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A Córeia e As Grandes Potências - Estados Unidos, China, Rússia e Japão - Paulo G. Fagundes Vizen PDF
A Córeia e As Grandes Potências - Estados Unidos, China, Rússia e Japão - Paulo G. Fagundes Vizen PDF
INTRODUÇÃO
socialismo não poderia sofrer outra derrota, que afetaria o equilíbrio interno da China,
privando-a, simultaneamente, de um importante ponto de apoio para sua defesa.
Contudo, ainda que o apoio político-militar chinês tenha sido garantido, a
cooperação econômica agora se daria no âmbito das reformas, reformas que a
vulnerável Coréia do Norte não desejava implementar. Enquanto isto, a URSS entrava
em agonia, e a cooperação econômica se deteriorava, agravando ainda mais a situação
do país. Quanto à Coréia do Sul, intensificou a cooperação econômica com a China,
clamando pelo estabelecimento de relações diplomáticas. A hesitação chinesa foi
finalmente superada em 1992, devido ao surgimento de indícios de que a posição
americana sobre Taiwan estava sendo revista na prática. Seul era uma das últimas
capitais asiáticas a manter laços diplomáticos com Taipé.
Assim, a China voltava-se prioritariamente para a Ásia, tanto no plano
diplomático como econômico. Neste contexto, a Coréia do Norte foi estimulada por
Beijing a buscar alguma forma de concertação com os EUA, Japão e Coréia do Sul,
para evitar o isolamento e o colapso do regime. Desta forma, iniciaram-se
conversações de alto nível entre as duas Coréias, que ingressaram conjuntamente na
ONU em 1991. Enquanto isto, o regime sul-coreano manobrava, com o intuito de
obter uma sobrevida e conservar seu projeto de desenvolvimento. O governo de
transição de Roh Tae-woo (1988-1993) conseguiu forjar um sucessor, Kim Youg-sam
(1993-1998), que aprofundou os contatos com o norte em crise e procurou contornar
as pressões norte-americanas.
A elite dirigente sul-coreana via na redemocratização um instrumento externo
de pressão sobre seu desenvolvimento, cada vez mais voltado a cooperação com a
China, tanto por razões puramente econômicas como estratégicas. Mais que isso,
como uma forma de condicionar o próprio desenvolvimento, que se cristalizava como
um projeto nacional e já exibia indicadores sócio -econômicos de Primeiro Mundo. O
Japão, por sua vez, ingressou numa fase de recessão econômica que perdura por toda
a década de 90, e é acompanhada pela crise de seu sistema político.
No fundo, a situação japonesa configura um impasse, pois a aliança com os
EUA implica em reduzir os laços com a Ásia, mantendo uma cooperação
transpacífica, na qual o Japão abriria seu mercado, ocupando uma posicão mais
modesta vis-à-vis seu aliado americano. Sendo um país de soberania limitada, ainda
sob ocupação americana (teoricamente para defender o país), a elite japonesa busca
manter seus vínculos econômicos com a Ásia, mesmo que na base de um low profile.
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O preço a pagar é manter a economia doméstica estagnada, mas evitando ceder aos
EUA. Por isso os sucessivos gabinetes japoneses “falham” em implementar as
reformas amargas propugnadas pelos EUA.
Enquanto a elite japonesa parece dividida sob o caminho a seguir e cresce o
nacionalismo, a aproximação com as duas Coréias prossegue. Mas incidentes
militares, a política nuclear e o lançamento de mísseis pela Coréia do Norte acabam,
redundantemente, obstaculizando qualquer resultado prático. Neste ponto, observa-se
uma certa ironia: a sutil cooperação da Coréia do Norte com os EUA e Taiwan. Com
o desaparecimento da URSS em 1991, a Rússia, Estado sucessor, teve sua presença
drasticamente reduzida na Ásia, e relações frias se estabeleceram com Pyongyang,
que perdeu quase toda a ajuda econômica, mergulahndo numa séria crise. Por outro
lado, a cooperação com a China é insuficiente, as reformas de mercado são encaradas
como uma ameaça e a normalizaçao com a Coréia do Sul é considerada uma traição,
ademais com a possibilidade do norte ser usado como moeda de troca por Beijing
numa possível reunificação.
As relações entre Pyongyang e Taipé, ainda que oficialmente de caráter
econômico, envolvem certa barganha política, como resposta à política externa
chinesa. Quanto à Washington, necessita tanto manter sua presença militar no Japão
como na Coréia do Sul (e, com isso, poder exercer controle sobre as bem sucedidas
economias nacionais), bem como articular com esses países um sistema de defesa
anti-mísseis voltado contra a China e a Rússia (TMD – Theater Missile Defense). O
elemento legitimador de tal política será a virtual e sempre exagerada ameaça militar
da Coréia do Norte, mostrada como um país governado por fanáticos e desesperados,
capazes de uma atitude de consequências mal calculadas no plano internacional.
Mas o que uma análise mais acurada mostra é que não apenas os norte-
coreanos controlam solidamente o país, como agem de forma calculada e racional nas
diversas conjunturas diplomáticas. Assim, na defesa de seus interesses nacionais e
políticos, são capazes de convergir com os Estados Unidos, teoricamente seu maior
inimigo. Daí o estabelecimento de um diálogo permanente e, até mesmo, cordial,
entre Washington e Pyongyang.
