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AUTORIA E PLÁGIO

EM DEBATE

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ANANIAS AGOSTINHO DA SILVA
(Organizador)

AUTORIA E PLÁGIO

EM DEBATE

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Copyright © Autoras e autores
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos
autores.

Ananias Agostinho da Silva [Organizador]

Autoria e plágio em debate. São Carlos: Pedro & João Editores, 2020. 137p.

ISBN 978-65-86101-95-9 [Impresso]


978-65-87645-03-2 [Digital]

1. Estudos de Linguagem. 2. Autoria e plágio. 3. Cola na escola. 4. Autores. I.


Título.

CDD – 410

Capa: Colorbrand Design


Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito

Conselho Científico da Pedro & João Editores:


Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/ Brasil); Hélio
Márcio Pajeú (UFPE/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da
Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil); Ana
Cláudia Bortolozzi Maia (UNESP/Bauru/Brasil); Mariangela Lima de Almeida
(UFES/Brasil); José Kuiava (UNIOESTE/Brasil); Marisol Barenco de Melo
(UFF/Brasil); Camila Caracelli Scherma (UFFS/Brasil);

Pedro & João Editores


www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 - São Carlos – SP
2020

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SUMÁRIO

Apresentação 7
Ananias Agostinho da Silva

01. Indícios de autoria na argumentação de alunos 11


concluintes do ensino médio: análise de textos e notas
sobre a formação de professores de língua portuguesa
Ananias Agostinho da Silva

02. As feiras de ciências na Educação Básica e o problema 27


do plágio: o papel do professor na orientação das
pesquisas
Alison Sullivan de Sousa Alves
Danilo Augusto de Menezes
Rubens Oliveira Dantas

03. Percepções sobre autoria e plágio acadêmico dos 45


discentes do curso de licenciatura em Matemática em
uma instituição superior
Andréa Morais de Menezes
Augusto Cesar Tavares da silva
Rubson Gomes Martins Ramos
Marcelo Bezerra de Morais
Márcia Maria Alves de Assis

04. “Ctrl c” + “ctrl v”: o que pensam os discentes do 57


ensino profissionalizante acerca do plágio
Dulcilene Leite de Amorim Moraes
Risalva Ferreira Nunes de Medeiros
Maria Isabel Fernandes Costa
Silene Oliveira de Souza Patrício
Paulo Augusto Tamanini

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05. Marcas de autoria no gênero documentário: proposta 73
para o ensino de língua portuguesa
Valdenízia da Conceição Bezerra
Vicente de Lima-Neto

06. Plágio e autoria na literatura de cordel: um olhar 91


sobre a obra do poeta Leandro Gomes de Barros
José Renato Pereira Brasil
Maria Luiza Soares Lopes
Marielly Pereira Alves de Sousa

07. O plágio na pós graduação: percepções de discentes 107


em uma disciplina do POSENSINO
Sabrina da Silva Neves
Maria das Dores Messias de Sousa
Francisco Vieira da Silva
Marcelo Nunes Coelho

08. Quem não cola não sai da escola...: o plágio na 121


concepção dos alunos do 8º ano do Ensino Fundamental
Alysson Leonez de Araújo
Aristeu Antônio Oliveira de Carvalho
Jaelyca Caroline Ferreira de Souza
Lindjanne Mannuelle Maria da Conceição Araújo de Melo
Josélia Carvalho de Araújo

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APRESENTAÇÃO

Era fevereiro de 2019 quando começamos uma disciplina


chamada de Tópicos Especiais I – Escrita acadêmica: gêneros, autoria e
normatização no curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação
em Ensino (POSENSINO) – resultante de uma associação ampla
entre três instituições de ensino superior do Rio Grande do Norte,
a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), a
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e o Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte
(IFRN). A intenção da disciplina era tratar sobre conceitos de
autoria a partir de algumas abordagens e autores e relacionar a
discussão com a noção de plágio, focalizando, principalmente, a
sua dimensão danosa, além de discutir sobre aspectos relativos à
configuração da escrita de textos acadêmicos.
Num primeiro momento, os alunos ficaram muito engajados
com a discussão, porque, como se sabe, na universidade, ninguém
quer cometer plágio e todos querem demarcar a autoria em seus
textos. Mas o encantamento foi abalado pela seriedade do tema:
“desse jeito, é impossível escrever!”, “ninguém é autor, se for
assim”, “se não sou o autor dos meus textos, quem é, então?”,
“posso cometer autoplágio?”, “mas o texto é meu, eu que escrevi,
professor, isso é impossível!”. Essas dúvidas ou reclamações, até,
surgiram de maneira emblemática quando começamos a dialogar
com Bakhtin, Foucault e Barthes. Mas se a leitura desses autores
suscitou incertezas (são eles, pois, autores?), por outro lado, a
confluência das discussões despontou a importância relevada que
recobria o tema em discussão, sobretudo para a universidade.
Como resultado, portanto, dessas discussões travadas na arena
de sala de aula, diversos trabalhos foram desenvolvidos a fim de
analisar e compreender questões esses fenômenos da autoria e do
plágio. Textos de diversas modalidades e produzidos em

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circunstâncias variadas foram objetos de análises. A compilação
desses trabalhos encontra-se neste breve livro, que apresenta oito
capítulos escritos pelos participantes daquela disciplina,
mobilizados por um espírito de engajamento, de dúvida, de
incerteza e de curiosidade. São capítulos que, a partir de variadas
perspectivas teóricas, refletem sobre os desdobramentos de certas
práticas de escrita na sociedade, visando entender as nuances da
autoria e os conflitos com a questão do plágio. Por isso, o título:
Autoria e plágio em debate.
No primeiro capítulo, Ananias Agostinho da Silva reflete sobre
a autoria em textos argumentativos produzidos por alunos
concluintes do Ensino Médio de uma escola pública do Rio Grande
do Norte. Para tanto, o autor analisa os indícios de autoria que
afloram da argumentação construída pelos alunos e comentários de
correção de professores de língua portuguesa sobre os textos os
quais realizou a análise. A ideia do autor é observar como
professores avaliam o critério de autoria nos textos produzidos
pelos alunos em fase de conclusão do Ensino Médio.
No segundo capítulo, Alison Sullivan de Sousa Alves, Danilo
Augusto de Menezes e Rubens Oliveira Dantas refletem sobre o
problema do plágio nas feiras de ciências realizadas em escolas da
Educação Básica, com destaque para o papel do professor na
orientação das pesquisas. Os autores concluem que há, nesse
espaço, de fato, uma preocupação por parte dos professores em
torno da questão do plágio, os quais têm buscado coibir tais
práticas no processo de produção das pesquisas de seus alunos. A
instrução, neste caso, se mostra como prática eficaz no tratamento
da questão, seja para evitar práticas danosas ou mesmo contribuir
com o ensino e a aprendizagem num movimento de (re)construção
do saber.
Em continuidade, o terceiro capítulo destaca as percepções de
discentes de um curso de licenciatura em matemática sobre a
autoria e o plágio. Andréa Morais de Menezes, Augusto Cesar
Tavares da silva, Rubson Gomes Martins Ramos, Marcelo Bezerra
de Morais e Márcia Maria Alves de Assis buscam responder como

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se dá o tratamento das questões de autoria e plágio na
universidade, sobretudo num curso de ciências exatas. Como
resultado deste trabalho, os autores pretendem alertar graduandos
em fase de produção de trabalho de conclusão do curso da enorme
necessidade de respeitar tanto às regras associadas ao fazer
científico, assim como também da importância de atentar-se para
perceber pontos relevantes do conhecimento humano como, por
exemplo, a ética.
O quarto capítulo, de autoria de Dulcilene Leite de Amorim
Morais, Risalva Ferreira Nunes de Medeiros, Maria Isabel
Fernandes Costa, Silene Oliveira de Souza Patrício e Paulo Augusto
Tamanini, tem como foco a análise do conhecimento, do
entendimento e de atitudes realizadas por discentes da Educação
Profissionalizante sobre o tema plágio. Esse trabalho destaca-se por
tratar de uma modalidade de ensino focalizada muito mais no
aspecto técnico do que na formação humanística, mas ambas são
atravessadas pela ética como elemento condutor de uma formação
integral do ser humano, e, por isso, a necessidade de se evidenciar
e fortalecer ações direcionadas para essa temática em diversos
públicos escolares.
No quinto capítulo, Valdenízia da Conceição Bezerra e Vicente
de Lima-Neto discutem sobre a relevância do trabalho com
propostas de produção de documentários no Ensino Fundamental.
Os autores destacam o caráter complexo do trabalho com esse
gênero audiovisual e a sua potencialidade para o trabalho com
recursos tecnológicos e também linguísticos. Por isso, observam,
também, como a questão da autoria pode ser trabalhada em
propostas com esse gênero, tendo em vista que a produção desse
gênero exige critérios como originalidade. É interessante notar que
a autoria não compreende uma necessidade exclusiva dos textos
escritos na escola em gêneros canônicos, como a redação, por
exemplo, mas deve ser constitutiva de todo gênero.
Da tela para as cordas: o sexto capítulo problematiza acerca do
plágio e a autoria na literatura de cordel, especialmente na obra do
poeta Leandro Gomes de Barros. José Renato Pereira Brasil, Maria

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Luiza Soares Lopes e Marielly Pereira Alves de Sousa focam a
relevância da obra de Leandro Gomes de Barros como um ícone da
literatura de cordel da sua época, sendo o cordelista que mais
produziu e publicou folhetos e, por isso, as controvérsias
envolvendo seu nome e a autoria de seus folhetos. Ao final, os
autores mencionam que a problemática atravessa a obra do autor
de várias formas, seja porque há inspiração em folhetos europeus
ou porque sofreu plágio inúmeras vezes, sendo algumas de suas
obras até hoje registradas e atribuídas a outros autores.
O sétimo capítulo possui um caráter avaliativo. Ele trata sobre
o plágio a partir das percepções dos alunos cursistas da disciplina
ofertada no curso de mestrado citado no início desta introdução.
Sabrina da Silva Neves, Maria das Dores Messias de Sousa,
Francisco Vieira da Silva e Marcelo Nunes Coelho observam como
a disciplina influenciou na formação dos cursistas, atentando para
possíveis nas concepções depois dos contatos com a disciplina no
decorrer do semestre letivo.
Finalmente, no último capítulo do livro, Alysson Leonez de
Araújo, Aristeu Antônio Oliveira de Carvalho, Jaelyca Caroline
Ferreira de Souza, Lindjanne Mannuelle Maria da Conceição
Araújo de Melo e Josélia Carvalho de Araújo analisam o plágio na
concepção de alunos do 8º ano escolar do Ensino Fundamental. Os
autores refletem acerca das origens da “cultura do plágio” no
Ensino Fundamental, frequentemente naturalizadas na prática da
“cola” em avaliações e trabalhos escolares. Assim, trata-se de uma
importante reflexão que pode apresentar contribuições
significativas para a prática de atividades de pesquisa e, com efeito,
de produção de textos na escola.
Por tudo isso, convidamos para a leitura deste livro.

Ananias Agostinho da Silva


Angicos, RN
Junho de 2020

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Indícios de autoria na argumentação de alunos concluintes do
ensino médio: análise de textos e notas sobre a formação de
professores de língua portuguesa

Ananias Agostinho da Silva

“A mancha de sangue na roupa do mordomo pode ser de


um frango recém-abatido, mesmo que na mansão haja um
cozinheiro” (POSSENTI, 2002).

Introdução

Decididamente, falar sobre autoria no contexto escolar não é


uma tarefa fácil. Seja porque bastante abstrata ou porque pouco
objetiva, a noção de autoria apresenta-se para professores de língua
portuguesa como uma ideia complexa, de difícil compreensão
teórica e prática. A referência principal a que se recorre,
geralmente, de quando da necessidade de entender a noção, é o
filósofo Michel Foucault (1969), em seu clássico texto O que é um
autor? No entanto, sua definição de autor reserva-se àqueles que
têm uma obra (autores de grandes clássicos, como Machado de
Assis) ou àqueles que fundam discursividades (Sigmund Freud e
Jacques Lacan, por exemplo). Não se aplica, pois, esta definição ao
aluno concluinte do ensino médio, porque nem tem uma obra nem
fundou uma discursividade. Os professores de língua portuguesa
continuam, portanto, no mesmo impasse.
Com a realização do Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM), proposto pelo Ministério da Educação, a discussão sobre
a autoria no contexto escolar acentuou-se em função de um dos
critérios de correção da prova de redação. Dentre outras
competências, para que o aluno apresente um rendimento
excelente no texto da redação, deve apresentar informações, fatos e
opiniões relacionados ao tema proposto, de forma consistente e

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organizada, configurando autoria, em defesa de um ponto de vista.
Especialmente a partir de então, a autoria passou a ser vista como
uma exigência necessária ao texto do aluno concluinte do Ensino
Médio. Ao professor de língua portuguesa, isso trouxe pelo menos
duas preocupações: como ensinar ao aluno a produzir um texto
autoral e como ponderar quando um texto tem ou não autoria.
O linguista brasileiro Sírio Possenti tem, há algum tempo,
refletido sobre essas questões. Afastando-se, em parte, da noção
proposta por Foucault (1969), Possenti (2002) sustenta a tese de que
textos escolares podem revelar traços de autoria e o faz a partir da
análise de textos concretos e empíricos. Esses traços ou marcas são
denominados pelo linguista de indícios de autoria. Para ele, a autoria
é um efeito simultâneo de um jogo estilístico e de uma posição
enunciativa e, portanto, tem a ver com o modo como são
agenciados diversos recursos da língua a partir de certos
condicionamentos histórico-discursivos. Conforme Cavalcanti
(2014), o modo como Possenti (2002) tem entendido a autoria
parece ser o caminho mais acertado e apropriado para se
compreender como estudantes inscrevem uma posição autoral em
seus textos.
Assim sendo, neste capítulo, partimos, basicamente, dos
trabalhos de Possenti (2002, 2009, 2013) para refletirmos sobre a
autoria em textos argumentativos produzidos por alunos
concluintes do ensino médio de uma escola pública potiguar. Num
primeiro momento, tomamos os textos dos alunos para
analisarmos indícios de autoria que afloram da argumentação
construída, levando em consideração os traços apontados por
Possenti (2002) e outros inferidos dos próprios textos. Em
continuidade, analisamos comentários de correção de professores
de língua portuguesa sobre os textos os quais nos debruçamos,
tendo em vista a questão da autoria. Assim, num segundo
momento, observamos como professores avaliam o critério de
autoria em textos produzidos por alunos concluintes do Ensino
Médio.

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Indícios de autoria

Como assinalado antes na introdução deste artigo, seguimos


aqui a orientação de Possenti (2002, 2009, 2013) para o trabalho com
a autoria no contexto escolar. De acordo com ele, o sujeito é capaz
de expor suas particularidades no discurso, o que faz com o texto
seja muito mais que um conjunto de frases conectadas por regras
ou elementos gramaticais. Assinala esse aspecto porque entende
que a autoria está relacionada ao estilo, ou seja, à manifestação de
algum tipo de singularidade do sujeito, à atitude de alguém
conseguir inscrever em um texto sua singularidade a partir de
marcas que denotem um ponto de vista (POSSENTI, 2009). Na
perspectiva do linguista, portanto, a autoria está onde aparece o
sujeito ou onde ele se deixa aparecer.
Essas marcas são denominadas por Possenti (2002) de indícios
de autoria. Esses indícios “são da ordem do discurso, não do texto
ou da gramática” e compreendem fundamentalmente algumas
atitudes: “dar voz a outros enunciadores, manter distância em
relação ao próprio texto, evitar a mesmice” (p. 110). Além desses
indícios, o linguista acrescenta outros dois: a aposta que o autor faz
no conhecimento do leitor (POSSENTI, 2002) e o controle de texto
(POSSENTI, 2009). Os indícios apontados pelo linguista têm a ver,
pois, com os arranjos que faz o estudante para apresentar,
organizar e defender o ponto de vista que orienta o seu projeto de
texto.
O primeiro indício de autoria diz respeito à capacidade do
autor de apreender, em seu texto, diferentes pontos de vista, além do
dele, atribuindo-os a outros enunciadores. Esses pontos de vista
podem estar orientados para a mesma direção do ponto de vista
que guia o projeto argumentativo do texto do autor ou podem
seguir direção contrária. O indício de autoria incide justamente no
modo como o autor consegue gerenciar essas vozes ou esses pontos
de vista na textura de seu texto. Um dos recursos disponíveis para
mencionar outros discursos, segundo Possenti (2002), é fazê-lo
através de um léxico que implique uma avaliação do autor, que

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pode ser mais explícita ou ser efetuada de forma mais neutra. Os
verbos dicendi compreendem, nesse caso, um exemplo prototípico
desses recursos que possibilitam a avaliação do discurso do outro
(como ponderou, comentou, avaliou).
É também em relação ao discurso do outro que incide o indício
de manter a distância. Um autor se constitui enquanto tal por marcar
sua posição em relação ao que diz e em relação aos seus
interlocutores (POSSENTI, 2002). “Trata-se, a rigor, de uma
exigência do próprio discurso, decorrente do fato de que o sujeito
sempre enuncia de uma posição” (p. 114). Esse indício fica
nitidamente evidente nos casos de metaenunciações, quando se
retorna ao que foi dito para explicar, corrigir, esclarecer. Não
obstante, em tantos outros casos, na textura do texto, o autor pode
manter a distância ou mesmo assumir a responsabilidade sobre o
que está sendo dito, o que implica sempre uma tomada de posição.
O terceiro princípio apontado por Possenti (2002) tem estreita
relação com os dois antes apresentados. Trata-se de evitar a mesmice
no momento de dar voz aos outros – “uma questão de como dar
voz aos outros” (p. 117). A regra de evitar a mesmice sugere a
variação no emprego das formas de introdução do discurso do
outro na tessitura do texto, evitando, portanto, a repetição do
emprego quase sempre enfadonho de verbos prototipicamente
dicendi, como o relativamente neutro “dizer”, o que se configura
como indício de autoria. No entanto, como alerta o próprio
linguista, não se trata de variar por variar, como se se devesse
confeccionar uma lista de verbos dicendi para evitar o emprego de
um mesmo verbo mais de uma vez em cada texto. A variação só é
interessante quando obedece a tomadas de posição.
Para assumir uma dada posição em um texto, o autor carece de
levar em conta seu leitor. Nos termos de Possenti (2002), ele precisa
fazer uma aposta no conhecimento do leitor, um apelo a “memória
mínima” que seu interlocutor possui sobre determinado assunto ou
sobre certo discurso a ser retomado no texto. Isso porque certos
pontos de vista defendidos no texto só poderão, de fato, serem
compreendidos se o leitor compartilhar ou estiver engajado em

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uma dada cultura ou formação discursiva. Decorre dessa estratégia
o princípio já bastante aceito no âmbito de uma Linguística Textual
de que todo texto é produzido visando alcançar um leitor com
traços muito específicos. E é por causa disto que esse leitor, num
processo dialógico-dialético, tem papel decisivo na produção do
texto.
Ora, portanto, saber dialogar com vozes e pontos de vista
outros, bem como assumir uma posição em relação a esses pontos
de vista, presumindo, inclusive, o possível leitor do texto são
indícios que podem configurar autoria em um texto. Mas além
destes três, Possenti (2009) ainda acrescenta outro indício de
autoria, o de controle de texto. De acordo com ele, o controle de texto
diz respeito à capacidade do autor conseguir por em cena pontos
de vista contraditórios e controlar as diversas vozes “sem ‘se
perder’”, ou seja, dar voz a mais de um discurso no texto sem
perder o controle das ações. O controle de texto é, pois, também,
um indício necessário à assunção da autoria – mesmo que mais
tímido que os demais, como assinala o próprio Possenti (2009).
Todos esses indícios, essencialmente de caráter estilístico e
discursivo, podem configurar a autoria em um texto, que, na
perspectiva aqui defendida, está diretamente relacionada às
marcas pessoais (à subjetividade) do sujeito que está por trás desse
texto. Avaliar um texto de estudante de ensino médio quanto ao
critério de autoria, como acontece, por exemplo, na redação do
ENEM, é buscar encontrar os indícios que assinalam a marca
pessoal desse estudante, ou seja, é atentar para o modo como são
agenciados certos recursos linguísticos utilizados pelo estudante
para apresentar e organizar o seu ponto de vista em relação ao tema
tratado no texto.
Convém esclarecer, no entanto, que apesar desses indícios
assinalarem uma marca pessoal, subjetiva do estudante, não devem
ser entendidos como “um saber pessoal posto a funcionar segundo
um critério de gosto”. Avaliza o linguista que, “simultaneamente,
o apelo a tais recursos só produz efeitos de autoria quando
agenciados a partir de condicionamentos históricos, pois só então

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fazem sentido” (POSSENTI, 2002, p. 121). Noutros termos, esses
recursos só produzem sentido e instauram uma autoria porque
inscrevem um dado texto em certa formação discursiva, em
domínios de uma memória discursiva (POSSENTI, 2009). Por causa
disto, a perspectiva de autoria aqui defendida é discursiva.

Os textos dos alunos

Assumimos aqui, a partir da tese de Possenti (2002), que os


textos produzidos por estudantes podem apresentar indícios ou
marcas específicas que configuram a autoria. Entretanto, nem todo
aluno que escreve pode ser considerado como autor – mesmo que,
inclusive, escreva bons textos. É o próprio Possenti (2013) quem
esclarece que alunos que escrevem boas redações são, geralmente,
bons alunos, mas não, necessariamente, autores. De acordo com ele,
“alunos que escrevem textos com indícios de autoria
frequentemente os escrevem à margem das atividades escolares e
estabelecem, com professores ou outras pessoas, mesmo na escola,
algum tipo de vínculo extraoficial” (POSSENTI, 2013, p. 243).
Provavelmente, isso decorre do fato de a escola priorizar o ensino
de textos a partir de formas fixas, como acontece no trabalho com a
redação escolar, por exemplo, como se o aluno não pudesse
imprimir ao texto sua criatividade. Some-se a isto, ainda, o fato de
o ensino de produção textual ser guiado, essencialmente, na escola,
por um conjunto de proibições do que se pode ou não fazer em um
texto.
Assim, de fato, o mero domínio “dos modos de se fazer” um
texto não é garantia de autoria (POSSENTI, 2013). Dizendo de outro
modo, não basta apenas que um texto satisfaça exigências de ordem
gramatical ou mesmo que não apresente nenhum problema de
ortografia para configurar autoria. Antes, é preciso que apresente,
dentre outros, aqueles indícios de que tratamos na seção anterior
deste trabalho. Por isso, a partir de agora, buscamos analisar
redações produzidas por estudantes concluintes de ensino médio
de uma escola pública potiguar atentando para os indícios de

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autoria que afloram da argumentação construída nos textos.
Dispensamos, portanto, o interesse por aspectos relacionados a
equívocos ou a inadequações de ordem gramatical e ortográfica, já
que os indícios que configuram autoria são de ordem estilística e
discursiva.
As redações aqui analisadas foram produzidas pelos alunos
em sala de aula a partir de uma proposta elaborada pelo sítio
eletrônico Descomplica, cujo objetivo é ajudar estudantes brasileiros
com conteúdos do ensino médio e prova de redação na preparação
para o ENEM e outros vestibulares. A proposta solicitava que os
alunos, a partir da leitura de três textos motivadores (dois verbais,
fragmentos de reportagens do jornal O globo, e um gráfico, da
associação brasileira de agentes digitais), redigissem um texto
dissertativo-argumentativo em norma padrão da língua
portuguesa sobre o tema Geração smartphone: os efeitos dessa
tecnologia no cotidiano do jovem brasileiro, apresentando proposta de
intervenção que respeite os direitos humanos. A seguir,
apresentamos alguns fragmentos recortados das redações
coletadas para a produção deste artigo, buscando encontrar neles
indícios de autoria.

Fragmento 01:
O cotidiano dos jovens com o surgimento do smartphone teve uma mudança
bastante significativa, tendo em vista que suas ações se tornaram
sistematizadas e cada vez mais presas ao aparelho. Embates surgiram
fazendo reflexão sobre a positividade ou negatividade desses meios no
desenvolvimento educacional e vivência diária da juventude. Nas escolas,
principalmente, é bastante discutido a permissão dos alunos em utilizarem
o smartphone, na maioria das vezes sendo negados com o argumento da
defasagem no ensino aprendizagem, por serem motivos de distração no
momento da aula. (Redação 01).

Fragmento 02:
Durante muito tempo, acreditou-se que o homem tinha total controle sobre
as tecnologias inventadas por ele. Atualmente, observamos que o uso de
aparelhos como celulares por jovens está sendo realizado de forma cada vez

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mais intensa, o que nos leva a ter uma análise mais cuidadosa sobre seus
efeitos. (Redação 02).

Fragmento 03:
Vivemos hoje cercados de uma parafernália eletrônica. Pensar a existência
sem aparelhos de telefonia móvel é quase impossível. As pessoas precisam
estar conectadas a todo tempo, como se o aparelho fosse, de fato, algo
essencial à sua existência. Nos últimos anos, pesquisas tem demonstrado que
o uso desses aparelhos por jovens tem se tornado ainda mais intenso, de
modo que já se pode falar de uma juventude conectada. (Redação 03).

