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CAIO LUIZ

- ESQUIZOFRENIA MUTARELLICA (19/08/2014)

Mauro Tule recebe uma moeda no metrô. O homem que a entrega diz que o objeto é o
pagamento de uma dívida. A partir de então, o escritor em crise passa a conviver com despertares
Brevíssima sinopse
do romance. de outras consciências dentro de si, enxerga com os olhos de outras pessoas e cospe pensamentos
que reconhece não lhe pertencerem. Porém, não sabe se isso tem a relação com a exótica moeda
cunhada em 411 a.C. ou se é sequela da omelete que comeu.

Fotos: Caio Luiz

Esta é apenas uma sinopse pobre da nova e complexa obra-híbrida do escritor Lourenço
Mutarelli. Há quatro anos sem lançar romances, “O Grifo de Abdera” tem previsão de lançamento
pela Cia. das Letras em novembro de 2014, ano em que o autor completou 50 anos. A definição
Referência ao título
do próprio criador sobre o trabalho é uma “esquizofrenia mutarellica”, pois o livro contém um
da entrevista.
encarte em quadrinhos de 80 páginas e ainda se desdobra em um apêndice; um filme, ainda em
fase de captação.
Características do romance e outros elementos (referidos pelo jornalista como apêndice), no caso, a adaptação
do romance para os cinemas.
Utilizar esta imagem.

O Grifo de Abdera veio nesta moeda que Mutarelli comprou em uma feira de antiguidade

Artista múltiplo: termo O coeficiente é a síntese das frentes mais recorrentes de atuação de quem concebeu a
também utilizado na
entrevista anterior. literatura “O Cheiro do Ralo”, em 2002, ponto de ramificação e consagração como artista
múltiplo, convidado a participar de diversos projetos como roteirista, ilustrador, cenógrafo e
Adotar esse termo, em
vez de artista
multifacetado? dramaturgo. (Algumas de suas atividades)

Parágrafo entrará na O livro é alusão à apropriação de diversas personalidades das quais um compositor de
parte sobre a
performance, que ficções faz para estruturar o que tece. Na verdade, é a segunda autobiografia falsa de Mutarelli
comparo e falo sobre a
metáfora de Xipe Totec
porque o próprio está presente no romance no papel de um dublê de Mauro Tule, escritor que
e do escritor) elege Mutarelli para carnificar um ghost writer. (Obs: A primeira biografira fake está
materializada em “Caixa de Areia”, de 2006.)

Para elucidar minimamente como funciona a cabeça deste escritor psicológico e paulista,
Mutarelli gentilmente recebeu o Ideafixa em seu apartamento e vizinhança, entre Marlboros e
cafés, para uma conversa franca em que abriu um pouco do processo criativo e falou sobre
ocultismo, transes e demônios.

Parte do conteúdo da entrevista. Além do romance O Grifo de Abdera: a


performance, Xipe Totec (provavelmente, pela primeira vez comentado. Em resposta
a pergunta do jornalista, Mutarelli afirma ser esse um dos personagens presentes em
seus Sketbooks)

Somos a IdeaFixa, trabalhamos com curadoria de artes visuais,


conteúdo criativo, eventos, workshops, projetos especiais e
editoriais. Conectamos os melhores profissionais as grandes ideias.
Acreditamos e apoiamos diversos projetos e ações ligadas a
comunidades
Utilizar uma arte
original.

IMPORTANTE:
Contracapa e capa dos quadrinhos encartados no Grifo de Abdera (3 níveis: prosa, quadrinho e a
mistura dessas duas linguagens na
IDEAFIXA: Por que embrenhar-se em tantas camadas com “O Grifo...”? terceitra parte do livro - como
abordado no TCC)

MUTARELLI: A existência em três níveis da obra tem origem no pedido do diretor


Novos elementos
revelados: dessa vez Fernando Sanches, ávido por alguma ideia minha que fosse filmável, e na manifestação do meu
um dos que deram
origem ao romance e perfil fake no facebook. A vida de alguém que me simulava na rede social, e inclusive respondia
dos projetos em
transformar o livro em
por mim, me fez questionar algo que sempre notei ao dar entrevistas. Me incomodo quando me
filme. vejo ou me leio em matérias porque digo o que penso naquele momento, mas detesto ficar preso
àquilo que se eterniza nos textos e imagens. Pois mudo de opinião e acho isto saudável. Então
pensei quem é o real Mutarelli?
Esta é a jaula em que Mutarelli escreve suas histórias

IDEAFIXA: Quem é o real Mutarelli?

MUTARELLI: O verdadeiro Mutarelli é um instrumento do trabalho que produz. Sou


um canal que traz à tona material como se eu fosse uma grande caneta. Bebo de uma frequência Somos muitos

Processo criativo. imaterial distorcida que são as impressões da minha infância. Geralmente começo com algo
pequeno que vai tomando forma, geralmente em indivíduos solitários, pesquiso as profissões que
possuem e os coloco no que sempre me fascinou no ser humano; o lado sombrio.

IDEAFIXA: Como as mídias se relacionam na obra?

MUTARELLI: Na trama do livro há um professor de educação física que desenvolve


um zine, no caso os quadrinhos inseridos no livro, dos quais busquei referências em pornôs
Processo criativo:
italianos, franceses e alemães dos anos 1970 e 1980 para os cenários e situações sem exibir o
acrescenta novas
informações. sexo. Já o filme ainda é muito seminal.
Interior da jaula

IDEAFIXA: A subdivisão do escritor reflete como você se sente ao criar?

