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LEMINSKI, Paulo. Catatau. 3. ed.

crítica e anotada. Curitiba:


Travessa dos Editores, 2004.
Carlos Augusto Novais
Universidade Federal de Minas Gerais

A prosa experimental do
Catatau, de Paulo
Leminski, teve sua
primeira edição, bancada pelo
próprio autor de forma indepen-
rodapé explicativas. Composto por
um volume de 15,5 x 22,8 cm, de
231 páginas, apresentava dedica-
tória, epígrafes, dois textos do autor
tecendo comentários sobre o livro
dente, em dezembro de 1975. e alguma fortuna crítica (excertos e
Impressa pela Grafipar, uma gráfica textos completos). Sua capa trazia
de Curitiba, foi organizada em um uma foto do filósofo René Descartes
volume de 13 x 20 cm, de 224 alterada e colorida por computador.
páginas, contendo dedicatória, Quase trinta anos depois de sua
epígrafes, excertos críticos e icono- primeira aparição, presenciamos,
grafia histórica. Sua capa trazia, no em fins de 2004, a publicação da
alto, em vermelho, ocupando toda terceira edição crítica e anotada do
a largura do livro, o título Catatau Catatau, levada a efeito por uma
em grandes letras; em preto e equipe de pesquisadores da área
branco, ocupando o restante do de Letras da Pontifícia Universidade
espaço, numa espécie de fotograma, Católica do Paraná, coordenada
uma montagem seqüencial de cenas pela Profa. Dra. Marta Morais da
de luta elaborada com desenhos Costa, a partir de uma sugestão do
primitivos do Egito antigo. Foram poeta Décio Pignatari, na condição
impressos 2000 exemplares. de consultor de literatura da Fundação
A segunda edição do livro foi Cultural de Curitiba.
publicada pela Editora Sulina, de Sabemos que o trabalho da
Porto Alegre, em 1989. Seu texto, Crítica Textual (ou Edótica) – disci-
revisto e alterado por Leminski, plina que tem como tarefa “recons-
trouxe ainda algumas notas de tituir o original perdido, ou um

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texto de qualquer maneira fidedigno, tivo o texto da segunda edição


com base na tradição manuscrita e comparando-o com o da primeira e
impressa, direta e indireta da obra”1 –, apontando as variantes. A novidade
voltou-se inicialmente para textos ficou por conta da indicação da
antigos (clássicos e medievais), a existência de um datiloscrito com
chamada tradição manuscrita, em anotações de Leminski. Entretanto,
que devido ao grande número de a expectativa de que ele pudesse
cópias efetuadas, sofreram alterações lançar luzes sobre o processo de
em seu percurso. Os textos da composição do autor e da obra,
tradição impressa, em razão da parcialmente se frustra, na medida
presença de variantes ocasionadas em que estava restrito a algumas
pelos próprios procedimentos poucas páginas, correspondendo a
utilizados (problemas tipográficos, aproximadamente 20 das 256 do
imperfeições da máquina, interven- texto publicado, ou seja, menos de
ções de editores, copistas, digita- 8% do conjunto.
dores, revisores, compositores, Apesar dessas considerações, a
corretores, etc), também mereceram edição crítica foi merecidamente
estudos para sua fixação. Ao lado recebida com aplauso pelos críticos
dessa etapa de preparo e estabele- e apreciadores da obra de Leminski,
cimento do texto, a metodologia da especialmente aqueles que se
Crítica Textual se ocupa ainda de interessam pela prosa de caráter
uma segunda, a da apresentação do experimental.
texto, instrumentalizando-o critica- Bem cuidada, a edição da Travessa
mente, com o objetivo de oferecer dos Editores, de Curitiba, é composta
variados e consistentes subsídios à por um volume de 15,3 x 19,8 cm,
sua leitura. de 432 páginas. Apresenta capa
No caso do Catatau, as circuns- dura fixa, com outra solta sobreposta,
tâncias que contemplam a primeira trazendo a foto do autor nu, pernas
etapa ficaram minimizadas, senão cruzadas cobrindo o sexo, em
abolidas, pelos motivos já expostos posição de lótus, com fundo infinito.
anteriormente, isto é, suas escassas A fotografia fora tirada por Dico
edições, duas apenas, foram acom- Kremer, companheiro de Leminski
panhadas pelo próprio autor. Assim, na agência de publicidade P.A.Z.,
a equipe de pesquisadores da PUC- de Curitiba, para a elaboração do
PR optou por adotar como defini- cartaz de lançamento da primeira