A leitura dos fragmentos acima apresentados nos permite


realizar algumas considerações a respeito da questão da autoria.
Na primeira redação, podemos observar que o estudante consegue
elencar pontos de vista diferentes, isto é, dar vozes a outros
enunciadores, mesmo sem recorrer às estratégias de citação de
discurso do outro. De início, o estudante apresenta uma tese, a de
que o cotidiano dos jovens foi afetado com o surgimento dos
aparelhos smartphones. É esta tese que norteia todo seu projeto de
dizer. Para sustentá-la, como estratégia argumentativa, o aluno faz
referência a pontos de vista contraditórios sobre o uso desses
aparelhos moveis no espaço escolar. A partir de então,
basicamente, o texto resume-se a apresentar argumentos favoráveis
e argumentos contrários ao uso dos celulares na escola. É quando
instaura esse jogo argumentativo que o estudante consegue dar voz
a outros enunciadores (ou instâncias enunciativas) em seu texto.
Optando por essa estratégia argumentativa empregada, o
aluno consegue defender um ponto de vista e marcar distância em
relação a outro. Ele marca distância em relação ao ponto de vista
que nega o uso de aparelhos smartphones na escola, conforme se
pode perceber ao final do fragmento anteriormente apresentado. O
locativo espacial “nas escolas”, por exemplo, demarca que esse não
é o ponto de vista assumido pelo estudante, mas sim oriundo de
um grupo específico do espaço escolar, sugestivamente professores
e coordenadores pedagógicos. Essa interpretação é reafirmada,
dentre outras marcas espalhadas no texto, pelo tom quase irônico

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do enunciado que encerra o fragmento acima. Além disso, ao
confrontar dois pontos de vista contraditórios e manter distância
em relação a um deles, o aluno consegue manter o controle do
texto, o que assegura, inclusive, a sua coerência, critério
fundamental para que um texto possa considerado como adequado
a um certo gênero e tipo textual.
Na segunda redação, as marcas pessoais do aluno são mais
frágeis. Apesar de parecer seguir à risca as recomendações
constantes em manuais que propõem como se construir um texto
que cumpra às exigências dos textos dissertativos, os quais são
requeridos em exames como o ENEM, o texto não vai muito além
do que comumente se espera. As informações contidas nos
enunciados constatam fatos que são aparentemente evidentes, de
modo que praticamente não se consegue identificar marcas de um
repertório próprio de como dizer do estudante. No entanto, apesar
disso, podemos enxergar que o aluno, no fragmento acima
reproduzido, consegue manter distância em relação a um ponto de
visto e assumir outro dele dissonante. Isso fica evidente quando
atentamos para o emprego dos verbos no impessoal (“acreditou-
se”), no primeiro enunciado, e na primeira pessoa do plural
(“observamos”), no segundo. São levantados dois pontos de vista
distintos, mas o aluno não consegue instaurar um confronto entre
eles, o que se denota pela ausência de um conector adversativo
unindo os dois períodos que constroem o parágrafo. Aqui, o aluno
parece perder o controle do texto, porque, como diz Possenti (2013),
não sabe como lidar com as diferentes vozes presentes no texto.
Ao empregar a primeira pessoa do plural no verbo
“observamos” e fazer uso da forma pronominal “nos”, o aluno
insere-se num conjunto que defende a tese de que os jovens têm
usado os aparelhos de celular de forma intensa. Porém, como se
percebe, a própria tese é frágil, não imprime um ponto de vista ou
um valor axiológico sobre a afirmação, algo que, de fato, incida
sobre a argumentação do texto. Trata-se de simples constatação
empírica, um argumento já dado. Esse é o tom de todo o texto. Esse
texto, portanto, parece ser um exemplo de que correção gramatical

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e ortográfica – apesar do texto apresentar alguns poucos problemas
desta ordem – ou mesmo a adequação à estrutura tipológica do
texto dissertativo-argumentativo não asseguram autoria a uma
redação. A autoria, como temos defendido aqui, tem muito mais a
ver com a capacidade do estudante saber lidar com as vozes que
integram seu texto, com a marcação de uma posição em relação aos
pontos de vista defendidos por essas vozes.
Essa noção de autoria pode ser evidenciada no terceiro
fragmento de redação antes apresentado, quando encontramos
alguns indícios que configuram uma singularidade específica ao
texto. De início, é interessante atentar para a escolha lexical
mobilizada pelo autor da redação, principalmente no que diz
respeito ao emprego dos termos “parafernália eletrônica” e
“juventude conectada”. O uso desses termos revela uma tentativa
de o estudante atribuir originalidade ao texto ou mesmo uma
marca de singularização. Trata-se, pois, do indício de evitar a
mesmice, de instaurar no texto um caráter de novidade quanto à
forma, quanto ao modo de dizer, um dizer que, mesmo não sendo
original (no sentido de dizer primeiro, porque já foi dito outras
vezes, por outros locutores), é original no sentido de ser novo, de
ser uma nova forma arranjada de dizer determinado enunciado. A
autoria é, pois, também revelada pela escolha das palavras em um
texto.
Ainda naquele terceiro fragmento, é possível atentar para a
argumentação do texto tendo em vista certos indícios de autoria. O
período “pensar a existência sem aparelhos de telefonia móvel é
quase impossível”, além de reforçar a tese anteriormente
apresentada no texto, isto é, de funcionar como uma âncora
(argumento de sustentação), desafia também o leitor para uma
reflexão sobre a temática, instaurando, no texto, uma interação (um
dialogismo). Apesar de a reflexão ser argumentativamente
orientada para uma direção já apontada pelo autor (“é quase
impossível”), é o atenuador “quase” que convida o leitor ao
desafio. A conjunção comparativa de valor hipotético “como se”
funciona também como atenuante da constatação feita, permitindo

20
ao leitor, caso pretenda, construir argumentação contrária. Dessa
forma, o autor consegue dialogar com vozes que assumem pontos
de vista distintos, mas sem perder o controle do texto. Funciona
muito mais como uma estratégia argumentativa que pretende fazer
com que o leitor corrobore, a partir da observação e leitura de ideias
distintas, a tese defendida pelo autor.

Notas sobre a formação de professores de língua portuguesa: a


questão da autoria

Considerando que os professores de língua portuguesa são, na


maioria das vezes, os responsáveis pelo ensino de produção textual
na escola e, em consequência desse fato, são também os
responsáveis pela correção e avaliação dos textos produzidos pelos
alunos na escola1, convidamos três professores de língua
portuguesa de ensino médio de escolas públicas para avaliarem das
redações analisadas neste trabalho. Solicitamos que a avaliação
incidisse apenas sobre o critério de autoria, isto é, os professores
não deveriam observar aspectos de ordem gramatical ou
ortográfica, mas sim se os alunos conseguiam apresentar indícios
que configurassem autoria aos textos. Para tanto, os professores
deveriam produzir comentários que sintetizassem suas avaliações
sobre os textos, tendo em visto o critério sugerido. A seguir,
retomando o referencial teórico aqui mobilizado, analisamos os
comentários produzidos por esses professores.

Comentário 01:
Este texto apresenta autoria, pois consegue abordar o tema que foi proposto
pelo professor de forma adequada, sem fugir da proposta, utilizando
argumentos convincentes, capazes de persuadir o leitor do ponto de vista
defendido pelo aluno. Além disso, é um texto bem escrito, no qual a gente

1No caso do ENEM, por exemplo, apensas profissionais com formação na área de
Letras com habilitação específica em língua portuguesa podem atuar como
corretores das redações produzidas pelos candidatos inscritos no exame.

21
percebe a capacidade intelectual do aluno em escrever adequadamente ao
gênero que foi pedido, no caso a redação (Redação 01).

Comentário 02:
O texto escrito por esse aluno tem sim autoria, uma vez que apresenta
coerência do começo ao fim, seguindo uma linha de raciocínio proposta pelo
próprio autor, desenvolvida ao longo do texto. O texto tem marcas que são
do seu autor, tais como o modo de escrever, por exemplo (Redação 02).

Comentário 03:
Dizer se um texto como esse apresenta autoria depende do modo como se
está concebendo a noção de autoria. Do modo como penso, o texto tem
autoria, porque apresenta alguns indícios, retomando esse termo de Sírio
Possenti, de autoria. O aluno consegue atribuir ao texto algumas marcas que
são bem suas, ele consegue trazer para o texto sua singularidade, o que torna
esse texto bastante original. Desse modo, eu diria que ele tem sim autoria
(Redação 03).

Dos três comentários elaborados pelos professores de língua


portuguesa sobre os textos apresentados, podemos fazer algumas
considerações. Primeiro, de acordo com os professores, os três
textos apresentados apresentam autoria. É interessante pensar
sobre esse aspecto, porque a afirmativa incisiva dos professores
sobre a questão da autoria nos textos dos alunos pode estar
relacionada a um cuidado em não taxar o texto com a ausência de
um critério fundamental no processo avaliativo. Percebemos, pois,
que os professores parecem preocupar-se com a avaliação feita no
comentário, porque, de certo modo, também serão eles avaliados a
partir dos comentários produzidos. Em outra instância, é também
uma preocupação com o próprio ethos, com a própria imagem de
professor.
Por outro lado, os comentários parecem revelar também a falta
de uma concepção clara de autoria por parte dos professores.
Vemos claramente, especialmente nos dois primeiros comentários,
uma confusão quanto ao conceito de autoria, entendido ora como
orientação argumentativa, ora como desenvolvimento da
argumentação, ora como adequação ao gênero, ora como

22
atendimento de normas gramaticais, ora como manutenção da
progressão e da coerência do texto. Apenas no terceiro comentário
é possível encontrar uma noção de autoria que se aproxima do
modo como a temos compreendido neste texto. O professor, além
de refletir sobre a complexidade que recobre a noção de autoria,
retoma o termo indícios de autoria, de Sírio Possenti, e o relaciona
às marcas de subjetividade que um autor espalha por seu texto,
como forma de assegurar-lhe originalidade. Mesmo assim, o
professor resguarda-se de apresentar ou mesmo de citar esses
indícios no texto do aluno. Faz, pois, apenas uma referência
indireta à existência de indícios que podem marcar ou instaurar a
autoria em um texto qualquer.
De modo geral, acreditamos que a má ou a falta de uma
compreensão mais objetiva sobre o conceito de autoria por parte
dos professores aqui citados corresponde, antes, à despreocupação
da universidade, particularmente nos cursos de formação de
professores de língua portuguesa – cursos de Letras –, no que diz
respeito à questão da autoria. É possível observar um descuido
tanto teórico quanto prático. Não são raros, por exemplo, na área
de Letras, trabalhos de conclusão de curso (inclusive dissertações e
teses) ou mesmo artigos ou atividades produzidas por alunos de
uma dada disciplina nos quais se verifica a prática danosa do
plágio, ao invés de compreenderem um exercício de autoria.
Também é possível verificar que os currículos dos cursos de Letras
parecem não contemplarem de modo sistemático a questão da
autoria em suas grades curriculares, cabendo, muitas vezes, apenas
à disciplina de metodologia do trabalho científico a discussão sobre
autoria.
Nesse ponto, cabe um entendimento de que a falta de clareza
por parte dos professores no que diz respeito à noção de autoria,
bem como ao exercício de avaliação de textos quanto a essa
competência, pode estar relacionada à ausência de (ou mesmo à
limitada) discussão sobre o tema nos cursos de formação de
professores de língua portuguesa. Os licenciandos concluem os
cursos, mas parecem não receberem o preparo ou a formação

23
teórica e prática para lidar com a difícil questão da autoria em
situações didáticas do exercício da profissão. Por causa disso, nas
salas de aula de língua portuguesa, a noção de autoria, muitas
vezes, é negligenciada, principalmente nos exercícios de produção
de textual, como a escrita do gênero redação, por exemplo. Na
verdade, no que tange a esse gênero, a preocupação da escola tem
sido quase que exclusivamente com o ensino da forma (a clássica
organização: introdução, desenvolvimento e conclusão), como se
ela, por si só, fosse suficiente para a escritura de um texto.
Não estamos querendo dizer que com isso que a forma e o seu
ensino não sejam importantes. Para a questão da autoria, por
exemplo, não importa apenas o conteúdo, mas também a
combinação entre forma e conteúdo, porque é reveladora da
existência de um projeto de dizer para o texto, que compreende
desde a seleção de palavras, o modo como são arranjadas, a
estrutura do texto, a escolha das ideias a serem abordadas, o ponto
de vista defendido, dentre outros aspectos. No entanto, quando, no
ensino de produção textual, o professor limita-se ao trabalho com a
forma, desvia o foco de atenção de o que o texto diz para o como texto
diz e, portanto, muitos aspectos importantes relativos ao conteúdo
do texto são esquecidos. Quando isso acontece, a própria autoria
do texto do aluno é também comprometida.
É preciso esclarecer, no entanto, que a discussão sobre autoria
está em seu nível embrionário, como apontado no início deste
trabalho, especialmente no que se refere a textos escolares. Há
poucas referências na área dos estudos linguísticos sobre o tema e
ainda são muitas as questões a serem esclarecidas. Tem se visto,
entretanto, algumas tentativas exitosas de elucidação do tema,
principalmente em relação ao espaço escolar, mas há ainda muitas
incertezas. Esse fato é, inclusive, um complicador na formação dos
professores de língua portuguesa. Por enquanto, dizemos que a
discussão sobre autoria continua “desafiando os autores que têm a
responsabilidade social pelo que dizem e, diante do ofício,
assumem seu compromisso ético e político pelo que põem a
circular na sociedade” (COSTA & GUEDES, 2015, p. 16).

24
Referências

CAVALCANTI, J. R. Indícios de autoria em textos de estudantes.


In: Anais do SIELP, v. 3, n. 1, Uberlândia: EDUFU, 2014, p. 1634-
1644.
COSTA, J. R. O. & GUEDES, M. A. A avaliação dos indícios de autoria.
Apostila. 2015.
FOUCAULT, M. O que é um autor? In: _____. Ditos & Escritos. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, [1969], 2009, v. 3.
POSSENTI, S. Indícios de autoria. Perspectiva, Florianópolis, v. 20,
n. 1, jan./jun. 2002.
_______. Indícios de autoria. In: ______. Questões para analistas do
discurso. São Paulo: Parábola, 2009b.
_______. Notas sobre a questão da autoria. In: Revista Matraga, v.20.
n. 32. Rio de Janeiro, 2013.

25
26
AS FEIRAS DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA E O
PROBLEMA DO PLÁGIO: O PAPEL DO PROFESSOR NA
ORIENTAÇÃO DAS PESQUISAS

Alison Sullivan de Sousa Alves


Danilo Augusto de Menezes
Rubens Oliveira Dantas

Introdução

Este capítulo tem como objetivo analisar o plágio em suas


noções gerais e, a partir de propostas que visam coibir tal prática,
investigar a visão de professores a respeito do mesmo em projetos
de feiras de ciências desenvolvidos por alunos do Ensino
Fundamental II. Para tanto, pretende-se fazer uma observação mais
geral acerca do plágio e de meios de como coibir sua prática. Nisto,
a criatividade e a originalidade se apresentam como vias
consistentes para uma produção do saber livre da mera repetição
de textos ou ideias já elaborados.
Para embasar o debate, o trabalho apresenta as noções críticas
de Freire (1987) em torno de uma educação pautada na mera
transmissão do conhecimento, na qual o aluno é apenas um ser
passivo a absorver os conteúdos escolares. A educação
problematizadora que faz do estudante um sujeito atuante na
construção do saber, por si mesma, inibe a prática do plágio.
Contudo, não se pode esquecer que o universo do saber faz parte
de um mundo marcado pela ideologia capitalista que visa sempre
o mercado e o lucro financeiro, logo, a exigência por grandes
quantidades de produções acadêmicas não pode ser descartada
nesta discussão.
O ativismo se apresenta como um desafio e pode ser uma das
causas pela busca do artifício do plágio para se dar conta da grande
demanda exigida no meio universitário. Desse modo, Vaz (2006)

27
nos apresenta caminhos para uma formação docente capaz de gerar
no alunato essa criatividade e originalidade, pautada na ética
necessária para uma produção do saber capaz de usufruir de forma
inteligente da grande quantidade de pesquisas disponíveis na
internet.
A partir dessas noções teóricas em torno do plágio e,
principalmente, em como inibi-lo no processo de ensino e
aprendizagem na educação básica, a presente pesquisa se volta
para uma análise mais específica em torno dessa questão junto aos
professores orientadores de Feiras de Ciências desenvolvidos por
alunos do ensino fundamental II da rede municipal de ensino do
Município de Mossoró-RN. O objetivo é perceber de que modo
esses docentes lidam com a questão do plágio e de que maneira
buscam instruir os estudantes acerca do assunto.
Por fim, o nosso estudo faz uma breve explanação acerca das
feiras de ciências das escolas municipais e estaduais do Rio Grande
do Norte, vinculadas ao Programa Ciências para Todos do
Semiárido Potiguar, enquanto um projeto realizado a partir da
parceria entre a UFERSA – Universidade Federal Rural do Semi-
Árido, UERN – Universidade Estadual do Rio Grande do Norte e
SEEC – Secretaria do Estado de Educação e Cultura do Rio Grande
do Norte e que tem como objetivo despertar nos alunos da
educação básica do seminário norte-rio-grandense a curiosidade
científica com o intuito de realizar uma grande Feira de Ciências
com projetos nas mais diversas áreas do conhecimento.

Conceitos acerca do plágio e propostas de como coibi-lo: a


criatividade e a originalidade como meios possíveis

Um dos grandes desafios da sociedade acadêmica


contemporânea está nas exigências impostas pelas universidades e
pelo mercado de trabalho em prol de resultados sempre mais
imediatos, que estimula a produtividade e a concorrência
profissional própria da ideologia capitalista. Vive-se, atualmente,
em torno da produção em grande escala, tendo em vista a lógica do

28
capital e do consumo. O ativismo está cada vez mais presente na
vida das pessoas. Dentro desse universo quantitativo de fabricação
em larga escala, os pesquisadores das diversas áreas do
conhecimento são obrigados a alcançarem determinadas metas de
trabalhos a serem elaborados e, consequentemente, publicados nos
meios de divulgação de pesquisas científicas.
Nisto, o questionamento que se deve fazer é como dar conta de
todas essas exigências que a lógica capitalista e neoliberal impõe
aos profissionais e estudiosos das inúmeras áreas do saber, sem
perder a qualidade das pesquisas e produções científicas que serão
disponibilizadas nos bancos de dados acadêmicos? Como cumprir
todas as etapas do processo de investigação em torno de um objeto
de estudo sem perder a criatividade e a originalidade do trabalho?
São estes aspectos que nos chamam a atenção para a prática do
plágio, cada vez mais constante devido à imensidão de trabalhos
disponíveis gratuitamente nos meios eletrônicos de armazenagem
do campo científico existentes na rede mundial de computadores.
A sugestão que se pode indicar é, justamente, a criatividade e
a originalidade, arrogadas dentro da ética na escrita e na produção
acadêmica. Em outras palavras, sem fazer uso indevido de textos
ou ideias de outros autores, mas com o intuito de se produzir novas
pesquisas com qualidade e que venham a contribuir para o
conhecimento. Ao se buscar essas duas metas nos trabalhos, os
pesquisadores acessam o universo da ética, cuja dimensão “refere-
se à orientação da ação constituída no princípio do respeito, da
solidariedade, buscando o encontro da realização do bem da
coletividade, o que, por sua vez, envolve a competência, o fazer
bem e não pode ser dissociado da competência política (VAZ, 2006,
p. 163).
Sabe-se que o avanço da tecnologia trouxe grandes
contribuições para a ciência, mas também abriu um “leque” de
oportunidades para que o plágio seja praticado em maior número,
visto a grande e diversificada quantidade de trabalhos disponíveis
no chamado ciberespaço, tornando complexo e difícil o processo de
identificação do plágio nos textos produzidos. Desse modo...

29
É necessário re-pensar a educação, no sentido de humanizar a técnica
e dela tirar o melhor proveito. Para que isso seja possível, é necessário
fazer rupturas com o passado com o objetivo de buscar uma vida
criativa em face de um novo tempo, cujas oportunidades e
possibilidades se fazem presentes e não podem ser ignoradas (VAZ,
2006, p. 161).

Vaz (2006) faz alguns apontamentos para o uso adequado das


tecnologias na escola. Para a autora o pano de fundo para o debate
acerca do uso tecnológico na educação deve levar em consideração
a exclusão educacional brasileira, manchada pela discriminação
social, racial, sexual e regional. “Nessa perspectiva, ao incorporar a
tecnologia na educação, é preciso pôr em questão a que modelo de
sociedade se pretende servir” (VAZ, 2006, p. 161). Caso contrário,
a desumanização será chancelada pelas sociedades, reduzindo a
complexidade humana a um ativismo desenfreado que exige
sempre mais produção em todas as esferas da vida do homem
contemporâneo para atender, única e exclusivamente, à ideologia
capitalista.
Dentro desse contexto, Freire (1987) nos fala que a lógica do
mundo capitalista não está no “ser”, mas no “ter”. Trata-se da
cultura do consumo que transforma o ser humano em um “não-
ser” (humano). Conclui-se, dessa maneira que, o “ter” é a condição
para o “ser” na lógica do opressor, por isso, “para os opressores, o
que vale é ter mais e cada vez mais, à custa, inclusive, do ter menos ou
do nada ter dos oprimidos. Ser, para eles, é ter e ter como classe que
tem” (FREIRE, 1987, p. 25). É neste sentido, ainda, que o ter mais
não é considerado um privilégio pelos opressores, mas, um direito
conquistado com trabalho e esforço. Essa é a explicação para a
desumanização, pois, de acordo com Freire (1987), na visão
opressora, se os oprimidos não têm a culpa é deles, de sua preguiça
e incapacidade.
Apesar dessas noções de Freire (1987) apontarem para um
contexto maior dentro da sociedade, cuja análise tem como foco a
desigualdade social, pode-se incluir, na discussão, o ensino e a

30
aprendizagem, no que diz respeito a possíveis práticas que coíbam
o plágio, pois dentro de sua crítica inclui o modelo de uma
educação tradicional, pautado apenas na transmissão do
conhecimento. Para o autor, a prática narrativa de professores para
seus alunos “mortos”, os quais apenas escutam e observam o
assunto, são sinais de uma educação tradicional e memorialista que
não problematiza o conteúdo para dar sentido às aulas, fazendo do
discente um ser passivo e um depósito de informações. “Desta
maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os
educandos são os depositários e o educador o depositante”
(FREIRE, 1987, p. 33).
Nisto consiste a concepção “bancária” da educação em Paulo
Freire. Para o referido autor (1987), os educandos recebem os
depósitos e os guardam e arquivam o que, neste caso, os próprios
homens serão os arquivados, pois, nada acrescentam em suas vidas e,
uma vez arquivados, os homens não podem “ser” porque estarão fora
da busca de ser. “Educador e educando se arquivam na medida em
que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há
transformação, não há saber” (FREIRE, 1987, p. 33).
Para Freire (1987), este é o sentido que está por trás da ideologia
da opressão, a absolutização da ignorância, cuja educação bancária
tem o papel de alienar, manter e estimular a contradição, no que diz
respeito ao ensino. Em outras palavras, visa minimizar o poder
criativo dos educandos e os conduzem à ingenuidade e não à
criticidade, satisfazendo aos interesses dos opressores. Portanto, os
oprimidos são tidos como a parte doente da sociedade que é sadia e,
dessa forma, precisam ajustá-los para participarem desta, logo,
“dentro de uma estrutura que os transforma em ‘seres do outro’”
(FREIRE, 1987).
Dessa maneira a concepção “bancária” expõe uma contradição
na relação educador-educando, pois sugere uma dicotomia, que
pensa os homens no mundo e não com o mundo e com os outros.
O homem como um ser passivo que irá apenas receber depósitos
do mundo. Essa forma de ver o ensino impõe aos educadores a
ideia de que eles devem ser apenas reprodutores dessa lógica e o

31
seu papel será “o de disciplinar a entrada do mundo nos
educandos” (FREIRE, 1987). Assim, o ser humano é transformado
em “coisa” pela “opressão, que é um controle esmagador, é
necrófila. Nutre-se do amor à morte e não do amor à vida”
(FREIRE, 1987, p. 37). A concepção bancária, com isso, visa
“controlar o pensar e a ação, levando os homens ao ajustamento ao
mundo. É inibir o poder de criar, de atuar” (FREIRE, 1987, p. 37).
Paulo Freire (1987) nos coloca diante de duas concepções
antagônicas: uma “bancária”, que mistifica a realidade para ocultar
as razões da atuação dos homens no mundo, e outra
problematizadora, que se empenha em desmistificar essa ação,
pois, está comprometida com a libertação do homem. “A primeira
nega o diálogo, enquanto a segunda tem nele a indispensável
relação ao ato cognoscente, desvelador da realidade” (FREIRE,
1987, p. 41).
É neste sentido que se entende a afirmação de Paulo Freire
(1987) que aponta o homem como um ser inconcluso e consciente
de sua inconclusão e de seu permanente movimento de busca do
ser mais. “Daí que seja a educação um que-fazer permanente.
Permanente na razão da inconclusão dos homens e do devenir da
realidade” (FREIRE, 1987, p. 42). Percebe-se que esta proposição
propõe uma prática problematizadora dentro da lógica da
mudança, exatamente, o contrário do que pensa a concepção
“bancária” em sua lógica da não-mudança, logo, de permanência.
No entanto, o homem é sujeito de seu próprio movimento e...

Por isto mesmo é que, qualquer que seja a situação em que alguns
homens proíbam aos outros que sejam sujeitos de sua busca, se
instaura como situação violenta. Não importa os meios usados para
esta proibição. Fazê-los objetos é aliená-los de suas decisões, que são
transferidas a outro ou a outros (FREIRE, 1987, p. 43).

Paulo Freire (1987) afirma que a justificativa desse movimento


de busca do sujeito cujo protagonista é o próprio homem, está no
ser mais, ou seja, na humanização dos homens. Então, como

32
alcançar o ser mais? Não pelo isolamento ou pelo individualismo,
mas em comunhão das pessoas em seu existir. “Ninguém pode ser,
autenticamente, proibido que os outros sejam. Esta é uma exigência
radical. O ser mais que se busca no individualismo conduz ao ter
mais egoísta, forma de ser menos. Portanto, a educação
problematizadora é impraticável pelo opressor, pois, “nenhuma
‘ordem’ opressora suportaria que os oprimidos todos passassem a
dizer: ‘por quê?” (FREIRE, 1987, p. 43). A educação
problematizadora trata de uma “educação, em que os educadores
e educandos se fazem sujeitos do seu processo, superando o
intelectualismo alienante, superando o autoritarismo do educador
‘bancário’” (FREIRE, 1987, p. 43).
Toda essa narrativa nos põe diante de um modelo de educação,
o qual colocado em prática, por si mesmo, já inibe o plágio, tendo
em vista o caráter criativo e inovador de se enxergar a realidade e
o objeto de estudo que esteja sob análise. Logo, Para uma produção
científica coerente com a ética e que traz resultados significativos
para o universo do saber, é necessário que os pesquisadores evitem
o ativismo próprio da ideologia capitalista da contemporaneidade
e objetivem a qualidade de suas pesquisas. No entanto, não se pode
esquecer que existem muitas exigências por produções no mundo
acadêmico, assunto este que demandaria uma reflexão mais
profunda para melhor caracterizar o tema. Cabe, portanto, para
nosso trabalho, refletir sobre como o ativismo pode prejudicar o
ensino e a aprendizagem na educação básica. Muitos
questionamentos entram na discussão e podem revelar as
dificuldades que os docentes têm em promover uma educação que
instigue a criatividade e a originalidade dos discentes e, com isso,
iniba o plágio, na medida em que o alunato constrói seu
conhecimento ao invés de reproduzir textos ou saberes que outros
sujeitos produziram.
Para um ensino criativo e inovador, que supere a mera
transmissão do conhecimento e seja capaz de inibir a prática do
plágio, é imprescindível que se invista em uma formação de
qualidade para os professores, logo, no mundo marcado pelo

33
avanço tecnológico é exigente uma “atuação do docente no mundo
contemporâneo, voltada para uma educação que privilegie as
novas possibilidades advindas das tecnologias de informação e
comunicação que envolve o seu compromisso e investimento em
sua própria formação” (VAZ, 2006, p. 162, grifo nosso). Nisto, a
autora aponta como dimensões da ação docente a técnica enquanto
“realização de uma ação, ou mesmo determinada maneira de se
realizar algo, referente a um ofício, o que requer, por sua vez, certa
habilidade” (VAZ, 2006, p. 162); a estética que nos “remete ao
sensível, ao perceptível e à educação da sensibilidade humana”
(VAZ, 2006, p. 162); a ética que, por sua vez, orienta a “ação
constituída no princípio do respeito, da solidariedade, buscando o
encontro da realização do bem da coletividade, o que, por sua vez,
envolve a competência, o fazer bem e não pode ser dissociado da
competência política” (VAZ, 2006, p. 163). Para a autora “é no
espaço político que acontecem acordos, que se estabelecem
hierarquias e onde se assumem compromissos e é, nesse sentido,
que se verifica a articulação com a moral e a ética” (VAZ, 2006, p.
163).
A partir de uma visão mais geral acerca do plágio e de
apontamentos teóricos de como se combater tal prática, o presente
capítulo, ao apresentar a criatividade e a originalidade como
premissas para não incorrer ao mesmo, indica que o caminho da
ética e da boa formação dos professores e professoras se apresenta
como uma via segura para este fim, desde que o ativismo não
domine a prática docente no processo de ensino e aprendizagem.
Assim, para uma análise desses conceitos no cotidiano das escolas
de educação básica, este estudo se volta a observar qual a visão dos
professores em relação ao plágio nas Feiras de Ciências. Em outras
palavras, partimos de uma discussão global acerca do plágio para,
com isso, analisar o que tem sido feito na prática para inibi-lo em
um espaço específico da pesquisa e da construção do saber como
são as feiras de ciências realizadas nas escolas da rede pública de
ensino.

34
A visão dos professores em relação ao plágio em feiras de ciências

O estudo trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa que


objetiva compreender e descrever um fenômeno, buscando um
conhecimento mais aprofundado sobre uma determinada
realidade, descrevendo as atitudes, as relações, os lugares, as
opiniões e os problemas de uma determinada ação
(RICHARDSON, 2011).
No tocante aos sujeitos da pesquisa, participaram do estudo
dois professores da rede municipal do município de Mossoró-RN.
A fim de manter o sigilo de identificação dos sujeitos, adotaram-se
as seguintes representações para identificá-los: professor “1” e
professor “2”. Tendo em vista que a pesquisa tem como foco
abordar a visão do professor orientador acerca do plágio em
projetos de feiras de ciências desenvolvidos por alunos do Ensino
Fundamental, optou-se por entrevistar dois professores da área de
ciências humanas e biológicas que atuam na Educação Básica, e que
estão atuando como orientadores de projetos desenvolvidos pelos
estudantes e, consequentemente, a serem avaliados na Feira de
Ciências da Rede Municipal de Ensino (FECIRME). O quadro 1
apresenta algumas informações relacionadas a formação dos
professores participantes da pesquisa.