MUTARELLI: Não acredito no que leio nos livros acadêmicos. Eles refletem opiniões
Comentado na palestra.
Escrevi sobre isso? e vontades de quem os redigiu. Cresci no regime militar onde tudo era inquestionável na escola.
O método que encontrei para ir a fundo em algo é escrevendo. Nos livros não se encontra
respostas, nem na vida, mas com a escrita acalmo minhas dúvidas. Ao me dividir, amplio o que Somos muitos

investigo. Fala interessante.

IDEAFIXA: Por isso as investidas em tantas áreas?

MUTARELLI: Sou em essência escritor, mas preciso me jogar para não me acomodar e
porque sou experimental. Estou perdido e indo para um lugar que desconheço. Há um bando de
cordeiros por aí reproduzindo referências ao seguir o rebanho. Sou praticamente um punk de
moicano invertido com meu “do it yourself”. Não entendo como alguém faz a mesma coisa por
30 anos, seguindo fórmulas.
Escrivaninha da jaula

IDEAFIXA: Há um caráter purgatório na sua obra?

MUTARELLI: Escrever me melhora como pessoa. Não contamino tanto minha vida
com meus fantasmas. Espremo furúnculos da alma assim. É preciso negociar e acalmar seus
demônios e não exorcizá-los. Não consegui me enquadrar no sistema tradicional, mas converto o
que faço e como sou em trabalho e é como pago as contas.
Detalhes em amarelo
nas artes originais (e
também no poster).
Como Utilizá-los?

Páginas do trabalho inédito de Mutarelli com Aleister Crowley de chapéu de pirâmide

IDEAFIXA: Qual o procedimento para extrair estes furúnculos?

MUTARELLI: O banco, o celular e o trabalho te colocam em transes corriqueiros que


abarcam a vida de todos em certa medida. E é muito difícil se desligar dessa realidade para entrar
em outros transes. Costumo usar música minimalista antes de escrever para me colocar em outra
sintonia e especular, ou seja, captar um duplo meu ou um inverso de mim para criar. É preciso
conciliar-se com diversos deuses para tanto e o monoteísmo prega o contrário.

Escrevi algo semelhante na descrição da


performance.
Utilizar a figura da
escultura de Xipe
Totec.

Xipe Totec em livro de pesquisa do escritor

IDEAFIXA: A impressão que tinha de você era bastante cética.

MUTARELLI: Fui criado em escola de padres, mas com avô ateu. Costumo brincar ao
dizer que estou fundando uma igreja de um homem só. Recentemente tive duas experiências
místicas que me afastaram do ceticismo. A primeira foi em 2008, no Museu de Arte Pré- (História também
Colombiana, no Chile. Estava desenhando o deus Xipe Totec porque as fotografias não eram contada durante a
palestra)
permitidas no local. No meio da ilustração tive uma enxaqueca e a visualizei em padrões pré-
colombianos. Sempre tive dores de cabeça aguda, mas desde então só as tenho com as mandalas.
A outra foi ao fazer a preparação de atores para a adaptação de “Natimorto” para o cinema. Ao
fazer os exercícios vendados senti forte presença imaterial ao meu lado.
Mais do material inédito de Mutarelli

IDEAFIXA: Há culturas que associam a capacidade de criar aos demônios.

MUTARELLI: Sim, mas não àquela visão maniqueísta católica do que seria o diabo.
Isto é algo corrompido. Há muito tempo pesquisei ocultismo e demonologia, queria catalogar os
diversos nomes de demônios que existem porque é muito difícil encontra isso por aí. Sempre tive
O Livro IV
curiosidade por religiões, tanto que meu próximo livro será uma espécie de teoria mística religiosa
sobre o bem e o mal. Este deus pré-colombiano que mencionei é Xipe Totec, uma entidade
criadora associada à morte. Na lenda, ele vem à terra e usa o corpo de um homem morto menor
que ele como roupa. O intuito é se disfarçar, mas a “fantasia” fica toda esticada. Esta é uma das
minhas referências presentes na obra.

Destacar: importante.

Em Somos muitos, também.


Também utilizar.

Representação de Xipe Totec pelas mãos do ilustrador

IDEAFIXA: É aquele demoninho que aparece nos sketchbooks de 2012? (caramba!)

MUTARELLI: Sim, mas os sketchbooks são uma compilação de processo criativo.


Foram feitos sob efeito de remédios tarja preta com uísque. Tomei antidepressivos por 28 anos.
Era dependente de Lorax, um calmante vendido só sobre prescrição médica. Levei dois anos para
me livrar do remédio e cheguei a transformá-lo em personagem. Vez e outra ainda vou ao
psiquiatra, mas hoje em dia só me trato com fitoterápicos. O fato é que às 18h tenho que estar
balão depois de tantos anos tomando medicações. Meu cérebro precisa de uma lombra e uso
cereais que poderiam ser consumidos de manhã, mas os prefiro no uísque. Terminei “O Grifo...”
alcoolizado durante a noite, mas porque estava muito envolvido, mas geralmente trabalho de
manhã, sóbrio e sem ouvir música.

Fonte: http://cargocollective.com/caioluiz/filter/Death/Entrevistas

Em: 20/02/2019

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