1
SPAGGIARI & PERUGI, 2004. p. 24.

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edição. Naquele momento, a crítica topônimos e da expressão “Invasão


de alguns escritores a esta estraté- Holandesa”.
gia de divulgação teve a seguinte Cabe aqui uma pequena obser-
resposta por parte de Leminski: “O vação a respeito da “hipótese-
que irrita [...] é que eu usei técnicas fantasia” que orienta a fábula do
de propaganda para lançar um livro Catatau, isto é, a possível vinda do
de literatura. Como se a literatura – filósofo francês René Descartes ao
numa sociedade de mercado e Brasil, junto à comitiva do conde
consumo – fosse algo de santo ou holandês Maurício de Nassau, em
pátrio”2. 1630. O poeta, tradutor e ensaísta
A edição apresenta as mesmas recifense Delmo Montenegro, em
dedicatórias, nota inicial, epígrafe e artigo publicado na coletânea-
os dois textos explicativos sobre o homenagem a Paulo Leminski inti-
romance, elaborados pelo autor, tulada A Linha que Nunca Termina
publicados na edição anterior. (2004), organizada por André Dick
Quanto à seção reservada à fortuna e Fabiano Calixto, registra “o descaso
crítica, são reproduzidas as diversas da crítica sobre o caldo de cana da
declarações de críticos, poetas e história brasileira diante do qual o
estudiosos, constantes daquela nosso querido samurai polaco-
mesma edição, porém, resumidos nagô teceu-nos o seu surpreen-
os artigos antes integralmente dente ‘canto paralelo’ de fluxopoemas
publicados. Acrescentam-se, entre- galáticos e ciropédias lexicais”. Em
tanto, indicações e trechos desta- seguida, pergunta: “Será que somos
cados de novos textos (livros, de fato todos eruditos absolutos
ensaios, artigos, entrevista). Como conhecedores plenos da história de
contribuição crítica o livro traz fundo e da planta de fumo que
ainda, sete novas seções: “Icono- cerca o Catatau? Será que podemos
grafia”, contendo 33 fotos do acervo de fato compreender uma paródia
particular da família, incluindo as sem lê-la em relação direta com
tiradas no lançamento da primeira suas fontes de origem?”3.
edição do Catatau; “Índice Feita a ressalva de que o Catatau
Onomástico”, de personalidades é uma obra de ficção literária, um
históricas, bíblicas e míticas, de romance, e que, portanto, por

2
VAZ, 2001. p. 176.
3
MONTENEGRO, 2004. p. 258.

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princípio, tem total liberdade para lado desses, Montenegro aponta,


o “jogo lúdico das paródias e ainda, algumas contradições históricas
trucagens literárias”4, Montenegro, referentes ao personagem
apoiado em alguns historiadores do Arciszewski, quanto a datas e
Brasil-colônia, aponta “erros gritantes” circunstâncias que o envolveram.
quanto ao fundo histórico que Terminada essa observação,
supostamente norteia a narrativa retomamos a apresentação e os
leminskiana. “Erros” que, segundo comentários a respeito das demais
ele, deveriam ser corrigidos pela seções do livro. Pela ordem, segue-
crítica ou explicados, se de fato se “Procedimentos Neológicos
constituíssem (o que não parece ser (Leminskianas)”: aqui a equipe de
o caso) uma provocação consciente pesquisadores optou, no item
do autor. Um deles seria a confusão correspondente à organização do
sobre os termos Vrijburg e glossário da obra, por apresentar
Mauritstadt, indicados em nota por uma breve explicação dos processos
Leminski como sendo designações neológicos utilizados pelo autor,
da cidade de Olinda. Na verdade, o com alguns exemplos de formação
primeiro “era o nome de uma das de palavras, e um registro do uso
três residências conhecidas do do léxico de outras línguas (tupi,
conde João Maurício de Nassau- latim, japonês, italiano, holandês,
Siegen”, e o segundo o nome de francês, grego, espanhol, inglês e
“uma outra cidade projetada pelos alemão); “Plano do Catatau”: repro-
holandeses para ser o centro dução, sem análise, de um plano
irradiador de sua gestão”, erguida sinótico da obra, tal qual encontrado
na “ilha de Antônio Vaz, atual ilha entre as anotações do datiloscrito
de Santo Antônio”5. Outro engano, da primeira edição (indicações
talvez por homonímia, teria ocorrido numeradas em seqüência com
entre as figuras de João Maurício de algumas lacunas e repetições numé-
Nassau-Siegen (1604-1679), conde, ricas); “Biografia de Paulo Leminski”:
Governador-Geral do Brasil holandês, sucinta, seguida de uma relação,
e Maurício de Nassau (1567-1625), não tão completa quanto desejável,
príncipe da dinastia de Orange. de suas obras (estão ausentes alguns
Historicamente, Descartes (1596- livros de ficção, poesia, tradução e
1650) teria servido ao segundo. Ao ensaios; colaborações em livros de