Quadro 1: Identificação e histórico profissional dos sujeitos da pesquisa


Identificação Professor “1” Professor “2”
Tempo de 3 anos 11 anos
atuação docente
Graduado em Ciências Graduado em Ciências
Biológicas pela UERN, Biológicas pela
Formação Campus Mossoró-RN e UFERSA, Campus
acadêmica Mestre em Ecologia e Mossoró-RN e Mestre
Conservação pela em Ciência Animal pela
UFERSA, Campus UFERSA, Campus
Mossoró-RN. Mossoró-RN.

35
Nível de ensino Ensino fundamental II Ensino fundamental II e
que atua Médio
Disciplina que Ciências Ciências
leciona
Tempo que atua 3 anos 3 anos
como orientador
de projetos da
FECIRME
Fonte: Elaborado pelos autores por meio dos dados da pesquisa

No desenvolvimento e estruturação da pesquisa, estabeleceu-


se como metodologia de investigação a entrevista semiestruturada.
Segundo Manzini (2003), o uso desse instrumento oferece maior
confiabilidade ao pesquisador ao entrevistar, devido ao fato de
existir um roteiro de perguntas abertas auxiliando a organização da
coleta de informações.
As entrevistas foram realizadas no ambiente escolar com os
dois professores participantes, em horário de trabalho pedagógico,
de acordo com a autorização da coordenação pedagógica da escola.
A entrevista com o professor 1, teve duração de 35 minutos. Já com
o professor 2, a entrevista durou aproximadamente 25 minutos.
Todos os dados coletados nas entrevistas foram transcritos e
posteriormente analisados. Assim como nos relata Bardin (2011), a
análise do conteúdo é caracterizada por uma série de técnicas que
tem como ponto de partida a mensagem (escrita ou oral), gestual,
documental ou figurativa.
Com base nas informações retiradas das transcrições das
entrevistas, pode-se perceber que os dois professores entrevistados
veem o plágio como uma questão de suma importância para ser
discutido junto aos alunos que desenvolvem esses projetos, uma
vez que a elaboração dos mesmos devem ser autênticos e inéditos,
como se pode observar na fala dos professores:

“... A elaboração de um projeto sempre parte de uma situação problema, que


basicamente é uma pergunta que os alunos devem responder de forma
científica. Após saber a situação problema são formuladas uma ou mais

36
hipóteses que possam responder ou solucionar essa problematização. Cada
hipótese é testada para saber qual é a solução mais adequada e por fim os
resultados são discutidos e publicados, neste caso, apresentados nas feiras de
ciências.” (Professor “1”)

“... Cada equipe participante deverá ser composta por até 3 (três) alunos,
cuja elaboração do projeto utilize a metodologia científica de investigação e
que tenham criatividade e relevância para a sociedade. Os trabalhos são
julgados conforme os seguintes critérios: Uso da metodologia científica;
criatividade e inovação; clareza e objetividade na exposição; Profundidade da
pesquisa; Empreendedorismo e relevância social.” (Professor “2”)

Quando questionados a respeito das orientações feitas aos


alunos para a construção e desenvolvimento dos projetos, os
professores afirmaram que o primeiro passo em uma elaboração de
projeto para a feira de ciências é chamado de tempestade de ideias,
que consiste em reunir o grupo de alunos e pedir para que eles
realizem a maior quantidade de perguntas que pudessem ser
respondidas de forma científica. A partir dessas perguntas surgem
as situações problemas, pelas quais os professores orientadores
devem direcionar os alunos para a realização das pesquisas sobre
o tema escolhido, buscando sempre atiçar a curiosidade e a vontade
investigativa dos mesmos. De posse das informações colhidas
durante a pesquisa os estudantes irão realizar os experimentos e/ou
estes com seus projetos para testarem as hipóteses levantadas e
descobrir qual a melhor solução para aquele problema.
Outro aspecto importante apontado pelos professores a
respeito da elaboração dos projetos apresentados pelos discentes é
que o uso da internet se torna uma ação amigável para a criação e o
amadurecimento das ideias dos estudantes, mas sempre mantendo
o cuidado ativo da autoria e autenticidade, conforme nos relata o
professor “2”, quando afirma que: “Nós orientamos que eles não façam
cópias diretas de outros projetos e que façam buscas na internet. É de
grande importância prezar pela autenticidade, pois espera-se que o projeto
de pesquisa seja da autoria do próprio aluno”.

37
Dessa forma, pode-se perceber que a internet é a ferramenta de
maior suporte para os alunos, fazendo com que em alguns casos
eles acabem cometendo algum tipo de plágio, copiando e repetindo
as ideias de um projeto já desenvolvidas anteriormente. Em
paralelo ao pensamento de Cunha (2010), o autor nos fala que a
prática de copiar e colar no mundo virtual vem se tornando uma
prática cada vez mais comum, nos dias atuais, facilitada pela
enorme quantidade de trabalhos disponíveis na internet e pela
impossibilidade de controle sobre a origem de tudo o que circula
pela rede mundial de computadores. Vejamos a seguir um relato
do professor “1” a respeito desse fato:

“.... Geralmente os alunos, principalmente os dos 6° anos, nunca viram ou


pouco participaram de uma feira de ciências. Até poucos anos atrás as escolas
realizavam amostras científicas, com exposições de aspectos interessantes do
mundo científico. Essas amostras eram apenas representações de trabalhos
já publicados e/ou maquetes copiadas principalmente da internet, não
apresentando nenhum rigor científico. Essa cultura ainda está presente nas
escolas de hoje, quando falado em feira de ciências os alunos interpretam
como amostra científica e buscam trabalhos na internet que pudessem copiar
para apresentação, sendo essa a maior fonte de plágio nas feiras de ciências”.
(Professor “1”).

No que diz respeito à preocupação e o rigor da Secretaria


Municipal de Educação referente ao ato do plágio em projetos
apresentados pelos alunos, os professores relatam que o órgão
demonstra preocupação, colocando em seu regulamento cláusulas
sobre desqualificação de projetos no qual seja identificado o plágio.
E por mais que não seja uma afirmação concreta, os professores
supõem que a comissão científica da feira realiza uma revisão
bibliográfica com todos os projetos inscritos antes de aprovar sua
participação. Todavia, os entrevistados confessam que essa
preocupação maior acerca do plágio parte dos próprios
orientadores.
Por fim, quando foram questionados se já tinham presenciado
ou identificado algum tipo de plágio em projetos enquanto

38
orientadores nas feiras de ciências e quais as atitudes tomadas
perante a esse fato, percebe-se que as experiências entre os
entrevistados são divergentes:

“... Sim, durante as tempestades de ideias. Embora pareça que o objetivo da


feira de ciências seja o de que os alunos devem criar algo inteiramente novo
o que se busca é uma inovação e criatividade por parte dos alunos. Isso se
traduz em utilizar, muitas vezes, o que já existe para uma nova finalidade
que não havia sido explorada. Quando um aluno trás ao professor uma ideia
de realizar um experimento que ele viu na internet, o professor deve orientar
de forma a questionar como ele poderia utilizar aquele experimento para
outra finalidade. Esse exercício de desafiar a criatividade é o principal ponto
na orientação criativa do professor orientador”. (Professor “1”)

“... Não... mas nós orientamos que eles não façam cópias diretas de textos,
artigos sem a citação correta das fontes bibliográficas, para que não seja
caracterizado como plágio”. (Professor “2”)

Assim, ao mesmo tempo em que é interessante dar autonomia


aos alunos para suas buscas na internet, é preciso trabalhar com eles
a leitura crítica não apenas dos textos encontrados, mas, inclusive,
da própria forma como eles lidam com essa busca. Mesmo sem
combinação prévia, pode acontecer de vários alunos levarem para
a sala de aula um mesmo texto sobre o tema pesquisado, caso
tenham usado as mesmas palavras chave na busca (LIMA, 2008).

Feiras de Ciências nas escolas do RN e o Programa Ciências para


Todos no Semiárido Potiguar

Diariamente, somos impulsionados à reflexão, desde os


questionamentos mais intrigantes como: Quem somos? De onde
viemos? Para onde vamos? E outros mais simples: O que é? Para
que serve? Como podemos melhorar? Nem sempre teremos as
respostas precisas para as nossas indagações, mas geralmente as
buscamos com a certeza de que estamos contribuindo para
conhecermos um pouco mais sobre nós mesmos, o mundo em que

39
vivemos e de que forma podemos melhorar. Afinal, como já dizia
a campanha publicitária do Canal Futura, utilizando-se de uma
frase atribuída a Albert Einstein: “Não são as respostas que movem
o mundo, são as perguntas” (CANAL FUTURA, 2009).
Mas por que as perguntas são tão eficazes nessa busca do
desenvolvimento humano? São elas que estimulam os pensamentos,
provocam as pessoas e encontram os melhores caminhos para a
compreensão da vida e do mundo em que vivemos. É com essa
reflexão que podemos compreender melhor a essência de uma feira
de ciências escolar, as quais têm como objetivo principal despertar nos
estudantes a curiosidade, incentivando-os ao uso da metodologia
científica, estimulando-os a formular questões científicas baseadas na
realidade cotidiana vivenciadas, facilitando o processo de ensino-
aprendizagem, unindo teoria e a prática.
Neste tópico, apresentamos uma breve explicação do que
aprendemos, em nossa pesquisa, sobre as feiras de ciências das
escolas municipais e estaduais do Rio Grande do Norte, vinculadas
a um programa que tem feito a grande diferença na vida dos alunos
e professores do nosso Estado: o Programa Ciências para Todos do
Semiárido Potiguar. Esse programa é uma parceria entre a UFERSA
– Universidade Federal Rural do Semi-Árido, UERN –
Universidade Estadual do Rio Grande do Norte e SEEC – Secretaria
do Estado de Educação e Cultura do Rio Grande do Norte e tem
como objetivo despertar nos alunos da educação básica do
seminário norte-rio-grandense a curiosidade científica e realizar
uma grande Feira de Ciências com projetos nas mais diversas áreas
do conhecimento, usando o método científico.
O programa envolve etapas de capacitação de professores e
alunos sobre o método científico, por meio da Tecnologia Social de
Educação “Metodologia Científica ao Alcance de Todos”- MCAT;
oficinas de elaboração de projetos; acompanhamento das atividades
de execução dos projetos; feira de ciências nas escolas; feira de ciências
nas diretorias regionais; organização da Feira de Ciências do
Semiárido Potiguar e por fim a participação dos melhores trabalhos
em Feiras de Ciências Nacionais e Internacionais.

40
O trabalho nas escolas começa com atividades de
sensibilização, através das DIRECS - DIRETORIA REGIONAL DE
EDUCAÇÃO E CULTURA às escolas de suas jurisdições. Quando
aderem à proposta, as escolas desenvolvem um trabalho de
propagação e incentivo aos alunos e professores, com o intuito de
despertar a curiosidade e o desejo em criar projetos para se
inscreverem na feira local. Em seguida, são realizadas uma
sequência de atividades em sala de aula. Uma das atividades mais
significativas para o surgimento de uma ideia para um projeto é a
dinâmica brainstorming (Literalmente: “tempestade cerebral” em
inglês) ou tempestade de ideias, uma atividade que tem a
finalidade de explorar a potencialidade criativa dos estudantes.
Depois da “tempestade de ideias”, segue-se um trabalho para
organizar e filtrar esses questionamentos. Os alunos se dividem em
grupos de 3 componentes, elaboram um problema, possível de ser
resolvido e estruturam uma hipótese, tudo de acordo com a sua
realidade. Na sequência, os grupos escolhem um professor, como
orientador, por afinidade com a equipe e, a partir de então, os projetos
são elaborados, com os relatórios, diários de bordo e banners.
Os critérios avaliativos para cada projeto são: uso da
metodologia científica; criatividade e inovação; clareza e
objetividade na exposição, profundidade da pesquisa,
empreendedorismo e a relevância social. Nisto, os conceitos em
cada critério variam entre 0 a 5, conforme discriminação a seguir: 0
(fraco/ausente; 1 (regular); 2 (bom); 3 (ótimo); 4 (excelente) e 5
(supera as expectativas).
Se tratando das orientações aos alunos inscritos nessas feiras
de ciências, faz-se necessário que esses professores orientadores
desenvolvam um trabalho de conscientização que desperte e
alimente a curiosidade e a criatividade dos alunos, incentivando-os
a formular, planejar e realizar uma pesquisa que considere as suas
próprias ideias e faça uso da metodologia científica de forma
lúdica, mas sem perder o rigor científico. Entretanto, o que se
observa em algumas dessas feiras são apresentações de trabalhos
demonstrativos, resultados de pesquisas feitas na internet, ao invés

41
de exposições de investigações científicas idealizadas e
desenvolvidas pelos próprios alunos.

Considerações finais

A pesquisa em torno do problema do plágio nas feiras de


ciências da educação básica apresenta como resultado que há, de
fato, uma preocupação por parte dos docentes em torno da questão,
os quais têm buscado coibir tais práticas no processo de produção
das pesquisas de seus alunos. A instrução, neste caso, se mostra
como um importante aliado para a prática docente acerca dessa
questão, tendo em vista que o ensino e a aprendizagem fazem parte
de um movimento de construção e reconstrução do saber.
Trata-se de uma salutar perspectiva no combate ao plágio,
pois, não adianta apenas punir a sua prática, sem antes apresentar
o problema ao corpo discente, mostrando as suas implicações. A
escola, dessa forma, se apresenta como um espaço no qual não se
estuda apenas as disciplinas regulares dos programas de ensino,
mas, também como um ambiente em que se aprende e exercita a
ética na produção de trabalhos científicos.
Na construção do saber não deve faltar a criatividade e a
originalidade, enquanto condições fundamentais para a produção
do conhecimento, as quais devem estar atreladas a uma formação
docente que lhe capacite para bem utilizar das novas tecnologias
em prol de uma educação que supere o tradicionalismo da mera
transmissão dos saberes, substituindo-a por um modelo que
valoriza a produção criativa dos alunos.

Referências

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Edição Revista e Ampliada. São


Paulo: Edições 70, 2011;
BASTOS CUNHA, Rodrigo. O plágio e a cultura do copy/paste:
um desafio para o ensino básico, 07/2010, 5° Seminário Nacional:

42
"O professor e a leitura do jornal", Vol. 1, pp. 1-3, Campinas, SP,
Brasil, 2010;
BOGDAN, R.C.; BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em
educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto
Editora, 2010;
DUARTE VAZ, Telma Romilda. O avesso da ética: a questão do
plágio e da cópia no ciberespaço. Cadernos de Pós-Graduação –
Educação, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 159-172, 2006;
FREIRE, Paulo. Justificativa da Pedagogia do Oprimido. In.:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1987, p. 16-32;
_______. A concepção “bancária” da educação como instrumento
da opressão: seus pressupostos, sua crítica. In.: FREIRE, Paulo.
Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987,
p. 33-43;
LIMA, M. E. C. Feiras de ciências: o prazer de produzir e
comunicar. In: PAVÃO, A. C.; FREITAS, D. Quanta ciência há no
ensino de ciências. São Carlos: EduFSCar, 2008.
MANZINI, E. J. Considerações sobre a elaboração de roteiro para
entrevista semiestruturada. In: MARQUEZINE, M. C.; ALMEIDA,
M. A.; OMOTE, S. (Org.). Colóquios sobre pesquisa em Educação
Especial. Londrina: Eduel, 2003, p. 12-23;
RICHARDSON, J. R. Pesquisa Social: métodos e técnicas. 3. ed.
ver. e ampliada. São Paulo: Atlas, 2011.
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO;
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE;
SECRETARIA DO ESTADO DE EDUCAÇÃO E CULTURA DO
RIO GRANDE DO NORTE. Ciência para todos no semiárido
potiguar. Disponível em: <https://www.cienciaparatodos.com.br>
Acesso em: 02 jul. 2019.

43
44
PERCEPÇÕES SOBRE AUTORIA E PLÁGIO ACADÊMICO
DOS DISCENTES DO CURSO DE LICENCIATURA EM
MATEMÁTICA EM UMA INSTITUIÇAO SUPERIOR

Andréa Morais de Menezes


Augusto Cesar Tavares da silva
Rubson Gomes Martins Ramos
Marcelo Bezerra de Morais
Márcia Maria Alves de Assis

Introdução

As pesquisas científicas se configuram como o pilar


responsável por sustentar o desenvolvimento de uma sociedade
em suas mais variadas linhas, seja na educação, na saúde, na
tecnologia, na infraestrutura, basicamente em toda construção
humana há o toque da ciência. Pela sua enorme variabilidade,
distribuem-se em diversos fios de conhecimento, dentre os quais
estão a matemática, a física, a química, a biologia, as engenharias
etc., mas, no fim, estão todas alinhadas e se conectam umas às
outras.
Em todas essas áreas, fazer pesquisa é um trabalho árduo, que
requer tempo e dedicação, espaço adequado e recursos materiais,
equipe comprometida constituída por pesquisadores, sejam na
condição de professores ou de alunos, caminhando no mesmo
sentido, buscando cumprir determinado objetivo.
As universidades, principalmente, recebem o status de
ambiente acadêmico responsável pelo desenvolvimento
intelectual, profissional e científico. Entre todas as
responsabilidades, assume um papel fundamental na construção
de saberes constituintes para o processo de formação dos discentes
acadêmicos, como também da ética e integração de valores que
possibilitam enxergar na pesquisa uma construção do próprio

45
aluno e não cópia de produções sem que ocorra uma reflexão e
crítica ao que está sendo produzido. Não se trata necessariamente
de produzir o ineditismo nas construções acadêmicas, mas, sim, a
originalidade.
A originalidade na produção acadêmica provoca conflitos nos
discentes, que se chocam diante das dificuldades de compreensão
e de discussões de aportes teórico e metodológicos responsáveis
pela fundamentação de seus trabalhos acadêmicos. Escrever
cientificamente é bastante complexo, requer esforço e um olhar
crítico de modo a argumentar e procurar soluções para as questões
levantadas, levando em consideração a técnica e as normas de
escrita acadêmica (KOLLER; COUTO; HOHENDORFF, 2014). Por
essa complexidade, a academia tem a responsabilidade de preparar
os alunos, dando-lhes condições de investir em pesquisa, ensino e
extensão.
As dificuldades da escrita acadêmica levam os alunos, muitas
vezes, a copiarem trabalhos de terceiros, realizar o conhecido
plágio, sendo que isso pode ocorrer de forma intencional ou até
mesmo não-intencional.
Nota-se que a internet, nos dias atuais, tornou-se ferramenta de
pesquisas e gerenciamento de conhecimento para aqueles que
conseguem realizar diversas tarefas em uma tela, como também
pela facilidade de acesso a diversos conteúdos, possibilitando
realizar downloads e compartilhar informações diversas com outros
usuários. Devido a isso, surgem frequentemente questões
envolvendo casos de plágio no âmbito da universidade, na cópia
de trabalhos e ideias já desenvolvidos por terceiros, e passíveis de
serem acessados, sem que ocorra a devida menção e crédito ao
autor.
Pensando as questões do plágio no contexto atual, podemos
perceber os desafios da universidade e dos professores do ensino
superior em apresentar ferramentas de produções acadêmicas que
trabalhem essas questões com os alunos, possibilitando a formação
de sujeitos que cooperam com o crescimento da ciência, por

46
intermédio da produção de pesquisas e projetos construídos de
forma coletiva e ética.
Dessa maneira, cabe-nos refletir: como estão sendo discutidas
as questões envolvendo autoria e plágio na universidade? Diante
dessa reflexão, este capítulo tem por objetivo identificar as
percepções sobre autoria e plágio dos alunos de um curso de
licenciatura em matemática de uma instituição de ensino superior
de Mossoró/RN.
A importância de realizar um artigo que relacione plágio e
autoria consiste no fato de alertar o graduando que está em fase de
criação do seu trabalho de conclusão do curso da enorme
necessidade de respeitar tanto às regras associadas ao fazer
científico como também atentar para pontos relevantes na postura
de quem produz conhecimento humano, como, por exemplo, a
ética. É obvio que tal iniciativa não tem pretensão de completude,
buscando dirimir todas as possíveis inquietações sobre o tema, bem
como, tampouco, arvora-se no direito de se sentir capaz de
preencher todas as lacunas que o tema sugere. Ao contrário, a
proposta aqui é deixar alguma contribuição, apontando para a
possibilidade de evitar ou diminuir a ocorrência e a recorrência
dessa prática equivocada.

Alguns apontamentos teóricos sobre autoria e plágio

Para iniciar essa reflexão, evocamos Foucault (2001) e sua


problematização em torno da autoria: o que é um autor? Não que
tenha-se a pretensão de buscar a reflexão filosófica em torno das
relações de poder e dos dispositivos de resistência, como faz este
autor, mas apenas evocar a partir de sua pergunta a noção de
autoria, sobretudo porque, na atual realidade brasileira, vivencia-
se uma espécie de academia na qual o texto interpretado, ou relido,
praticamente se sobrepõe à obra original, e, portanto, o máximo
que se faz é ler interpretações.

47
As questões de linguagem e de discurso criam, muitas vezes, a
necessidade de uma “transposição didática” dos textos originais por
escritores - educadores, cientistas ou jornalistas - que escrevem sobre
o tema, o autor ou sua obra e raramente sobre os debates. Apesar de
necessário, esta transposição didática – de ideias, de linguagem, de
ilustração – tende a organizar o texto e a esconder os espantos, as
dúvidas e as incertezas contidas em documentos originais
(COLONESE, 2009, p. 4).

Essa noção vem acompanhada com uma velha, porém


intrigante, provocação: O que é autoria em um tempo no qual o
autor inexiste? Ou, como perguntariam os críticos da teoria
enunciativo-discursivas, qual a finalidade de refletir a respeito de
um texto genuinamente autoral? Ainda mais em uma época da qual
Barthes, reclamando Balzac, anuncia a morte do autor preconizada
há mais de meio século. (COLONESE, 2009).
Pode-se perguntar: qual a relação destes apontamentos com o
que é autoria ou texto autoral? E pode-se apontar que há toda uma
relação, principalmente quando se utiliza como parâmetro o que
afirma Possenti (2002), ao interpretar Foucault: “a noção de autor
se constitui a partir de um correlato, a noção de obra’. Só temos um
autor se temos uma obra que possa consistentemente ser associada
a esse autor” (POSSENTI, 2002, p. 3).
É evidente que, caso não se haja um documento original,
tampouco haverá esta associação de autoria, e, decerto, o que se lê
é a tradução de uma obra e não uma obra em si. De qualquer modo,
sem obra não existe autor. Este fato pode propiciar o surgimento
de dois pensamentos que se equivalem. Dos dois um: ou tudo é
documento lícito, embora não seja fonte original, ou nada é plágio
(COLONESE, 2009). E, neste caso, é plausível constatar que o
referencial teórico deste artigo, por mais que se destine original,
jamais atingirá o seu intento em virtude dos motivos já elencados.
Assim, a complexidade só aumenta, pois, a razão maior de
escrever estas linhas é dar alguma objetividade a noção de autoria
(POSSENTI, 2002). “A questão é como identificar a presença do
autor - como encontrar autoria num texto, como distinguir textos

48
com textos sem autoria” (POSSENTI, 2002, p. 6), haja vista que só
existe plágio se houver autor para reclamar autoria.
Por outro lado, e considerando o argumento de Possenti (2002,
p. 12), ao comentar Bakhtin, quando diz que metade do que se fala
em um dia, por exemplo, é produção de outro interlocutor, é
razoável perguntar: E quando se escreve? Será que um escritor
escreve pelo menos dez por cento de um texto sem copiar de outro?
Sendo assim, porque tratar de documento oficial ou fonte original,
além do mais, quando se desconfia de que “as verdadeiras marcas
de autoria são da ordem do discurso, lido do texto ou da
gramatica”? (POSSENTI, 2002, p. 8).
E se tal conclusão de Possenti (2002) é realmente algo de que
se deve considerar, ou seja, se o que dá real sentido ao texto é a
propriedade do discurso, não há um mínimo sentido em falar de
originalidade textual tampouco de autoria ou coisa que o valha,
primordialmente, quando se adere à hipótese de que é o leitor o
verdadeiro autor do discurso, posto que é ele que atribui os
sentidos a aquilo que está escrito (FOUCAULT, 2001).
Nesse rastro, poder-se-ia apontar que, assim como a educação
requer um olhar interdisciplinar entre as áreas de ensino, e a prática
didática pede uma atitude não verticalizada na relação professor e
aluno, a escrita acadêmica não deveria se curvar ao autoritarismo
do autor ou autores, como também não é linearmente objetiva
como propagam os teóricos da física clássica (POSSENTI, 2002).
Contudo, por acreditarmos que o plágio é tão nocivo para a
pesquisa quanto é para a construção do discurso que se deseja
promover, aponta-se uma ponderação de Foucault que deveria ter
sido indicada ainda ao início desse texto:

Não será, igualmente, a partir de análises desse tipo que se poderiam


reexaminar os privilégios do sujeito? Será que, empreendendo a
análise interna e arquitetônica de uma obra (quer se trate de um texto
literário, de um sistema filosófico, ou de uma obra científica),
colocando entre parênteses as referências biográficas ou psicológicas,

49
já se recolocaram em questão o caráter absoluto e o papel fundador
do sujeito. (FOUCAULT, 2001, p. 28).

Com efeito, advoga-se que numa obra, seja ela artística ou


científica, que o mais importante não é o pesquisador, nem o leitor
e tampouco o seu autor. O mais relevante na leitura e aplicação de
qualquer obra é o sujeito. Mas, de que sujeito estamos tratando?
Aqui, busca-se o sujeito que é plagiário e a inibição dessa ação,
posto que o que importa de fato é que este artigo possa contribuir
de alguma forma para diminuir a incidência do plágio consciente
ou inconsciente.
Buscando, portando, uma ideia mais objetiva de autoria, para
tentar contribuir nesse sentido, poderíamos apontar que “a autoria
acontece na articulação de conteúdos ou na construção de novos
dados que corroboram ou não estudos anteriormente publicados”
(PRATI, 2014, p. 110, grifo nosso), entendemos que, por estarmos
no contexto de produção de conhecimento científico, realizar
publicação e referenciar os autores que embasaram a construção de
textos autorais é fundamentalmente importante.
O não respeito a autoria nos leva ao plágio, que apesar de
haver uma pluralidade de conceitos e ideias em torno do plágio
(PRATI, 2014), é possível apontar como ideia central a noção de que
o plágio configura-se como uma prática antiética que envolve a
apropriação indevida de uma ideia ou escrita pertencente a outra
pessoa sem a devida referência, constituindo-se em uma prática
fraudulenta e desonesta (CHRISTOFE, 1996; PRATI, 2014).
Cabe ainda registrar que essa prática equivocada se
constituindo como crime e com penas na sociedade atual. No Brasil,
por exemplo, o Crime de Violação aos Direitos Autorais está
previsto no Art. 184 do Código Penal, com apontamento de pena
pode ir de multa à detenção de 3 meses a 1 ano. (BRASIL, 1940)
O alerta é feito, portanto, para notar que o plágio – que envolve
noções de autoria, ética e normatização técnica – pode ser
intencional ou não-intencional e deve ser evitado agindo

50
eticamente, ao sempre referencias as ideias ou textos pertencentes
a outrem, e seguindo as normas para esse fim (PRATI, 2014).
Considera-se importante falar sobre plágio, não apenas para
saber sobre suas consequências, mas, sim, e principalmente, para
“trabalhar a relevância de comprometer-se com a construção de novos
conhecimentos e, consequentemente, com a responsabilidade de ser
autor” (PRATI, 2014, p. 122). Essa perspectiva é o que embasa nosso
empenho com esse estudo.

