Você está na página 1de 10

NAS TRILHAS DE VILLA-LOBOS:

UMA EXPERIÊNCIA MUSICAL EM ESCOLAS


DE ENSINO FUNDAMENTAL DO MÉDIO ARAGUAIA

Marco Donisete de Campos

1. Prelúdio

No campo musical, o ano de 2009 foi marcado pelo centenário do poema do Hino
Nacional Brasileiro escrito por Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927), pelo centenário
do nascimento de Carmem Miranda (1909-1955) e pelo cinquentenário da morte de Heitor
Villa-Lobos (1887-1959), considerado o compositor nacional por excelência (ZANON,
2009). Este último, por sua vez, não passou despercebido: as Bachianas Brasileiras, uma
série de nove composições compostas entre 1930 e 1945 que fundem o folclore brasileiro às
formas pré-clássicas no estilo de Bach, estiveram no programa das principais orquestras do
País (MARTINS, 2009) e o Guia Prático, livro de canções folclóricas escrito por Villa-Lobos
na década de 30, foi reeditado pela Fundação Nacional de Artes, a Funarte, sob a curadoria de
Manuel Aranha Corrêa do Lago, Sérgio Barboza e Maria Clara Barbosa (LAGO et al., 2009).
O cinquentenário da morte de Villa-Lobos, justamente no momento em que a
promulgação da Lei N.º 11.769/2008 coloca em pauta as discussões em relação ao retorno do
ensino musical obrigatório na Educação Básica, motivou-nos a realizar um projeto de
extensão intitulado Villa-Lobos no Araguaia, vinculado ao Campus Universitário do Araguaia
da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, realizado nos dias 17 a 19 de novembro de
2009, na cidade de Barra do Garças, em Mato Grosso.
Barra do Garças está localizada na divisa dos Estados de Mato Grosso e Goiás, na
região conhecida por Médio Araguaia, sendo banhada pelos rios Araguaia e Garças. A
chamada Grande Barra do Garças agrega ainda as cidades Pontal do Araguaia, em Mato
Grosso, e Aragarças, em Goiás, cidades contíguas cuja população se aproxima de 100 mil
habitantes, a maioria imigrantes oriundos do sul, sudeste e nordeste do País. Na região
encontram-se também indígenas pertencentes aos grupos bororo e xavante. Tal diversidade
reproduz culturalmente uma pequena miniatura da própria formação cultural do nosso País.
Na história musical da cidade, cabe ressaltar o trabalho do religioso salesiano
Armando Catrana com a formação de corais juvenis na década de 70, bem como o da Prof.ª
Ofélia Dondo que durante mais de 20 anos musicalizou centenas de crianças em sua escola de
música.
9

Devido à distância geográfica dos grandes centros – 530 km da capital do Estado,


Cuiabá; 406 km de Goiânia, capital do Estado vizinho, Goiás – o papel da UFMT em Barra
do Garças é, além de oferecer educação de nível superior, ser veículo de difusão científico-
cultural aos mais de 37 municípios que compõem a região do Vale do Araguaia, atendendo a
uma população de 640.000 habitantes, aproximadamente.
Nesse contexto, realizamos o projeto Villa-Lobos no Araguaia, cujo conteúdo é
apresentado a seguir.

2. Delineamento das Atividades

Celebrar um acontecimento é rememorá-lo, tendo em vista sua divulgação e


preservação às gerações futuras. Assim, tendo em vista a difusão da vida e da obra de Heitor
Villa-Lobos, aproveitamos também para trazer à tona a discussão sobre a medida
governamental (Lei N.º 11.769/2008) que oficializa a educação musical na Educação Básica
através do ensino de música obrigatório. Este encaminhamento é análogo ao Decreto n°
19.890/1931, referendado por Getúlio Vargas, tornando obrigatório o ensino do canto
orfeônico nas escolas. Na época, coube a Villa-Lobos a tarefa de selecionar material para
servir de base ao trabalho de formação de uma consciência musical, resultando, desse esforço,
o Guia Prático, uma antologia folclórica de 137 peças baseadas em canções tradicionais de
todas as regiões do Brasil.
Como parte integrante do projeto Villa-Lobos no Araguaia, propusemos a realização
das seguintes atividades:

a. Exibição do filme Villa-Lobos - Uma Vida de Paixão (2000).


