados.
b. E aqui aparece a antropologia: processos de classificação e encaixe dentro da
narrativa do progresso europeia
2. E ainda assim, é preciso tornar essa relação clara e explícita. Ainda que haja uma
interação direta entre a antropologia crescente e o poder europeu sobre suas colônias,
é certo também que a influência direta da antropologia nesse poder colonial é trivial.
a. O conhecimento antropológico era “esotérico” demais para ter um uso
administrativo real
b. Talvez a questão seja o sentido da dinâmica de poder: governo colonial >
antropologia (forte); mas antropologia > governo colonial (fraco)
i. Não somente as bases da materiais do poder colonialista, mas
principalmente as bases discursivas e epistemológicas da antropologia
foram engendradas pelo colonialismo e eurocentrismo.
3. E é preciso então estudar essa dinâmica: o discurso e a prática da colonização na sua
intensidade de determinação da práxis antropológica
a. Por exemplo, as afirmações sobre a importância funcional da tradição em uma
sociedade cujas tradições e instituições sociais já haviam sido intensamente
danificadas pela presença capitalista e imperial.
i. Muito do que se considera “tradicional” e “conservador” foi em
realidade recentemente criado
b. E o debate acaba girando em torno duq epoderia ser chamado de “verdadeira
tradição” e o que são invenções recentes.
i. Um debate, inclusive, que, na defesa da tradição, já havia sido usado
pelas elites econômicas europeias contra forças revolucionárias da
própria europa, como a revolução francesa.
ii. Mas o ponto talvez seja considerar essas práticas sociais em seu
contexto real, de que forma são respostas a dinâmicas coloniais, como
são efetivas e, principalmente, o poder criativa dos povos subjugados
em resistir.
1. E mesmo isso muitas vezes é colocado como uma medida
paliativa para a ausência da razão iluminista
4. Os processos de europeinização e secularização naturalizados, como se não
precisassem ser descritos (já que a audiência da antropologia é a europa)
a. E as tentativas de explicar os processos de “islamização” de territórios
considerados como já modernizados passam sempre por uma espécie de
insuficiência da modernização, não pelo interesse real dos processos em si
i. Como a “falta de estado” do Clastres.
b. Como se toda tentativa de resistir ao capitalismo moderno fosse um apego à
“tradição” fadada ao fracasso frente ao “progresso”.
i. Como se essas ditas “tradições” não tivessem história, fossem capazes
simplesmente de clamar irracionalmente pelo passado
c. Como se a resistência à violência fosse uma espécie de teimosia do passado de
aceitar seu lugar como passado.
5. Rumo a uma antropologia que se interesse pela hegemonial imperial do ocidente
a. Interessando-se, inclusive, em caso de disputas legais entre nacionalistas e
colonizadores, como mesmo so nacionalistas precisam enquadrar-se no
discurso jurídico dos colonizadores para que suas reclamações sejam
legalmente consideradas
b. Os termos dos antropólogos sobre as relações sociais dos colonizados:
“direitos” e “deveres” ocidentais.
6. Ou seja: uma preocupação real, pautada na investigação antropológica, dos processos
de construção das subjetividades
a. Inclusive os processos tecnológicos
b. Ver com atenção o caso dos Kayapo, estudado por Turner, e seu uso do
audiovisual
i. Capacidade revolucionária dos meios de produção.

Sahlims: O espírito da dádiva, para falar sobre um ponto de uma tradução maori e o uso da
linguagem do “povo das mercadorias”

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