Metodologia

Para o desenvolvimento desse trabalho, optou-se por realizar


uma pesquisa de abordagem qualitativo, que se caracteriza por
“não se preocupar com a representatividade numérica, mas sim
com o aprofundamento da compreensão de um grupo social etc.”
(GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 32). Buscamos, assim, elaborar
compreensões sobre as percepções dos alunos a respeito da autoria
e do plágio no ambiente acadêmico.
Ainda, essa pesquisa classifica-se como de cunho exploratória,
cujo objetivo é “proporcionar maior familiaridade com o problema,
com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses” (GIL,
2002, p. 41). Realizamos uma pesquisa intervenção, através da
participação e do envolvimento dos sujeitos para que
compreendam a proposta do trabalho, propondo reflexões sobre o
momento da escrita das pesquisas, levando-os a enxergar a
importância da autoria e da referência aos autores que utilizem no
decorrer de toda a pesquisa e escrita do texto.
Esta investigação foi realizada em uma Instituição de Ensino
Superior, no curso de Licenciatura em Matemática, com uma turma
do 8º período que estuda no turno noturno. Após nos
apresentarmos à turma, bem como nosso objetivo com a realização
da pesquisa, acatada pelos alunos, aplicamos um questionário com
04 perguntas subjetivas, visando identificar o que os alunos
entendiam por autoria e plágio acadêmico, e se consideram
importante que instituições acadêmicas tragam essa discussão para

51
a sala de aula. Deixou-se espaço para os alunos fazerem
apontamentos sobre a disciplina de metodologia, quando foi
possível avaliar se essa disciplina trouxe suporte necessário para o
aluno compreender que precisa desenvolver interpretação crítica
das leituras e obter conhecimento técnico de escrita acadêmica.
Esse questionário foi aplicado a 22 alunos, que poderiam optar por
responder totalmente ou parcialmente as perguntas.
Após a recolha das respostas dos pesquisados, realizou-se
uma rápida discussão para tratarmos da importância do
desenvolvimento crítico, enfatizando que este ocorre também pela
prática de leitura e escrita, apresentando também algumas
orientações da ABNT em relação à citações diretas e indiretas, e
referências, grandes responsáveis pela identificação de plágio nos
softwares antiplágios, que, em muitos casos, apesar de se
configurar como plágio, ocorre devido à falta de conhecimento
técnico do aluno, dito de outro modo, o aluno não teve a intenção
de usurpar a ideia de outro autor ou deixar de referenciá-lo, porém,
por não saber citar de maneira padronizada, o software identifica
como plágio.
Para finalizar as discussões, sugerimos alguns autores que
trabalham com metodologia, a fim de auxiliá-los na escrita de seu
trabalho de conclusão de curso, por se tratar de uma turma de final
de curso e de ter esse quesito obrigatório para obtenção de título de
licenciatura.

Resultados

Conforme relatado na metodologia, num primeiro momento


aplicamos um questionário com 04 perguntas subjetivas a fim de
identificar as percepções dos alunos sobre autoria e plágio
acadêmico, o quadro abaixo apresenta as perguntas que foram
entregues aos alunos.

52
O que você entende por autoria e plágio acadêmico?
Quais considerações você tem sobre a importância de discutir
autoria e plágio no meio acadêmico?
Como a disciplina de metodologia se apresentou diante a essa
temática?
Segundo a sua compreensão o curso te ofereceu embasamento
teórico capaz de orientá-lo acerca da autoria a fim de evitá-lo a
cometer o plágio?

Ao realizarmos a leitura e análise das respostas aos


questionamentos, identificamos que os alunos unanimemente
possuem uma boa compreensão sobre a temática em questão. Pelo
entendimento do que venha a ser autoria, afirmaram ser algo
inédito, escrito por um determinado sujeito que, ao escrever,
colocou suas ideias, sua forma de escrita, sua maneira de enxergar
algo, por isso não deve ser plagiado. Entendem o plágio como a
cópia do desenvolvimento artístico ou científico de alguém, o que
fere os princípios de escrita acadêmica. Um aluno afirmou que,
embora a autoria seja uma criação própria, pode incluir a junção
sistemática de conhecimentos de terceiros, e que o plágio deixa de
existir se o autor legítimo autorizar sua reprodução, fato comum no
meio artístico, mas que não reflete o meio acadêmico.
Os alunos compreendem também que a falta de conhecimento
técnico pode acarretar no plágio, conhecido como “plágio não
intencional”. Erros ocorridos em citações diretas e indiretas estão
entre os que mais aparecem. Afirmam ser comuns na escrita
acadêmica os discentes misturarem textos próprios com partes de
textos de outros autores numa citação direta, sem deixar claro qual
parte é dele e qual parte é do teórico utilizado, é comum ainda
reproduzirem uma ideia com outras palavras sem mencionar o
autor original, o que configuraria como uma citação indireta.
A segunda questão trata da importância da discussão sobre
autoria e plágio no meio acadêmico. Os discentes consideram essa
discussão bastante relevante, inclusive enfatizam que as disciplinas
de metodologia deveriam explorar mais a temática. Com efeito,

53
apresentaram muitas queixas sobre o ensino dessa disciplina que,
em suas visões, não lhes trouxeram o embasamento teórico-
metodológico necessário para lhes prepararem para o
desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso. Na discussão
realizada em sala após o questionário, falaram que seria importante
que essa disciplina, atualmente lecionada no segundo semestre do
curso, fosse ofertada também após a metade do curso, que é o
período no qual ela realmente será valorizada pelos discentes.
Diante da última pergunta do questionário, a maioria dos
alunos afirmou que o curso não lhe trouxe compreensão suficiente
sobre a temática, foi um tema pouco explorado e, por isso, estão
tendo bastante dificuldades para produzir textos. Vale registrar
que uma parte dos alunos optou por não responder a essa
pergunta.
Após o questionário tivemos uma discussão para
esclarecermos algumas dúvidas dos alunos e entendermos
algumas de suas inquietações. No entanto, uma parte deles nos
deixam claro que estão preocupados com a escrita pela necessidade
de se escrever um trabalho de conclusão de curso, ou seja, esse
trabalho acadêmico acaba sendo incentivo para que muitos alunos
procurem melhorar um pouco a sua escrita acadêmica.
Percebemos, também, que muitos deles pretendem investir na
continuidade de sua formação, por intermédio de uma pós-
graduação.

Considerações finais

As discussões sobre autoria e plágio, em um era na qual a


tecnologia está fortemente se desenvolvendo, têm sido
fundamentais para evitar a cópia indevida de produção científica.
Todos os dias, muitos trabalhos são escritos e publicados em
plataformas virtuais que, por mais que facilitem a divulgação do
conhecimento, também facultam a cópia, a reprodução indevida de
ideias e conceitos.

54
Por outro lado, esse avanço tecnológico também possibilita
que as práticas de plágio sejam mais facilmente identificadas
através de certos softwares rastreadores. Cabe aos docentes
responsáveis pelas turmas acompanharem e orientarem seus
alunos acerca do que venha a ser um documento verídico, e de
como agir eticamente, referenciando corretamente os autores nos
quais se apoiam para a sua escrita.
A partir desse estudo, pode-se apontar que os discentes
encontram duas grandes barreiras que dificultam sua escrita: a
primeira, não possuem leitura acerca da temática selecionada e isso
acarreta à falta de ideias para a escrita de seus trabalhos, no
bloqueio ao apresentar sua criticidade acerca do que escreveu. A
outra grande dificuldade do aluno reside na falta de conhecimento
das normas técnicas de escrita acadêmica, o que pode gerar o plágio
“não intencional” ao fazer as citações de maneira indevida.
Diante dessas constatações, os professores e orientadores das
academias têm papel fundamental na formação acadêmica dos
discentes para a produção científica. Ora, produzir ciência é algo
que, apesar de ser prazeroso, requer bastante empenho e
comprometimento, pois não se produz conhecimento científico de
qualquer forma: é preciso ter conhecimento técnico e criticidade
para realizar um bom trabalho.

REFERÊNCIAS

BARTHES, R. A Morte do Autor, O Rumor da Língua, Edições 70.


Lisboa, 1970. Texto disponível on-line a 21-01-2007 através de
http://www.facom.ufba.br/sala_de_aula/sala2/barthes1.html
Acesso em: 17.06.2019.
BRASIL. Artigo 184 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de
1940. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/
10615003/artigo-184-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-
1940?ref=serp-featured. Acesso em: 07 de junho. 2020.

55
CHRISTOFE, L. Intertextualidade e plágio: questões de linguagem
e autoria. 1996, 193f. Tese (Doutorado). Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 1996.
COLONESE, P. H. História da Ciência a partir de fontes originais,
textos teatrais e iconografias: os casos das estrelas esquisitas de
Júpiter, do escriba egípcio Ahmés e do curioso Leeuwenhoeck.
Encontro Nacional de pesquisa em Educação em Ciências.
Florianópolis v.7, Dez. 2009.
FOUCAULT, M. Ditos e Escritos: Estética – literatura e pintura,
música e cinema (vol. III). Tradução de Inês Autran Dourado. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 264-298
GERHARDT, T. E.; SILVEIRA, D, T. Métodos de Pesquisa, Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2009. Disponível em: http://www.
ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf Acesso em: 26
de mai. 2019.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo:
Atlas, 2002.
KOLLER, S. H.; COUTO, M. C. P. P.; HOHENDORFF, J. V. (Orgs.).
Manual de produção científica. Porto Alegre: Penso, 2014.
POSSENTI, S. Indícios de autoria. Perspectiva, Florianópolis, 1-.20,
n.01, p. 105-124, jan. 2002. Disponível em https://periodicos.
ufsc.br/index.php/perspectiva/article/viewFile/10411/9677 acesso
em 26 de mai. 2019.
PRATI, L. E. Plágio acadêmico. In: KOLLER, S. H.; COUTO, M. C.
P. P.; HOHENDORFF, J. V. (Orgs.). Manual de produção
científica. Porto Alegre: Penso, 2014. (p. 109 – 124)

56
“CTRL C” + “CTRL V”: O QUE PENSAM OS DISCENTES DO
ENSINO PROFISSIONALIZANTE ACERCA DO PLÁGIO

Dulcilene Leite de Amorim Moraes


Risalva Ferreira Nunes de Medeiros
Maria Isabel Fernandes Costa
Silene Oliveira de Souza Patrício
Paulo Augusto Tamanini

Introdução

Atualmente, a disseminação de conhecimentos está muito


acessível, podendo ocorrer de diversas formas: pelas publicações
em livros impressos ou em e-books, em sites científicos, em revistas
indexadas etc. Se por um lado a publicação virtual das produções
científicas auxilia na rápida divulgação, por outro, facilita a
ocorrência de uma apropriação indevida ou uma expropriação de
direitos intelectuais de outrem, sendo denominada de plágio.
Nesse sentido, o presente Capítulo tem como foco analisar o
conhecimento, o entendimento e atitudes realizadas pelos
discentes da educação profissionalizante sobre o tema plágio.
Ainda que os alunos não estudem assuntos relacionados
diretamente ao plágio, ou que estejam cursando níveis de pós-
graduação, possuem em sua maioria pouco ou nenhum
conhecimento sobre o assunto. Essa identificação dos dados vem
evidenciar e fortalecer a necessidade de ações direcionadas para
essa temática em diversos públicos escolares.
Esse estudo nos coloca diante de uma realidade que se
relaciona com outros aspectos da formação dos nossos estudantes,
como o não desenvolvimento do hábito da leitura, por exemplo,
reforçando a conscientização da introdução de posturas que
fortaleçam a ação docente e, consequentemente, reflita em
melhores resultados na educação.

57
A pesquisa realizada adotou uma abordagem qualitativa com
o objetivo de analisar o conhecimento de alunos do ensino
profissionalizante de uma instituição privada do município de
Mossoró-RN sobre o plágio. Os questionamentos realizados
buscam fazer o aluno refletir sua trajetória escolar e identificar se
em algum momento já se deparou com o tema plágio, se entende
as consequências geradas por ações mal direcionadas, e também
traz para a discussão a necessidade da utilização de boas práticas
na produção de pesquisas e textos.
O texto se estrutura da seguinte forma: no primeiro momento
são relatados conceitos sobre autor, ética e plágio, permitindo uma
revisão dos conceitos e entendimento dos mesmos; no segundo
momento, aborda a educação profissional, reforçando sua
importância e situando o leitor no universo pesquisado; em
seguida, apresenta a análise das respostas da pesquisa realizada
com os discentes, observando o nível de conhecimento dos
pesquisados e a ocorrência ou inexistência de plágio em algum
momento de sua vida estudantil.

Autor e Ética

Desde cedo, temos contato com textos, livros, poesias, que nos
ajudam a aprender novas coisas, que nos divertem e encantam.
Esse mundo literário se faz necessário para nos guiar no caminho
do conhecimento em seus diversos níveis, pois, junto com outras
ferramentas, possibilitam aos aprendizes terem contato com
informações relevantes ao processo de aprendizagem.
Esses textos estão disponíveis em livros, internet, impressos
diversos, em algum dispositivo eletrônico, em diversos tantos
suportes físicos e virtuais, ou até mesmo como ideia, ou seja, só na
mente de alguém. Independentemente de onde ele se apresente, ele
foi pensado e estruturado por alguém. Esse alguém pode ser
considerado como o autor.
Na procura do entendimento do conceito de autoria,
encontramos nomes importantes para essa discussão em diversas

58
áreas do conhecimento, sobretudo na filosofia, como Roland
Barthes, Michel Foucault e Mikhail Bakhtin, que em suas obras
discutiram amplamente sobre o tema.
Para Foucault (1992):

A função autor está ligada ao sistema jurídico e institucional que


encerra, determina, articula o universo dos discursos; não se exerce
uniformemente e da mesma maneira sobre tosos os discursos, em
todas as épocas e em todas as formas de civilização; não se define
pela atribuição espontânea de um discurso ao seu produtor, mas
através de uma série de operações específicas e complexas; não
reenvia pura e simplesmente para um indivíduo real, podendo dar
lugar a vários “eus” em simultâneo, a várias posições-sujeitos que
classes diferentes de indivíduos podem ocupar (FOUCAULT, 1992,
p. 56-57).

Esse autor é a pessoa responsável por refletir sobre quaisquer


assuntos e traduzir os resultados dessas reflexões e percepções de
forma inteligível, colocando, muitas vezes, em um livro ou outro
meio possível para que outras pessoas tenham acesso.
Segundo Barthes (1988):

Um texto é feito de escrituras múltiplas, oriundas de várias culturas


e que entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em
contestação; mas há um lugar onde essa multiplicidade se reúne, e
esse lugar não é o autor, como se disse até o presente, é o leitor: o
leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma se
perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a unidade do
texto não está em sua origem, mas no seu destino, mas esse destino
não pode mais ser pessoal: o leitor é um homem sem história, sem
biografia, sem psicologia; ele é apenas esse alguém que mantém
reunidos em um único campo todos os traços de que é constituído o
escrito (BARTHES, 1988, p. 70).

Diante desse argumento, não existe nenhum texto original, e


todo texto é um conjunto de citações de outras obras lidas pelo o
autor, e este só existe em razão da obra. No momento que surge o

59
leitor, acontece a morte do autor. O leitor desse momento em diante
passará a construir um novo pensamento baseado nas ideias do
autor, criando o seu próprio contexto, apossando-se das ideais, mas
não da forma escrita. A marca do autor-criador revela-se no que o
sujeito produz e na forma como ele organiza sua fala e escrita num
dado contexto. Seu texto vai sempre se constituir da tensão com
outras vozes sociais.
De acordo com Orlandi (2001):

Para que o sujeito se coloque como autor, ele tem de estabelecer uma
relação com a exterioridade, ao mesmo tempo que se remete à sua
própria interioridade: ele constrói assim sua identidade como autor.
Isto é, ele aprende a assumir o papel de autor e aquilo que ele implica
(ORLANDI, 2001, p. 78-79).

Os diferentes autores podem representar lugares sociais


também diferentes, embora, em muitos casos, a relação de
identificação se constrói pela escrita, justamente, porque há uma
relação de identificação anterior, que é da ordem do sócio histórico
e ideológico.
Nos termos de Bakhtin (2011):

O autor acentua cada particularidade da sua personagem, cada traço


seu, cada acontecimento e cada ato de sua vida, os seus pensamentos
e sentimentos, da mesma forma como na vida nós respondemos
axiologicamente a cada manifestação daqueles que nos rodeiam.
(BAKHTIN, 2011, p. 03).

O autor dever ser criativo em relação aos personagens da obra


literária. Essa atividade criativa não é neutra, está relacionada aos
valores morais existentes, que são marcadas pelos juízos de valor,
pontos de vista. A atividade do autor é uma atividade estética. É a
partir da vivência estética, do esforço para criar a imagem de uma
personagem como um outro de si mesmo que poder é ressaltado.
Para Bakhtin (2011):

60
O autor não é o agente da vivência espiritual, e sua reação não é um
sentimento passivo nem uma percepção receptiva; ele é a única
energia ativa e formadora, dada não na consciência psicologicamente
agregativa mas em um produto cultural de significação estável, e sua
reação ativa é dada na estrutura – que ela mesma condiciona – da
visão ativa da personagem como um todo, na estrutura da sua
imagem, no ritmo do aparecimento, na estrutura da entoação e na
escolha dos elementos semânticos (BAKHTIN, 2011, p. 6).

O autor é um produto cultural de significação, pois permite


criar personagens, suas características dando vida ao mesmo. O
autor possui uma visão ativa e geral do personagem.
As autorias em alguns momentos dão força a determinadas
afirmações, tem-se situações em que atribuir uma fala, ou uma
proposta a determinado autor, tende a fortalecer essa afirmação,
pois se relaciona essa ideia ao histórico do autor, a sua imagem e a
outras obras por ele já produzida.
O tema ética precisa ser mais discutido e mais praticado, tanto
na esfera educacional como nas demais áreas que formam o
cidadão, pois, com a presença do assunto e sua promoção, tende-se
a existir uma referência maior e o fortalecimento de sua
necessidade para a boa convivência em sociedade.
Como pontua Grinspun (1999):

A educação faz parte deste tecido social e sua participação no


contexto da sociedade é de grande relevância, não só pela formação
dos indivíduos que atuam nesta sociedade, mas, e principalmente,
pelo potencial criativo que ao homem está destinado no seu próprio
processo de desenvolvimento (GRINSPUN, 1999, p. 23).

A construção da cidadania faz parte desse processo e o


conceito de ética deve ser de entendimento de todos os cidadãos
para orientar a busca de uma convivência saudável que
proporcione melhorias para todos. Freire (2000) comenta sobre a
necessidade de “(...) uma ética a serviço das gentes, de sua vocação

61
ontológica, a do ser mais e não de uma ética estreita e malvada,
como a do lucro, a do mercado”.
Sendo muitas vezes o ambiente escolar um ensaio para as
ações a serem praticadas no mercado de trabalho e na vida em
sociedade, é necessário que sejam mencionados e esclarecidos o
conceito de ética e que nas atividades lá realizadas sejam cobradas
as posturas éticas. Em especial na educação profissional, pois
entende-se que o aluno cidadão vai espelhar-se nas rotinas
existentes no momento do aprendizado escolar e reproduzi-las em
momentos seguintes. Comenta Vázquez (2003):

A ética parte da existência da história dos costumes morais, isto é,


toma como ponto de partida a diversidade de comportamentos
moralmente aceitos no tempo, com seus respectivos valores,
princípios e normas. Como a teoria não se identifica com princípios
e normas de nenhuma moral em particular e tampouco pode adotar
uma atitude indiferente ou eclética diante delas, juntamente com a
explicação de suas diferenças, deve investigar o princípio que
permita compreendê-las no seu movimento e no seu
desenvolvimento (VÁZQUEZ, 2003, p. 22).

Essa ética deve permear as ações de todos que convivem em


sociedade, e nesse texto a ação ética será direcionada para a
discussão de entendimento e prática do plágio pelos discentes da
educação profissional.

Plágio e Tipos de Plágio

O plágio é crime, portanto, falta grave em relação a ética. A lei


9.610, de fevereiro de 1998, consolida a legislação sobre direitos
autorais no Brasil, em seu Art. 7º, quando mostra que são obras
intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por
qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou
intangível, conhecido ou que se invente no futuro, como os textos
de obras literárias, artísticas ou científicas.

62
Quando se copia, se reproduz um texto completo ou em partes
e não se cita a fonte, ou seja, não se relata de onde veio a
informação, diz-se que está cometido o plágio.
Entendemos que ao copiar um texto de outra sem pessoa sem
nenhuma referência à sua autoria, juridicamente é tratado como
crime. Não é errado mencionar frases, conceitos ou ideias, se essas
são importantes para a sua produção literária, só irá enriquecer a
informação a ser apresentada, desde uma imagem a dados
numéricos, o importante é dar os créditos a quem produziu essa
informação, e, portanto, é o autor.
Quando mencionamos uma informação que não foi um
pensamento, uma conclusão, um questionamento nosso, se ele foi
retirado de um texto, mesmo que esse não declare o autor, não
podemos nos apropriar sem mencionar de onde trouxemos, como
se tivesse sido feito por nós, pois é como se estivéssemos
“roubando” o pensamento de outrem.

O plágio se caracteriza com a apropriação ou expropriação de


direitos intelectuais. O termo “plágio” vem do latim “plagiarius”,
um abdutor de “plagiare”, ou seja, “roubar” [...]. A expropriação do
texto de um outro autor e a apresentação desse texto como sendo
de cunho próprio caracterizam um plágio e, segundo a Lei de
Direitos Autorais, 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, é considerada
violação grave à propriedade intelectual e aos direitos autorais,
além de agredir frontalmente a ética e ofender a moral acadêmica
(FONSECA, s.d, apud SILVA, 2008, p. 2).

O plágio possui algumas variações, que vão desde a cópia


idêntica, a uma manobra onde o plagiário faz um entrelace de
informações e autores na tentativa de disfarçar essa ação. Por esse
motivo, é muito importante entender as variações, para que dessa
forma possa se evitar até incidentes quando não se sabe que o que
fez foi plágio.
Existe o Plágio Direto, ou palavra por palavra, quando o
plagiário não se dá ao trabalho de mudar absolutamente nada, mas

63
apenas realiza uma transcrição idêntica, que podem aparecer,
inclusive, com erros que já estavam no texto original.

Quando o redator copia na íntegra (palavra por palavra) um


conteúdo (ideia, texto, imagem, códigos de programação, entre
outros) de outro autor sem a indicação (citação) do mesmo e a
identificação (referência) da obra. Chama-se de plágio direto porque,
de acordo com a normalização vigente no Brasil, cópias literais
devem ser indicadas com citação direta. Por ser uma reprodução
literal da fonte original, este tipo de plágio pode acontecer por
incapacidade do relator no processo de interpretação do conteúdo
original, devido à falta de criatividade no processo de redação ou
simplesmente desinteresse e comodismo do redator no processo de
elaboração de um trabalho acadêmico que é feito pelo sistema de
copiar e colar (KROKOSCZ, 2012, p. 40).

O plágio indireto também é muito comum, isso acontece


quando, apesar de não ser uma cópia literal, é cópia, quando o
escritor utiliza uma modalidade diferente, citando as ideias ou
fazendo junções de pedaços de textos. Krokoscz (2012, p. 43) diz:
“O redator usa suas próprias palavras, porém o texto que ele
elabora não é original porque simplesmente diz de forma diferente
o que foi consultado em uma fonte específica”. Ele reproduz a ideia
e não as palavras, nesse caso, é possível a identificação analisando-
se o texto original. O plágio indireto pode aparecer como paráfrase,
elaboração de mosaico ou no uso de expressões criadas por outras
pessoas.
Pode acontecer, também, o plágio de fontes. Esse caso é
interessante e requer atenção, é quando o autor copia a fonte e deixa
que se considere que ele leu o texto.

Nessa modalidade de plágio, o redator produz no seu texto as


citações utilizadas por um outro autor. Na forma a citação está
correta e até mesmo a fonte consultada é identificada. Contudo, nesse
caso, o modo como a informação foi obtida e é utilizada é que
caracteriza o plágio, pois se trata de conteúdo obtido ou selecionado

64
por outras pessoas e que é utilizado por um terceiro como se ele
tivesse consultado o documento original (KROKOSCZ, 2012, p. 43).

Essa modalidade é mais difícil de ser identificada, sendo


necessário um conhecedor da fonte original para que seja visto
alguma incoerência e então detectado o plágio.
Tem-se também o plágio consentido ou por conluio, que, como
o próprio nome sugere, acontece com consentimento das partes. “O
conluio é o tipo de acordo estabelecido com o objetivo de prejudicar
terceiros (FERREIRA, 1986, p. 21). No caso de trabalhos
acadêmicos, esse tipo de plágio pode acontecer quando envolve
“colaboração” entre amigos ou quando se trata de trabalhos
comprados de escritórios especializados em pirataria intelectual”.
E, por fim, temos o autoplágio, quando a pessoa pode
reenviar para instituições diferentes uma mesma obra, algo que ela
já tenha enviado em um outro momento. Para Krokoscz (2012, p.
53), “Quando um mesmo trabalho intelectual é entregue a pessoas
diferentes, mas não é indicado que o conteúdo está sendo
apresentado já foi utilizado em outras circunstâncias, comete-se
autoplágio”.

A Educação Profissional no Brasil

A Proposta de Políticas Públicas para a Educação Profissional


e Tecnológica (2003) pressupõe que a educação profissional deve
almejar o desenvolvimento econômico, cultural, social entre outros,
e não apenas as necessidades de mercados e consumidores.
Portanto, um dos principais objetivos da educação tecnológica
consiste em permitir ao futuro profissional desenvolver uma visão
social da evolução, da tecnologia e das transformações advindas do
processo de inovação e das diferentes estratégias empregadas para
conciliar as imposições econômicas às condições da sociedade.
Desta forma, o futuro profissional desenvolve um senso crítico em
relação ao mundo, onde terá como princípios a igualdade e
solidariedade.

65
A expansão do ensino profissionalizante surgiu, então, como
alternativa de qualificação profissional da mão de obra, e de
controle do movimento operário crescente pelas lutas em torno de
suas causas. Segundo Freitas (1979, apud MERCADANTE, 2004, p.
2), com a Constituição de 1937, o governo assumiu, pela primeira
vez, responsabilidades sobre a educação profissional, criando
escolas técnicas profissionalizantes destinadas às classes “menos
favorecidas”, constituídas pela população vinda de classe operária.
Diante deste quadro, a educação profissional recebeu
influências em sua forma de ser; antes era assistencialista,
tecnicista, destinada a classes menos favorecidas. Mesmo assim,
diferentes concepções sobre a Educação Profissional existiam na
época. Entretanto, prevalecia a ideia de que o ensino
profissionalizante (elementar e médio) destinava-se às camadas
menos favorecidas, sustentadas por uma visão preconceituosa e
por uma prática alienante e excludente, (RIBEIRO, 2001). Com o
passar dos anos, foi se modificando e, sobretudo, com o advento da
tecnologia e expansão da internet, que trouxeram novas formas de
gestão do trabalho e de educação profissional no Brasil. Assim,
passaram a exigir do profissional competências diversificadas,
deixando de lado uma formação tecnicista e adotando uma nova
postura, onde exigem do profissional um leque de competências
emocionais e técnicas no desempenho de suas funções.
No Brasil, a Educação Profissional é regulamentada
atualmente pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996) e pelo Decreto 5.154, de 23 de
julho de 2004, objetiva a oferta de cursos dirigidos aos estudantes e
profissionais que desejam se qualificar para o mundo do trabalho,
desenvolvendo competências técnicas e comportamentais para
atuarem de forma satisfatório no mundo corporativo, que é
competitivo, seletivo e está em constante transformação.
Portanto, no Brasil, a Educação Profissional, hoje, está sob
responsabilidade dos setores públicos, privados e das instituições
do Sistema S., ofertando uma diversidade de cursos, formando
turmas de profissionais habilitados em diversas profissões.