O cinema, além de instrumento de entretenimento, constitui também um importante
recurso de documentação e divulgação de fatos históricos. Como evidencia Monterde (1986,
p. 102) “o cinema se converteu, por méritos próprios, em arquivo vivo das formas do passado
ou, por sua função social, em um agudo testemunho de seu tempo”.
Mas, a realização de um filme histórico implica em seleções, montagens,
generalizações, condensações, ocultações quando não em invenções ou mesmo falsificações.
Ainda segundo Monterde (1986, p. 104) “o que deve ser buscado em um ‘filme histórico’ não
é a ‘verdade histórica’ contida nele, mas a verossimilhança com o fenômeno histórico que
retrata”.
10

É justamente essa a similitude encontrada no drama Villa-Lobos - Uma Vida de


Paixão (2000). Dirigido por Zelito Viana e com trilha sonora do maestro Sílvio Barbato, o
filme é um longa-metragem biográfico sobre o compositor e descreve, através de analepses,
os principais acontecimentos da vida do compositor, a partir da última vez que ele sai de casa
para um concerto de gala no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde seria homenageado.
Cabe ressaltar que a vida do maestro já havia sido retratada também em Bachianas
Brasileiras: Meu Nome é Villa-Lobos (1979) e O Mandarim (1995).
Villa-Lobos - Uma Vida de Paixão, com censura de 14 anos, foi exibido
gratuitamente à comunidade, precedido por uma contextualização histórico-político-social
feita pelo Prof. Alessandro Matos do Nascimento, coordenador do curso de licenciatura em
História, das Faculdades Reunidas do Vale do Araguaia – UNIVAR, em Barra do Garças,
Mato Grosso. Como a cidade não possui salas de cinema, o Anfiteatro da Prefeitura
Municipal foi escolhido para a exibição. No dia exato da comemoração do cinquentenário da
morte do compositor (17 de novembro), cerca de 100 pessoas se fizeram presentes, cabendo
ressaltar aqui os estudantes dos cursos de graduação, mas também um significativo grupo da
comunidade, sem ligação direta com o meio acadêmico.

b. Exposição itinerante do Acervo do Museu Villa-Lobos.


O Museu Villa-Lobos, vinculado ao Ministério da Cultura, é o responsável pela
coleta, manutenção, preservação, estudo e divulgação de objetos que atestam, testemunham e
ilustram a vida do compositor. A instituição cedeu-nos uma exposição itinerante digitalizada
composta de 20 textos e 39 fotos com suas legendas e uma trilha sonora com 80 registros
musicais, abordando momentos importantes da trajetória de Villa-Lobos.
De acordo com Kossoy (2001, p.32):
as fontes fotográficas são uma possibilidade de investigação e descoberta
que prometem frutos na medida em que se tentar sistematizar suas
informações, estabelecer metodologias adequadas de pesquisa e análise para
decifração de seus conteúdos.

A mostra, em sincronismo com as demais atividades do projeto, foi monitorada por


alunos do curso de bacharelado em Comunicação Social e Licenciatura em Letras do Campus
Universitário do Araguaia, predispostos a discutir aspectos relevantes da biografia do
compositor e aconteceu nas dependências das Faculdades Cathedral, em Barra do Garças,
Mato Grosso, numa sala ambiente, o que possibilitou-nos uma rica interação entre os campos
musical e visual. Cerca de 200 visitantes, entre alunos, educadores e comunidade em geral,
11