4
MONTENEGRO, 2004. p. 257.
5
MONTENEGRO, 2004. p. 260.

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outros autores; artigos, ensaios e Outra razão que nos parece impor-
resenhas em jornais e revistas; sua tante foi a oportunidade criada pelo
produção musical e roteiros de HQ, movimento editorial que vinha se
já listados em outros estudos) e processando: a publicação do
“Referências” bibliográficas e Finnegans Wake, de James Joyce,
eletrônicas das obras consultadas traduzido por Donaldo Schüler, de
para realização da edição crítica e 1999 a 2003 (cinco livros), pela
de outras referentes ao Catatau. Ateliê Editorial; a também tradução,
Infelizmente, o “Prefácio Crítico” por Maria Luiza X. de A. Borges, em
por Flora Süssekind, embora previsto 2002 (Jorge Zahar Editor), de Alice:
pela equipe de pesquisadores e Edição Comentada [“The Annotaded
anunciado no texto de apresen- Alice: The Definitive Edition”] com
tação do “Processo de Estabele- as introduções e notas de Martin
cimento da Edição Crítica”, não Gardner e ilustrações originais de
consta do corpo do livro. Seria, sem John Tenniel, contendo as Aventuras
dúvida uma grande contribuição de Alice no País das Maravilhas e
para a apreciação e o entendimento Através do Espelho, de Lewis Carrol;
da obra. e a publicação da segunda edição
Destacamos, a seguir, algumas revista do Galáxias, de Haroldo de
razões e circunstâncias que teriam Campos, pela Editora 34, orga-
favorecido e até mesmo justificada nizada por Trajano Vieira, em 2004.
a publicação desta edição do O parentesco do Catatau com
Catatau, de Paulo Leminski. A essas obras, nas quais a linguagem
primeira é imediata e óbvia: as é conduzida aos seus limites
edições anteriores há muito estavam extremos, é fartamente reconhecido.
esgotadas e, conseqüentemente, o A presente edição, ao repor em
livro era mais citado que lido. Uma circulação a radicalidade da prosa
outra deriva do fato de que o de Paulo Leminski, não só atua no
Catatau vinha sendo objeto de sentido de preencher uma grave
estudos, alguns de maior fôlego, e lacuna do nosso mercado editorial,
despertando expectativas na nova como também, segundo as palavras
geração de leitores, chegando, de Décio Pignatari, seu mentor, na
inclusive, a ter uma versão Apresentação do livro, no de “levar
eletrônica parcial (http:// e elevar o seu Catatau aos campos
inforum.insite.com.br/ Elíseos literários do que de mais
pauloleminski/), sem crivo edito- instigante e original se produziu no
rial, elaborada por um admirador. passado século brasileiro”.

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Referências Bibliográficas
MONTENEGRO, Delmo. Sukkar in hell: uma leitura do Catatau através do
Recife. In: DICK, André & CALIXTO, Fabiano (Org.). A linha que nunca
termina: pensando Paulo Leminski. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.
SPAGGIARI, Bárbara; PERUGI, Maurizio. Fundamentos da Crítica Textual. Rio
de Janeiro: Lucerna, 2004.
VAZ, Toninho. Paulo Leminski: o bandido que sabia latim. Rio de Janeiro:
Record, 2001.

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