66
Durante toda a trajetória educativa, o plágio deveria ser
apresentado e discutido nos diversos níveis de ensino, buscando o
entendimento do que é certo e o que não deve ser feito em relação
a produção textual, pois, o processo educativo contribui fortemente
para a consciência ética e moral do indivíduo em toda sua
amplitude.

Métodos e Técnicas da Pesquisa

Foi realizada uma pesquisa empírica sobre o conhecimento


dos discentes em relação a utilização do plágio no ensino
profissionalizante. Trinta e cinco discentes responderam a
pesquisa, com idade entre quatorze e dezenove anos, do sexo
masculino e feminino, a maioria estuda no contraturno em escolas
públicas e privadas, grande parte cursa Ensino Médio e
fundamental, uma pequena parte já concluiu o ensino médio. A
prática profissionalizante do objeto da pesquisa acontece durante
três dias em empresas no seguimento de supermercados, e dois
dias na própria instituição, SENAC2, no município de Mossoró-RN.
Para conseguir o objetivo principal do estudo, foi realizado um
questionário com dez perguntas abertas, sobre a utilização do
plágio no ensino profissionalizante.
O instrumento utilizado permitiu obter informações sobre a
produção textual e utilização do plágio no ensino
profissionalizante. Dentre os trinta e cinco discentes que
participaram da pesquisa, vinte e cinco conseguiram conceituar de
certa forma o que é plágio, mas utilizando uma linguagem dúbia, e
os outros dez apresentaram conceitos distorcidos, não expondo
uma interpretação que demonstrasse conhecimento adequado
acerca do tempo.
Percebemos que, quando se copia de sites ou outras fontes sem
a devida referência acontece o plágio, isso acontece com muita
frequência, principalmente, no ensino básico e médio, devido à

2 SENAC, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial.

67
falta de informações e de formação escolar por parte dos docentes,
que, muitas vezes, pode não ter recebido essa formação.
No segundo ponto foi questionado como acontece a
produção textual dos discentes: quarenta e três por cento (43%)
informaram que não utiliza nenhuma fonte de pesquisa para
elaboração de um texto, que escreve de formas variadas, de
acordo com seus pensamentos, ideias e conhecimentos prévios.
Segundo o aluno FK3, “se tiver algum tema eu me baseio nele caso
não tenha eu escrevo de cabeça”. Enquanto isso, cinquenta e sete
por cento (57%) utilizam uma parte de pesquisa na internet para
se fundamentar, como comentam os discentes KV e JL. “copiando
texto de alguém de internet, livros etc.”.
Ainda sobre a produção textual, foi indagado aos discentes
se acham correto copiar textos de outras fontes na íntegra, seis por
cento (6%) consideram correto utilizar textos integralmente de
outras pessoas e noventa e quatro por cento (94%) apresentaram
resposta negativa ao questionamento.
Sobre autoria de um texto, todos os discentes que
responderam o questionário demonstram que tem conhecimento
basilar sobre autoria, mesmo que colocado de forma elementar,
como cita C.L “quando se tem criado o texto, você é o dono. Como
por exemplo: uma criação de gado tem “dono”, então você o tem
e só pode ser usado com uma permissão” e “R.E “... entendo que
é quando uma pessoa produz algo, uma música por exemplo, em
que essa música é de autoria de uma determinada pessoa”.
Foi questionado sobre facilitadores e obstáculos para a sua
produção textual, em que a grande maioria dos entrevistados
colocaram como facilitador fonte de internet, pesquisas e outras
fontes. Os obstáculos que eles encontraram correspondem a não
ter o conhecimento sobre o assunto e apenas uma pessoa do
universo pesquisado apresentou uma resposta de forma
articulada, coerente e que demonstra alguma segurança e

3As siglas FK, KV, JL, CL, RE e AK, são as identificações dos discentes que
participaram do questionário da pesquisa.

68
conhecimento prévio sobre o assunto, conforme cita A.K: “O
mapa mental me ajuda bastante, vídeos e pesquisas explicativas
na internet também. No entanto, as vezes deixo a desejar no
português e isso é sempre um obstáculo.”.
Quanto ao questionamento se os entrevistados tinham
conhecimento de que o plágio é juridicamente crime e ainda se
concordam a judicialidade dessa prática. Quarenta e nove por
cento (49%) informaram que, em algum momento, por algum
professor, já haviam sidos informados sobre a questão do plágio
ser juridicamente crime e outros cinquenta e um por cento (51%)
disseram nunca ter escutado falar ou não ter tido esse
conhecimento através de algum professor sobre a criminalização
do plágio.
Ao serem questionados de que forma eram orientados pelos
professores a realizar um trabalho de pesquisa, grande parte
discorreu que foi orientado de forma satisfatória pelos
professores de como realizar um trabalho de pesquisa, em que os
professores orientaram a realizar pesquisas em grandes sites, mas
não utilizando-se do copiar e colar4, como cita A.K.: “Estudar o
tema, analisar diferentes perspectivas e opiniões, estudar técnicas
importantes e montar minhas próprias concepções”.
Concluindo os questionamentos, foram indagados se já
haviam sido penalizados por ter utilizado fontes de forma
inadequada: 22,85% discentes do universo pesquisado
responderam que sim, e 77,15% disse que não foi penalizado pela
utilização inadequada de outras fontes.
Percebemos que existe muita dificuldade por parte dos
discentes na produção textual, principalmente quanto à utilização
de fontes e citações de forma adequada. Uma grande parte dos
nossos jovens chega ao ensino profissionalizante com

4 Copiar e colar compõem um paradigma na interação homem-computador


expresso em procedimentos usados para transferência de conteúdo de uma
origem para um destino (wikipédia.org).

69
dificuldades de compreensão e na produção de textos. A escola
regular, por sua vez, tem uma parcela nessa deficiência.
Os alunos do ensino profissionalizante buscam além de uma
educação formal, desenvolverem habilidades para imersão no
mundo corporativo. Na sua maioria, são alunos que demonstram
ter baixa renda financeira, e necessidade de ingressar no mundo
do trabalho por vários fatores.

Considerações Finais

Como vimos, o objetivo de analisar a percepção dos discentes


do ensino profissionalizante sobre a utilização de plágio nas
atividades escolares foi o fator determinante para observar a
formação e o desenvolvimento de um cidadão ético e crítico quanto
a suas atitudes perante a sociedade, pois, a contrafação é
considerada crime tipificada no Código Penal brasileiro.
Logo, se faz uma correlação nas diversas formas em que o
plágio se apresenta, não importando que a fonte advenha de artigos
da retirados da internet, de um trabalho de conclusão de curso,
copiar imagens, dados, vídeos, dentre outras formas de plagio. Essa
análise dos mais diferentes tipos de plágio foi possível de ser
observada na pesquisa qualitativa realizada com alunos da turma
de Aprendizagem em Serviços de Supermercados de uma escola de
educação profissional no município de Mossoró.
Embora, se tenha observado que o conhecimento sobre o
assunto é mínimo, ou seja, sobre a compreensão de conceito e das
consequências punitivas que acarretam o uso discriminado de
textos e ideias alheias, é de conhecimentos de todos de que o ato é
ilegal.
Todavia, a falta de conhecimento mais aprofundado sobre o
plágio ou até mesmo a falta dele leva o indivíduo a cometê-lo,
porém sem nenhuma intenção de que está caminhando no erro,
uma vez que esse resultado pode ser entendido por vários fatores,
sendo um dado muito importante a falta do hábito de leitura, até
por estarmos numa região escassa de aprendizado (Nordeste) e

70
como também é conforme identificado em pesquisas nacionais e
internacionais apontando dados de retratos de leitura bastante
falho e precário em nossa região, fator este que de alguma forma
afeta na escrita e compreensão de como a mesma deve ser
efetivamente realizada e suas normas. Um outro ponto observado,
mas não menos importante, é que o uso indiscriminado de plágio
seja ocasionado também na deficiência da educação continuada por
parte dos docentes.
E, por fim, com base na pesquisa realizada, é possível perceber
que, no nosso ordenamento educacional, o plágio é constantemente
utilizado de forma indiscriminado. Portanto, buscamos mostrar
um grande problema que, aos poucos, consegue ser notado e
estudado com maior frequência. É importante pensar e refletir nas
graves questões e consequências envolvendo o uso indiscriminado
do plágio, que afeta definitivamente os estudantes que não têm o
conhecimento mínimo do que o seja, ou que tenha o entendimento
e não se abstém de utilizá-lo, tendo assim retorno positivo em sua
educação.
Durante toda a trajetória escolar, esse tema deveria ser
apresentado e discutido, buscando o entendimento do que é certo
e do que não deve ser feito em relação ao plágio, e na educação
profissional não é diferente, pois o processo educativo contribui
fortemente para a consciência ética e moral do indivíduo em toda
sua amplitude.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 6.ed. Tradução do


russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BARTHES, R. A morte do autor. In: O rumor da língua. Tradução
de Mario Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988.
FERREIRA, Sueli Mara S. Pinto. Percepções dos alunos pós-
graduandos da USP sobre a ocorrência de plágio em trabalhos

71
acadêmicos. São Paulo, dez. 2013- SIBiUSP e Pró-Reitoria de Pós-
Graduação – dtsibi@usp. br
FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Vega, 1992.
FREIRE, Paulo. A educação na cidade. 4. ed. São Paulo: Cortez,
2000.
FREITAS, Maria Teresa A. Nos textos de Bakhtin e Vygotsky: um
encontro possível. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin, dialogismo e
construção do sentido. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997. p.
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GRINSPUN, Mirian Paura Sabrosa Zippin (Org.). Educação
tecnológica: desafios e perspectiva. 3. ed. rev. ampl. São Paulo:
Cortez, 2009. 293 p.
LEI Nº 9.610/98 Lei do Direito Autoral. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/civil. Acesso em: 30 de junho 2019.N
ORLANDI, Eni P. Discurso e leitura. Campinas: Editora da
UNICAMP, 2001.
_______. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho
simbólico. Campinas: Pontes, 2004.
SILVA, Obdália Santana Ferraz. Entre o plágio e a autoria: qual o
papel da universidade? In Revista Brasileira de Educação v. 13 n.
38. São Paulo: Anpel, maio/ago. 2008.
VAZ, Telma R. Duarte. O avesso da ética: a questão do plágio e
da cópia no ciberespaço. Cadernos de Pós-Graduação – São Paulo,
v.5, n.1, p. 159 – 172, 2006.
VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. 24. Ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003.

72
MARCAS DE AUTORIA NO GÊNERO DOCUMENTÁRIO:
PROPOSTA PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Valdenízia da Conceição Bezerra


Vicente de Lima-Neto

Considerações iniciais

Educar de forma crítica não é tarefa fácil, isto é, possibilitar ao


aluno o protagonismo dentro do processo de ensino e
aprendizagem ainda é um objetivo a ser alcançado, tanto que
consiste em um diálogo permanente entre os educadores. A escola
não deve somente ensinar conteúdos pré-definidos por currículos,
sem significados e descontextualizados da realidade do aluno, mas,
como instituição social que é, deve compreender o aluno como
indivíduo atuante e agente modificador do contexto social em que
está inserido. Preparar para a vida fora dos portões da escola é
proporcionar a esse aluno uma educação que respeite as diferenças
culturais e que lhes permitam participar de forma crítica da sua
vida pública. Os documentos que norteiam as práticas escolares
apontam essa preocupação em aproximar essas práticas às
vivencias do aluno. A Base Nacional Comum Curricular5
compreende as atividades de produção textual como práticas de
linguagem relacionadas à interação e à autoria individual ou
coletiva do educando, seja através de produções de textos escritos,
orais e/ou multissemióticos (BRASIL, 2017, p. 76), promovendo o
ato de aprender através da prática do uso da língua e da linguagem.
Para isso, a BNCC preconiza o trabalho com variados tipos de
produção e recepção de diferentes tipos de gêneros textuais, que

5Documento de referência nacional obrigatória, que fundamenta e normatiza as


aprendizagens essenciais que todo aluno deve desenvolver em cada nível de
ensino.

73
circulam em diferentes mídias, esferas e campos de atividades
humana.
Dentro de uma vasta gama de gêneros textuais possíveis,
escolhemos para desenvolver o nosso estudo o gênero
documentário, pois se trata de um gênero com grande
potencialidade para o trabalho com a multiplicidade de linguagens,
o uso de recurso tecnológicos e as dimensões éticas decorrentes
desse uso. Segundo Nilchols6 (2005), o documentário, como
qualquer outro gênero, não é estático, ele reúne diversas formas de
representar o real e é fortemente marcado pela subjetividade do
autor. Seu produtor pode opinar, tomar partido e expor-se,
deixando claro o seu ponto de vista, o que ocorre através da sua
linguagem audiovisual fruto não apenas do desenvolvimento
tecnológico dos equipamentos de captação e edição de imagens,
mas do uso que se faz dos recursos existentes. Produzir um
documentário consiste numa atividade complexa, que proporciona
ao aluno atuação de forma protagonista, reflexiva e crítica. Desde a
escolha do tema, o modo de filmagem até a edição, o aluno está em
constante exercício de produção de significado e construção
argumentativa.
Nossa pesquisa busca discutir a relevância do trabalho com
propostas de produção de documentários no ensino fundamental.
Trata-se de um gênero audiovisual para o qual é indispensável o
uso de recursos tecnológicos em sua produção e envolve processos
complexos como a escolha de recursos, movimento da câmara,
enquadramento da imagem, combinação do ponto de vista da
imagem e do som, além de outros recursos possíveis a esse contexto
de produção e que influenciam diretamente no sentido do texto
produzido (ITAU, 2019, p. 47-112). Assim o aluno, através de
contato efetivo com as etapas de produção desse gênero, terá
oportunidade de mobilizar letramentos pertinentes ao uso
adequado de variadas ferramentas tecnológicas. Este capítulo é

6Professor e crítico de cinema americano, conhecido como o fundador do estudo


contemporâneo do documentário.

74
composto por cinco seções: na primeira tratamos sobre a
tecnologias e educação, trazendo as contribuições de Silva (2005);
na segunda, para discutir acerca das concepções da Pedagogia dos
Multiletramento, nos fundamentamos em Rojo (2012, 2013) e
Kalantzis e Cope (2006, 2009); na terceira e quarta seções,
amparados em Nichols (2005), discorremos sobre o gênero
documentário, abordamos seu conceito, modos de significação e
potencialidades nas práticas de ensino, além da noção de marcas
de autoria. Na última seção, trazemos nossas considerações finais
acerca de nosso estudo.

Tecnologias e educação

As tecnologias da informação e comunicação (TIC) estão cada


vez mais presentes em todos os campos das atividades humanas. É
notória a crescente intervenção da tecnologia em nosso dia-a-dia,
tanto no ambiente doméstico quanto no ambiente profissional e/ou
educacional, e o uso de ferramentas tecnológicas tem propiciado
mudanças significativas na prática de atividades rotineiras. Essas
constantes mudanças configuram um processo incessante de
adequação e readequação as práticas dessa cultura tecnológica.
Tais mudanças são tão corriqueiras que, muitas vezes, passam
desapercebidas, principalmente para a geração atual de crianças e
jovens que nasceram imersas nessa cultura, nativos de uma era
digital que demanda pressa em se reinventar.
Tais aspectos dessa “nova” sociedade não devem ser
ignorados pela escola. A prática educacional tem se moldado as
exigências sociais, a própria história da educação é testemunha
dessas mudanças, com os aspectos tecnológicos não pode ser
diferente, é relevante que se pense o processo de ensino-
aprendizagem dentro dos novos moldes de uma era cada vez mais
digital. Para além de compreender o uso da tecnologia como mera
ferramenta, o que seria um equívoco em diminuir seu potencial, a
rede mundial de computadores, conhecida como internet propicia
aos seus usuários uma vasta possibilidade de usos, tornando

75
tarefas corriqueiras mais ágeis e práticas, como pagar contas com
um clique, sem que precise sair de casa, muito utilizada por jovens
e crianças. A internet também propicia atividades de descontração
e entretenimento. Segundo a pesquisa TIC Domicílios realizada
pelo Centro de estudos para o desenvolvimento da sociedade da
informação (Cetic.br) e publicada no portal de notícias G1, 70% dos
brasileiros usaram internet em 2018, e pela primeira vez metade da
Zona Rural está conectada, assim como as classes E e D que
correspondem a camada mais pobre do nosso país. Esses dados
demonstram ascensão no que se refere ao número de usuários de
internet quando comparado com anos anteriores. No gráfico a
seguir é perceptível esse aumento.

Fonte: Portal G1 de notícias.

Além desses dados que demonstram aumento no uso da rede de


computadores o Cetic.br disponibiliza indicadores que correspondem
ao uso da internet por faixa etária no ano de 2018, nesses indicadores
o maior número de usuários que utilizam a internet todos os dias ou
quase todos os dias foram os com faixa etária de 16 a 24 anos (93% dos
usuários que responderam à pesquisa) seguidos pela faixa etária de 10
a 15 anos (84% dos usuários que responderam à pesquisa), tais dados
demonstram que os usuários mais assíduos ao uso da internet

76
correspondem a indivíduos com idade escolar do ensino fundamental
e ensino médio.
Diariamente conectados, são simultaneamente consumidores
e produtores de conteúdo, assim esse novo perfil de aluno exige
novos olhares sobre a prática docente, que deve se preocupar em
desenvolver a capacidade de ensinar e propiciar o aprender com o
uso das tecnologias, através de métodos que se interliguem ao
cotidiano desse aluno, desenvolvendo seu senso crítico e
participativo. A reflexão acerca do uso tecnológico é importante
para que a tecnologia não adentre a sala de aula apenas como uma
ferramenta de reprodução das antigas práticas, mas sim como
determinante no processo de inclusão do aluno nesse universo da
cibercultura7, o que não se configura apenas em introduzir na aula
o acesso a sites, ou realizar uma “aula diferente” por meio da
utilização de jogos online, dito educativos. Segundo Silva (2005, p.
64), o professor terá que buscar um aprendizado prévio que lhe
permita compreender a interatividade como modalidade
comunicacional central da cibercultura, rompendo com preceitos
de um educar voltado ao mestre, dando lugar a uma educação onde
o aluno se torna colaborador ativo na construção de seu
conhecimento e o professor se posiciona como facilitador.
Apesar do constante acesso aos meios digitais e da facilidade
de produzir conteúdo em suas redes sociais, nos questionamos se
esse aluno consegue fazer uso eficaz desses meios para produção
de conhecimento formal. Tal inquietação reforça a necessidade de
a escola promover atividades que oportunizem a consolidação
desses conhecimentos.

7 Cibercultura quer dizer modos de vida e de comportamentos assimilados e


transmitidos na vivência histórica e cotidiana marcada pelas tecnologias
informáticas, mediando a comunicação e a informação via Internet. Essa mediação
ocorre a partir de uma ambiência comunicacional não mais definida pela
centralidade da emissão, como nos media tradicionais (rádio, imprensa, televisão),
baseados na lógica da distribuição que supõe concentração de meios,
uniformização dos fluxos, instituição de legitimidades. (Lemos, 2002; Levy, 1999
apud Silva 2016).

77
Assim consideramos relevante discutir sobre a potencialidade
do trabalho em sala de aula com produção do gênero
documentário, pois partimos do pressuposto de que tal atividade
exige do aluno a mobilização de letramentos pertinentes ao uso
adequado de variadas ferramentas tecnológicas, além de
autonomia nas escolhas em todas as etapas de produção,
promovendo uma aprendizagem significativa que contempla o
protagonismo estudantil.

Pedagogia dos Multiletramentos

No ano de 1996, foi afirmada a necessidade de uma Pedagogia


que contemplasse os novos letramentos emergentes na sociedade,
que podem, mas não necessariamente, envolver o uso das TICs,
através do manifesto articulado pelo Grupo de Nova Londres
(GNL, 1996), que apontava a necessidade de uma educação que
contemplasse a multiplicidade de linguagens (semioses e mídias)
envolvidas na criação de significado para os textos
contemporâneos multimodais e a diversidade de culturas, que, de
acordo com Rojo (2012), resultam em produções culturais letradas,
formadas por um conjunto de textos híbridos de diferentes
letramentos.
Para atender a esse alunado multicultural, a escola precisa de
uma educação linguística adequada, que possibilite ao aluno
desenvolver projetos (designs) de futuro considerando três
dimensões: a diversidade produtiva, o pluralismo cívico e as
identidades multifacetadas (KALANTZIS e COPE, 2015), ambas
que atendam respectivamente ao âmbito do trabalho, da cidadania
e da vida social.
Como já mencionamos anteriormente, os multiletramentos
abrangem atividades de leituras críticas, além da produção e
análise de textos multissemióticos com enfoque multicultural, não
contemplando apenas textos digitais, mas todo texto que apresente
várias linguagens ou semioses, porém, é indubitável que as mídias
digitais permitem, através do processo de digitalização, a

78
recombinação e modificação de conteúdo originário de qualquer
mídia e as formas textuais que circulam nesses suportes digitais,
abrangem inúmeras possibilidades de misturas de linguagens e
conseguem mesclar escrita, som, imagem além de muitas outras
que juntas se relacionam e constroem significado. Diante desse
contexto de diversidade de produção e leitura, a Pedagogia dos
Multiletramentos ressalta a importância do ensino voltado ao
aprendizado de leituras críticas e escrita de textos multimodais.

O novo suporte de texto [a tela do computador] permite usos,


manuseios e intervenções do leitor infinitamente mais numerosos e
mais livres do que qualquer uma das formas antigas do livro. [...] O
leitor não é mais constrangido a intervir no coração, no centro. Que
resta então da definição do sagrado, que supunha uma autoridade
impondo uma atitude de reverência, de obediência ou de meditação,
quando o suporte material confunde a distinção entre o autor e o
leitor, entre a autoridade e a apropriação? (ROJO, 2013. p. 20 apud
CHARTIER, 1998, p. 88-91).

Leitor e autor se apresentam de forma inseparável, se


tornando um lautor (ROJO, 2013. p. 20), pois tais suportes digitais
proporcionam ambientes em que as situações de leitura e autoria
se entrelaçam, os usuários são produtores e consumidores de
conteúdos, não só pela tela do computador como também pelo
celular, suporte portátil que hoje compreende diversas
funcionalidades e que tem se tornado ao decorrer dos anos,
ferramenta cada vez mais acessível ao aluno.
Assim, a proposta de ensino de produção de documentário irá
propiciar ao aluno ambas as situações, pois o processo de produção
envolve várias etapas de construção, que variam de momentos de
pesquisa a atividades práticas fora e dentro do ambiente escolar,
reversando momentos em que o aluno se posiciona como leitor e
em outros como autor, produtor deste processo.
Neste contexto, o aluno é visto como protagonista e mobilizará
conhecimentos ao explorar diferentes linguagens e o manejo de
variadas ferramentas digitais; suas escolhas serão peças chaves

79
para alinhar os recursos escolhidos a proposta do projeto de forma
que combinem entre eles, transitaram por diversas modalidades de
representação e é necessário que compreendam que as
modalidades escolhidas não devem se apresentar de forma
paralela, sua relação é de complementação de uma a outra, o que
Cope e Kalantzis (2009) conceituam como sinestesia, uma das
características do multiletramentos.
Dessa maneira, destacamos a importância da multiplicação de
sentidos promovida pela multimodalidade para o ensino, pois
propicia a ampliação dos sentidos através da mobilização de
diferentes linguagens, mídias e ferramentas digitais, viabilizando
ao aluno diferentes formas e modos de aprendizagem.
Constatada a importância de uma Pedagogia dos
Multiletramentos, levantou-se a necessidade de reflexões acerca do
“como” poderia se implantar essa nova proposta pedagógica. Por
uma década, percepções e ideias consideradas relevantes para o
desenvolvimento da proposta do GNL foram sendo manifestadas,
conforme Santos (2018, p. 47). Em um primeiro momento, foram
destacados quatro elementos importantes, como mostra o quadro a
seguir adaptado pela autora:

Quadro 1 Elementos da proposta do GNL

Fonte: Adaptado por Santos de Cope e Kalantzis (2015) e Rojo (2012)

Trata-se de uma proposta em que se considera o conhecimento


prévio do aluno e, tendo início neste, parte para práticas de

80
aprendizado colaborativo, nas quais o professor se posiciona como
mediador, que introduz novos conhecimentos e instiga em seu
aluno a ressignificação de conhecimentos através do
desenvolvimento de sua criticidade.
Em 2003, na Austrália, surgiu o projeto ‘Learning by design’,
liderado por Kalantzis e Cope (2015), que envolvia teóricos e
professores. Através da revisão dessa proposta, esses componentes
receberam nova nomenclatura e foram designados como ‘processos
de conhecimento’, divididos em: experimentar, conceituar, analisar
e aplicar, conforme Santos (2018, p. 47) detalha no esquema abaixo:

Quadro 2: Processos de conhecimento

Fonte: Adaptado por Santos de Cope e Kalantzis (2015) e Kalantzis e Cope (2010)

O elemento ‘prática situada’ é substituído por ‘experimentar’,


que se trata da relação que o sujeito faz entre seus conhecimentos
prévios e as novas ideias e aprendizados. É um processo de
significação que o sujeito realiza na produção do seu conhecimento.
Já ‘conceituar’, em substituição a ‘instrução aberta’, se trata da
habilidade do sujeito em criar conceitos a partir de suas
observações e experiências acerca de determinado assunto. Na
produção do documentário, o aluno desenvolverá um produto
autoral, com marcas próprias, através do seu ponto de vista de um
determinado tema, de forma crítica e reflexiva. ‘Enquadramento
crítico’ dá lugar a ‘analisar’, que entende as habilidades como
analíticas, onde o aprendizado considera as questões funcionais de

81
um determinado assunto. Por último, o elemento ‘aplicar’,
anteriormente denominado como ‘prática transformada’ o qual
consiste em o sujeito utilizar os conhecimentos adquiridos,
selecionando-os conforme os contextos de aplicação apropriada,
bem como suas possíveis e diferentes formas. No caso da produção
do documentário, é exigida do aluno essa relação teoria versus
prática. Tais elementos não se apresentam em hierarquia, ambos se
relacionam entre si e ocorrem simultaneamente.

Gênero documentário e as marcas de autoria

O gênero documentário está fortemente associado ao campo


jornalístico, embora não se limite a ele, mas, segundo Nichols (2005),
os gêneros jornalísticos, como a notícia, buscam a representação do
real de forma objetiva e neutra, enquanto o documentário permite
uma representação do mundo segundo a perspectiva do autor, este
deve se posicionar e defender um ponto de vista, deixando claro ao
seu espectador o seu posicionamento sobre o assunto abordado.
Apesar de tratar de algo verídico, o ponto de vista do autor é algo
essencial a sua composição (ITAU, 2019, p. 25), assim a parcialidade
de quem o produz é elemento fundamental na construção das marcas
de autoria. Isso exige do aluno produtor deste gênero uma postura
crítica e reflexiva sobre suas leituras e sobre o próprio contexto de
produção, além de forte poder de argumentação para que possa
defender seu ponto de vista.
O documentário, composição áudio visual de caráter
informativo (ROJO, 2012. p. 203), é um gênero que convive com
vários outros gêneros em sua composição, que lhes permite uma
multiplicidade de linguagens e semioses, as quais lhes conferem
significados. Nichols sugere que este gênero abarca seis
subgêneros: expositivo, poético, participativo, observacional,
reflexivo e performativo, onde operam segundo suas convenções
específicas, porém é válido salientar que nada impede que um
documentário participativo apresente segmentos poéticos (ITAÚ,
2019. p. 25). Sua vinculação a um subgênero se dá devido a

82
características dominantes e não exclusivas. Esse propicia uma
abordagem singular do real através de variadas expressões. Tal
pluralidade exige letramentos múltiplos. Devido à sua abrangência
social e cultural, o gênero documentário permite o ensino de
saberes diversos integrados as múltiplas semioses, argumentação,
progressão temática, coesão e coerência textual, o que
demostraremos através do esquema a seguir, que mostra os
elementos contemplados em seu processo de produção:

Quadro 3: Elementos que compõem o processo de produção do documentário


Fotografia e Áudio e Edição de
Produção Edição de som
câmara operação de som imagem

Captação de som Mixagem das


PLanejamento Iluminação Recorte
nas filmagens vozes

Execução do Movimentação das Captação de som


Ruídos Montagens
projeto câmaras em diálogos

Captação dos
Enquadramento Músicas
ruídos ambientes

Composição da
cena

Fonte: produção nossa adaptada do Caderno de orientações para


produção do gênero documentário

Tais elementos, quando relacionados corretamente, atribuem


sentido ao texto e, para que isso ocorra, é necessário o uso
adequado das tecnologias, o que só será alcançado através de
atividades práticas direcionados em que o aluno parta da teoria a
possibilidades de testes aplicados. Como nossa proposta de
pesquisa consiste em tal produção, é imprescindível que atentemos
para essa necessidade, principalmente no que se refere às etapas de
filmagem e edição de vídeos e áudios. Essas categorias também
podem ser marcas de autoria, no documentário, uma vez que esses
elementos podem ser escolhidos pelos autores para atender a
determinados propósitos. Logo, nos documentários, a autoria pode

83
ser demonstrada com o uso de determinados elementos
multissemióticos e multimodais. Vejamos um exemplo:

Figura 1: Documentário sobre assassinato de Ayrton Senna

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=nTC6GnuxrDo.
Acesso em: 29 mai. 2020.