puderam apreciar um rico e variado acervo composto de reproduções fotográficas e textos que
relatam fatos importantes e pitorescos da vida de Villa-Lobos como, por exemplo:
- com o pianista espanhol Tomás Terán e sua esposa Maria Teresa em Paris, em
1927, segurando uma pipa gigante que eles mesmos construíram;
- a Caravana de Arte Brasileira, formada pelos pianistas Lucília Villa-Lobos,
Guiomar Novaes, Antonieta Rudge Müller e João de Souza Lima; o violinista belga Maurice
Raskin; e as cantoras Nair Duarte Nunes e Madame Gonçalves, levando música brasileira a 54
cidades do interior paulista, em 1931;
- regendo uma concentração orfeônica com mais de 40.000 vozes no Rio de Janeiro,
na década de 40;
- assistindo à evolução do bloco carnavalesco Sôdade do Cordão no Rio de Janeiro,
em 1940;
- recebendo o título de doutor Honoris Causa, em Nova York, em 1954.
- em concertos em Londres (1947), na Dinamarca (1948), na Filadélfia (1955) e na
Bélgica (1958);
- com a soprano Bidú Sayão durante a gravação da Floresta do Amazonas em Nova
Iorque, em 1959.
Dentre os registros musicais, desde composições bem difundidas como as Bachianas
nº2 e nº5 e Melodia Sentimental, até outras, quase desconhecidas do grande público, como o
Kyrie da Missa de São Sebastião.
A convite, o acervo foi exposto durante o 1º Seminário de Pesquisa em Música,
realizado pelo Grupo de Pesquisa Música e Educação, do Mestrado em Estudos de Cultura
Contemporânea e Departamento de Artes, do Instituto de Linguagens da Universidade Federal
de Mato Grosso, campus de Cuiabá, em novembro de 2009. Nessa ocasião, por se tratar de
um evento específico, a exposição pôde ser vista por professores e estudantes de música no
saguão do Instituto de Linguagens. Para aqueles que conhecem/executam a obra de Villa-
Lobos, uma experiência dessa natureza oferece uma aproximação importante para a
interpretação de sua obra.

c. Palestra: O Ensino de Música e a Educação Musical em Mato Grosso


A terceira atividade do projeto Villa-Lobos no Araguaia foi uma palestra proferida
pela Prof.ª Dr.ª Cássia Virgínia Coelho de Souza, do Departamento de Artes do Instituto de
Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso realizada no auditório das Faculdades
Cathedral, em Barra do Garças, Mato Grosso. A palestrante apresentou duas situações
12

consideradas fundamentais para abordar a questão do ensino de música. Inicialmente


descreveu sua pesquisa que verificou as possibilidades pedagógicas de um programa de
educação musical a distância para professores das séries iniciais do ensino fundamental em
Mato Grosso. A partir da análise da experiência, a palestrante concluiu que as bases para a
formação musical dos professores estão na atividade reflexiva devendo ser contemplados os
aspectos sobre a concepção, o fazer, a compreensão e a didática para o ensino de música,
numa abordagem que deve valorizar a diversidade e a colaboração entre os professores
observando a educação musical como um todo, sem compartimentar seus elementos.
Os resultados dos grupos de trabalho do Seminário de Práticas de Ensino de Música
2009 e do 6º Simpósio sobre o Ensino Musical, realizados pelo Departamento de Artes do
Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso, campus de Cuiabá, em
junho de 2009, constituíram a segunda situação exemplificada na palestra. Na ocasião, após a
discussão de temas tais como Mecanismos políticos para a implantação da música nas
escolas, O currículo escolar e o ensino de música e A formação do professor de música,
dentre outros, buscaram apontar possíveis caminhos e indicar soluções de problemas
imediatos para a obediência à Lei 11.769/2008 em Mato Grosso, com encaminhamentos
registrados em um documento do evento.
Agora em que a nação brasileira volta a colocar em pauta as discussões acerca do
cumprimento da Lei N.º 11.769/2008, pareceu-nos oportuno criar espaço para discussão com
os educadores, uma vez que o público-alvo da palestra foram, sobretudo, os alunos do curso
de Pedagogia. Tal como afirma Sobreira (2008, p. 51),

o momento instiga a união de esforços para compreender melhor a realidade


das escolas públicas e discutir projetos que possibilitem um salto qualitativo
no ensino de música nesses contextos, evitando que equívocos cometidos no
passado sejam repetidos.

