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Capítulo 7.

Taxas de Câmbio e Equilíbrio Externo1

7.1. Restrição Orçamental da Nação


7.2. Taxa de Câmbio Real de Equilíbrio
7.3. Determinação da Taxa de Câmbio Nominal

Uma economia aberta é uma economia na qual as pessoas e empresas residentes, bem
como o sector público, podem fazer trocas com pessoas, empresas e sectores públicos de
outros países, ou seja, é uma economia aberta ao comércio internacional e ao
financiamento internacional.

As pessoas beneficiam, assim, da possibilidade de consumir uma maior variedade de bens


e serviços, e de investir as suas poupanças no exterior. As empresas beneficiam do acesso
aos mercados internacionais, mas, por outro lado, enfrentam a concorrência internacional
no mercado interno. Podem também, obter financiamento do exterior.

Nem todos os bens podem ser transaccionados internacionalmente. Por exemplo, uma
refeição num restaurante não pode ser produzida num país e consumida noutro. A maior
parte dos serviços são não transaccionáveis. Os bens que são susceptíveis de ser
exportados ou importados, como os automóveis, designam-se por bens transaccionáveis.

1
Este texto de apoio (1E207 Macroeconomia II, FEP-UP, 2008-09) não dispensa a frequência das aulas e a
consulta da bibliografia recomendada. Comentários e sugestões: João Correia da Silva (joao@fep.up.pt).

1
7.1 Restrição Orçamental da Nação

Combinando a restrição orçamental do sector privado com a restrição orçamental do


sector público, obtemos a restrição orçamental da nação.2

 C2 Y2 − T2
C1 + 1 + r = Y1 − T1 − I 1 + 1 + r C + G2 Y
 ⇒ C1 + G1 + 2 = Y1 − I 1 + 2
G2 T2 1+ r 1+ r
 G1 + = T1 +
 1+ r 1+ r

Considerando as diferentes componentes do produto visto pela óptica da despesa


(Y=C+G+I+X–Z), podemos escrever a restrição orçamental em função da balança
corrente externa (NX), presente e futura (supondo I2=0).

C 2 + G2 C + G2 + NX 2 NX 2
C1 + G1 + = C1 + G1 + NX 1 + 2 ⇔ NX 1 + =0
1+ r 1+ r 1+ r

Numa economia aberta, a despesa dos residentes em bens e serviços (A = C+G+I) não
coincide, necessariamente, com o rendimento (Y = C+G+I+X–Z = A+NX), pelo facto de
os agentes residentes poderem obter financiamento do exterior (Sext = –NX).

Se a economia tiver, inicialmente, uma posição líquida de investimento internacional


(F) positiva, reflectindo o facto de ter proporcionado financiamento ao exterior no
passado, então poderá ter défices da balança externa superiores.3

2
O benefício futuro associado ao investimento presente, I1, está incluído em Y2.
3
A posição líquida de investimento internacional é igual ao valor dos activos externos detidos por
residentes, líquido do valor dos activos domésticos detidos por não residentes.

2
NX 2
NX 1 + = −F
1+ r

Neste modelo com apenas dois períodos, o saldo da balança corrente externa no segundo
período deve ser suficiente para pagar a dívida externa (o caso em que F é negativo
corresponde à existência de dívida externa), com juros.

NX 2
NX 1 + = − F ⇔ NX 2 = −(1 + r ) ⋅ (F + NX 1 )
1+ r

Com NX1=NX2, que, de certa forma, podemos associar a um equilíbrio de longo prazo:

NX 2+r 1+ r
NX + = −F ⇔ ⋅ NX = − F ⇔ NX = − ⋅F
1+ r 1+ r 2+r

3
7.2 Taxa de Câmbio Real de Equilíbrio

A taxa de câmbio nominal define-se como o valor da unidade monetária nacional em


termos da unidade monetária externa.

Para comprar 1 euro são necessários 1,3 dólares. Se a única moeda externa relevante para
a economia europeia fosse o dólar, a taxa de câmbio nominal seria e’=1,3.

A taxa de câmbio real estabelece a relação entre os preços dos bens na economia
nacional e os preços dos bens no exterior.

P
e=
Pf

Estes preços devem estar expressos na mesma unidade. Para converter preços expressos
em unidades monetárias do exterior (Pf*) para unidades monetárias nacionais (Pf),
devemos dividi-los pela taxa de câmbio nominal.