A este contexto fluído, contudo, agregou-se um elemento complicador: a crise
financeira asiática. De fato, com o fim da Guerra Fria, a China não apenas manteve
como até acelerou seu crescimento econômico e incrementou sua capacidade de
defesa. Ao mesmo tempo, estreitou sua cooperação com os países asiáticos, enquanto
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Mas a crise gerou uma espécie de solidariedade asiática. Ainda que os países
afetados possuissem certas deficiências no campo financeiro e macroeconômico, um
Relatório do Banco Mundial, do início de 1997, ressaltava a solidez da economia sul-
coreana, e outro de outubro (posterior à crise) mencionava as “falhas estruturais” da
mesma. Daí a identificar-se um caráter especulativo e induzido de fora no
desencadeamento da crise, foi um passo. De fato, o nacionalismo anti-ocidental não
parou de crescer desde então, apoiado num movimento popular que procura evitar o
desmonte das conquistas sócio-econômicas logradas ao longo de três décadas de
esforços.
No plano internacional, a China conseguiu contornar a crise, contribuindo para
a recupeação dos vizinhos, particularmente da Coréia do Sul. Ao mesmo tempo,
reafirmava seu propósito de rechaçar a construção de uma nova hegemonia
internacional (pelos EUA) e a necessidade de desenvolver-se conceitos como
segurança econômica. Em relação especificamente à península coreana, Beijing tratou
de estimular uma reaproximação entre as duas Coréias, com o objetivo de evitar uma
crise político-militar. Por outro lado, a Rússia desde 1997, mas particularmente desde
a guerra do Kosovo, retornou a cena internacional com mais vigor, em particular à
Ásia. O presidente Vladimir Putin visitou Beijing, estreitando a parceria estratégica
bilateral, bem como a Coréia do Norte, o que foi um acontecimento diplomático
inédito.
Os Estados Unidos não tiveram como se opor às iniciativas de resproximação
das duas Coréias, seja pela habilidade como foram concretizadas, seja pela conjuntura
eleitoral em Washington, onde interessava mostrar um ganho diplomático, a paz, em
relação a tensa península coreana. Mas a reunificação, enquanto tal, não é desejada
por nenhum ator envolvido. O Japão teme a instabilidade inicial que um tal processo
geraria, bem como o surgimento de um poder regional rival a médio prazo. A China e
a Rússia, por sua vez, desejam continuar praticando uma política de duas Coréias,
mantendo compartimentadas as questões econõmicas e de segurança. Quanto aos
EUA, necessitam da existência da Coréia do Norte para justificar sua presença militar
no sul, de onde pode influenciar os rumos da política da Ásia oriental
Assim, na passagem para o século XXI, a Coréia passa a ocupar um espaço
privilegiado no campo das decisões envolvendo a grande diplomacia. As quatro
potências com as quais os dois Estados coreanos têm que interagir mais diretamente,
passam por mudanças que afetam os destinos da península, conferindo um caráter
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estratégico, desta vez global, à região. A China continua se fortalecendo, e agora está
associada à Rússia, tentando evitar uma ascendência desmedida dos EUA sobre a
região. Este país, por sua vez, tenta reafirmar sua supremacia sobre seus velhos
aliados, Tóquio e Seul. Mas ambos são condicionados por necessidades econômicas
que os direcionam para o pólo de desenvolvimento da Ásia oriental, pois somente
com certo grau de autonomia, seu desenvolvimento pode prosseguir.
Desta forma, ainda que afetados por crises no norte e no sul, os coreanos estão
em condições de atuarem com mais autonomia do que no passado. Contudo, este
certamente será um jogo complexo, pois o atual acercamento não elimina as
contradições de fundo. Mas pela primeira vez, existe um campo de interesses comuns
entre as duas Coréias, bem como adversários comuns. O problema, é um certo
descompasso nas conjunturas diplomáticas dos dois países. De qualquer forma, estas
contradições somente serão passíveis de solução nos marcos de uma realidade asiática
em afirmação. Neste sentido, a China ocupa uma posição privilegiada para a
diplomacia coreana, suplementada pela Rússia e, possivelmente pelo Japão, se este
lograr obter maoir autonomia internacional.
A questão é que os EUA não podem ser dis sociados, ao menos imediatamente,
dos interesses econômicos e de segurança de Seul. Num quadro onde a fronteira entre
potência amiga e inimiga é cada vez menos clara, a paciência asiática terá que ser
empregada a fundo. Apesar da crise financeira, a Ásia tem logrado afirmar seu
desenvolvimento, e a Coréia do Sul constitui um dos maiores protagonistas neste
processo. Trata -se do primeiro sucesso de industrialização continuada em uma região
periférica do sistema mundial. Contudo, as condições diplomáticas que ensejaram tal
processo, alteraram-se profundamente. E agora a Coréia necessita reformular suas
alianças externas, num quadro de redefinição da própria ordem mundial. Enfim, trata-
se de um grande desafio para a política externa da Coréia nos próximos anos.
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