Conforme apontamentos da reunião da Funarte – região sudeste – realizada em


dezembro de 2009, faz-se necessário, então, a redação de material de fundamentação da
reformulação curricular na área da educação musical, com enfoque, sobretudo, nos aspectos
conceituais. Além disso, é preciso implantar projetos de capacitação e formação de docentes,
acompanhados de legislação relativa aos concursos para professor que, coerentemente com os
atuais cursos de licenciatura, determinem a previsão de vagas especificamente para
professores de música, e não apenas para professores polivalentes de artes (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 2010, p.3-5)
13

d. Apresentação pública com a participação de alunos das redes municipal e


estadual de ensino

A música, eu a considero, em princípio, como um indispensável alimento da


alma humana. Por conseguinte, um elemento e fator imprescindível à
educação da juventude. (VILLA-LOBOS, 1946, p.498)

A utilização da música no processo educativo foi um dos ideais de Villa-Lobos. Em


1931, o compositor, recém-chegado ao Brasil depois de alguns anos na Europa, foi convidado
pelo interventor federal João Alberto Lins e Barros a organizar um orfeão cívico, evento este
que reuniu mais de 11.000 vozes, numa manifestação de impacto inédita no País e com grande
participação popular. Já no ano seguinte, assumiu a direção da Superintendência da Educação
Musical e Artística (SEMA) das Escolas Públicas do Rio de Janeiro, fundada pelo educador
Anísio Teixeira. A SEMA, baseada na reforma que instituiu o ensino obrigatório de Canto
Orfeônico no Município do Rio de Janeiro através do decreto 19.890/1931, criou o Curso de
Orientação e Aperfeiçoamento do Ensino de Música e Canto Orfeônico. As atividades eram
subdivididas em cursos de declamação rítmica e de preparação ao ensino do canto orfeônico,
destinados aos professores das escolas primárias, além do Curso Especializado de Música e
Canto Orfeônico e de Prática de Canto Orfeônico, destinados à formação de professores
especializados (GOLDEMBERG, 2002). A ampla repercussão alcançada pelos cursos de
Orientação e Aperfeiçoamento e de Canto Orfeônico motivou uma grande procura. O corpo
docente, escolhido pelo próprio Villa-Lobos, era constituído por profissionais de alto nível e
de grande notoriedade no cenário musical (PAZ, 2004).
As primeiras demonstrações orfeônicas de grande porte ocorreram no Estado de São
Paulo, com o apoio do interventor federal João Alberto, no primeiro semestre de 1931,
reunindo representações de todas as classes sociais paulistas. Nessa oportunidade, Villa-
Lobos organizou uma apresentação de canto orfeônico, chamada Exortação Cívica,
envolvendo cerca de 12.000 vozes. As concentrações orfeônicas, no Distrito Federal,
começaram antes mesmo de completar um semestre da instituição da obrigatoriedade do
ensino de música e canto orfeônico nas escolas do Rio de Janeiro. A primeira demonstração
orfeônica carioca uniu 18.000 vozes de alunos das escolas primárias, técnico-secundárias,
Instituto de Educação e Orfeão de Professores (MONTI, 2008).
Aquela apresentação orfeônica, no Distrito Federal, foi a primeira de muitas. A partir
daquele momento as concentrações orfeônicas tornaram-se frequentes e passaram a fazer
parte dos ritos das festividades cívicas. Segundo Negwer (2009), nos estádios de futebol
14