P P P
e= f
= f ∗ = f ∗ ⋅ e'
P P e' P

Suponhamos que para comprar um litro de gasolina nos EUA são necessários 0,9 dólares
(Pf*=0,9), que são equivalentes a 0,7 euros (Pf=0,7), enquanto que na Europa o preço de
um litro de gasolina é igual a 1,4 euros (P=1,4). Se os outros bens tivessem preços
relativos semelhantes, a taxa de câmbio real seria igual a 2.

P 1,4 1,4
e= f∗
= = =2
P e' 0,9 1,3 0,7

4
Sendo a taxa de câmbio real a relação entre os preços nacionais e os preços no exterior,
para a medir, é necessário definir rigorosamente o que é o “exterior”. O índice de preços
no exterior deve definir-se como uma média pesada de forma a reflectir o peso de cada
país no comércio internacional da nossa economia.4

Relativamente à escolha do cabaz de bens de referência, são consideradas, normalmente,


duas possibilidades. Podemos calcular a taxa de câmbio real como o rácio entre os preços
das exportações (bens produzidos internamente) e os preços das importações (bens
produzidos no exterior). Este rácio é também designado por termos de troca.

Outra possibilidade é calcular a razão entre os preços dos bens não transaccionáveis e os
preços dos bens transaccionáveis. Esta segunda alternativa foca a análise na economia
nacional, enquanto que os termos de troca se centram no comércio internacional.

Quanto mais elevada é a taxa de câmbio real, mais caros são os bens nacionais, e mais
baratos são os bens no exterior. Assim, uma apreciação da taxa de câmbio real conduz a
um aumento do volume das importações e a uma diminuição do volume das exportações.

Estando as exportações expressas em unidades monetárias nacionais, uma diminuição


(aumento) do volume implica sempre uma diminuição (aumento) do valor das
exportações.

O caso das importações é mais complexo. Um aumento do volume não implica um


aumento do valor das importações, expresso em termos da moeda nacional. Dada uma
apreciação da taxa de câmbio real (diminuição do preço das importações): se a
elasticidade preço da procura de bens importados for superior à unidade (bens de luxo), o
aumento do volume é suficiente para compensar a diminuição do preço, aumentando o

4
A medição da taxa de câmbio nominal envolve a mesma dificuldade.

5
valor das importações; se a elasticidade preço da procura de bens importados for inferior
à unidade (bens de primeira necessidade), o efeito da diminuição do preço predomina,
de modo que o valor das importações diminui.

Normalmente, uma taxa de câmbio real elevada afecta negativamente o saldo da balança
corrente externa. O saldo da balança corrente externa depende também, positivamente, de
o rendimento no exterior, e, negativamente, do rendimento nacional.5

NX = NX a + nx1 ⋅ Y f − nx2 ⋅ Y − u ⋅ e

A taxa de câmbio real de equilíbrio é aquela que faz com que a balança corrente seja tal
que a restrição orçamental da nação se verifica, no longo prazo.

1+ r
NX = NX a + nx1 ⋅ Y f − nx 2 ⋅ Y − u ⋅ e = − ⋅F ⇔
2+r
1+ r
⇔ u ⋅ e = NX a + nx1 ⋅ Y f − nx2 ⋅ Y + ⋅F ⇔
2+r
1  1+ r 
⇔ e = ⋅  NX a + nx1 ⋅ Y f − nx2 ⋅ Y + ⋅F
u  2+r 

Os determinantes da taxa de câmbio real de equilíbrio são, portanto, a posição líquida de


investimento internacional, o rendimento no exterior, o rendimento nacional, e os factores
de natureza estrutural.

Quanto mais competitiva for a economia nos sectores de bens transaccionáveis, maior é a
capacidade de vender nos mercados internacionais e menor é a vulnerabilidade das
empresas nacionais à concorrência internacional. Ou seja, maior é a tendência para
exportar, e menor é a tendência para importar (NXa é mais elevado). Portanto, mais
elevada é a taxa de câmbio real de equilíbrio.
5
A influência dos factores de natureza estrutural, como a estrutura produtiva do país, os recursos naturais, e
as preferências dos consumidores, está incorporada num parâmetro que podemos designar por exportações
líquidas autónomas (NXa).

6
A descoberta de recursos naturais, como o petróleo e o gás natural, aumenta as
exportações e diminui as importações, levando à apreciação da taxa de câmbio de
equilíbrio. Esta apreciação torna os bens nacionais mais caros, e os bens produzidos no
exterior mais baratos, prejudicando a competitividade internacional das empresas
nacionais (doença holandesa).