O documentário em tela está inscrito no canal Conhecimento é


poder8 e defende a tese de que o piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna,
morto em acidente automobilístico em 1994, foi, na verdade,
assassinado por atiradores de elite – snipers –, por motivações
políticas dentro do esporte. A priori, defende-se que, por se tratar
de um esportista incomum, poderia vencer muitos campeonatos
que disputasse, sendo, portanto, ameaça a rivais. Para sustentar
essa tese, os autores do documentário se utilizam de uma série de
fotos, as quais são narradas por um locutor que explica sobre as
disputas que ele teve, durante a carreira, com o piloto francês Alain
Prost e organizadores franceses que geriam a categoria à época.
Separamos aqui este trecho do documentário, aos 35min10s.,
em que o narrador mostra uma foto do sepultamento do piloto

8 Cf. https://www.youtube.com/user/conhecimentoepoder1

84
brasileiro, cujo caixão foi carregado por outros pilotos. Neste ponto,
veja como se configuram as marcas de autoria: a foto é sobreposta
por um texto verbal: “Percebam o rosto de culpa de Prost no velório de
Senna”9. Essa edição na imagem, que é uma montagem, e a
fotografia escolhida serve bem aos propósitos de defender a ideia
de que Senna não morreu por um acidente, mas assassinado, e
Alain Prost, que, em cuja foto escolhida olha para baixo, em sinal
de tristeza, na verdade, estaria fingindo, uma vez que teria sido um
dos responsáveis pela morte. É evidente que se trata de uma teoria
da conspiração, mas o exemplo demonstra como determinadas
escolhas, como a de uma foto de um ângulo específico ou mesmo a
edição e manipulação de imagem, mostra um traço autoral. Mas
como isso reverbera na educação?

Documentário, autoria e ensino de língua portuguesa

Diferente de alguns gêneros que apresentam marcas


linguísticas recorrentes, como é o caso de expressões utilizadas nas
histórias infantis (...viveram felizes para sempre) e nas cartas (Prezado
amigo...), o documentário não se define através de enunciados
estereotipados ou tipos textuais fixos (MELO, 2002, p. 23-24).
Consiste, no entanto, em uma produção de criação livre, com um
variado leque de possibilidades, modos de produção, que se
sobrepõem e se misturam, através das linguagens escolhidas e da
produção de significado criado através de sua relação, o produtor
constrói uma representação do real segundo o seu ponto de vista,
o que Nichols (2010, p. 73) chama de “a voz do documentário”.
O documentário se trata de uma obra pessoal, pois, por toda
sua narrativa, estão presentes a subjetividade e a ideologia através
de representações de textos verbais, sons e imagens (MELO, 2002,
p. 30), assim a produção do gênero documentário consiste numa
atividade que permite ao aluno protagonismo na construção do seu

9Alain Prost é o segundo, à esquerda da foto, sem óculos, carregando o caixão,


olhando para baixo.

85
saber. Não se é possível tal produção sem reflexão social e domínio
argumentativo, além de um mínimo conhecimento sobre a
construção de significado através das relações entre as linguagens
audiovisuais e uso de tecnologias, uma aprendizagem que envolve
a mobilização de muitos letramentos.
Propõe-se aqui uma atividade para os alunos, cujo objetivo é
compreender a constituição das marcas de autoria num documentário.
Neste ponto, deve ser convocada a Pedagogia dos
Multiletramentos e categorias de trabalho, como o experimentar,
conceituar, aplicar e analisar:
a) Experimentar: para Nichols (2010, p. 20), todo filme é um
documentário pois “mesmo a mais extravagante das ficções
evidencia a cultura que a produziu e reproduziu”, porém o
autor classifica esses filmes em dois grupos, documentário de
satisfação e desejo, normalmente chamados de ficção e os
documentários de representação social, que interpretam
“histórias verdadeiras”, essas entre aspas, pois como já
mencionamos, através de uma contribuição de Melo, o
documentário é uma obra pessoal, assim traz em seu conteúdo
marcas autorais que demonstram a singularidade desse tipo de
produção, pois ainda que pessoas distintas produzam um
documentário sobre o mesmo tema, ambos terão
representações próprias do real, o que pode ser notado em sua
produção devido a individualidade nas escolhas do seu
produtor, o conjunto dessas escolhas é o que compõem sua
voz. O aluno deve ser instruído a ver o que está disponível no
mundo (design) e estudar o funcionamento desses diferentes
tipos de documentário.
b) Conceituar: é neste momento que interessa ao professor
discorrer sobre como a ciência enxerga esses dois grupos de
documentário, por exemplo. Um exercício interessante seria
trazer dois tipos diferentes de documentário e pedir para que
os alunos busquem estabelecer as diferenças entre eles. Essas
diferenças podem ser desenhadas no quadro, para apontar,

86
mais à frente, o que pode mostrar as marcas de autoria em cada
um deles.
c) Aplicar: a voz do documentário não é somente o que é dito
verbalmente, a voz do documentário se expressa através de
todos os meios disponíveis do seu criador, Nichols (2010, p.
76), como enquadramento, movimento da câmara, montagem,
efeitos sonoros, modo de representação e outros meios que
possam lhe estar disponíveis. É a hora de esses conceitos serem
aplicados. Um exercício simples pode ser a realização de uma
atividade para a produção de um minidocumentário, com o
próprio smartphone, sobre uma temática que está em evidência.
Pode-se pedir que eles se utilizem de todas as marcas trazidas
por Nichols (2010), por exemplo, como o movimento da
câmera, montagem e efeitos sonoros, de maneira que eles
entendam o porquê estão se utilizando de cada um desses
recursos. Essas escolhas compõem a representação do real
pelos olhos daquele que o produz, manifesta um ponto de vista
e revela a intenção do produtor no documentário. É, portanto,
uma marca de autoria.
d) Analisar: é hora de ver como ficaram os resultados. Uma
atividade sugerida seria assistir a cada um dos documentários
produzidos e pedir para que os alunos avaliem os trabalhos
dos outros colegas, buscando entender a função de
determinados recursos utilizados. Isso lhes dará certa
bagagem para desenvolver a crítica e entender a função social
de cada um desses elementos.
Essa característica do gênero é o que o torna instigante e
desafiador para sua produção em sala de aula, pois em tal contexto
é o aluno que tomará o papel de produtor de significado,
responsável por construir sua voz dentro do documentário,
atendendo a um processo constante de reflexão sobre o tema
escolhido, pois a produção do documentário não consiste somente
na descrição de algo real, mas consiste sobretudo na representação
daquele fato real de modo subjetivo e são exatamente as marcas

87
dessa subjetividade percebidas através da narração que fazem da
produção um documentário.

Considerações finais

Todo processo de ensino deve fazer sentido para os sujeitos, o


aprendizado se dará através de experiências concretas que
oportunizam ao aluno o desenvolvimento de sua autonomia dentro
desse processo. Dentro do contexto do ensino de Língua
Portuguesa, defendemos a utilização do gênero documentário por
meio de seu processo de produção, como proposta de atividade que
envolve várias etapas em seu processo de criação, e que o aluno é
instigado a desenvolver pesquisa, argumentação e habilidades no
tratamento de dados, sempre dentro de uma esfera ética de respeito
pelo que é posto e pelos personagens colaboradores de sua
produção.
O documentário, por ser um texto de apresentação
áudio/visual, instiga no aluno um olhar crítico e interpretativo das
semioses que o compõem. Quanto ao processo de produção, o fácil
manejo da tecnologia necessária e o baixo custo de equipamentos e
softwares é outro ponto positivo para a introdução desse tipo de
produção em contexto de sala de aula. A filmagem pode ser
realizada com câmeras digitais ou até celulares e, quanto ao
tratamento dos dados, pode ser realizado em programas de edição
gratuitos disponibilizados em sites na internet.
Por fim, devido ao que foi posto, sugerimos que o gênero
documentário ocupe um espaço significativo nas aulas de língua
portuguesa, não somente como ferramenta de ensino, mais
principalmente como uma prática social, em que o aluno através da
investigação e da reflexão crítica atue como agente produtor de
significado, defendendo seu ponto de vista acerca de algo da sua
vivencia através de uma produção textual que engloba variadas
linguagens e modos de significação.

88
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90
PLÁGIO E AUTORIA NA LITERATURA DE CORDEL:
UM OLHAR SOBRE A OBRA DO POETA
LEANDRO GOMES DE BARROS

José Renato Pereira Brasil


Maria Luiza Soares Lopes
Marielly Pereira Alves de Sousa

Introdução

As polêmicas envolvendo as práticas de plágio são muito


comuns. Ao tratarmos deste tema, não podemos vê-lo como algo
novo, que surgiu na modernidade. No entanto, não se pode negar
que, com o advento da tecnologia, as questões que envolvem
direitos autorais ganharam ainda mais notoriedade, de modo que
parece se ter tornado cada vez mais comum identificar plágio, tanto
em meios acadêmicos, como artísticos, jornalísticos, entre outros.
Silva (2008, apud FONSECA, s.d.) caracteriza o plágio como a
apropriação ou expropriação de direitos intelectuais. O termo
“plágio” vem do latim “plagiarius”, um abdutor de “plagiare”, ou
seja, “roubar”. De acordo com a Lei dos Direitos Autorais nº 9.610,
de 19 de fevereiro de 1998, o que caracteriza um plágio é a
expropriação do texto de um outro autor e a apresentação desse
texto como sendo de cunho próprio.
A literatura de cordel, que se configura como literatura
popular e tem sido objeto de estudo de muitos pesquisadores que
buscam fazer um panorama da sua história, de seus principais
autores, de suas raízes e características, tem enfrentado
dificuldades exatamente por práticas que envolvem a verdadeira
autoria de alguns folhetos.
Tendo como mote as questões acima descritas, neste capítulo,
fazemos alguns apontamentos sobre a questão do plágio e da
autoria na literatura de cordel. Especificamente, nos detemos à obra

91
de Leandro Gomes de Barros, que, de acordo com Câmara Cascudo
(1984), foi um ícone da literatura de cordel da sua época, sendo o
cordelista que mais produziu e publicou folhetos. Devido a esse
fato, surgiram muitas discussões envolvendo seu nome. Alguns
afirmam que ele sofreu com a reprodução de suas obras e outros
dizem que há indícios de que ele possa ter reproduzido ou se
inspirado em obras europeias. Desse modo, procuramos realizar
uma breve análise acerca do plágio e da autoria tendo como ponto
de partida os seus principais escritos.

Literatura de cordel: origens e características

O cordel teve origem na Europa Medieval e suas bases estão


na França, Espanha, Portugal, Itália, Alemanha, Holanda e
Inglaterra. Sobre o cordel europeu, nos fala Luyten (2007):

[...] Em toda a Europa, uma forte literatura popular, sobretudo em verso


ganhou corpo. Ela, aos poucos, ia se fixando em determinadas regiões
de maior confluência de pessoas. Logo depois da invenção da
impressora – 1450 – já se iniciam as primeiras impressões de poemas
populares que ganharam notoriedade entre as camadas menos
abastardas, pois retratava de forma bem-humorada e alegre o cotidiano
dessas camadas e satirizava as demais (LUYTIEN, 2007, p. 36).

Especificamente, o nome “cordel” surgiu em Portugal, em


virtude da maneira que os folhetos eram comercializados. Estes
ficavam pendurados em cordão ou cordéis, como também eram
chamados. A exposição dos folhetos permitia que as pessoas
tivessem acesso às histórias contadas em versos.
No Brasil, o cordel foi introduzido no início do processo de
colonização pelos portugueses. Entretanto, os cordéis brasileiros
adquiriram aspectos próprios, diferenciando-se do lusitano e só
começaram a ganhar maior notoriedade quando passaram a ser
impressos, na segunda metade do século XIX. Os cordéis impressos
destacaram-se no país a partir de Leandro Gomes de Barros,

92
considerado por Câmara Cascudo (1984) como um dos maiores
cordelistas da sua época, que fazia a impressão dos seus cordéis e
vendia nas principais feiras livres do Nordeste. Sales (2018) diz que
o folheto de cordel geralmente é impresso em um papel pardo no
tamanho de um livreto de bolso, no qual suas capas são ilustradas
por xilogravuras. A xilogravura por sua vez é a técnica de gravar
em madeira e transferir para o papel, são as ilustrações contidas
nos folhetos, também considerada como uma forma de arte.
A partir da impressão dos folhetos, o cordel expande-se por
todo o território nacional, como destaca Haurélio (2016):

A literatura de cordel é a poesia popular, herdeira do romanceiro


tradicional e, em linhas geral, tributária da literatura oral (em
especial dos contos populares) desenvolvida no Nordeste e
espalhada por todo o Brasil pelas muitas diásporas sertanejas. Refiro-
me, evidentemente, à literatura que reaproveita temas da tradição
oral, com raízes no trovadorismo medieval lusitano, continuadora
das canções de gesta, mas também, espelho social do seu tempo
(HAURÉLIO, 2016, p. 12-13).

Conforme nos mostra o autor, o processo migratório do


sertanejo nordestino foi um elemento responsável pela difusão do
cordel pelo território brasileiro, fazendo com que essa cultura
tipicamente nordestina chegasse a outras regiões do país. De
acordo com Medeiros (2002), um dos fatores que contribuiu para
essa disseminação foi a maneira como ele é escrito em uma
linguagem simples e popular utilizada nos versos. Além disso, o
baixo custo e o fácil acesso fez do cordel uma literatura popular
conhecida em todo o território nacional.
Denominada como a poesia popular impressa, os folhetos da
literatura de cordel são expostos em cordão ou cordel na maioria das
feiras livres do Nordeste brasileiro. É considerado cordel a poesia
popular escrita em verso ou em prosa, com uma linguagem simples e
popular. Os versos possuem uma estrutura relativamente simétrica,
marcada por sextilhas, septilhas ou décimas, apresentando temas

93
variados do cotidiano da população sertaneja com: cangaço,
migração, religiosidade, situações políticas, entre outros.
Assim, podemos considerar a literatura de cordel como sendo
uma manifestação da cultura popular, afirmação corroborada por
Grangeiro (2002):

O cordel tem características tanto populares como folclóricas, ou seja,


é um meio impresso, com autoria designada, consumido por um
número expresso de leitores numa área geográfica ampla, enquanto
exibe métricas, temas e performance da tradição oral. Além disso,
conta com a participação direta do público [...]. É caracterizado como
meio híbrido: popular em termos de produção, disseminação e
consumo, o folclórico, no pensar dos seus poetas tradicionais e do
público (GRANGEIRO, 2002, p. 17-19).

Assim, podemos dizer que o cordel é uma mescla de ritmos e


vozes da cultura popular que, juntos, descrevem a vida simples da
população sertaneja, seu dia a dia, suas crenças e vivências, sendo
composto por dois elementos artísticos: a xilogravura e a poesia. O
primeiro elemento está presente na capa dos folhetos. Para
Grangeiro (2002):

A xilogravura, arte de gravar em madeira é de provável origem


chinesa, sendo conhecida desde o século VI [...] Sabe-se que o cordel
antigo não trazia xilogravuras. Suas capas eram ilustradas apenas
por vinhetas-arabescos usados nas tipografias, todavia a xilogravura
passou a fazer parte integrantes dos cortes sendo uma arte a parte,
onde procura de um modo geral retratar a estória presente no folheto
(GRANGEIRO, 2002, p. 138).

A utilização da xilogravura nos cordéis passou a ser feita nos


folhetos brasileiros, como afirma Luytien (2007), como uma forma
de ilustrar os folhetos. Essas ilustrações sempre procuram retratar
o tema que está sendo apresentado no texto. Luytien (2007) destaca
que:

94
As xilogravuras começaram a ficarem conhecidas e cobiçadas no
Brasil a partir da exposição que houve em Paris, no ano de 1965, o
que confirma o ditado popular ‘santo de casa não faz milagre’, tendo
em vista que no país essa arte não era muito valorizada, ficando
restrita apenas ao mundo do cordel (LUYTIEN, 2007, p. 57).

No que tange à poesia, o cordel apresenta-a de dois modos: a


“fixa” e a “móvel”; a primeira é formada por versos aos quais são
memorizados e repassados de maneira oral ou impressa. A
segunda é formada a partir do improviso momentâneo geralmente
realizada por cantadores, em forma de dueto; estes, por sua vez,
procuram retratar o cotidiano sertanejo, bem como enaltecer
façanhas vividas por personagens do folclore regional.
Mesmo tendo sido levada a todo o território nacional, é no
Nordeste que a literatura de cordel se dissemina e auxilia na
construção do imaginário e da identidade do povo, adquirindo
características de poesia popular e destacando-se na elaboração
artística e artesanal das xilogravuras e dos folhetos.

O cordel no Nordeste

O cordel chegou ao Nordeste ainda no início da colonização, no


século XVI, trazido pelos portugueses, mantendo, portanto, forte
relação com a produção do gênero na Europa, sobretudo em Portugal.
Essa afirmação é corroborada por Medeiros (2002), que afirma:

[...] a literatura de cordel chegou através dos colonizadores lusos, em


“folhas soltas” ou mesmo em manuscritos. Só muito mais tarde, com
o aparecimento das pequenas tipografias – fim do século dezenove –
, a literatura de cordel surgiu e fixou-se no Nordeste como uma das
peculiaridades da cultura regional (MEDEIROS, 2002, p. 27).

Um fator que contribuiu para que o Nordeste se tornasse um


ambiente fértil para a literatura de cordel foram as características
sociais e culturais dessa região, mote importante para as histórias
contadas nos folhetos, como enfatiza Diégues Júnior (1986): “No

95
Nordeste [...], por considerações sociais e culturais peculiares, foi
possível o surgimento da literatura de cordel, de maneira como se
tornou hoje em dia característica da própria fisionomia cultural da
região.” (DIÉGUES JÚNIOR, 1986, p. 41).
Os poemas e desafios eram representados no Nordeste em
formato oral, chamados de cantorias, que eram as apresentações das
histórias contadas em versos acompanhadas de viola e rabeca10. Nas
cantorias também eram contadas novelas e várias outras estórias,
sendo o cordel considerado um meio de comunicação, já que a energia
elétrica não havia chegado em muitos locais da região.
Os temas abordados nos versos são dos mais variados
assuntos: biográficos, políticos, sociais etc. Há os que contam
histórias de romances, os que criticam fatos ou pessoas, e ainda os
que contém aventuras. Megale (1999) destaca que o:

Cordel é também o jornal nordestino. Os desastres, as inundações, as


secas, os cangaceiros, as reviravoltas políticas, alimentam o caráter
jornalístico dessa produção, que chega a centenas de títulos por ano.
O bom crime é a alegria do poeta, dizem os cordelistas (MEGALE,
1999, p. 58).

No Nordeste, os cordéis foram publicados com diversos


títulos. Através dos versos, os poetas contam histórias variadas,
incluindo o dia a dia da vida dos nordestinos. Logo, a literatura de
cordel torna-se importante para os nordestinos, pois estes tinham
de modo geral os aspectos da sua vida retratados nos folhetos, o
que acaba gerando uma relação de afetividade com o cordel.
Por muito tempo, os folhetos assumiram o papel de jornal do
povo, repassando aos sertanejos os informes e atualizações dos

10 A rabeca ou rebeca é um instrumento musical de cordas friccionadas,


aparentado ao violino, e geralmente encarado como uma espécie de versão mais
rústica ou primitiva deste último. [...] a rabeca pode ser considerada como um
instrumento com identidade própria, uma vez que se distingue do violino em
muitos aspectos, principalmente na construção e no modo de tocar. Disponível
em: <https://rabeca.org/?ip=rabeca> Acesso em: 02 de jun. de 2020.

96
noticiários veiculadas nos jornais, em forma de versos. O cordelista
lia a informação e a reescrevia à sua maneira ou da maneira que ele
acreditava que seria entendida e melhor aceita pela população, o
que funcionava como um tradutor dos acontecimentos. O poeta
procura a sua versão, a partir do noticiado ou ocorrido, e nessa
decodificação é que ele encontra utilidade de executar
conscientemente o seu papel de decodificador popular. É a sua
versão que vai importar, em última instância, para o leitor
específico de seus folhetos (LUYTEN, 2007).
Assim sendo, destacamos a importância que a literatura de
cordel teve e tem para a população nordestina, ora atuando como
texto informativo, ora como texto humorístico e de lazer. Dentre os
maiores cordelistas do Nordeste e do Brasil, encontramos a figura
de Leandro Gomes de Barros, cuja obra constitui objeto de análise
do presente trabalho.

Leandro Gomes de Barros: ícone da literatura de cordel brasileira

Poeta popular e cordelista, Leandro Gomes de Barros nasceu


em 19 de novembro de 1865, na fazenda Melancia, no Município de
Pombal/PB, filho de José Gomes de Barros Lima e Adelaide Gomes
de Barros Lima. Em virtude da morte do seu pai, foi morar na Vila
de Teixeira, junto ao seu tio paterno, o padre Vicente Xavier de
Faria, de quem recebeu as primeiras lições de leitura e escrita.
De acordo com Câmara Cascudo (1984), Leandro Gomes de
Barros foi o precursor entre os cordelistas a viver exclusivamente
do cordel, todavia, como destaca Curran (1998), ele não foi o
primeiro a imprimir e a vender os seus cordéis em feiras livres, mas
foi o que obteve o maior sucesso em sua época.
Devido à sua vasta obra, Leandro Gomes de Barros ganhou
destaque nacional, recebendo uma singela homenagem de Carlos
Drummond de Andrade em uma crônica intitulada “Leandro, O
poeta”, na qual foi chamado de Príncipe dos Poetas. Esta crônica foi
publicada em 9 de setembro de 1976, no Jornal do Brasil, e nela,
Drummond faz uma comparação entre Leandro Gomes de Barros

97
e Olavo Bilac, sendo que descreve Leandro da seguinte forma "Não
foi príncipe dos poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo,
rei da poesia do sertão, e do Brasil em estado puro" (DRUMMOND,
1976, n.p. ). E diz mais:

"Leandro foi o grande consolador e animador de seus compatrícios,


aos quais servia sonho e sátira, passando em revista acontecimentos
fabulosos e cenas do dia-a-dia, falando-lhes tanto do boi misterioso,
filho da vaca feiticeira, que não era outro senão o demo, como do real
e presente Antônio Silvino, êmulo de Lampião" (DRUMMOND,
1976, n.p. ).

Esse trecho revela a admiração que Drummond tinha em


relação a Leandro, o que só reforça a importância que este
cordelista teve para o desenvolvimento da literatura de cordel no
Nordeste brasileiro, graças ao trabalho pioneiro de impressão em
massa de folhetos e divulgação.
De acordo com Câmara Cascudo (1984), Leandro Gomes de
Barros “é autor de mais de mil folhetos, com cerca de 10.000
edições” (CASCUDO, 1984, p. 433). Dentre as principais obras
escritas ou reproduzidas por ele temos: O cachorro dos mortos, O
cavalo que defecava dinheiro, História de Juvenal e o Dragão, História do
Boi Misterioso, Batalha de Oliveiro com Ferrabrás, Branca de Neve e o
Soldado Guerreiro, A Confissão de Antônio Silvino, A Vida de Pedro Cem,
Os Sofrimentos de Alzira, Como Antônio Silvino Fez o Diabo Chocar,
História de João da Cruz, Vida e Testamento de Cancão de Fogo, A Mulher
Roubada, Suspiros de um Sertanejo, O Soldado Jogador, Donzela Teodora
e o Boi do Nordeste.11
A vastidão de sua obra reforça a importante contribuição que
o cordelista teve para a literatura de cordel, já que trata dos mais
variados temas, elemento marcante dessa modalidade literária.

11Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/leandro biografia.


html/ Acesso em 24/06/2019.

98
Questões de plágio e autoria na literatura de cordel

O plágio é habitualmente visto como algo negativo, como um


mal à cultura, e muitos aliam o mesmo à incompetência de quem o
comete. É colocado no Critical Art Ensemble (2001) que o plágio é
tido como um roubo de linguagem, ideias e imagens,
frequentemente para o aumento da fortuna ou do prestígio pessoal
do plagiador. Porém, em algumas épocas ele foi visto como um
disseminador de ideias, dependendo do contexto social em que
estava inserido:

Antes do iluminismo, o plágio tinha sua utilidade na disseminação


das ideias. Um poeta inglês podia se apropriar de um soneto de
Petrarca, traduzi-lo e dizer que era seu. De acordo com a estética
clássica da arte enquanto imitação, esta era uma prática
perfeitamente aceitável. O verdadeiro valor dessa atividade estava
mais na disseminação da obra para regiões onde de outra forma ela
provavelmente não teria aparecido, do que no fortalecimento da
estética clássica (CRITICAL ART ENSEMBLE, 2001, p. 83).

Com o advento da internet, no mundo pós-moderno, e a


velocidade com que as informações são transmitidas, é permitido
ter acesso a qualquer conteúdo na palma da nossa mão, o que,
muitas vezes, nos leva a não saber quem foi seu criador, porque
hoje não importa de quem é e sim qual a informação e a permissão
para reproduzi-la. Tem se tornado cada vez mais difícil se ter um
controle sobre isso, pois, “numa sociedade dominada por uma
explosão de ‘conhecimentos’, explorar as possibilidades de
significado naquilo que já existe é mais premente do que
acrescentar informações redundantes (mesmo quando produzidas
por meio da metodologia e da metafísica do ‘original’)” (CRITICAL
ART ENSEMBLE, 2001, p. 83).
A literatura de cordel, ao longo dos anos, também tem sofrido
com os dilemas entre o plágio e a autoria. Existe um crescente interesse
de estudiosos, como apontam Gaudêncio, Dias e Albuquerque (2015),

99
por buscar um melhor entendimento sobre o assunto, sobre a
“história, ascensão, declínio, formas de representação, preservação da
memória e, também, a proteção aos direitos autorais” (GAUDÊNCIO;
DIAS; ALBUQUERQUE, 2015, p. 97).

Historicamente, os poetas de cordel sempre tiveram que conviver


com o problema do plágio, desafiando seus direitos de autoria. Os
donos das tipografias contratavam cordelistas que não tinham
recursos financeiros para publicar, distribuir nem comercializar os
folhetos. Conforme estes eram impressos, o proprietário da
tipografia pagava ao autor por ele ter escrito o cordel.
Consequentemente, ao pagar o cordel, este se tornava propriedade
do tipógrafo, o qual, por sua vez, transformava-se em autor
(GAUDÊNCIO; DIAS; ALBUQUERQUE, 2015, p. 101).