Vasco da Gama e Fluminense, apresentaram-se até 42.000 alunos para o canto coral. Artistas
populares eram contratados para agitar o ritual e dar mais cor aos eventos. Um fato
lamentável é que, apesar do projeto de Villa-Lobos continuar a ser o único modelo de política
pública de ensino musical voltada para as massas, desde 1945, ano em que a deposição de
Getúlio Vargas significou o fim de seus compromissos como funcionário público da cultura,
nada mais tenha sido adotado em larga escala (NEGWER, 2009).
Na tentativa de conciliar a herança musical de Villa-Lobos com a celebração do
cinquentenário, realizamos uma apresentação pública no Campus II da UFMT, em Barra do
Garças, com a participação de 180 alunos na faixa etária de 9 a 12 anos matriculados nas
redes municipal e estadual de ensino. Envolvemos três estabelecimentos de ensino, sendo dois
estaduais e um municipal: Escola Estadual Mercedes Zétola, em Aragarças, Goiás; Escola
Estadual Senador Filinto Müller e Centro Municipal de Ensino Fundamental João Alves dos
Santos, ambas em Barra do Garças, Mato Grosso.
Para Villa-Lobos (1946), a melhor maneira de formar a disciplina das gerações
futuras era o canto coletivo, pois ele predispõe o indivíduo à recusa do individualismo,
fazendo crescer cada vez mais o sentimento de coletividade, de pertencimento, de renúncia e
disciplina. Proporciona o envolvimento com a chamada solidariedade humana uma vez que

integra o indivíduo dentro da herança social da Pátria; é a solução lógica


para o problema da educação musical nas escolas, não somente na formação
da consciência musical, mas também como um fator de orgulho cívico e
disciplina social. (VILLA-LOBOS, 1946, p.502).

O autor aponta ainda “a música folclórica como a marca da expansão, do


desenvolvimento livre do povo expresso pelo som, uma densa e verdadeira expressão
biológica da raça” (VILLA-LOBOS, 1946, p.502).
A partir desses preceitos, o repertório da apresentação em Barra do Garças foi
constituído, em sua maioria, por composições folclóricas do Guia Prático para Educação
Artística e Musical, 1º volume, relançado pela Academia Brasileira de Música, com
patrocínio da Funarte. Selecionamos peças em uníssono com acompanhamento instrumental:
Senhora Dona Sancha, Sambalelê, Na corda da viola e Garibaldi foi à missa; peças a capella
a duas vozes: Cai, cai, balão, A canoa virou e Sapo Jururu. Além dessas, incluímos O
Trenzinho do Caipira, composição de Villa-Lobos com poesia de Ferreira Gullar e adaptação
do arranjo do maestro Eduardo Dias Carvalho.
15

Como a Universidade Federal de Mato Grosso em Barra do Garças não dispunha de


nenhum espaço que comportasse tal apresentação, um antigo galpão com cerca de 1.000m2,
no próprio campus, foi adaptado com a montagem de palco e o equipamento de som,
iluminação e multimídia.
Pela primeira vez juntos, no dia da apresentação, os alunos se reuniram para um
ensaio geral uma vez que, até então, havíamos realizado ensaios semanais nas escolas, por
turno, durante um mês, sempre com a presença das professoras da série, convidadas a serem
colaboradoras do projeto. Durante os ensaios, além dos aspectos musicais, abordamos
também os sociais, históricos e literários, favorecendo uma leitura múltipla da obra.
A adesão plena de algumas educadoras, motivando os alunos para o projeto com a
realização de outras atividades concomitantes, contrastou com o desinteresse de outras, cuja
participação, ao meu parecer, esteve condicionada à imposição do coordenador/diretor. Tal
postura refletiu de maneira bastante negativa, sobretudo durante o ensaio geral e, é claro, na
própria apresentação, não ofuscando, contudo, a beleza desse momento ímpar.
Acreditamos, com convicção, que os ideais buscados por Villa-Lobos em suas
concentrações orfeônicas, de construir um país cantante, foram, nas suas proporções,
alcançados.

Conclusões

Heitor Villa-Lobos está entre os brasileiros que, até hoje, nas artes, mais se
salientaram, dentro e fora do País, pela contribuição de sua obra ao acervo de
nossa terra. Na sua música, não há somente a circunstância de revelar
poderosa imaginação criadora, nem o sabor de originalidade: acima de tudo
isso, reflete a música de Villa-Lobos a própria nacionalidade, a saber, o
sentimento do homem brasileiro, o espírito do povo, a terra, o tropicalismo
da natureza (Clóvis Salgado – Ministro do Governo Juscelino Kubistchek
em documento enviado ao presidente, justificando a criação do Museu Villa-
Lobos, em 13/06/1960) (PAZ, 2004, p. 5).