As alterações da procura a favor de bens e serviços não transaccionáveis, como a saúde e


a educação, implicam o aumento do preço dos bens e serviços não transaccionáveis
relativamente aos transaccionáveis. Ou seja, implicam um aumento da taxa de câmbio
real de equilíbrio. Estas alterações da procura, a favor de serviços não transaccionáveis
como a saúde e a educação, acompanha, normalmente, o desenvolvimento e a melhoria
do nível de vida das nações. Quanto mais ricas são as nações, maior é a taxa de câmbio
real (efeito Balassa-Samuelson).

O facto de os sectores de bens transaccionáveis serem, normalmente, mais produtivos do


que os de bens não transaccionáveis também contribui para o efeito Balassa-Samuelson.
A menor produtividade faz com que os preços dos bens não transaccionáveis sejam
superiores. Portanto, quanto maior for a competitividade internacional, maior é a taxa de
câmbio real.6

6
Recorde que a taxa de juro real pode ser medida como a razão entre os preços de um cabaz de bens não
transaccionáveis e um cabaz de bens transaccionáveis.

7
7.3 Determinação da Taxa de Câmbio Nominal

7.3.1. Determinação da taxa de câmbio nominal no longo prazo

A variação da taxa de câmbio nominal está relacionada com a diferença entre a taxa de
inflação nacional e a taxa de inflação externa.

P ∆e ∆P ∆P f * ∆e'
e= ⋅ e ' ⇒ = − f* +
P f* e P P e'

A taxa de câmbio real de equilíbrio é bastante estável, dado que depende essencialmente
de factores de natureza estrutural. A teoria da paridade dos poderes de compra
pressupõe que os preços dos bens transaccionáveis tendem a igualar-se, no longo prazo.
Segundo a versão absoluta da teoria da paridade dos poderes de compra, a taxa de câmbio
real deveria ser igual a 1. Na versão relativa da teoria da paridade dos poderes de compra,
a taxa de câmbio real mantém-se apenas constante (não sendo necessariamente igual a 1).

Em qualquer das versões, a evolução da taxa de câmbio nominal é igual à diferença entre
a inflação nacional e a inflação externa.

∆e ∆e' ∆P f * ∆P
=0⇒ = f* − =π f*
−π
e e' P P

Utilizando a teoria quantitativa da moeda, e considerando que as taxas de crescimento do


produto natural são iguais na nação e no exterior:

∆e' f
π = m − yN ⇒ =π f*
−π = m f − yN − m + yN = m f − m
e'

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Podemos concluir que países com maiores taxas de crescimento da massa monetária
tendem a ver a sua taxa de câmbio nominal depreciar-se de forma sistemática.

7.3.1. Determinação da taxa de câmbio nominal no curto prazo

No curto prazo, não é razoável assumir que a taxa de câmbio real permanece constante.
Como os preços têm alguma rigidez, a taxa de câmbio real e a taxa de câmbio nominal
tendem a evoluir de forma semelhante. As variações da taxa de câmbio real, no curto
prazo, reflectem as variações da taxa de câmbio nominal.

∆P f * ∆P ∆e ∆e '
f*
= =0⇒ =
P P e e'

Figura: Evolução da taxa de câmbio real e da taxa de câmbio nominal nos EUA.
Fonte: Gordon, R. “Macroeconomics”, 10th ed., Addison-Wesley, 2006.

Os fluxos financeiros internacionais reflectem as diferenças de rentabilidade entre os


activos das diferentes nações. Uma maior rentabilidade dos activos nacionais,
relativamente aos activos internacionais, faz com que entrem meios financeiros no país.

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A rentabilidade de um activo nacional (em termos da moeda nacional) é dada pela taxa de
juro nominal, i. A rentabilidade dos activos internacionais é igual à taxa de juro
internacional, corrigida pela desvalorização da unidade monetária externa.

Se a rentabilidade dos activos nacionais for superior, entram fundos no país. Aumenta a
procura de moeda nacional e ocorre uma apreciação da taxa de câmbio nominal. Se a
rentabilidade dos activos internacionais for superior, então o fluxo financeiro é de saída
do país, o que aumentando a oferta de moeda nacional, e leva à depreciação da taxa de
câmbio nominal.

Os movimentos financeiros conduzem, assim, à igualdade entre as rentabilidades


esperadas dos activos nacionais e internacionais. Estando os mercados cambiais em
equilíbrio:

 ∆e' 
i = i f − E 
 e' 

De acordo com esta expressão, se a taxa de juro na zona euro for de 3%, e a taxa de juro
em vigor nos EUA for de 4%, então é de esperar uma apreciação anual do euro de 1%.
No curto prazo, é de esperar igual apreciação da taxa de câmbio real.

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