Os autores supracitados trazem apontamentos do jornalista,


historiador e cordelista brasileiro Franklin Maxado, mostrando que
direitos autorais eram entendidos como direitos de propriedade,
ou seja, quem paga é autor. Assim, quando um fato tinha muita
repercussão, reuniam-se todos os poetas da folheteria, estes
recebiam um tema e a melhor história era publicada. Mas, muitas
vezes, o dono-mestre juntava partes destas, acrescentava seus
versos e publicava o folheto como de sua autoria. Outras histórias
recebiam uma nova versão ou poemas populares eram comprados
e publicados no nome do comprador.

Pelo que demonstra o cordelista, havia e ainda há um pleno


desconhecimento quanto ao direito moral e patrimonial do autor. O
direito moral jamais pode ser editado, especialmente quando se
tratar de nome do autor que tenha sido retirado para se colocar o
nome da pessoa que imprimiu e pagou pela obra. Quanto ao direito
patrimonial ou de propriedade, havendo cessão de direitos, o tutor
da obra poderá comercializá-la, distribuí-la e divulgá-la, porém sem
alterar o texto ou a autoria. Sua relação com a obra visará apenas e
exclusivamente ao lucro comercial (GAUDÊNCIO; DIAS;
ALBUQUERQUE, 2015, p. 102).

100
Se antes da impressão dos folhetos, as cantorias orais já se
disseminavam e os cantadores reproduziam por onde andavam
versos da própria autoria ou de outros poetas, fazendo com que
surgissem novas versões, imagina-se o que não houve com o aumento
da reprodução dos folhetos, além do grande número de obras
disponibilizadas a cada ano na internet. Com tudo isso, aumentou a
facilidade da reprodução do cordel sem que os seus verdadeiros
autores recebessem os créditos, o que tem dificultado ainda mais a
atribuir com veracidade uma obra a determinado autor.

Leandro Gomes de Barros: plagiador ou plagiado?

Quando partimos para a discussão sobre o plágio nas obras de


Leandro Gomes de Barros, as opiniões são bastante divididas, pois
existem aqueles que defendem que a partir da releitura se recria,
pois somos leitores-autores e sofremos influência de nossas
leituras. Em sua dissertação, Sales (2018) propõe uma discussão
sobre as origens da literatura de cordel e discorre sobre a influência
de folhetos lusitanos na produção dos textos brasileiros. Uma das
referências utilizadas pelo autor é um cordel do próprio Leandro
Gomes de Barros, onde ele fala de suas inspirações:

"Esta peleja que fiz


não foi por mim inventada,
um velho daquela época
a tem ainda gravada
minhas aqui são as rimas
exceto elas, mais nada."
(Leandro Gomes de Barros, 1899)

Segundo o autor da dissertação, há os pesquisadores que


defendem haver dependência entre o que foi produzido no Nordeste
brasileiro e em Portugal, mas outros “concordam em haver
‘adaptações’, ‘releituras’, ‘recriações’, ‘traduções’, ‘transformações’

101
e/ou ‘desdobramentos’, resultado da fusão entre a literatura popular
ibérica e os poetas improvisadores.” (SALES, 2018, p. 22).
Tendo em vista que se trata de uma literatura extremamente
popular e que suas inspirações partem de histórias reais e
contos/causos criados e reproduzidos oralmente por gerações, é
natural que se percebam relações de semelhança com outros textos
escritos a partir das mesmas inspirações, uma vez que em uma obra
artística literária há espaço para adaptações e releituras. Contudo,
também existiam as práticas de reprodução com fins apenas
lucrativos que tiravam dos poetas a propriedade de seus versos,
que geralmente por falta de recursos financeiros para publicar seus
poemas os vendiam para os donos de tipografias que, ao
comprarem, se apropriavam não apenas dos lucros, mas também
da autoria, ou seja, os folhetos saiam com seus nomes.
Assim, uma maneira muito usada pelos poetas para driblar o
plágio é o uso do acróstico para que nenhum outro se apropriasse
da sua história e assinasse como sendo sua. Dessa forma, era
provada a autoria dos versos. Ao citar Tavares (2008), Gaudêncio,
Dias e Albuquerque (2015) definem a técnica do acróstico como a
mudança de posição de algumas letras que devem ser lidas em
sequência, em que são formadas uma ou mais palavras.
Geralmente, é usado na primeira letra da primeira palavra do
verso, na posição vertical sendo a letra destacada em negrito ou
itálico. Os acrósticos são utilizados na literatura de cordel como
assinatura disfarçada.
Podemos observar na estrofe do folheto História de João da Cruz,
que o poeta Leandro Gomes de Barros também usou dessa
estratégia para evitar ser plagiado:

Lúcifer ficou convulso,


Esvaindo-se em furor,
A alma recendia graças
Na presença do Senhor
Dando louvores ao anjo,
Rendendo graças ao Arcanjo

102
O seu grande defensor.
(Leandro Gomes de Barros, 1917)

Porém, isso não impediu que acontecessem modificações nos


versos por outros poetas para publicar os folhetos sem a marca do
autor original. Quando não excluíam ou alteravam as letras dos
acrósticos, inspiravam-se no texto original recriavam a história.
Vejamos um exemplo da reprodução/releitura feita por Manoel
Pereira baseada em um conto do livro “História de João da Cruz”,
escrito originalmente por Leandro Gomes de Barros:

Fonte: Rubi - Repositório Rui Barbosa de informações culturais

Observamos que o título é o mesmo, a essência da história é a


mesma, contudo com uma nova releitura, uma espécie de
intertextualidade, publicado com o nome de um novo autor e em
uma editora diferente – a edição original de Leandro é de 1917 e a
segunda é uma nova versão do ano de 1957.
Um caso muito conhecido, envolvendo o plágio de obras de
Leandro Gomes de Barros foi quando João Martins de Athayde,
também poeta e editor, comprou os direitos de publicação da obra
de Leandro à viúva deste. Em princípio, passou a publicar os

103
folhetos atribuindo a autoria original. No entanto, com o passar do
tempo, atribuiu a si mesmo a autoria, alterando inclusive os
acrósticos que davam conta de sua apropriação indevida das obras.
Já em 1945, o próprio Athayde vendeu ao dono da Tipografia São
Francisco, José Bernardo da Silva, poeta alagoano radicado em
Juazeiro do Norte (Ceará) todos os direitos de suas obras, incluindo
as de Leandro Gomes de Barros por ele adquiridas. Tal fato
permitiu ainda maiores modificações na obra do poeta paraibano,
o que tem dificultado a identificação e levantamento de toda a obra
do autor.
Atualmente, o Projeto de Pesquisa “Folhetos de Papel:
Memória do Cordel”, da Fundação Casa Rui Barbosa, tem
resgatado, organizado e disponibilizado a obra do autor, buscando
atribuir a autoria a quem é de direito e permitindo que se conheça
a obra do grande cordelista brasileiro Leandro Gomes de Barros.

Conclusão

No presente estudo, realizado acerca do plágio e da autoria na


literatura de cordel, tendo por base a obra de Leandro Gomes de
Barros, ficou nítida a envergadura e a dimensão que o tema
abrange, constatação que se tornou evidente quando realizamos as
primeiras leituras sobre a temática em questão. As leituras e
pesquisas realizadas revelaram a complexidade que envolve o
tema do plágio e da autoria no cordel, haja vista que não existe uma
maneira eficiente de evitar que os folhetos sejam reproduzidos de
maneira indevida.
Isto posto, podemos destacar que, ao longo de nossas análises,
o tema é tratado em diferentes perspectivas e visões de
conhecimento, de maneira que, ressaltamos, as questões de plágio
e autoria não são uma problemática recente na literatura de cordel,
tendo em vista que é uma prática comum desde o seu surgimento,
uma vez que alguns cordelistas reproduzem histórias, contos
populares e cordéis como se fossem da sua própria autoria. Não foi
diferente para o poeta paraibano Leandro Gomes de Barros, que,

104
assim como teve parte de sua obra inspirada em folhetos europeus,
sofreu plágio inúmeras vezes, sendo algumas de suas obras até hoje
registradas e atribuídas a outros autores.
Por fim, vale salientar que, do ponto de vista acadêmico e de
estudiosos que se debruçam sobre a temática plágio e autoria, seja
na academia ou na arte, essa prática é frequentemente entendida
como inaceitável e uma violação dos direitos autorais e intelectuais
de quem se dedica de maneira árdua para produzir seus escritos.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Carlos Drummond de. Leandro, o poeta. (Jornal do


Brasil, 9 de setembro de 1976). Disponível: http://acordacordel.
blogspot.com/2011/07/cronica-de-drummond.html. Acesso em: 04
de julho de 2019
BARROS, Leandro Gomes de. História de João da Cruz. São Paulo:
Editora Prelúdio, 1957. 31 p. Disponível em: <http://rubi.casarui
barbosa.gov.br/handle/123456789/1863> Acesso em 04 de julho de
2019.
CÂMARA CASCUDO, Luis da. Dicionário do folclore brasileiro.
Belo Horizonte: Itatiaia, 1984.
CRITICAL ART ENSEMBLE. Plágio utópico, hipertextualidade e
produção cultural eletrônica. Distúrbio eletrônico. São Paulo:
Conrad Livros, 2001. P. 83-105.
CURRAN, Mark. História do Brasil em cordel. São Paulo: EDESP,
1998.
DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Literatura popular em verso:
antologia. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1986.
(Coleção Reconquista do Brasil).
GAUDÊNCIO, S.M., DIAS. G.A., ALBUQUERQUE, M.E. Direito
do poeta na literatura de cordel. Transinformação, Campinas, v. 27
(1). p. 97-104, 2015.

105
GRANGEIRO, Claudia Rejane Pinheiro. O discurso religioso na
literatura de cordel de Juazeiro do Norte. Juazeiro do Norte:
Edeuce, 2002.
HAURÉLIO, Marco. Breve História da Literatura de Cordel. São
Paulo: Claridade, 2016
LUYTEN, Joseph Maria. O que é Literatura de Cordel. São Paulo:
Brasiliense, coleção primeiros passos, 2007.
MARUPUNGA, José. Conhecendo o cordel. Fortaleza: SESC
Ceará, 2005.
MEDERIOS, Irani. No reino da poesia sertaneja: antologia de
Leandro Gomes de Barros. João Pessoa: Ideia, 2002.
MEGALE, Nilza. Folclore Brasileiro. Petrópolis, Vozes, 1999.
MEMÓRIAS DO CORDEL. A Questão dos Direitos Autorais no
Cordel. Disponível em: <http://memoriasdocordel.blogspot.com.
br/2013/12/a-questao-dos-direitos-autorais-no.html>. Acesso em:
04 de julho de 2019
Rabeca.org: Um mapa e banco de dados da rabeca brasileira,
portuguesa e o ravé (ou rawé) guarani. Disponível em: <https://
rabeca.org/?ip=rabeca> Acesso em: 02 de jun. de 2020.
SALES, Luciano Inácio da Silva. Quanto mais regional, mais
universal eu sou: o cordel de Antônio Francisco como matriz
criativa para a construção da cena. 2018.103 f. Dissertação
(mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro
de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação
em Artes Cênicas, Natal, 2018.
SILVA, Obdália Santana Ferraz. Entre o plágio e a autoria: qual o
papel da universidade? Rev. Bras. Educ. [online]. vol.13, n.38, p.
357-368, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S141324782008000200012&script=sci_abstract&tlng=pt>
Acesso em: 21 de junho de 2019.

106
O PLÁGIO NA PÓS GRADUAÇÃO: PERCEPÇÕES DE
DISCENTES EM UMA DISCIPLINA DO POSENSINO

Sabrina da Silva Neves


Maria das Dores Messias de Sousa
Francisco Vieira da Silva
Marcelo Nunes Coelho

Introdução

O plágio caracteriza-se como a cópia, total ou parcial, de algo


de outra autoria sem a devida referência, classificado, dentre outras
categorias, em direto e indireto. O plágio direto é aquele em que há
reprodução total do conteúdo original, sem a identificação (citação)
e a referência ao devido autor. O plágio parcial refere-se à
reprodução de conceitos já existentes, com o uso de palavras
diferentes o que desconfigura a originalidade do texto, uma vez
que, não há referência ao autor (KROKOSCZ, 2012).
Historicamente, a prática do plágio direto ou indireto, desde o
Ensino Fundamental ao Ensino Superior, é uma realidade.
Considerando o advento da informatização no contexto social
atual, têm-se ampliado as discussões em torno disto, tendo em vista
o crescimento de meios virtuais que possibilitam cada vez mais a
apropriação de conteúdos preservados por direitos autorais
(SILVA, 2008). Assim, o professor precisa atuar como mediador das
criações, instruindo na utilização das possibilidades a serem
exploradas, expondo a vasta dimensão de conhecimentos e ideias a
partir da utilização da própria internet (VAZ, 2006).
Paralelo ao problema da ascensão do plágio, Krokoscz (2014)
afirma que as abordagens para a busca de resolução deste estão
mais focadas em fatores externos que internos, já que, além de
reflexões frente a individualidade de quem escreve, enfatizam o
papel das instituições e a construção de um âmbito de probidade

107
acadêmica utilizando mecanismos eficazes frente ao combate do
plágio.
Considerando a relevância de discussões que busquem
solucionar as práticas de plágio no âmbito acadêmico é possível
destacar a importância da existência de disciplinas nos cursos de
graduação e pós-graduação que contemplem a temática. Seguindo
este pensamento, destacamos uma disciplina presente no
Programa de Pós-Graduação em Ensino – POSENSINO (fruto da
parceria entre Universidade do Estado do Rio Grande do Norte -
UERN, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Norte - IFRN e Universidade Federal Rural do Semi-
Árido - UFERSA) mestrado acadêmico que propõe desenvolver
pesquisas de cunho teórico-prático abrangendo a área de ensino.
Com isso, mediante as pesquisas que permeiam a escrita
acadêmica, sobretudo, evidenciando a existência do plágio e sua
frequência no âmbito acadêmico, existem questões que surgem como
norteadoras a esta pesquisa: quais as percepções dos pós-graduandos e
pós-graduandas quanto ao conteúdo plágio? De que modo a disciplina
Tópicos Especiais I – Escrita acadêmica: gêneros, autoria e
normatização, ofertada no semestre 2019.1 no POSENSINO, contribuiu
para as (re)construções do conceito de plágio? Assim, nosso interesse
nesta pesquisa teve como foco investigar se houve alguma alteração nas
concepções frente a esta realidade acadêmica antes e depois dos
contatos com a disciplina no decorrer do semestre letivo.

Metodologia

Este capítulo resulta de um trabalho de pesquisa caracterizada


como descritiva e interpretativa de caráter qualitativo, uma vez que
propôs analisar uma realidade sem intervenções, enfatizando os
dados obtidos em detrimento da quantidade destes (GIL, 2010).
Os participantes do estudo compreenderam o corpo discente do
Programa de Pós-Graduação em Ensino (POSENSINO). Como
amostra, consta discentes matriculados na disciplina Tópicos

108
Especiais I – Escrita acadêmica: gêneros, autoria e normatização,
ofertada no semestre 2019.1.
Como instrumento, foi utilizado um questionário composto
por 12 (doze) questões abertas e fechadas que versavam sobre as
percepções tidas e construídas com o curso da disciplina sobre o
plágio acadêmico e, para facilitar o compartilhamento desta, foi
utilizado um formulário online preenchido por cada discente de
forma anônima.

Resultados e discussão

Foram obtidas 21 (vinte e uma) respostas ao questionário por


completo, tendo como tempo médio para preenchimento 8 (oito)
minutos. Através da pergunta inicial, categorizamos a turma em:
discentes em caráter especial e discentes regulares. A categorização
pode ser visualizada no gráfico 1, a seguir:

Gráfico 1. Categorização do Grupo

CATEGORIZAÇÃO DA TURMA

13
8

DISCENTES EM CARATER ESPECIAL DO DISCENTES REGULARES DO PROGRAMA


PROGRAMA

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Após categorização da turma, iniciamos questionando sobre o


conceito de plágio, para conhecer as percepções de cada discente.
Com as respostas, percebemos que muitas palavras se repetem, e
os conceitos se assemelham. Destacamos duas das afirmativas para
evidenciar a análise:

109
Se apropriar de forma indevida, sem referenciar o autor de um
determinado texto. Utilizando ideias e conceitos de outra pessoa
como se fossem seus (DISCENTE1512).

Copiar ou imitar as obras ou ideias de outros e apresentá-los como


originais, tentando ludibriar um terceiro (DISCENTE21).

Percebemos, com as descrições acima, que as percepções de


plágio corroboram com a literatura, uma vez que o seu conceito já
é descrito popularmente como o uso de ideias ou obras de outrem,
visto como ação desonesta, problema constante no âmbito
acadêmico e ainda, que requer reflexões quanto a posição das
instituições acerca deste (KROKOSCZ, 2014).
Corroborando com Krokoscz (2014) o quanto a frequente
utilização do plágio na academia, destacamos o conceito descrito
na seguinte afirmação:

Entendo como sendo uma prática comum no meio acadêmico e que


muitas vezes é ocasionada pela máxima publique ou pereça
(DISCENTE18).

Nesse contexto, corroborando com Zuin e Bianchetti (2015),


entendemos que, na sociedade da era digital atual, há um
produtivismo acadêmico em que autores e artigos passam a ter um
teor midiático, representando maior sucesso de acordo com a
visibilidade. É assim que a expressão “publique ou pereça”
manifesta-se, uma vez que produção se sobressai de qualidade e
representa mais uma forma midiática de divulgação, que maneira
efetiva de disseminação e ampliação de conhecimentos.
Quando questionados sobre os motivos para evitar o plágio,
os investigados apresentaram respostas que incluíam preceitos
éticos e legais, como observamos nas respostas a seguir:

12Com o intuito de viabilizar e organizar nossa análise codificamos todos como


discentes e o número 15 corresponde a ordem deste(a) na codificação utilizada.

110
Além de ser crime é um desrespeito com aquele que produziu
determinada obra, como também o plágio não colabora com a
produção do conhecimento pois o torna repetitivo (DISCENTE13).

Primeiro é uma questão de ética e segundo, se ficarmos só copiando


uns dos outros, como a ciência avançará com esse perfil de
pesquisador manipulador? (DISCENTE10).

Percebemos coerência nas percepções, já que, segundo Vaz


(2006), a ética esta contextualizada historicamente através dos
costumes morais, ou seja, relacionada aos diferentes hábitos,
princípios, normas e valores moralmente coerentes a cada época.
Em sequência, quando questionados sobre a permissão para
utilização de informações da internet em trabalhos acadêmicos,
todos responderam que sim. Destacamos a resposta a seguir, por
apresentar uma justificativa quanto a este uso.

Desde que os sites consultados sejam citados nas referências do texto.


Até porque, hoje, temos acesso a muitas produções de qualidade
disponíveis na internet. Basta apenas que tenhamos bons critérios e
atenção para escolher as informações que iremos utilizar
(DISCENTE15).

Assim, diante o desenvolvimento constante da tecnologia e o


fácil acesso à internet, vista também como uma grande aliada para
a construção do novo, resultam em atitudes indevidas, uma vez
que muitos fazem uso de fontes sem a devida caracterização. Desta
forma, mesmo diante da consciência da utilização indevida frente
à existência da lei de direitos autorais, ainda há sujeitos que se
apropriam de conteúdo alheio e omitindo as fontes reais, não
respeitando as leis desta política, levando mais uma vez para o lado
da falta de honestidade (CUNHA, 2010).
Iniciando as questões sobre o curso da disciplina,
questionamos se realmente a disciplina contribuiu para a
(re)construção do conceito de plágio, obtivemos apenas uma
resposta negativa, como observado do gráfico 2.

111
Gráfico 2. Contribuição da disciplina na (re)construção do conceito de
plágio

A disciplina Tópicos Especiais I – escrita


acadêmica: gêneros, autoria e normatização
contribuiu para sua (re)construção do conceito
de plágio?

1 20

NÃO SIM

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Com o intuito de encontrar justificativas para as respostas


ilustradas no gráfico 2 indagamos “como a disciplina contribuiu
para sua percepção sobre o plágio?” e percebemos que os textos e
discussões em sala, assim como esclarecimentos advindos da
disciplina, espelharam assertivas ao questionamento. Destacamos
as respostas a seguir por possuírem uma descrição mais detalhada.

Já tinha uma noção, mas outros apontamentos foi percebido, e hoje


tenho mais cuidado de me apropriar do trabalho intelectual do outro,
apesar de ser muito complicado as normas da ABNT, qualquer
descuido você pode cometer o plágio sem ter a intenção para tal
(DISCENTE 09).

Me levando a refletir sobre questões que eu já sabia. Quando


escutamos várias vezes o mesmo assunto isso tende a se naturalizar,
a nos psicoadaptar, ou seja: se eu for fazer um plágio, no mínimo vou
me policiar pensando: porra, eu sei que isso é errado. Entende? Pelo
menos em mim, os ensinamentos do professor não ficaram em vão
(DISCENTE 10).

Quanto à colocação negativa a questão anterior (gráfico 2),


vale destacar as palavras que surgem como justificativa a isso,
vistas abaixo:

112
Não contribuiu, porque eu já conhecia os conceitos que foram
trabalhados na disciplina (DISCENTE15).

Já que percebemos as contribuições atreladas ao curso da


disciplina, achamos pertinente visualizar se haveria alguma
insatisfação e obtivemos o resultado ilustrado no gráfico 3, abaixo:

Gráfico 3. Orientações durante a disciplina


Você discorda de alguma(s) orientação(ões)
recebida(s) na disciplina?

18

3
NÃO SIM

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Sobre as acepções acima, houve justificativas apenas as


respostas positivas (sim). Os que afirmaram não discordar, não
justificaram o porquê. Ao serem indagados com a questão seguinte:
“justifique sua resposta à pergunta anterior (você discorda de
alguma(s) orientação(ões) recebida(s) na disciplina?)” As respostas
foram direcionadas a elucidação de questionamentos inerentes a
temática explorada e aqueles que afirmaram discordar,
apresentaram as seguintes afirmações:

Acredito que não precisamos de tanto terror com essa coisa de plágio
na pós-graduação. Todos já têm que saber. (DISCENTE15).

No mestrado já devemos ter o conhecimento para entender o que é


plágio e o que envolve. Não precisamos de tanta discussão sobre isso.
(DISCENTE16)

113
O autoplágio não deveria ser considerado plágio. As vezes, a pessoa
pode repetir suas palavras sem perceber. (DISCENTE21)

Ao ler as assertivas acima, percebemos que as respostas


iniciais remetem a ideia da não necessidade de se falar sobre o
plágio na pós-graduação. Entretanto, esse tipo de proposição nos
faz pensar que, se esse pensamento representasse a realidade esse
tipo de problema não existiria. Assim, de fato, não haveria
necessidade de discutir-se o plágio no âmbito da pós-graduação.
Em sequência, propomos uma descrição de maneiras de não
utilização do plágio com a pergunta “como evitar o plágio?”, por
entender que, ao questionar anteriormente, os motivos para evitá-
lo, seria pertinente que entendêssemos como essa prática poderia
ser evitada.

Lendo, reconhecendo e atribuindo os créditos de autoria


(DISCENTE4).

Tendo rigor nas citações realizadas nas nossas publicações.


Seguindo as orientações da ABNT para este tópico (DISCENTE15).

Não plagiando. A prática da leitura e da escrita desenvolve


habilidades. Assim quem escreve tem domínio e conhecimento do
que fala. É questão de ética (DISCENTE21).

Portanto, diante dessas respostas, notamos que é de


conhecimento dos(as) discentes a necessidade não só de uma
postura ética, mas, também, da apropriação do conhecimento de
normas e orientações para a produção/escrita acadêmica,
consequentemente, contribuindo para o próprio desenvolvimento
nesse quesito.
Prosseguimos aos acréscimos da disciplina e obtivemos os
resultados apresentados no gráfico 4, se os discentes já conheciam
o impacto da utilização do plágio acadêmico, e no gráfico 5, se
conheciam a legislação que regulamenta o não uso do plágio.

114
Gráfico 4. O impacto da utilização do plágio

Você já conhecia o impacto da utilização do


plágio acadêmico?

12

6
3

NÃO SIM UM POUCO

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Mediante o/os resultado/números do gráfico acima, é evidente


que a maioria dos discentes já compreendiam ou possuíam certa
compreensão do impacto da utilização do plágio no ambiente
educacional, bem como suas consequências, remetendo apenas 3
(três), dos 21 (vinte e um), discentes declarantes em não possuírem
conhecimento de tal questionamento e 6 (seis) declararam conhecer
apenas um pouco.

Gráfico 5. Conhecimento acerca de legislação sobre o plágio

Você já conhecia a legislação que regulamenta o


não uso do plágio acadêmico?

8 8
5

NÃO SIM UM POUCO

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Com o gráfico 6, percebemos que 8 (oito) afirmaram não


conhecer a legislação que regulamenta o não uso do plágio, 8 (oito)
conhecer um pouco e apenas 5 (cinco) declaram ter conhecimento

115
sobre estas. Com isso, destacamos ainda mais a importância do
trato com o conteúdo plágio, uma vez que, num montante de 21
(vinte e um) discentes de pós-graduação, apenas 23% (vinte e três
por cento) afirmaram conhecer realmente as leis de autoria.
Após perceber, com as respostas anteriores, a importância de
se discutir sobre o plágio na pós-graduação, através da proposição
“descreva algum conhecimento acerca do plágio adquirido após o
curso da disciplina” percebemos que as respostas se divergiram.

Ao longo do curso vimos a teoria e a prática na elaboração do artigo,


então, pra mim, foi o maior aprendizado recebido do curso, pois não
é fácil aplicar as regras da ABNT quando se está escrevendo, mesmo
tendo consciência dos nossos deveres que é seguir as regras
(DISCENTE9).

Que existem bases que ajudam na detecção do plágio (DISCENTE11)

O fato de que um erro na referência pode ser considerado plágio


(DISCENTE13).

É uma forma ilícita de se apropriar do trabalho alheio sem sua


permissão. É uma forma de fraude. Deve ser punido segundo a
legislação (DISCENTE16)

Que mesmo referenciando há a possibilidade de se cometer plágio


(DISCENTE20).

O autoplágio chamou a atenção por não ser tão discutido. Na minha


concepção não existia autoplágio. Ficou claro que plágio é mais uma
questão moral do que ética! (DISCENTE21)

Assim, elucidações quanto ao uso das normas e a forma


correta de referenciar autores, bem como, referenciar a si, foram
pertinentes e representaram novos aprendizados a quem cursou a
disciplina. Mais uma vez, evidenciando a necessidade do trato com
esse conteúdo na pós-graduação.

116
Para encerrar os questionamentos, incluímos a questão
apresentada no quadro 6, abaixo, que revela a importância da
disciplina na concepção dos discentes.

Gráfico 6. Relevância da disciplina

Considera a disciplina relevante?

20

NÃO SIM

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Quanto a resposta negativa acima, não há como obtermos


o motivo exato, uma vez que, não questionamos isso, porém,
pela análise de todas as respostas anteriores, acreditamos que
advém de alguém que considera desnecessário tratar do
plágio na pós-graduação, por defender que nesse estágio da
formação todos já deveriam estar cientes sobre esta questão.
Entretanto, observamos que, apesar de cientes sobre a
existência do plágio e seu conceito, a quase totalidade dos
discentes matriculados na disciplina pode vislumbrar novas
vertentes, esclarecendo dúvidas e construindo suas próprias
acepções frente ao que fora abordado no decorrer do
semestre, considerando a disciplina relevante.