O projeto Villa-Lobos no Araguaia teve como característica essencial celebrar o


cinquentenário da morte de Villa-Lobos, além de promover a reflexão sobre a implantação do
ensino de música obrigatório na Escola Básica.
Quase oitenta anos depois da empreitada de Villa-Lobos em favor do ensino musical,
coube-nos refletir acerca da herança de seu monumental esforço na tarefa de despertar o País,
através das crianças, para uma nova mentalidade quanto à valorização de nossa identidade
cultural. Justamente porque seu maior legado tenha sido essa nova maneira de compreender o
16

Brasil através de uma visão crítica e criativa; uma vontade de crescer, de fazer um País
melhor, de valorizar, aproveitar e absorver melhor o que ele nos oferece.
Neste momento em que fervilham as iniciativas para inclusão do ensino de música
nas escolas brasileiras, o projeto de Villa-Lobos - criticado por muitos por sua falta de
embasamento pedagógico - continua a ser o único modelo de política pública de ensino
musical para o povo no Brasil. É difícil julgar resultados quando o País não teve outro, antes
dele ou desde então. Também, o Guia Prático (LAGO et al., 2009), sem dúvida, constitui um
recurso didático de alto valor artístico, capaz de atender à demanda criada pela reintegração
do ensino musical brasileiro.
Como projetos futuros, pretendemos capacitar os educadores para um melhor
aproveitamento e utilização do Guia Prático, bem como a implantação da peça teatral Tuhu, o
Menino Villa-Lobos (ACIOLY, 2007) junto às escolas de Ensino Fundamental.

Referências

ACIOLY, Karen. Tuhu, o Menino Villa-Lobos. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL. Música nas Escolas: caminhos


para a implementação da Lei 11.769. Boletim Informativo da ABEM, Porto Alegre, p. 3-5,
mar. 2010.

BACHIANAS BRASILEIRAS - MEU NOME É VILLA-LOBOS. Direção de José Montes-


Baquer. São Paulo: TV Cultura/Südwestfunk Baden-Baden, 1979 (120 min).

GOLDEMBERG, Ricardo. Educação musical: a experiência do canto orfeônico no Brasil.


Revista Pro-Posições, v.6, n.3, p.103-109, 1995.

KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

LAGO, Manuel Corrêa; BARBOSA, Sérgio; BARBOSA, Maria Clara. Guia Prático para
Educação Artística e Musical, 1º volume. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de
Música/FUNARTE, 2009.

MARTINS, Sérgio. Notas fora de lugar. Revista Veja, São Paulo: Abril, ano 43, nº 30, p.
134-135, jul. 2009.

MONTERDE, José Enrique. História, cine y enseñanza. Barcelona: Editora Laia, 1986.

MONTI, Ednardo Monteiro Gonzaga. Canto Orfeônico: Villa-Lobos e as Representações


Sociais do Trabalho na Era Vargas. Teias, Rio de Janeiro, ano 9, nº 18, p. 78-90, jul/dez 2008.

NEGWER, Manuel. Villa-Lobos: o florescimento da música brasileira. São Paulo: Martins


Fontes, 2009.
17

O MANDARIM. Direção de Júlio Bressane. São Paulo: Riofilmes, 1995 (90 min.).

PAZ, Ermelinda Azevedo. Villa-Lobos e a Música Popular Brasileira. Uma Visão sem
Preconceito. Rio de Janeiro: E. A. Paz, 2004.

SOBREIRA, Sílvia. Reflexões sobre a obrigatoriedade da música nas escolas públicas.


Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 20, p.45-52, set. 2008.

VILLA-LOBOS, Heitor. Educação Musical. Boletim Latino Americano de Música, ano VI,
tomo VI, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1946.

VILLA-LOBOS, UMA VIDA DE PAIXÃO. Direção de Zelito Viana. São Paulo: Mapa
Filmes do Brasil, 2000 (127 min.).

ZANON, Fabio. Villa-Lobos. São Paulo: Publifolha, 2009. (Série Folha Explica).

Você também pode gostar