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A cozinha do imigrante espanhol galego e andaluz em São Paulo: habitus – memória – identidade

Dolores Martín Rodríguez Corner

131 - os hábitos e costumes, que se reflete no cotidiano. Pode-se dizer que ele é um conhecimento adquirido
e também um capital, um patrimônio, algo que foi incorporado que impele a ação, segundo cada concepção
familiar e cultural. Modernamente pode-se associá-lo a um “chip” que transmite empiricamente às pessoas,
reproduzido pela memória.

131 - O hábitustorna-se então, a segunda natureza ou o saber social incorporado, sem a conotação de caráter
nacional como algo fixo e estático. Podese estabelecer uma ligação entre a formação do Estado e outros
processos de desenvolvimento no nível macro, e mudanças no habitus dos indivíduos no nível micro.
Também é um indicador da identidade cultural, não estando fora do indivíduo, mas em cada um, sendo uma
construção individual e coletiva de um grupo social. Este termo exprime melhor que a palavra “hábito” as
conotações culturais aprendidas e representativas de um grupo.

131 - No diálogo estabelecido entre a História Cultural e as diversas áreas de estudos como a Antropologia,
a Sociologia, a Filosofia e outras, a questão da 1 A noção de habitus foi uma das categorias incorporadas por
Chartier da obra de Pierre Bourdieu e de Norbert Elias, que facilita a compreensão da aquisição dos hábitos
em uma cultura. Migrações Ibero-Americanas. As Migrações Espanha – Brasil 126 alimentação pode ser
mais facilmente compreensível como representação e como símbolo, principalmente em se tratando de
imigração.

131 - Como um ato cultural, a comida não só é um alimento destinado à sobrevivência do homem, mas
impregnada de escolhas, de produtos abundantes em sua origem, ela passa a ser cultura, passa a ser símbolo
e memória de um grupo social imigrante ou não. Com significados definidos e explicitados nos costumes e
também na apresentação dos pratos. A análise atenta aos símbolos e linguagens transmitidos através da
alimentação, permite compreender os valores nela implícitos.

131 - Por ser a alimentação um hábito torna-se difícil em abandonar,mesmo porque tem raízes profundas nos
costumes e nas tradições. “São os hábitos (os alimentares) mais persistentes no processo de aculturação dos
imigrantes”.2 Mesmo vivendo em outro contexto, distante de seu ambiente de origem, o homem buscará
alimentar-se de maneira similar, a que fazia anteriormente, sendo o último hábito que ele abandona.

131 - A cozinha faz parte do imaginário das pessoas, e sendo uma construção simbólica é também uma
herança cultural, passada empiricamente pela mãe, torna-se uma cozinha de memória. A comida caseira, a
familiaridade com o alimento, traz ao homem uma sensação de prazer e aconchego. Aparece como uma
herança genética e cultural, uma comunicação, uma representação na qual “seus símbolos são os
instrumentos por excelência da integração social enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação
social.”3

131 - A cozinha não é estática, mas dinâmica, pois ela se transforma lentamente, a medida que, se vão
incluindo novos ingredientes, bem como abandonando outros. Também, pode-se dizer que a cozinha
identifica, rememora e envolve o sentimento de pertença, “a comida alimenta também o coração, a mente e a
alma.”5 Principalmente quando compartilhada nos hábitos e preferências de um grupo social.
133 - As trajetórias de imigrantes espanhóis do pós guerra civil, que se fixaram em São Paulo, permanecem em suas memórias e estão muito presentes em seus
relatos. A emigração surgiu como uma saída à proposta de deslocar-se para o Brasil, um país que oferecia atrativos, e necessitava naquele momento de mão de
obra qualificada, a fim de suprir a procura das indústrias que surgiam especialmente na cidade de São Paulo. Embora os destinos preferidos dos espanhóis
fossem os países de língua hispânica como México, Cuba e Argentina, a proposta brasileira incluia emigração subsidiada, em alguns casos, além da oferta de
trabalho imediato, o grande diferencial que os fez optar.

139 - Quando uma pessoa emigra ou mesmo migra, ela passa a não encontrar os ingredientes tão familiares
para preparar seu alimento. Há um processo de estranhamento e algumas mudanças são seguidas, seja pela
falta de um ingrediente ou pela mudança de quem passa a elaborar a comida.

139 - Os imigrantes enquanto pessoas fronteiriçase híbridas, pela mescla de sua cultura com as culturas
encontradas no país de acolhida com as quais se relaciona e interagem, terminam por adotar em suas
praticas, costumes também híbridos mesclados em relação aos seus. Existindo este fator da inconclusividade
dos costumes alimentares, negociados no caso de imigração, eles manterão características híbridas, por
estarem em constante transformação.

139 - O imigrante manterá sempre a dupla pertença, “podendo afirmar-se por via de traços simbólicos
exteriormente expressos ou, simplesmente por uma teia de ligações afetivas à cultura e à terra dos seus
ascendentes, e serão em qualquer dos casos, identidades recriadas.”11 As adaptações e substituições
realizadas com respeito a alimentação fazem surgir então, uma nova cozinha. Entre as diversas
manifestações culturais de quem emigra, a cozinha de maneira especial é reveladora de traços que vêm de
outras épocas, permeada que se encontra pela história e geografia do lugar acrescida agora, da cozinha local
com a qual interage.

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