Considerações finais

Buscamos investigar as percepções e concepções dos discentes


matriculados na disciplina Tópicos Especiais I – Escrita acadêmica:
gêneros, autoria e normatização acerca do plágio. Percebemos, com
a pesquisa, que o grupo investigado possui concepções

117
semelhantes acerca do plágio, já que consideram a prática indevida
no cenário acadêmico e responderam com clareza as perguntas
expostas acima realizadas por um questionário virtual. A disciplina
foi ofertada no semestre 2019.1 dentro do Programa de Pós-
Graduação em Ensino – POSENSINO, composto por discentes de
caráter regular e especial, sendo notório, diante das respostas, que
a disciplina contribuiu para a exploração dessa temática.
Reconhecemos as limitações inerentes a pesquisa, quanto
outras questões que poderiam ser esclarecedoras, além da
possibilidade do alcance de todos discentes do programa
investigado, não apenas em uma única disciplina. Porém,
acreditamos que investigações como está surgem em meio a
inquietações e podem instigar novas, além de evidenciar a
importância de diferentes discussões no âmbito acadêmico.
Percebemos que o grupo investigado reconhece as
contribuições da disciplina e sua relevância na construção do
conhecimento inerente aos conceitos que permeiam a prática do
plágio. Entretanto, um dos discentes afirmou que não reconheceu
uma relevância significativa após curso, uma vez que afirmou já
saber todas as informações discutidas no semestre, considerando
assim, a exploração do tema – plágio – irrisória.
Mediante a relevância da temática em questão, reconhecemos
o quanto a abordagem do plágio dentro da disciplina foi
significativa, consideramos que está exploração deveria ser feita em
todos os cursos de pós-graduação de forma evidente, visando o
combate às práticas indevidas e principalmente com foco na
ampliação do conhecimento discente. Além disso, esperamos que
nossos resultados possam subsidiar docentes que busquem influir
na conscientização quanto à prática do plágio, esclarecendo o
necessário para evitá-lo.

118
REFERÊNCIAS

CUNHA, R. B. O plágio e a cultura do copy/paste: um desafio para


o ensino básico, 07/2010, 5° Seminário Nacional: "O professor e a
leitura do jornal", v. 1, p. 1-3, Campinas - SP, Brasil, 2010.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo:
Atlas, 2010. 184p
KROKOSCZ, M. Autoria e Plágio: um guia para estudantes,
professores, pesquisadores e editores. 1ª edição. São Paulo: Editora
Atlas S.A. 2012.
KROKOSCZ, M. Outras palavras: análise dos conceitos de autoria
e plágio na produção textual científica no contexto pós-moderno.
Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação.
Universidade de São Paulo. 2014.
SILVA, O. S. F. Entre o plágio e a autoria: qual o papel da
universidade. Revista Brasileira de Educação, v. 13, n. 38, p. 357-
368, 2008.
VAZ, T. R. D. O avesso da ética: a questão do plágio e da cópia no
ciberespaço. Cadernos de Pós-Graduação-Educação online, v. 5, n.
1, p. 159-172, 2006.
ZUIN, A.A.S; BIANCHETTI, L. O produtivismo na era do
“publique, apareça ou pereça”: um equilíbrio difícil e necessário.
Cadernos de Pesquisa, v. 45, n. 158, p. 726-750, 2015.

119
120
QUEM NÃO COLA NÃO SAI DA ESCOLA...:
O PLÁGIO NA CONCEPÇÃO DOS ALUNOS
DO 8º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL II

Alysson Leonez de Araújo


Aristeu Antônio Oliveira de Carvalho
Jaelyca Caroline Ferreira de Souza
Lindjanne Mannuelle Maria da Conceição Araújo de Melo
Josélia Carvalho de Araújo

Introdução

“Quem não cola não sai da escola! Mas quem não cola?” Este
refrão de um rap que fez muito sucesso nos anos 1990 de autoria de
Mr. Halgus e ilustra satisfatoriamente a mentalidade dos alunos do
Ensino Fundamental II. Eles naturalizam o procedimento da “cola”
dentro do seu processo de aprendizado. Não há como negar que “a
cola” faz parte da rotina de todas as escolas, independentemente
de ser pública ou privada, do ensino básico ou superior. Mas os
prejuízos para o processo de ensino e prendizagem, assim como
para a formação ética do aluno, são ainda pouco mensurados.
Dentro do contexto da cultura escolar, “colar” é sinal de
esperteza e inteligência, uma forma de apropriação da propriedade
intelectual de outrem. É um furto que, como qualquer outro, traz
prejuízos sociais, financeiros e éticos, e neste caso específico, a
quem prática o ato pois o seu aprendizado é prejudicado.
Desde a antiguidade que o plágio tem sido uma prática
comum no meio intelectual, mas passou a ser crime, inicialmente,
na Europa, a partir do Século XVIII, especificamente no movimento
Iluminista, quando surgiram as primeiras leis que o previam como
crime (KROKOSCZ, 2011). Atualmente, no Brasil, com o
surgimento da lei n°10.695/03 sobre direitos autorais, foi possível

121
regularizar penas e multas para quem faz uso indevido da
propriedade intelectual de outro.
Levando em consideração os aspectos discursados,
resumidamente, este estudo se propõe a refletir sobre as origens da
“cultura do plágio” no Ensino Fundamental II, naturalizadas na
prática da “cola” em avaliações e trabalhos escolares. O objetivo
geral é analisar como esses alunos percebem ou concebem a noção
de cola e tendo como objetivos específicos: buscamos identificar se
os alunos da Escola Municipal Professor Manuel Assis cometem
plágio no momento da pesquisa e, por último, refletir sobre a
dimensão ética nas produções textuais.
A pesquisa se deu como base a investigação bibliográfica e a
aplicação de um questionário com perguntas abertas e fechadas,
respondidas pelos alunos do 8º ano do Ensino Fundamental II da
Escola Municipal Professor Manoel Assis, na cidade de
Mossoró/RN. Esta pesquisa tem caráter descritivo e busca analisar
a percepção dos alunos acerca da prática da “cola” nas atividades
escolares.
Estruturalmente, este estudo é composto das seguintes partes:
a primeira trata sobre a relação entre o plágio e a “cola” escolar,
quando buscamos caracterizar o plágio e a sua ligação com diversas
formas de fraudar as avaliações escolares no ensino básico,
sobretudo no Ensino Fundamental II. Em um segundo momento,
detemos a refletir especificamente sobre a “cola” escolar, suas
definições, abrangências e consequências no processo de ensino-
aprendizagem. Em seguida, expomos a metodologia empregada na
pesquisa empírica e por fim, analisamos os dados coletados no
questionário aplicado aos alunos.
Este texto se faz necessário por acreditarmos que o combate ao
plágio nas escolas pode diminuir os reflexos desse uso nas
academias brasileiras, ou seja, se defrontarmos a utilização da cola
nas escolas, provavelmente as universidades não sofreram com
métodos de plágios em seus trabalhos.

122
A relação entre o plágio e a “cola” escolar

Entendemos por plágio qualquer ação que se apropria do


discurso ou das ideias de um outro, ou seja, apropriar-se do
discurso alheio tomando posse dos direitos intelectuais de outrem.
Vejamos o que diz FONSECA (2008):

O plágio se caracteriza com a apropriação ou expropriação de


direitos intelectuais. O termo “plágio” vem do latim “plagiarius”, um
abdutor de “plagiare”, ou seja, “roubar” [...]. A expropriação do texto
de um outro autor e a apresentação desse texto como sendo de cunho
proprio caracterizam um plágio e, segundo a Lei de Direitos
Autorais, 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, é considerada violação
grave à propriedade intelectual e aos direitos autorais, além de
agredir frontalmente a ética e ofender a moral
acadêmica.(FONSECA, 2008)

Por ser uma violação grave, a o crime de apropriação


intelectual de outrem é passível de punição dentro da lei, além de
estar completamente ligado a uma questão ética. Podemos nos
perguntar sobre os valores humanos que essa geração tecnológica
vem apresentando e consequentemente surgiram diversos tipos de
plágio .
Existem vários tipos de plágio e podemos apontar os que
permeiam a vida dos estudantes com mais freqüência. Por
exemplo, o plágio direto pode surgir com o objetivo de tomar pra
si o dizer de alguém, este pode vir disfarçado, de forma integral ou
copiado. A cópia ocorre tal qual está no texto base, de onde o
plagiador retira as informações.
O plágio indireto acontece quando quem redige o texto faz
troca de palavras buscando sinônimos que digam de forma
diferente o que foi encontrado em um mesmo texto base e dessa
forma não é dado ao autor original autoria. É necessário que os
educadores não percam o olhar pedagógico nas suas dimensões
éticas no espaço escolar.

123
Outra prática bem comum de plágio, é a famosa colcha de
retalhos, que acontece quando os alunos recortam diversas fontes e
tentam organizar as partes, montando um texto através de jogos de
palavras, na tentativa de disfarçar os recortes, fazendo, por vezes,
parecer um texto real, mas, na realidade, é um recorte produzido
por terceiros.
É comum dentro das universidades brasileiras ouvirmos
histórias de casos que apontam o plágio como uma prática terrível,
quase monstruosa. Os alunos sempre relatam situações que
presenciaram com colegas ou sobre certas dinâmicas que as
instituições usam como forma motivacional na tentativa de escapar
das armadilhas da escrita.
Pode-se dizer que o plágio na escola existe antes mesmo da
utilização da internet como mecanismo de pesquisa, alunos
habituados a construírem seus trabalhos escolares tendo como
fontes livros físicos, acompanhados de muitas idas para as
bibliotecas. Além disso, não estavam familiarizados a referenciar
seus trabalhos, como em resenhas e demais gêneros textuais,
produzidos quando solicitados pelo professor.
A chegada das tecnologias não só influenciou a forma de
pesquisar, como também a de escrever. Se no passado as cópias já
existiam, com a chegada da mídias na educação, essa atitude de
copiar fez florecer dentro das escolas uma forma precipitada de
pesquisa. Os alunos realizam o dowload de algo que tenha sintonia
com a temática, muitas vezes sem ler todo o conteúdo e entregam
aos professores como sendo deles, assinados.
No entanto, não podemos conceber a internet como uma
“vilã”, já que suas ferramentas de busca servem como auxílio para
quem faz um uso produtivo e ético. MORAN (2003, p. 1) diz que
“A internet nos ajuda, mas ela sozinha não dá conta da
complexidade do aprender ”. Na verdade, é preciso trabalhar com
os alunos o conceito de plágio e a implacabilidade que tal ato pode
ter na formação dos sujeitos em processo de aprendizagem. A
escola também é responsável pela formação ética dos alunos, por

124
isso, deve coibir a cópia de textos como procedimento única de
escrita e estimular a capacidade de ser autor do seu próprio texto.
Além disso, deve-se ter um cuidado muito expressivo com as
atividades de pesquisa. O exercício de pesquisar não pode ficar
restrito ao primeiro site encontrado, mas sim buscar a veracidade
dos fatos através de informações e dados diversificados, já que
muitos sites na internet sofrem alterações e correções de usuários e
que podem deter conhecimentos sobre o que se busca ou
simplesmente alterações de informações importantes.
O mundo virtual trouxe o imediatismo, a velocidade que as
mídias impõem. Para o aluno, é bem mais fácil se apropriar do que
encontra pronto na rede do que produzir a partir de suas próprias
questões. O professor pode orientar sobre a importância de se
registrar a fonte, de anotar o site da pesquisa e, principalmente,
incentivar a leitura de tais fontes, para que possam dar base para o
texto que será produzido.
SALVADOR (1994, p. 157) chama a atenção para o emprego da
internet como fonte de pesquisa ao sublinhar “[…] que mesmo
sendo a fonte mais ágil para a aprendizagem e composição de
textos, faz-se necessário uma orientação adequada […]”, ou seja,
nela encontramos muitos dados, mas a produção do texto é de
responsabilidade do aluno a partir das orientações do professor.
Quando o adolescente ingressa no Ensino Fundamental maior
pode ser apresentado a conceitos sobre plágio e autoria para que
este adquira conhecimento para sua vida estudantil desde o início
de sua trajetória escolar. BELO (2012) observa que:

No finalzinho do EF (8º e 9º anos) podem ser apresentadas para as/os


alunas/os algumas diferenças entre citações: artigos de revistas
(Super Interessante e Revista Galileu, por exemplo), artigos de
jornais, conteúdo postado na Internet (sites, blogs e vídeos),
conteúdo de CD e DVD, revistas em quadrinhos, etc. Nesta fase, as/os
estudantes devem ser capazes de compreender que os dados diferem
conforme a citação más que há um ponto em comum que é o
reconhecimento da autoria, evitando, assim, o plágio. Uma boa

125
atividade é construir uma tabela comparativa com os dados
necessários para a correta referência em cada tipo de fonte. Além de
evitar o plágio, esta atividade ilustra para as/os alunas/os que há
outros dados, além do nome, igualmente relevantes em uma obra
(BELO, 2012)

Se a orientação de BELO (2012) fosse aplicada nas escolas de


Educação Básica, os incidentes com plágio diminuiriam
significativamente – ao menos em relação ao plágio direto, já que os
alunos receberiam as orientações ainda no Ensino Fundamental II.

A cola na perspectiva do ensino escolar

O ato de colar na escola nos remete a muitas definições, a


aspectos variados que motivam os alunos a praticar esse tipo de
ação. O senso comum aponta sempre na direção do desinteresse
dos alunos pelo assunto. A dificuldade em aprender e a cobrança
dos pais por boas notas, acompanhados de um corpo de
professores que veem o plágio como um aspecto cultural, falta de
ética ou como um exemplo da vulnerabilidade da escola.
A evidência da prática de copiar textos de outrem pelos alunos
no Ensino Fundamental, corresponde a justificativas que nos dão
uma ideia não consensual sobre a problemática em questão. Para
SOUSA, CORRÊA & OLIVEIRA (2016, p. 2), “o ato de colar pode
ser encarado como um aspecto cultural da escola, pois essa prática
já se tornou comum e rotineira entre os alunos”.
A cola entendida como uma prática cultural pode nos mostrar
uma deficiência do método pedagógico avaliativo assumido pela
escola. É preciso saber o que desejamos avaliar para medir o grau
de aprendizagem do aluno, já que aspectos atuais do trabalho
realizado na escola apontam para uma valorização da
memorização dos assuntos. Para Muniz (2018) a “a dimensão
cultural está acompanhada de falhas no processo de ensino e
aprendizagem: dificuldades de aprendizagem e a busca por bom

126
desempenho são alguns dos motivos principais para recorrer à
cola”.
Presente nas instituições de ensino, a cola é um problema e a
discussão recai sobre a forma de avaliação que os professores
praticam, sobre a metodologia de aplicação de uma prova no final
de um bimestre, ou semestre, para medir o grau de aprendizagem
do aluno. Conforme ABREU e LIMA (2018),

[...] as avaliações funcionam como uma estratégia pedagógica do


ensino que resulta no levantamento de dados a partir dos resultados
alcançados pelo aluno (a) nas provas. As atividades avaliativas têm
como objetivo diagnosticar a aprendizagem do aluno (a) em sala de
aula (ABREU; LIMA, 2018, P. 28).

O nível de aprendizado medido na obtenção de uma nota


representa um risco, por não corresponder às necessidades reais do
aluno. Uma prova submete os estudantes a um esforço de
memorização de conceitos e situações que, para SANTOS (2016),
representa uma demonstração de “pressão artificial e mecânica” e
conclui: “estudar para a prova é uma grande elucubração,
verdadeiramente forçar nos dias que antecedem o teste
conhecimento no cérebro para demonstrá-lo na prova. Depois, se
algo não for esquecido, tanto maior o lucro. E a isto se chama
aprendizado”.
Por isso, MUNIZ (2018) aponta que o problema de colar está
atrelado a deficiência educacional e que atesta um ato cultural:

a raiz cultural do ato de colar em provas é social.


Trabalho desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal
do Maranhão indica se tratar de uma prática ligada tanto a problemas
de aprendizagem quanto a aspectos culturais da escola e da
sociedade (MUNIZ, 2018).

A avaliação da escola não pode se restringir ao ensino de


decorar conceitos, de desenhar mapas ou produzir histórias vividas
de um país. Para RIBEIRO (2004), o problema da cola está na falta

127
de eficiência do sistema de avaliação da escola que prioriza
“decorar fórmulas e a aplicação apenas de provas como forma de
verificar o avanço da turma”.
Pensar na cola escolar e reprimir a prática de colar não seria
objetivar o fim do problema. “A cola contesta justamente o sistema
de avaliação de provas”, afirma SANTOS (2016) ao questionar a
cobrança que o aluno sofre ao passar duas horas preso a uma
cadeira desconfortável e “sob a vigilância de alguém pronto a
suspeitar de seus menores movimentos”.
Dessa forma, o autor parece atribuir o ato de colar também às
condições do ambiente em que o aluno está inserido. Mas, se fosse
assim, a cola não ocorreria em outras formas de avaliação, como,
por exemplo, trabalhos escolares de pesquisa, confecção de
maquetes ou resumo de capítulos. Não se trata de uma questão de
ambiente.
Será mesmo que a cola escolar é um problema do método de
avaliação pedagógica? Para MADEIRA, (2018) cola é “um meio de
burlar as regras sendo dessa maneira algo ilícito e prejudicial a
educação” que nos remete a questionar a conduta do aluno, diante
do ato de colar. Para os autores, a cola não é um ato de falta de ética
do aluno, mas reflete o aspecto cultural, ilícito e “rotineiro entre os
alunos” e apontam para necessidade de conhecer os motivos
considerando os aspectos “sociais e suas subjetividades”.
RIBEIRO (2004) verificou que as variações das estratégias de
colar defendem a repressão, mas aponta buscar diversificar as
formas de avaliação, pois a “exigência de decorar fórmulas e a
aplicação apenas de provas como forma de verificar o avanço da
turma” pode ser a motivação para a prática da cola. Essas
considerações apontam para a insegurança dos alunos diante de
certas formas de avaliação. Os alunos se recusam a estudar
assuntos que não têm interesse e, por isso, usam “pedacinhos de
papel”, “textos minúsculos”, lembretes na carteira e outras táticas
para obter boas notas sem precisar dedicar tempo para estudo.
No entendimento de ABREU e LIMA (2018), a prova causa
“desconforto, um nervosismo talvez por medo da reprovação, pela

128
cobrança por notas pelos pais”, motivando alunos a colarem. Ora,
isso acontece porque a avaliação procura medir o nível de
aprendizado do conteúdo estudado de forma prioritariamente
quantitativa. Este autor parece concordar com RIBERIO (2004), que
aponta entre os motivos para a cola:

[...] a exigência de decorar fórmulas e a aplicação apenas de provas


como forma de verificar o avanço da turma. Testes de múltipla
escolha, é bom lembrar, são um convite a esse tipo de fraude. O
primeiro antídoto para desestimular a cópia - seja de um papelzinho,
do caderno ou do vizinho - está na forma como a escola encara a
avaliação (RIBEIRO, 2004)

Essa realidade envolve a escola e influencia as práticas


pedagógicas. As práticas pedagógicas são influenciadas por vários
aspectos sociais e econômicos, tecnológicos, as várias linguagens
disponíveis, os hipertextos que facilitam os estudos dos alunos na
forma de se aprofundar sobre temas, nas pesquisas feitas para
realizar trabalhos escolares. Tudo isso implica na postura dos
alunos, que podem aproveitar de uma maneira positiva ou
negativa as possibilidades de estudo.
O problema da cola não é simplesmente falta de ética do aluno,
mas os apontamentos aqui abordados indicam para uma
problemática que é pouco discutida. Devemos entender que
envolve, além dos aspectos pedagógicos, uma relação com o social.
A escola não é uma instituição isolada da sociedade, mas envolve
a realidade dos cidadãos, da política, economia e dos avanços
tecnológicos que se integram a essa instituição

Métodos e Técnicas

Esta pesquisa tem caráter descritivo e busca analisar a


percepção de alunos do 8º ano de uma escola municipal acerca da
“cola “ou o ato de colar no espaço escolar, com ênfase na questão
da cópia de trabalhos escolares realizados em sala, bem como suas

129
percepções sobre as noções de pesquisa, do ato de pesquisar,
levando em consideração a sua dimensão ética.
Realizamos inicialmente um levantamento teórico acerca da
questão do plágio na atualidade, através de diversas bibliografias,
a fim de nos apropriarmos desse conhecimento, para que, em
seguida, pudéssemos realizar a coleta de dados a serem
examinados. O questionário foi usado como ferramenta de
conhecimento da vivência desses atores sociais. A criação do
roteiro foi o primeiro momento deste trabalho, acompanhado pela
coleta de dados na escola e pelo processo de estudo e análise.
Optamos por uma escola municipal da cidade de Mossoró
pelo interesse em pesquisar a temática em escolas públicas. Os
questionários com três perguntas abertas e uma fechada foram
aplicados com 33 alunos de uma turma de 8º ano. A classe possuía
alunos numa faixa etária entre 12 a 14 anos. Não foram recolhidas
as identidades desses alunos menores de idade.
Na tentativa de atingir o nosso objetivo geral, buscamos
caracterizar a percepção que os alunos tinham sobre a cola escolar
em relação ao que alguns teóricos, como FONSECA (2008), por
exemplo, conceituam a respeito da cola e plágio, afim de identificar
semelhanças entre as concepções dos alunos e as noções concebidas
pelas teorias.

Análise de dados

Em nossa análise, foi realizado o enquadramento das respostas


por categorias referentes a cada pergunta. A primeira pergunta
indagou os alunos sobre o que eles percebem como cola e, dentre
os trinta e três alunos questionados, 30 caracterizam a cola como
um tipo de plágio, seguidos de um que se referiu a cola como
consulta, passando por outro aluno que abordou a cola como um
aspecto moral, fazendo relação entre o que era bom e mau. Apenas
um aluno afirmou que colar não era plágio, como podemos ver em
gráfico a seguir:

130
Figura 1: Gráfico referente a questão número um do questionário
realizado com os alunos do 8º ano.

Fonte: Próprio autor(es).

O que nos chama a atenção é que um dos alunos associou o


plágio que ele cometia não em relação ao outro, mas com ele
mesmo, como uma forma de auxílio para a memória e a confiança.
Ele se refere ao tipo de cola para provas e exames, por exemplo,
quando o aluno, às vezes, até estudou, mas acaba confeccionando
a cola devido a medos e inseguranças pessoais.
Vale salientar que nessa questão percebemos que os discursos
reproduzidos por esses estudantes se remetiam a um discurso do
futuro, voltado para o que os professores falam a respeito da cola,
do ato de plagiar como uma ameaça ao futuro ou a carreira desses
jovens. Percebemos uma relação de poder nessas falas, ao notar
semelhanças do discurso dos jovens questionados com o que os

131
professores de forma geral costumam orientar, quando pegam seus
alunos colando.
Na maioria dos questionários os alunos, afirmaram que
entendem a cola como o ato de copiar uma atividade que você não
produziu ou realizou, alguns disseram que colar era algo feito por
quem não compreendia o conteúdo, outros associam a cola a
resumos que eles produzem quando estão estudando para
avaliações e por não se sentir confiante terminam levando na bolsa
para tentar ler durante a avaliação.
Na segunda questão, perguntamos aos alunos sobre como eles
pesquisam na internet, perguntando se eles escolhem o conteúdo só
pelo tema, sem ler e entregar ao professor, se leem parcialmente ou
se usam as fontes para construir o texto; por último, apresentamos
a opção em que eles copiavam sem alterar em nada o texto de
outros. Como podemos observar no gráfico 2:

Figura 2 – Gráfico com o percentual referente ao modo de pesquisa


dos alunos.

Fonte: Próprio autor(es).

Como podemos ver acima, a maioria dos alunos lê


parcialmente sem absorver o conteúdo que realmente importa, pois
as pesquisas são estratégias de ensino aprendizagem pensadas
pelos professores para sanar ou contribuir com o conteúdo em

132
pauta. Mesmo sem absorver os conteúdos, estes entregam
trabalhos e pesquisas sem alterar ou mesmo ler por completo sem
fazer alterações e alegam que a falta de tempo é o motivo de não
terem zelo no momento de pesquisas alunos.
Na questão três procuramos extrair o que eles pensam a
respeito sobre ética, perguntando se colar era uma falta de ética.
Vinte e três alunos dos questionados recorreram a dimensão de o
que era certo e o que errado, caracterizando o ato de colar como
uma falta de ética. Outros sete conceberam a cola como algo que
não é certo, como uma violação para com o outro e como um ato de
sabotagem para seu aprendizado. Apenas três dos entrevistados
não consideraram a cola como um ato antiético.

Figura 3 – Quantitativo de alunos e o diagnóstico das respostas.

Colar não é ético Colar não é certo Não Literalmente


Fonte: Próprio autor(es).

Somente um aluno chegou à conclusão que colar é falta de


ética por ser algo errado e por considerar ser crime. Este foi o único
a se referir a cola como um ato criminoso. Os outros responderam
que era errado, mas não argumentaram sobre o que ser falta de
ética.

133
A questão quatro tentou identificar as motivações que levam
esses estudantes a colar na escolar. Vinte e sete alunos responderam
que o motivo da cola seria a falta de interesse e os outros seis alunos
relataram que colar era um ato de pessoas preguiçosas.
Os dados da questão quatro possuem relação direta com o que
vem sendo discutido por autores como RIBEIRO (2004) e ABREU e
LIMA (2018) em relação ao discurso reproduzido na escola a
respeito do fracasso escolar, atribuindo os fracassos sempre à falta
de interesse dos alunos para com os objetos do conhecimento.
Isso nos faz questionar até que ponto as falas desses alunos são
deles e que relações de poder exercem influências sobre elas. Além
de nos fazer refletir em relação ao porquê desses alunos estarem
tão desinteressados, pois o aluno pode não ter interesse em
determinados objetos de conhecimento apresentados pelo
professor, mas a maioria dos questionados tem o interesse em ser
aprovado no sistema educacional.
Autores como SOUZA, CORREA e OLIVEIRA (2016) afirma
que é necessário olhar para as motivações sociais e subjetivas. Será
que esses alunos trabalham ou ajudam os pais ou até de que
realidade social essas crianças e adolescentes são oriundas. Essas
perguntas nos levam a refletir sobre qual o grau de importância que
esses estudantes atribuem para a escola.

Considerações finais

Percebemos através da análise de dados que muito ainda


precisa ser desmistificado a respeito do plágio na escola. Na escola
em questão, os estudantes reproduzem o discurso do futuro,
ancorado no que os seus professores dizem sobre como será o
futuro deles. A maioria dos alunos não percebe a cola escolar como
uma atitude criminosa, já outros, afirmam que o plágio está
relacionado ao medo e à insegurança perante as avaliações
educacionais, de modo que alguns acabam até se autoplagiando na
hora das avaliações. Quanto a dimensão ética, poucos dos que
responderam o questionário sabiam conceituar ética em termos

134
gerais ou um ato ético. Em relação à pesquisa na internet, a grande
maioria admitiu fazer cópias e entregar aos professores para
obtenção de notas.
Está claro que essa é uma discussão que está longe de ser
encerrada, devido aos aspectos históricos e sociais que a
atravessam, Sugerimos uma evolução dessa temática para
trabalhos futuros, até de outros pesquisadores, assim como a
possibilidade de realizar um levantamento de dados mais
aprofundados, seja por meio de entrevistas abertas, observação ou
trabalho de campo que possibilitem uma análise que vise buscar as
relações de poder e saber que atravessam esses discursos.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei nº 10.695, de 1º de julho de 2003. Institui o Código
Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 01 Jul 2003. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.695.
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135
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PESQUISA: 87% dos alunos chegam à universidade sem saber o
que é plágio. 2018. Disponível em: <//veja.abril.com.br/ educacao/
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RIBEIRO, R. O aluno colou? É hora de discutir avaliação. E regras.
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SANTOS, André Luiz. Reflexões sobre a cola. V. 1, p. 14, 2016.
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Disponível em: < http://www.editorarealize.com.br/revistas/
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16140045.pdf >. Acesso em: 13 jun. 2019.

136
APÊNDICE A - QUESTIONARIO DE PESQUISA

Trabalho de Pesquisa

1ª) O que é cola?


__________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
____________________

2ª) Como você faz pesquisa na internet?


( ) escolhe o conteúdo pelo tema sem ler por Completo e entrega ao
professor.
( ) ler parcialmente e entrega ao professor
( ) ler diversas fontes e constrói seu texto.
( ) ler o conteúdo que encontrar e entrega sem fazer alterações ao
professor .

3ª) Colar é falta de ética?


__________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
____________________

4ª) Que motivo leva o aluno a colar?


__________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
____________________

137

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